Últimas histórias

  • A FORÇA DA NOVELA

    Alguém entre os meus poucos leitores seria capaz de explicar porque a música Casinha Branca do compositor norte-rio-grandense Gilson, nascido em Macau, ficou tão famosa, sendo gravada até por Maria Bethânia? 

    Os inocentes poderão responder que se trata de uma música simples e muito bonita, capaz de sensibilizar gregos e troianos. Nada disso. Há milhares de canções tão bonitas ou até melhores que Casinha Branca que são gravadas todos os dias e que nunca chegam ao conhecimento do grande público, imaginem de Maria Bethânia.

    A resposta está no livro Teletema, um calhamaço de mais de 500 páginas, escrito por Guilherme Bryan e Vincent Villari, que explora a trilha sonora das novelas de 1964 a 1989. Casinha branca entrou na trilha sonora na novela Marrom Glacê, em 1979, foi a 22ª mais tocada do ano e nunca mais parou de tocar. Sim, porque o caminho mais curto para o sucesso no Brasil é entrar na trilha sonora de uma novela. A canção mais tocada no ano de 1979 foi O bêbado e a equilibrista, que dispensa apresentações. 

    Muitos artistas brasileiros, de Guilherme Arantes a Djavan, de Gonzaguinha a Maria Gadu, não seriam os mesmos sem as novelas. 

    Em 1974, o compositor cearense Ednardo gravou o excelente disco O Romance do Pavão Mysteriozo, mas não teria alcançado a fama se a música que dava título ao disco não fosse escolhida para ser o tema da novela Saramandaia, escrita por Dias Gomes.  

    Guilherme Arantes era um desconhecido compositor que havia gravado um lp de rock progressivo com o grupo Moto Perpétuo, quando lançou seu primeiro trabalho solo e teve a canção Meu mundo e nada mais incluída na trilha sonora da novela Anjo Mau, em 1976. A canção, romântica, simples e de belas harmonias, caiu no gosto do público e foi a segunda mais executada do ano, perdendo apenas para Juventude Transviada, de Luiz Melodia, que fazia parte da trilha de Pecado Capital. Meu mundo e nada mais foi ajudada pela participação repetida no Globo de Ouro, um musical que a rede Globo exibia mensalmente e divulgava especialmente as músicas das trilhas sonoras das novelas e as gravações de sua gravadora, a Som Livre. 

    Minha mulher me chama para ouvir Ribanceira, de Chico Chico. Realmente uma bela composição mas duvido que ela tomasse conhecimento da canção do filho de Cássia Eller se não estivesse tocando na novela Pantanal. 

    A verdade é que as novelas fazem bem à nossa música pois além de lançarem novos artistas, praticamente ressuscitam grandes composições como é o caso de Amor de Índio, parceria de Beto Guedes com Ronaldo Bastos, gravada pelo primeiro em 1978, agora interpretada por Gabriel Sater, filho de Almir Sater. Convém lembrar que a carreira de Almir foi catapultada pela participação na primeira versão da novela. 

    Arleno Farias foi outro norte-rio-grandense que teve música incluída em trilha sonora de novela. Sua composição Bicho do mato fez parte da trilha da novela Esperança, da TV Globo mas Arleno não conseguiu a projeção de Gilson. Talvez a extrema semelhança de seu estilo, voz e forma de interpretar com o paraibano Zé Ramalho tenha até confundido a cabeça de quem ouviu e Arleno permanece como um ilustre desconhecido. 

  • SAUDADE DE RENATO BARROS

    À minha frente RENATO BARROS Um mito! Uma lenda! É um calhamaço de 644 páginas e não é um bom livro. Por exigência do próprio biografado, a publicação saiu sem ter uma edição e se torna repetitiva, cansativa e muito longa. É uma espécie de longa entrevista dada pelo músico a Lucinha Zanetti, com acréscimo de outras falas, recortes de jornais e revistas, levantamento de discografia e alguns depoimentos.

    Se às vezes depende de um esforço para continuar a leitura, serve, pelo menos, para se concluir que o biografado é um dos maiores, senão o maior dos personagens do rock nacional. Exagero? Não. Seria falso falar de Renato como um nome da Jovem Guarda, pois isto se trata apenas de um rótulo criado para denominar um programa surgido em 1965 para juntar Roberto Carlos e sua turma, leia-se Erasmo e Vanderléa, quando a música existia há alguns anos, o rock nacional, com Cely e Tony Campelo, Ronnie Cord e muitos outros. Renato inclusive não gostava de ser relacionado com a Jovem Guarda pois participou poucas vezes do programa e saiu por vontade própria.

    A banda Renato e Seus Blues Caps, da qual foi fundador e líder até seu falecimento em 28 de julho de 2020, foi entre tantas coisas a responsável pela chegada da música dos Beatles no Brasil pois quando o primeiro disco da banda inglesa chegou ao conhecimento dos brasileiros, Renato já estava nas paradas de sucesso com Menina linda, versão de I should have no a better. Conheci os Beatles através de Renato e a maioria dos de minha geração pode dizer o mesmo.

    Quando falo saudades de Renato é porque tive o prazer de conhece-lo e, pelo menos por duas vezes, desfrutar de sua companhia por longas horas em que conversamos e ele tocou com prazer. Nessas ocasiões, nada era do seu repertório, preferia bossa nova e blues. Em uma das vezes, tomamos um porre homérico durante uma jam session que ele nos proporcionou. Simples, bom papo, nessas ocasiões Renato só parava de tocar quando lhe tomávamos o instrumento.

    Mas porque Renato é um dos maiores músicos de rock da história de nosso país? Vamos aos fatos. A banda surgiu em 1959 e permanece em atividade mesmo depois da perda de seu líder. Teve dezenas de canções nas paradas de sucesso durante todos esses anos. Renato foi cantor, compositor, tocou múltiplos instrumentos, produtor musical e arranjador. Foi ele quem inventou uma batida denominada de cha cum dum, mistura do rock com o bolero que abrasileirou o toque dos Beatles, pois ninguém conseguia fazer igual a eles. O seu tocar está presente em muitos dos artistas da atualidade, como Lulu Santos, Kid Abelha, Nando Reis, Vanguart e até na produção de Rita Lee com Roberto de Carvalho. Tem mais. O som que se ouvia nos discos de Roberto Carlos durante a Jovem Guarda era do grupo Renato e seus Blue Caps, que também acompanhavam as gravações Erasmo Carlos (que fez parte da banda), Vanderléa e Jerry Adriani, entre outros.

    Renato morreu levando mágoas de nunca ter sido reconhecido pelo trabalho e pelo seu valor, pois quando se fala de Jovem Guarda, geralmente só se fala do trio Roberto, Erasmo e Vanderléa. Era um grande músico e compositor, às vezes com harmonias sofisticadas como a que se ouve em Nós dois e, apesar de ter produzido brega, tinha bom gosto, tanto que incluía
    Tom Jobim em seus shows, compositor que considerava do maior do mundo.

    Renato se foi e deixou um pedido: “Não gostaria de ser lembrado como roqueiro ou como um simples artista da Jovem Guarda… Foram portas que se abriram… foram importantes, porém não refletem a minha verdade. Gostaria de ser lembrado como “homem da música”, independente de gêneros musicais.

  • PRA VIRAR O ANO

    No dia 1º de abril de 2022, o Brasil perdeu Rui Maurity de Paula Afonso e, com certeza, as novas gerações nunca ou muito pouco ouviram falar no seu nome. Rui Maurity era excelente compositor, nascido em Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, irmão do também compositor Antônio Adolfo e fez muito sucesso na década de 1970. Sua mãe foi uma excelente violinista, uma das pioneiras do Rio de Janeiro. Uma fatalidade nos tirou a vida do artista. Durante a realização de uma endoscopia, ele sofreu uma parada cardiorrespiratória e não sobreviveu. Acontece.

    Rui Maurity, como todos os de sua geração, começou a carreira participando de festivais e lançou seu primeiro lp em 1972 com uma canção – Serafim e seus filhos – que fez sucesso imediato e continua a ser regravada. Como ninguém, Maurity sabia misturar o toque da viola caipira com pontos de umbanda e foi assim que em 1976 alcançou tremendo sucesso com a composição Nem ouro nem prata. Outros sucessos vieram como Menina do Mato, Bananeira Mangará (do médico e compositor norte-rio-grandense Janduhy Finizola) e A Xepa, feita para ser o tema da novela Dona Xepa, da TV Globo, em 1977. Ruy Maurity compôs outros temas para novelas e criou muitos jingles.

    Aqui começa outra história pois nenhuma de suas composições é conhecida como Marcas do que se foi, que todos cantam na passagem do ano novo.

    Eis a história. Decorria o ano de 1977, governava o país o general Ernesto Geisel e, depois do tremendo sucesso de Eu te amo meu Brasil, composição de Dom e Ravel, interpretada pelo grupo Os Incríveis, o governo resolveu contratar uma agência de publicidade, uma produtora de jingles, para compor uma música para ser veiculada nas festas de fim de ano e elevar o ânimo de nosso povo. Assim foi feito.

    Mesmo sendo tradicionalmente de esquerda, os artistas nunca deixaram de ganhar um “dinheirinho” do governo, mesmo na época da ditadura.

    Foi contratada a produtora Zurana e seus sócios se juntaram para a elaboração do jingle. Eram nada mais nada menos que Rui Maurity, seu mais constante parceiro José Jorge, Tavito, um dos autores de Casa no Campo, Paulo Sérgio Valle, Ribeiro e Márcio Moura. Elaboraram a composição e foi escolhido o grupo Os Incríveis para sua interpretação. Imediatamente a TV Globo passou a divulga-lo como tema das festividades de fim de ano e o sucesso foi imediato.

    Marcas do que se foi é uma das músicas mais conhecidas no Brasil e, de norte a sul, é entoada na virada do ano. Hoje tem uma série de regravações.

    Se o caro leitor for pesquisar a autoria em sites de música vai encontrar como sendo de Os Incríveis ou de Zurana, que se tratava da produtora de jingles, mas a história agora está contada como realmente aconteceu.

    Lamentável que já tenhamos perdido além de Rui Maurity, Tavito.

    E nós continuaremos cantando Marcas do que se foi porque é uma canção bonita e uma canção de esperança.

  • SAMBA & JAZZ

    A bossa nova já é uma sexagenária e Garota de Ipanema, uma das canções mais representativas do gênero, junto com Desafinado e Chega de Saudade, completará 60 anos no mês de agosto e retomou a liderança na lista das dez músicas brasileiras com mais gravações. 

    Polêmicas à parte, João Gilberto é considerado o inventor da bossa nova, criando uma maneira cool de cantar e tocar seu violão e incorporando elementos do jazz, provocando a maior revolução porque passou a nossa música dita popular.

    O estilo criado por João Gilberto recebeu pesadas críticas, especialmente do estudioso e pesquisador José Ramos Tinhorão, que o acusava de haver americanizado nosso samba. O certo é que essa americanização abriu as portas do mundo para a música brasileira e hoje, é possível, que se toque mais bossa nova no Japão que no Brasil pois o que se toca em nosso país sequer pode ser classificado como música.  A delicadeza e o minimalismo da bossa nova conquistarem os orientais e temos que agradecer ao baiano de Juazeiro por sua descoberta. João Gilberto, na verdade, apenas descobriu os elementos do jazz contidos no samba pois afinal samba e jazz têm a mesma origem e incorporou dissonantes onde antes não havia.

    Um documentário intitulado SAMBA & JAZZ, de 2014, explora o que existe de semelhança nos dois gêneros até no carnaval, partindo do pressuposto de que ambos foram criados por negros que tiveram raízes na África e os sentimentos que geraram as duas festas e os dois gêneros são os mesmos.

    Jeffferson Mello, diretor do longa metragem foi a Nova Orleans para filmar o carnaval e entrevistar músicos e personagens que abriram o coração e as prateleiras da memória para que se pudesse entender duas realidades que têm muito em comum.

    Participam do filme nomes famosos no Brasil como Alcione e Arlindo Cruz e a parte brasileira se concentra especialmente na escola de samba Império Serrano, com suas glórias e suas tristezas.

    Em alguns momentos, mesmo assim, a trilha sonora até poderia ser trocada com o samba sendo ouvido em trechos gravados nos Estados Unidos e o jazz com o que foi gravado no Brasil mas o diretor não ousou cometer esta ousadia.

    Escreveu Vinicius de Moraes quando ainda não era um famoso compositor que o negro africano pode no Brasil conservar a força e a autenticidade de seus ritmos, já nos Estados Unidos, sofreu o impacto do protestantismo e tiveram que adaptar seu ritmo aos hinos religiosos , resultando nos spirituals e souls de onde se originou o blues.

    SAMBA & JAZZ recebeu diversos prêmios da crítica e em festivais de cinema, inclusive nos Estados Unidos e é exibido regularmente no CANAL BRASIL, que foi um dos produtores do documentário e também pode ser visto no YOUTUBE.

    Jefferson Mello, o diretor do filme, é fotógrafo por profissão e já havia publicado um livro sobre o tema, com o título OS CAMINHOS DO JAZZ.

    SAMBA & JAZZ, não é propriamente uma diversão mas uma aula sobre música e deve ser assistido por aqueles que ainda acham que música é cultura.

  • MUITO TRISTE

    A Oneloll, uma empresa de pesquisa e marketing com escritórios em Londres e Bristol, realizou um grande número de entrevistas e concluiu, com base na opinião dos entrevistados, que Everybody Hurts, do grupo R. E. M., é a canção mais triste de todos os tempos.

    Realmente, com melodia bastante triste e uma letra que fala em dores e sofrimentos porque passamos, a canção pode despertar sentimentos sombrios e, segundo alguns entrevistados, ela os fez chorar.

    O objetivo da pesquisa era entender mais sobre o poder da música sobre as pessoas e sabermos inclusive que a música pode ajudar no tratamento de ansiedade e depressão.

    Pesquisas e listas não apontam verdades absolutas e no campo da música depende muito do tipo de público entrevistado, especialmente quando à idade.

    E se fosse feita uma pesquisa semelhante no Brasil, que canções sairiam vencedoras?

    Existe uma tradição da transformação de dramas pessoais em composições que muitas vezes se tornam grandes sucessos, sendo talvez o melhor exemplo CORAÇÃO DE LUTO, do gaúcho Teixeirinha, que relatou a morte de sua mãe em um incêndio no casebre onde morava. Eu era criança quando a gravação passou a ser veiculada nas emissoras de rádio e confesso haver chorado ao ouvi-la. Outra canção muito famosa, que relata outra tragédia, também no estilo sertanejo é O MENINO DA PORTEIRA, da dupla caipira Teddy Vieira e Luisinho, com inúmeras gravações, sendo talvez a mais famosa a de Sérgio Reis. Luiz Gonzaga é o responsável por talvez a mais triste das canções da música nordestina, ao colocar uma melodia extremamente triste no longo poema de Patativa do Assaré A TRISTE PARTIDA. Relatando o sofrimento de uma família nordestina que migra em virtude da seca para “viver como escrava nas terras do sul”, ela também me fez chorar juntamente como minha saudosa mãe, cujos pais haviam feito o que Patativa do Assaré relatava com sentimento.

    Roberto Carlos, nosso cantor mais famoso, tem sua vida marcada por tragédias e especialmente em duas composições, muito tristes, desabafa e chora.  O DIVÃ faz menção ao acidente que sofreu quando criança e que resultou na perda de sua perna direita. AS FLORES DO JARDIM DE NOSSA CASA, outra canção também muito triste, foi composta quando seu filho Segundinho, recentemente falecido, nasceu com séria deficiência visual. TRAUMAS é outra composição de Roberto Carlos que também transmite muita tristeza.

    No lp manifesto da Tropicália Caetano Veloso regravou uma composição de Vicente Celestino, CORAÇÃO MATERNO, talvez a mais terrível e até surrealista de nossas canções.

    Na minha opinião, no entanto, e isto é uma coisa muito pessoal, a canção mais triste que conheço se chama MUITO TRISTE, do saudoso Zé Rodrix, gravada em seu lp de 1974, QUEM SABE, SABE QUEM NÃO SABE NÃO PRECISA SABER.

    MUITO TRISTE é um blues gravado com o acompanhamento de um órgão sorumbático que potencializa a melodia triste da canção e eu não aconselho a audição para quem se encontra “pra baixo”.

    A música do R. E. M. apesar de tratar de sofrimentos porque passamos sugere que não devemos desistir. A canção de Zé Rodrix, no entanto, não traz este tipo de mensagem, apenas reforça a tristeza predominante nas pessoas que neste tempo de pandemia e guerra se torna mais atual.

    É uma canção bonita mas eu tenho evitado escutá-la.

  • O ÉBRIO LOUCO E A MÚSICA BREGA

    O dia 5 de abril é marcado na história de nossa música pela perda de dois grandes nomes que nunca tiveram o reconhecimento devido, tendo sido parceiros na arte e na vida, Antônio Marcos e Vanusa.

    Vivendo juntos se 1969 a 1975, os dois artistas tiveram duas filhas, Amanda e Aretha e a separação ocorreu em virtude de uma doença de Antônio Marcos, o alcoolismo. Em seu livro NINGUÉM É MULHER IMPUNEMENTE, a cantora relata que o parceiro acordava por volta das 10 da manhã, abria um litro de uísque e tomava pelo gargalo.

    No dia 5 de abril de 1992, há exatos 30 anos, Antônio Marcos faleceu e exatos 38 anos depois, a mulher que o amou intensamente veio a falecer depois de uma doença terrível que a minou aos poucos e destruiu tudo o que ela havia construído em mais de 50 anos de carreira.

    Tanto Antônio Marcos quanto Vanusa foram ignorados pela maior parte da crítica musical e rotulados de bregas, quando esta palavra não representa muita coisa pois a breguice é uma coisa muito relativa. Prefiro ordenar as canções entre as de bom gosto e de mau gosto, embora esta classificação também possa ser contestada.

    Antônio Marcos obteve seus maiores sucessos com músicas românticas rotuladas de bregas como Menina de trança, O homem de Nazareth e Porque chora a tarde, mas deixou composições do nível de Como vai você, grande sucesso na voz de Roberto Carlos e enveredou por uma poesia mais elaborada como em Registro Geral, Dom Quixote, Sombras num quarto de Londres, mas a crítica fez ouvido de mercador. Foi parceiro de Fagner em Coração Americano, gravou Fracassos e Todo sujo de batom, mas não recebeu uma palavra de reconhecimento no seu flerte com o que chamamos de música popular brasileira.

    É possível que a frustração com a falta de reconhecimento como um grande artista tenha influído em seu comportamento e em sua doença, embora consta que tenha começado a beber aos 12 anos de idade.

    Antônio Marcos entrou na vida artística como ator, fez parte do grupo musical OS IGUAIS, mas logo iniciou sua carreira solo explodindo com a canção Tenho um amor melhor que o seu, de autoria de Roberto Carlos.

    Além de Vanusa e da atriz Débora Duarte, com quem teve a filha Paloma, teve um relacionamento com Ana Paula Braga, enteada de Robert Carlos.

    No dia 5 de abril de 1992, dirigindo embriagado, bateu sua caminhonete em um poste, teve violento traumatismo torácico e não resistiu.

    Morto, Antônio Marcos passou a desfrutar de um prestígio que não teve em vida. O descobridor de raridades Marcelo Fróes relançou a maioria de suas gravações em duas caixas e o crítico musical Mauro Ferreira reconheceu o talento do cantor e compositor. Suas composições têm sido regravadas repetidamente. Daniela Mercury gravou Como vai você e Paulo Ricardo gravou E não vou mais deixar você tão só. Foi, no entanto, com Nando Reis que Antônio Marcos praticamente virou cult quando da gravação de Você pediu e eu já vou daqui, em 2004, no disco ao vivo Nando Reis e os Infernais, feito para a MTV. A canção é hoje cantada com entusiasmo e paixão por jovens que nem haviam nascido quando seu autor faleceu.

    Mas, afinal, o que é música brega? Quando Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto ou Rita Ribeiro gravam Fernando Mendes, Renato Barros ou Márcio Greyck a canção deixa de ser brega? Certo é que nesta situação ela recebe um arranjo mais sofisticado e elitizado, mas o tema permanece.  E ainda. Há canções de artistas de elite que são tipicamente bregas, como Veja bem meu bem, de Marcelo Camelo, gravada por Ney Matogrosso e Ainda bem, composição de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, gravada pela cantora.

  • A MÚSICA DO CARNAVAL

    O carnaval não nasceu no Brasil. Sua origem remonta aos bacanais da antiga Roma e a festas da Mesopotâmia mas, trazido pelos portugueses, em nenhum lugar do mundo a folia momesca se tronou uma festa tão popular, alegre e espontânea.

    Se o Brasil não criou o carnaval, entre outras coisas próprias da folia, criou uma música própria para a festa, que sobreviveu por mais de um século até desaparecer ou ser confundida pela indústria, pala massificação, por interesses comerciais.

    O primeiro estilo de música composta para os bailes de carnaval foi a marchinha e se considera que a primeira delas foi “Ô abre alas”, composta por Chiquinha Gonzaga em 1899 e, a partir daí, foram muitas marchinhas, muito samba e depois o frevo e outros ritmos menos votados.

    Milhares de marchinhas foram compostas e muitas delas ainda hoje são tocadas e cantadas, até mesmo porque se parou de compor. Instituíram-se concursos de música carnavalesca e algumas que chegaram a ganhar nem podem ser reconhecidas hoje em dia como música para carnaval. Basta lembrar a antológica “Trem das onze”, de Adoniran Barbosa, que venceu o concurso de músicas no quarto centenário do Rio de Janeiro em 1965.

    O carnaval sempre foi mais forte no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, adquirindo características próprias em cada uma dessas capitais.

    Sempre houve um carnaval de rua, onde, inicialmente, os negros e a classe mais pobre se divertiam com mela-mela e outras brincadeiras e um carnaval de clubes, para uma elite e a música de carnaval foi feita para os dois lados da festa.

    No Rio de Janeiro começaram a proliferar os ranchos, que deram origem às escolas de samba e aí surgiu o samba-enredo.

    Em Recife, o carnaval de rua, inicialmente animado pelas bandas militares, fez nascer o frevo com seu ritmo contagiante e a multiplicidade dos passos.

    A Bahia, com a maior mistura de raças do país e, logicamente, com a mistura de costumes e ritmos, fez nascer um carnaval multifacetado com manifestações que terminaram sendo exportadas para outros estados da federação gerando os carnavais fora de época. Foram estes carnavais fora de época que diminuíram a força do verdadeiro carnaval. As pessoas passaram a se recolher em casas de praia e de campo nos dias da folia.

    Foi quando a música própria do carnaval desapareceu. Se antes, os grandes artistas de sucesso como, por exemplo, Orlando Silva, gravavam para o carnaval, fazendo até nascer uma música chamada de música do meio de ano, aos poucos, as gravadoras deixarem de investir nas músicas de carnaval e elas foram substituídas por qualquer coisa que tenha um ritmo para dançar, que se entenda por isso, música de péssima qualidade.

    Embora ainda existam bandinhas, orquestras de frevo, bailes e desfiles, até mesmo o samba-enredo que chegou a ter seus dias de glória, sumiu do mapa. Ainda tem uma outra discussão, é que muitos desses sucessos nem poderiam ser cantados por causa de um tal politicamente correto.

    Vieram os tempos do Covid e o mundo mudou. Praticamente não tivemos em 2121 e não teremos carnaval em 2022. E uma música que já nem existia, cada vez será menos lembrada. Entretanto, onde houver uma bandinha animando foliões, se ouvirão Ô abre alas, Frevo das Vassourinhas, Mamãe eu quero, Máscara negra e Allah-la-ô, entre tantas outras.

    Mas o que será do carnaval depois da Covid? Só Deus sabe.

  • O OPERÁRIO DA MÚSICA

    Há poucas pessoas neste país, especialmente os que têm  mais de trinta anos, que não tenham ouvido falar, nem tenham ouvido a voz de Luiz Caldas. Este baiano de 59 anos de idade completados em 19 de janeiro, depois de percorrer quilômetros cantando e tocando em cima dos trios elétricos Tapajós ou Acordes Verdes, foi ouvindo e misturando os sons do rock, do reggae, do frevo, da lambada e de outros ritmos e criou um ritmo que foi precursor da axé music, então um termo tido como pejorativo, batizando-o de deboche e invadiu o Brasil.

                    Em 1986, seu primeiro disco, intitulado Flor Cigana, ainda no tempo do vinil,  foi um dos mais tocados no rádio, um dos mais vendidos e Luiz Caldas virou arroz de festa, presente em todos os programas de televisão, do popular Cassino do Chacrinha ao elitizado Chico & Caetano. Era impossível ignorá-lo. Era uma música simples e divertida, com apelo sexual e letras às vezes de duplo sentido, que conquistava  especialmente os mais jovens. Todo o Brasil cantou e dançou Haja amor, Fricote, Tieta, Lá vem o guarda, O que é que essa nega tem.

                    De 1986 a 1989, o baiano lançou um disco por ano até ser consumido pela indústria fonográfica que lhe cobrava músicas de sucesso, sua produção e qualidade foram caindo até seu desaparecimento e a substituição por outros que não tinham a metade do seu talento.

                    Luiz Caldas sumiu da mídia, se recolheu em Salvador, entrou em crise de criação e repensou sua vida e seu trabalho, concluindo que tudo o que sabia fazer era música. Com a mudança nos padrões do mercado fonográfico, voltou a compor, jogou sua produção nas redes sociais e nas plataformas de streaming e passou a fazer um disco mensalmente, nos ritmos mais variados. Multi-instrumentista, tem disco instrumental, disco com chorinhos e canções, disco para as festas juninas, chegando a ser indicado ao Grammy Latino de 2021 com o álbum Sambadeiras, onde mergulhou fundo no samba de roda do Recôncavo Baiano.

                    Em 2020, a bela canção Eu tenho fé, uma mensagem de esperança, composta em parceria com Nagib para o álbum Um novo tempo, lançado no auge da pandemia de Covid, viralizou na Internet e mostrou que Luiz Caldas continuava vivo.

                    Lançando um disco por mês desde 2013, Luiz Caldas acaba de atingir a impressionante marca de 118 álbuns neste mês de janeiro, com o lançamento de FROM DAWN TO DUSK, disco de rock cantado em inglês, disponibilizado em seu site e inserido nas plataformas musicais e parece querer ir muito mais longe. Enquanto isso, a tal da axé music parece ser coisa do passado como outros modismos produzidos a toque de caixa para ser música de consumo fácil.

    Luiz Caldas continua vivo sim e quem quiser ouvi-lo é só acessar as plataformas de streaming e conferir.

  • CHICO & CAETANO

    Nos últimos dias empreendi uma viagem pela música produzida no final do século passado. Uma agradável viagem. Através do canal de assinatura Globo Play, revi os oito programas apresentados pela Rede Globo de Televisão no ao de 1996 com Chico Buarque e Caetano Veloso.

    Depois de muitos anos sem aparecer na Globo, Chico Buarque foi convidado para apresentar um programa junto com Caetano, com total liberdade para escolher os seus convidados e sem um script pré-estabelecido, gerando uma coisa autêntica e espontânea mostrando da canção de Elizeth Cardoso à música baiana de Luiz Caldas, do virtuosismo de Baden Powell ao rock da Legião Urbana.

    A Globo já foi uma excelente opção de entretenimento e era dona de uma programação que servia de exemplo para outros países, mostrando o melhor de nossa música, inclusive com programas de música erudita. O tempo foi passando e, na disputa da audiência com os outros canais que não tinham o seu “padrão de qualidade”, o nível foi caindo, caindo, até chegar à situação atual, quando a parte musical é representada pelos velhos programas de calouros, com uma vestimenta mais sofisticada, inspirado no padrão americano.

    CHICO & CAETANO, o programa, representou um marco em nossa televisão ao apresentar, por exemplo, em um mesmo programa dois dos maiores compositores do mundo, o argentino Astor Piazzola e nosso Tom Jobim. Aberto a todos os gêneros, desde que fosse música de qualidade, abriu oportunidade para Cazuza, Paralamas do Sucesso e Paulo Ricardo, para mostrar que não estava preso no passado.

    Foi uma festa. Infelizmente durou pouco mas ainda deu tempo a documentar o que era comum acontecer com o artista, Tim Maia faltou no dia da apresentação e foram mostradas apenas imagens do ensaio que ele realizou.

    Hoje, todo mundo sabe, para um artista aparecer em um programa da Globo, como o agora comandado por Luciano Huck, paga uma verdadeira fortuna e os artistas novos não tem espaço nem são lembrados.

    Muita coisa mudou no mercado da música e a atual realidade só favorece à massificação e à difusão de uma música de consumo, imediatista e de má qualidade. CHICO & CAETANO não se limitaram a divulgar apenas a nossa música, mas trouxeram, além de Astor Piazzolla, Mercedes Soza, Pablo Milanes, Silvio Rodrigues, expoentes da canção da língua latina. Bons tempos aqueles que agora se pode, felizmente, rever através de streaming. Que beleza rever Volver a los dezessiete com a interpretação de Mercedes Soza, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gal Costa!

    Agora, nós, especialmente os mais velhos e admiradores da boa música, parece que estamos fadados a viver de recordações. Na verdade existe gente nova compondo e gravando música de qualidade mas eles não tem acesso à mídia e seu trabalho fica restrito a guetos, a regiões. Os serviços de streaming, através de aparelhos celulares, armazenam novidades e até abrem espaço para divulgação de lançamentos, mas não é a mesma coisa.

    Vou voltar para a Globo Play e rever os programas. Como diz a composição de Roberto Carlos, velhos, tempos, belos dias.

  • GILBERTO GIL É IMORTAL

    Quem vos escreve é uma pessoa que adora música, poesia, livros. Quem vos escreve é uma pessoa despida de qualquer tipo de preconceito. Quem vos escreve é uma pessoa que não está inserida em qualquer dos dois lados do radicalismo político que tomou conta de nosso país, contaminando até a opção de receber uma vacina contra uma doença que vem dizimando nossa população. Quem vos escreve é alguém que tem cinco livros publicados e continua produzindo. Quem vos escreve é um compositor que tem algumas canções gravadas e que recebeu um atestado de qualidade ao ter algumas delas incluídas na programação da FM Universitária de Natal, a 88.9. Quem vos escreve é alguém que se tornou fã de Gilberto Gil quando o ouviu pela primeira vez, nos idos de 1967. A canção era a antológica Procissão.

    Gilberto Gil é, sem sombra de dúvida, um de nossos maiores compositores, conhecido mundialmente por seu trabalho prolífico, múltiplo, de qualidade. É um homem de mil sons e mil palavras e agora é um imortal, ocupando a cadeira de número 20 da Academia Brasileira de Letras, que tem como patrono Joaquim Manoel de Macedo, o autor do romance A Moreninha.

    A eleição do ilustre compositor baiano tem gerado bastante polêmica, como tudo hoje no Brasil, com opiniões radicais e contaminadas pelo viés político e nos remete à discussão se letra de música pode ser considerada poesia. Afirmo que sim pois temos excelentes letristas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Salgado Maranhão, que concorreu com Gil e foi derrotado e muitas das letras desses artistas poderiam figurar em livros sem causarem constrangimento. Salgado Maranhão, poeta e letrista, separa as duas coisas e tem alguns livros publicados com seus poemas. A questão maior se prende à disputa com Ricardo Daunt, cujo perfil de escritor e intelectual, crítico literário, ensaísta, fica muito além da obra de Gilberto Gil pois além de suas letras de canções se desconhece outro trabalho que possa ser classificado de literário. Justifica-se a candidatura de Gil e sua eleição pelo relevante valor cultural de sua obra, o que não deixa de ser verdade.

    Fiz uma releitura do livro Gilberto Gil – todas as letras, organizado pelo também compositor Carlos Rennó, e encontrei verdadeiras preciosidades ao lado de outras que isoladamente poderiam parecer bobagens só merecendo serem lembradas por estarem acompanhadas de uma melodia, servindo para a dança e a diversão.

    Gilberto Gil mereceria com certeza uma cadeira na Academia Brasileira de Letras de Música, mas esta academia não existe.

    A admissão na Academia Brasileira de Letras, como em outras academias, ocorre através de uma eleição e de resultados de eleições já estamos cheios, apesar do sistema democrático ser inquestionável. Mas temos todo tipo de eleição, inclusive aquelas através das redes sociais, que não querem dizer nada. A eleição da atriz Fernanda Montenegro para a mesma academia vem sendo questionada e a explicação é a mesma dada para a do compositor baiano, um trabalho de relevante valor cultural. Fernanda Montenegro sequer teve com quem disputar, talvez porque pretensos candidatos já sabiam que se trata de um jogo de cartas marcadas.

    Independente da questão, vou continuar admirando Gilberto Gil e ouvindo suas canções, considerando-o um imortal compositor e letrista.

    Vou encerrar citando um trecho do livro do poeta Augusto de Campos BALANÇO DA BOSSA. “Quando termino a elaboração deste livro, sai o LP de Gilberto Gil (Phillips R 765.021 L). Na capa pop-brasil de Rogério Duarte + Antônio Dias + David D, Zingg, o compositor baiano desafia, sonsorrindo, de camisolão e machado-de-assis”. Gil debochava da academia da qual agora faz parte.