Últimas histórias

  • Thor-mento

    Como filho de Otin-hoso, rei dos deuses sórdidos, Thor-mento Pazzu é louco para herdar um lugar ao sol no trono de seu odioso, digo, idoso pai. Porém, no dia em que poderia ser sua coroação, Thor-mento, que é o personagem principal da Saúde, reage com brutalidade quando os inimigos dos deuses (imprensa chata do cacete que só faz perguntas chatas) indagam sobre a tão aguardada vacina contra a Covid-19. Sem compaixão pelas quase 200 mil vítimas fatais do vírus, Thor-mento dispara contra seus irmãos: para que essa ansiedade e essa angústia?

    Bom dizer que seus irmãos Lokos, do exército, com super poderes nessa gestão, enfrentam com desdém nossa maior ameaça dos últimos 100 anos.

    Título Original: Thor
    Ano Lançamento: 2020 (Mundial)
    Direção: Co Vid-19
    Elenco: Passivo Pazzuelo

  • PAPANGU NA REDE

    Olhar para uma folha em branco na tela do computador passou a ser novidade para mim neste 2020. Há tempos não sentava exclusivamente para escrever. Franzir a testa, fazer careta sem saber por onde começar, aconteceu agora. Posso dizer que estou um “cara fora de forma” na escrita. Diferente do meu grande companheiro diário, o Photoshop, que seus pincéis já me tomam as cores e o tema da charge que trago na cabeça antes mesmo de esboçar qualquer reação com a mesa digitalizadora. Não abrirei mão das charges, é certo, mas também cultivarei este espaço da Papangu na Rede além das formas.

    A escrita me acompanhou na era Papangu em vários anos a partir de 2004. A diferença é que hoje não há nada que escrevamos para não passar no crivo de ‘especialistas’, que abundam e se multiplicam mais e mais, a cada dia, nas redes. Às vezes, agindo feito insetos, com disposição e tempo, muito tempo para esmiuçarem e disseminar uma praga. Seguindo suas próprias razões, motivos escusos, que distorcem a realidade quase sempre. Primeiro, se apoiam em organizações, e após o aval da mensagem de ódio, compartilham entre outras mil, és tu Brasil um grande grupo de Whats. Entendo que muito se dá pelo mau-caratismo mesmo, pois não acredito na simplória burrice destes.

    Perdemos bons quadros para a canalhice, para o banditismo social. É bastante claro que a interpretação mostra de que lado se está. Quanto ao estrago, às vezes, faz desmoronar o quê e quem estiver pela frente, nomes, famílias, reputações, histórias.
    Mas, isso é apenas um olhar superficial, não tenho como mostrar aqui a grande ferida dessa engrenagem, que geralmente causa medo.

    Se quiserem mergulhar fundo no tema, leiam “A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”, da jornalista Patrícia Campos Mello. Ela escreve que na versão moderna do autoritarismo — em que governantes não rasgam a Constituição nem dão golpes de Estado clássicos, mas corroem as instituições por dentro —, não é necessário censurar a internet. Nas “democracias iliberais”, segundo o vernáculo do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, basta inundar as redes sociais e os grupos de WhatsApp com a versão dos fatos que se quer emplacar, para que ela se torne verdade — e abafe as outras narrativas, inclusive, e sobretudo, as reais.

    Chagamos então ao fundo do poço? Pode ser. Ainda assim, mesmo não estando nada fácil empreender tempo em páginas com tantos haters à espreita, com tanto ódio gratuito, seja na arte da escrita ou da charge, contem comigo, um Papangu na Rede que nunca se dedicou ao silêncio.

  • We are the champions

    “I’ve paid my dues time after time, I’ve done my sentence but committed no crime, and bad mistakes, I’ve made a few…”. Mal começa a canção que o professor de meu filho colocou no grupo de WhatsApp da sala deles e eu caio num choro sentido. É verdade, Lucenildo, nós somos os campeões. Vocês, professores, mais que muitos. Se reinventaram e não deixaram a peteca cair, conseguindo manter a atenção e o aprendizado da garotada. Os meninos e meninas, então… Ai, nem sei o que falar. O nó sobe à garganta e as lágrimas não me deixam escrever.

    Que ano difícil, Senhor! Quantos e imensos desafios. Manter o corpo são e a mente o menos enlouquecida possível não tem sido tarefa fácil para ninguém. A gente disfarça.
    Olho ao redor e vejo os preparativos para celebrar Natal e Ano-Novo e mais uma vez me emociono. Eu sei, sou chorona mesmo. Até comerciais de margarina me fazem derreter, que dirá as pessoas nas ruas, com fome, tentando alguma forma de sobreviver com um mínimo de dignidade.

    Nas redes sociais, depoimentos de quem sobreviveu e de quem perdeu entes queridos para o Sars-Cov-2. Também perdi alguns. E soube ontem, ao receber o resultado de um exame de sorologia que todos fizeram no trabalho, que tive Covid-19. Enquanto murmuro preces de agradecimento por não ter sofrido com essa terrível doença, peço perdão aos céus por aqueles que posso ter contaminado sem querer. Eu não tive sintomas. Perdão!

    Quem vê corre e minha cara de quem finge ser brava nem imagina que, como Saramago, tenho um coração de carne que sangra todos os dias. E torce e chora pelos outros. E dá gargalhadas. Porque se existem duas coisas que eu não quero perder nunca é a capacidade de rir — de mim mesma e de tudo — e a esperança.

    We are the champions, my friends, já cantou meio desafinado o professor. Tá certo ele. Vamos em frente. Respira fundo e renova a vida dia a dia, momento a momento. O sol há de brilhar mais uma vez e eu sempre espero luminosas manhãs.

    Ana Cadengue
    Jornalista

  • FICÇÃO FICTÍCIA

    Dez anos. Passados justos dez anos, como um viciado que de repente sofre uma recaída e se dobra ao antigo vício, ele decide voltar. Ao menos é o que parece. De cenho trancado, nu da cintura para cima, abre o caduco notebook (espécie de uísque doze anos com três copas do mundo na carcaça) e escreve cerca de cem palavras num fôlego só. Logo, porém, empaca. Falta-lhe possivelmente o que narrar, dizer, inventar. Considera que seria bom compor um artigo, quiçá uma crônica ou conto, e submeter para uma possível publicação no prestigioso blogue do Carlos Santos ou na revista do Túlio Ratto, ambos espaços de arte, cultura e opinião de largo alcance. Segundo estima, significaria um primeiro passo para sair do ostracismo e remover a ferrugem da criatividade.

    — Vamos lá! — murmura sem sucesso.

    Afinal, terá ele perdido o traquejo, o tirocínio? Onde estará o outrora fecundo e arrojado escriba, aplaudido em Vila Negra e alhures? Meneia a cabeça, reposiciona a bunda suada na cadeira giratória, ergue e desce os calcanhares. Embalde. A página fluorescente e quase toda em branco do computador o desafia, intimida. Respira fundo, os dedos imóveis sobre o teclado. Não se dispõe a escrever sobre os assuntos da hora ou da moda. Para o diabo a pandemia, o racismo, a política nazifascista do clã Bolsopata, o adeus ao gênio Maradona. Não chove no molhado, não segue a manada, os ritos e ditames sociais. Julga-se pateticamente superior à maioria do gado bípede brasileiro.

    — Vamos lá, cérebro de uma figa!

    Vaidoso, egoísta, instável, tem dificuldade em admitir que está ultrapassado enquanto literato, fora do páreo, esquecido e até evitado por muitos que em tempos outros o cercavam com lisonjas e massagens de ego. Muita coisa mudou ao longo desta última década. Ele, entretanto, estagnou. Melhor dizendo, regrediu. Com cinquenta carnavais, solteiro, sem filhos, paranoico, falhado na vida e na arte da escrita, sabe-se um homem com menos futuro que passado. Há dez anos não experimenta contato físico com uma mulher.

    Tendo recorrido a quatro psiquiatras, vive à custa de auxílio-doença, engolindo um punhado de psicofármacos pela manhã e outro à noite. O Dr. João Batista, com quem se trata há cinco anos, emite os laudos que lhe vêm assegurando, perícia após perícia, o escasso dinheiro que o benefício previdenciário oferece. Recluso, sem vida social e com o antes numeroso rol de amigos diminuído em cerca de noventa por cento, debate-se com os pesadelos e fantasmas de um passado do qual não consegue escapar. Nunca mais, por essas e por outras, conseguiu retomar sua produção em prosa. De tempos em tempos, por recomendação médica e força do hábito, liga o computador e comete um poema em versos livres. Muito raramente fatura um soneto. Perdeu a tesão na literatura ao perder Fernanda daquele modo irremediável e peremptório.

    — Vamos lá, filho da mãe! — insiste.

    Consulta o relógio digital no canto inferior direito da tela: treze horas e vinte minutos. O domingo ferve, o pequeno ventilador sobre uma banqueta de plástico ao lado da cadeira é insuficiente para aplacar o mormaço. O colar de suor rebrilha em seu pescoço e se rompe e se reconstitui de instante em instante, escorrendo entre a penugem grisalha do peito. Sente-se vazio, estéril, falto de inspiração com que retome o texto. Os dedos, como soldados à espera de ordens, ainda imóveis. Ombros tensos, rosto afogueado, ele solta uma interjeição de derrota e abandona a velha escrivaninha. Vai ao balcão de metal onde está a cafeteira e toma as providências para a segunda jarra de café do dia, forte e amargo. A primeira fizera por volta das seis da manhã.

    Enquanto a rubiácea é filtrada, resolve tomar um banho. Debaixo do chuveiro, ao começar a distribuir a espuma do sabonete pelas partes íntimas, súbito se vê com o membro intumescido. Pensa em Fernanda durante alguns segundos, fecha os olhos, pressiona o músculo invertebrado e pulsante, deixa-o deslizar entre os dedos, mas não consegue dar seguimento ao vício solitário. O modo como a sua relação com a ex-colega de trabalho findou o impede de obter êxito até neste seu vuduísmo libidinoso. A história deles não precisava ter acabado como acabou. Passaram-se dez anos, o remorso o persegue, entretanto Fernanda concorreu para que as coisas findassem daquela maneira. É o que ele pensa. Àquela época, totalmente alucinado por ela, implorou, rastejou, fez o que podia e o que não podia para dissuadi-la, mas a moça não lhe deu ouvidos, decidida a se casar com o astuto e abastado vereador Jarbas Correia.

    Com pouco mais de um metro e oitenta e menos de noventa quilos, exibe um físico bem-conformado para seu meio século de idade. O cabelo, tirante a ruivo, é um misto de cobre e prata, farto e não raro despenteado, sem qualquer vestígio de calvície. A pouca barba está quase sempre por fazer, adornada por um bigodinho que não se comunica com o restante dos pelos. Seus olhos, grandes e piongos, de um castanho-claro cambiante, parecem maiores por trás das lentes de grau incrustadas na armação de acetato.

    O jornalista e escritor Leodécio Mota (eis o nome do protagonista) sacode a cabeça sob o jato d’água, livra-se da espuma e do pensamento em Fernanda Gomes, que, dez anos atrás, desempenhava a função de assessora de imprensa no gabinete do vereador Jarbas Correia, então no primeiro mandato. Leodécio veste a mesma e surrada bermuda jeans. Não se enxuga. Não considera necessário. Não num começo de tarde quente como este. Daí a pouco a água toda há se secar ao sabor da brisa morna que começa a correr.

    A cafeteira emite os últimos suspiros e vapores. O delicioso aroma ocupa a casa inteira, cuja modesta área construída é mais que suficiente para uma única vivalma. Entre outras fraquezas e manias, nutre a da cafeína, sem moderação. A residência, situada no distante Loteamento Asa Branca (o lote dele tem seiscentos metros quadrados), é constituída de uma saleta que se aparta da cozinha, igualmente reduzida, apenas por uma bancada de alvenaria com pedra negra de mármore. Possui tão só um quarto, banheiro social, um pequeno alpendre na frente e outro na área de serviço. Como já foi dito, o terreno é amplo, em especial na parte dos fundos, onde se encontra, afastado do muro, um frondoso abacateiro, plantado por Leodécio um dia após seu desatino.

    Era um sábado, mês de maio, por volta das onze da noite, quando ele foi apanhá-la na calçada do prédio onde ela, filha única, dividia um minúsculo apartamento com a senhora Regina, a mãe, professora aposentada e viúva havia sete anos. Diante do espelho, passando batom, ela mentiu sobre o passeio: “Vou sair com a Mônica e a Paulinha, mamãe. Estão vindo me buscar. Vou descer. Não espere por mim. Chegarei tarde.” Naquele subúrbio e horário, com a rua deserta, Fernanda entrou no carro dele e rumaram para a casa de Leodécio. Nessa oportunidade, como ela o advertira por telefone um dia antes, transariam pela última vez. Seria, pensou ela, a sua despedida de solteira. Findo o sexo, contudo, partilhando com ele um cigarrinho de maconha:
    — Concordei em vir aqui, mas isso não podia ter se repetido. Sempre fico péssima quando cedo a esses impulsos da carne.

    — Ora, que bobagem! Você não tem que se casar com aquele indivíduo. Parece uma condenada a caminho da forca. Não deve nada a ele. Ainda há tempo de corrigir esse erro. Conversaremos com ele, juntos. Eu devia ter aberto o jogo ontem à tarde mesmo, quando, por acaso, avistei o sujeito no Café Sarajevo. Estava só, sentado a uma mesa no corredor do Edifício Colombo, de costas para mim. Fingi não tê-lo visto e passei de fininho. Pois é, vocês não têm nada a ver. O gorducho avarento só pensa em ganhar dinheiro, iludir o rebanho de eleitores e se locupletar de verbas públicas, mancomunado com o senhor prefeito Álvaro Peçanha. Qualquer dia essa bomba vai estourar. Escreva o que estou lhe dizendo. Portanto, você não pode se casar com um tipo como aquele. Não bastasse, Fernanda, o cara é dezoito anos mais velho que você.

    — Já você é apenas cinco anos mais novo que ele. Nunca me atraí por rapazotes. Mas isso não interessa. Meu caso com você termina hoje. Vou me casar na quarta-feira. Não posso dar para trás agora. Você me entende?! Está tudo pronto, convites distribuídos, igreja, padrinhos, amigos, todo mundo ciente e à espera desse momento. Esta, repito, é a nossa última noite juntos. Daqui por diante, como todos imaginam, seremos apenas bons amigos.

    — Não posso permitir que cometa essa loucura.

    — Que loucura?! Estou noiva há um ano e meio. Vou me casar com outro homem, e você precisa aceitar isso. Eu já era noiva do Jarbas bem antes de nos conhecermos. Você sempre soube, nunca lhe dei a entender que pretendia terminar com ele. Minha relação com você ao longo desses oito meses, que vou guardar com carinho pelo resto da minha vida, foi intensa, arrebatadora, sim. Não nego que você mexeu bastante comigo, mas se trata de um sentimento que não vai além de uma atração à qual não pude resistir

    Leodécio Mota e Fernanda Gomes eram auxiliares do gabinete de Jarbas Correia, na Câmara Municipal. Ela estava no cargo há mais tempo. Ele fora admitido alguns meses depois dela, ocasião em que se conheceram. As afinidades entre os dois logo vieram à tona (sobretudo o gosto por literatura, música, cinema, histórias em quadrinhos e cannabis sativa) e a amizade foi ficando cada vez mais estreita e comprometedora. Não tardou dois meses para que a paixão pela colega de ofício se tornasse irreprimível e desmedida.

    Carismática, divertida, inteligente, a moreninha de corpo escultural, olhos miúdos e cabelos negros e longos o fisgara. Decorridos seis meses, levando em conta uma proposta financeira melhor, ele trocou o cargo no gabinete para trabalhar como editor de política na extinta Gazeta de Negócios. Nessa época os jornais impressos de Vila Negra, embora já um tanto ameaçados pelo advento da Internet, ainda coexistiam com os portais eletrônicos, sites e blogues. Então, considerando a vantagem financeira oferecida pela Gazeta, Leodécio deixou o emprego de meio expediente na Câmara de Vereadores.

    Hoje, amargamente, ao vasculhar os próprios miolos em busca de um assunto para escrever, recorda fragmentos do diálogo que travou com Fernanda naquela noite, ambos seminus sobre a cama:

    — Pelo amor de Deus! Você não pode levar esse contrassenso adiante. Pense bem, por favor! Nós somos unha e carne, casa e botão, almas gêmeas! Você não ama aquele cara. Tenho certeza que não.

    — Amo, sim. Perdoe-me a franqueza, mas amo. Apesar de ter ficado com você até agora, eu amo o Jarbas. O que existiu com relação a você é diferente, é paixão. E paixão, Leodécio, é algo imprevisível e perigoso. Com o Jarbas, porém, eu me sinto segura, com os pés no chão.

    Vendo-se derrotado, resignando-se perante a convicção da moça, estalou a língua e a fitou com melancolia e ternura:

    — Bem, meu amor, já que se trata de uma despedida, e não tendo mais como mudar seu pensamento, ao menos vou buscar o vinho que comprei para tomarmos hoje. Tinto e suave, como você gosta.

    Daí a pouco, com a cintura enrolada por um lençol, Leodécio voltou ao quarto trazendo duas taças de vinho. À meia-luz, janela aberta para o vento agradável da madrugada, fizeram um brinde sem entusiasmo, e cada qual foi bebericando sua porção. Menos de quinze minutos depois, a taça vazia sobre o criado-mudo, com voz pastosa, ela se queixou:

    — Meu Deus, estou bêbada de sono…

    Foram suas últimas palavras. Afundou a cabeça no travesseiro e apagou. As trinta miligramas de Dormonid (dois comprimidos bem triturados e diluídos no vinho) a nocautearam. Tudo havia sido friamente premeditado. Cerca de oito horas antes, utilizando-se de uma picareta e uma pá, abrira na terra fofa, no fundo do quintal, a cova com mais de um metro de profundidade. Deteve-se um instante olhando-a só de calcinha, seios à mostra, e pôs em prática o plano que gestara em sua mente doentia. Envolveu-a num lençol, tomou-a nos braços e a enterrou viva, junto com o aparelho celular dela, cujo chip foi retirado, partido e jogado na privada. Pela manhã, ao terminar de comer metade de um abacate, ele pegou o caroço e o plantou sobre o local da cova.

    Agora, com vagar, saboreia uma caneca de café no umbral da porta da cozinha, pensando outra vez no que escrever.

    — Vamos lá, cérebro preguiçoso!

    Poderia contar, por exemplo, ainda que mudando o cenário, adulterando os fatos e dando nomes diversos aos personagens, o amor de perdição do escritor Leodécio Mota e o triste fim da jornalista Fernanda Gomes. Por que não?! A literatura está cheia de ficção fictícia. Mas esta é uma história sobre a qual ele não pretende escrever. Todos os dias, talvez por fetiche ou em memória de Fernanda, ele cultiva o hábito de urinar no tronco do abacateiro. Não duvidemos de que encontre nisso uma forma de ainda possuí-la.

    Retorna à escrivaninha com a caneca de café:

    — Vamos lá, cabeça de papel!

    *Marcos Ferreira — Mossoró/RN
    escritormarcosferreira@gmail.com

  • Aldir Blanc: O show tem que continuar

    Um apelo desesperado de uma filha em busca de uma UTI para seu pai mobilizou as redes sociais no início de abril. Mais que socorrer o escritor e compositor Aldir Blanc, a hastag #AldirBlancSOS mostrou que a cultura e a classe artística brasileira também inspiravam cuidados urgentes.

    Mesmo conseguindo um leito na Unidade de Tratamento Intensivo do Hospital Universitário Pedro Ernesto, na Vila Isabel, o médico, percussionista e amante da música e das letras não resistiu e faleceu no dia 4 de maio de 2020 aos 73 anos de idade.

    O corpo, que não ficou lá estendido no chão, lembrou mais uma vez que já passava da hora do socorro aos trabalhadores da cultura. E, antes que cada um fosse pro seu lado, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) apresentou o projeto de lei (PL 1075/20) que destinou R$ 3 bilhões para ações emergenciais de ajuda ao setor cultural durante a pandemia da Covid-19. Chamado de Lei de Emergência Cultural, o texto foi aprovado pela Câmara Federal em 26 de maio.

    O projeto de lei, com descrição de fontes de financiamento e prevendo a descentralização dos recursos a estados e municípios para fortalecer o Sistema Nacional de Cultura, foi aperfeiçoado com propostas de outros deputados que tramitaram apensados, sendo aprovado na forma do substitutivo. A relatora do projeto, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), sugeriu ainda que a lei fosse chamada de “Aldir Blanc”, homenagem ao artista vitimado pelo novo coronavírus.
    Entre outros pontos, a proposta garantiu um auxílio emergencial de R$ 600 mensais aos trabalhadores do setor, subsídios a espaços artísticos e culturais, criação de linhas de crédito, e prorrogação de prazos para aplicação de recursos de projetos já aprovados pelo Executivo. Os recursos também estão sendo aplicados em instrumentos de incentivo à cultura, como editais, chamadas públicas e prêmios. O Governo do RN é responsável por aplicar o valor de R$ 32 milhões em recursos federais reservado ao Rio Grande do Norte através da Lei Aldir Blanc. Já os municípios potiguares receberam, juntos, mais de 22 milhões de reais.

    Mas, enquanto o artista ficava sem público, com todos os eventos cancelados, os aguardados recursos ditos emergenciais não foram considerados urgentes pelo governo federal, que não se apressou nem um pouco em regulamentar a lei e fazer o necessário aporte financeiro para sua execução numa total incompatibilidade de gênios com os anseios populares. Para tocar a vida e pagar os boletos, muita gente se reinventou e a internet foi inundada de “lives”, entrevistas, cantos, danças e tudo e qualquer coisa que cumprisse a função da arte e aliviasse dias tão terríveis como os que tivemos este ano.

    Sabe-se que a Lei, da forma que está regulamentada e pelo que exige de burocracia, não é perfeita. Sabe-se também que, infelizmente, não contemplará todos os trabalhadores da cultura. Mas, para quem se definia como “rigorosamente ateu, cético, cínico e escroto, nessa ordem”, é justo ele, Aldir Blanc, o nome que alimenta a esperança equilibrista deste país e mostra que o show tem, sim, que continuar.

  • A Papangu está voltando? A revista vai sair de novo? Uau, a revista Papangu!

    Agradecemos o carinho de tantos papanguzinhos espalhados por aí, mas precisamos ser sinceros e dizer que, sim, nós estamos voltando. E não, a revista não circulará novamente. Pelo menos não da forma com a qual estávamos acostumados lá pelos idos de 2004, quando tudo começou, ou 2012, na sua última edição impressa.

    Papangu na Rede surgiu, claro, de uma vontade em retomar a divulgação de nomes e fomentar a cena cultural de Mossoró e do Rio Grande do Norte. E teve na Lei Aldir Blanc o grande incentivo que estava faltando para que a gente reunisse velhos e novos colaboradores e colocasse o bloco na rua.

    Para isso foi fundamental o empenho da Secretaria de Cultura de Mossoró, por intermédio de Isaura Rosado e Joriana Pontes, que não mediram esforços para o lançamento de editais e sua rápida divulgação de resultados, bem como da liberação dos prêmios. Nossa gratidão.

    Com o patrocínio da Lei Aldir Blanc, a partir de agora temos um encontro marcado aqui neste endereço. A ideia é ser um portal cultural, com atualizações diárias, dando vez e voz a todas as vertentes do setor, e, uma vez por mês, editarmos uma versão flip – para quem sente saudades da Papangu tradicional.

    Então, é isso. A velha Papangu com uma nova roupa colorida. Ou um novo ciclo.
    A Papangu na Rede está no ar. Vem com a gente!