Últimas histórias

  • Dahora

    José Vitorino, é verdade, foi pronunciado pelo pároco da Matriz de Nossa Senhora dos Homens e, tal qual a água benta que lhe molhou a moleira, sumiu lá pelos sertões de Baixa Verde. Na adolescência, quando tornou-se lambaio de caminhão de um tio, além de minguados trocados, ganhou o apelido Dahora.

    O tio, final dos anos 1940, vendeu o caminhão e resolveu instalar uma oficina na capital, num prédio que adquiriu no bairro Tirol. O sobrinho embarcou na migração. Duas décadas depois Dahora, de forma natural, herdou a titularidade da profissão, mas segue, até os dias correntes, inquilino da prima Juliana.

    Mecânico à moda antiga, Dahora e sua oficina parecem estranhos em meio às modernidades. Hábitos e instalações que passariam despercebidos não fossem as excentricidades desse camarense. O município de nascimento de Dahora teve o nome mudado: Baixa Verde passou a chamar-se João Câmara. Pitar o cigarrinho de palha na calçada seria igualmente ignorado se Dahora, nesses intervalos, largasse os cacoetes de insinuantes olhares e gracejos às mulheres que passam.

    Dahora pronuncia tais pilhérias em tom baixo, esboçando ar de desentendido, mas deixando escapar um riso sonso. Assim segue e, muitas vezes, as transeuntes nem percebem ou dão de ombros, por já conhecerem aquela figura.

    Outro detalhe digno de registro: apesar dos muitos anos decorridos, Dahora conserva quase a mesma destreza no manuseio das ferramentas. Chaves combinadas, de boca com fresada, de torque para ajustes de parafusos dos motores… todas manejadas pelas velhas mãos, sem luvas. Sim, para ele vigora ainda a pasta de sabão e areia utilizada na remoção da graxa.

    E o franzino corpo do ágil mecânico continua deslizando em seu carrinho de rolamentos, onde, deitado, consegue observar detalhes por baixo dos veículos. Enfim, Dahora seria objeto de estudo, ou um case, no que diz respeito à longevidade e resistência física.

    Nesse cenário todo, outro dia ocorreu o seguinte: uma jovem professora de nome Maria de Fátima, sustentando livros pelo antebraço direito em encontro ao corpo, passou e sentiu-se incomodada devido à piada de Dahora:

    — Que moça danada de bonita é essa?!

    A professora nem olhou para o galanteador, mas seguiu martelando resposta à altura, caso aquela situação tornasse a ocorrer. Não deu outra. Igual cenário e personagens se repetiram dias depois:

    — Que moça danada de bonita é essa?!

    — Meu pai também é — respondeu incisivamente.

    — Vige, então é a família toda — replicou o astucioso mecânico.

    Maria de Fátima, ao chegar ao colégio, comentou com as colegas de trabalho que fora tomada por um misto de espanto e vontade de rir que resultou no apressar de passos e confessou que iria alterar seu percurso diário, embora aumentado-o em dois quarteirões, para não passar na calçada de Dahora:

      — Oh, velho enxerido! — comentou em meio a risos.

  • Húmus de Minhoca

    Capim-limão, malva, tansagem: plantas medicinais cultivadas por seu Augusto na estreita varanda do apartamento. Esmero total no manuseio, desde regá-las diariamente, não esquecendo banho de sol e revolver a terra dos pequenos vasos para aplicação de húmus, quando necessário.

    Húmus de Minhoca, anunciava o letreiro em discreta placa, observada por seu Augusto, em suas caminhadas matinais, no frontispício de uma estreita, porém colorida, residência. Porta e janela compunham a fachada daquela morada.

    Na primeira vez, não percebendo existir campainha, nem aldrava, bateu palmas e, não sendo atendido na espera razoável, usou cabeças das falanges proximais, atritando-as em toques na madeira da porta. Funcionou:

    — Bom dia! O senhor é carteiro ou deseja comprar húmus? — perguntou-lhe a senhora com cabelos desalinhados, porém exibindo alegria no sorriso.

    — Não sou carteiro. Desejo comprar húmus de minhoca. A produção é própria ou a senhora apenas revende?

    — Imagine! A produção é própria. Quer conhecer meu pequeno quintal? — falou escancarando a porta e apontando em direção a um estreito corredor, contíguo à saleta vestibular.

    — Não, não. Gostaria apenas de saber se há embalagens de um quilo.

    — Um, cinco ou dez quilos. Vivo só, mas a produção é intensa. — disse voltando a sorrir.

    Augusto saiu com pacote de um quilo de húmus de minhoca, rumando ao seu apartamento, feliz com a compra e por haver sido possível adquiri-lo aproveitando suas caminhadas.

    Regressou àquela casa-comércio, para realizar a mesma compra em intervalos aproximados de um mês. A demora da proprietária em atender era recorrente.

    Lá pela terceira vez, Clotilde terminou por explicar o porquê da morosidade.

    — Augusto, não diga a ninguém, mas tenho problema de audição, e, estando trabalhando lá no quintal, às vezes não escuto as batidas na porta. Vamos fazer o seguinte: da próxima vez se eu demorar atender, pode abrir a porta e me chamar, que escutarei e virei rápido. A porta fica sempre só encostada — segredou conferindo em rápidas miradas laterais se alguém estava por perto.

    — Dona Clotilde, seria incômodo abrir sua porta.

    — Clô, já lhe pedi que me tratasse assim. E nada de incômodo, abra a porta e pode chamar.

    Semanas seguintes, Augusto precisando de húmus, percorreu o caminho que já lhe era familiar. Seguiu os procedimentos acordado: bateu palmas, tocou com os dedos, esperou uns minutos, e abriu a porta para chamar Clotilde (Ele não conseguia pronunciar Clô).

    Deparou-se com uma inusitada cena na saleta: Clotilde estava deitada no piso com as pernas levantadas e, em meio às pernas, um indivíduo, com nádegas expostas, fazia movimentos pélvicos. Augusto, lívido, fechou a porta lentamente.

    Ainda na calçada suspirou e, com a cabeça confusa, percebeu uma motocicleta estacionada, associando-a ao vermelho capacete que vira instantes antes ao lado do casal; deduzindo que o visitante seria motoboy.

    — “Motoboy”?! Não. Isso é preconceito, o rapaz pode exercer outra profissão e utilizar a moto como veículo ou mesmo a possuir por hobby, ora bolas — reconsiderou Augusto.

    No caminhar de regresso, digladiavam em seus pensamentos a fortuita cena e a emergente preocupação em localizar um outro estabelecimento que vendesse o orgânico húmus, tão precioso às companheiras de varanda.  Também ruminou sobre o que iria fazer assim que chegasse em seu lar, doce lar: uma automassagem, utilizando, abundantemente, o aromático óleo de capim-limão, cujo manuseio do fabrico era por ele engendrado, sorvendo em seguida chá de malva ou tansagem — o que fosse mais eficaz no processo de relaxamento de que estava necessitando.  

  • Medo de dedo

    — Você terminou o segundo grau, não foi? Passou no vestibular?

    — Tio, terminei o ensino médio, fiz o Enem (não se chama mais vestibular) e estou na expectativa se, com a nota que tirei, conseguirei entrar, via Sisu, no curso que pretendo.

    — Garoto, você tem uma capacidade de enrolar uma conversa, que Ave Maria Cheia de Graça… Quero saber se você fez vestibular, se passou, ou não, e qual o curso que pretende. Somente.

    — E o senhor com a mesma capacidade de sempre ser grosseiro, sem paciência de me ouvir e…

    — E o quê? Seu mal-agradecido. Estou fazendo as merdas dessas perguntas porque tenho uma proposta de trabalho para você, mas já me arrependi de ter começado a falar.

    — Agradeço sua preocupação, quero saber da proposta de trabalho, mas não grite comigo, por favor.

    — Não estou gritando, porra. É meu jeito de falar, já disse mil vezes. E não faça essa cara de choro, porque sempre achei essa carinha coisa infantil.

    Natália entra na sala, carregando uma singela bandeja com dois copos com água e duas xícaras de café. Servindo-os, dirigiu-se aos dois, tentando serenar os ânimos:

    — Nivaldo, meu estimado irmão, Nélio, querido filho, quando verei vocês conversando feito dois adultos, sem agressões?

    — Mãe, seu irmão sempre me agride… Não suporto mais isso.

    — Tentar botar você pra trabalhar é agressão? Ah, meu Deus!

    — Parem, por favor. Onde é a proposta de trabalho, Nivaldo?

    — Na lanchonete. Um balconista pediu demissão.

    — Vou ser tratado como gente? Ou o senhor vai me gritar e me chamar de bicha na frente de todos?

    — Quer ou não quer, seu mimado de uma figa?

    Dessa vez foi Natália que desatou num choro e, soluçando, desabafou:

    — Nélio, se você não quiser, não tem problema. Eu irei trabalhar na lanchonete de seu tio. Nossa situação é extremamente difícil, desde que… E um de nós dois temos que trabalhar e ajudar nas despesas da casa.

    — A senhora faz café, almoço e jantar e limpa a casa desse brutamonte. Será que ele arranjaria uma empregada desse preço?

    — Repare bem, menino atrevido, desde que o drogado do seu pai se mandou, vocês vieram para cá e não lhes falta nada.

    — Parem, pelo amor de Deus! — disse Natália aos prantos, erguendo as mãos postas.

    Houve um longo silêncio. Nélio, acariciando o cabelo de sua mãe, dirigiu-se ao tio em voz quase inaudível.

    — Quando posso começar? Qual será meu horário?

    — Deve ir comigo, pois abrimos às 6:00 e a mulher que trabalha na cozinha chega às 7:00. Enquanto ela chega, adianto alguma coisa na cozinha e você terá que varrer o salão, limpar mesas e cadeiras e deixar o balcão brilhando. Os fregueses notam tudo. O ambiente deve estar sempre limpo.

    — Certo. Amanhã, 5:30, estarei acordado e pronto. Agora vou pro meu quarto assistir a um filme. Boa noite, mãe, boa noite, tio.

    — Meu irmão Nivaldo, você sabe quanto sou grata por sua acolhida. Nem sei onde estaríamos se não fosse seu teto.

    — Ora, Natália, fiz e faço com gosto. Mas seu filho é insuportável: chato, mimado…

    — Por favor, sei muito bem o que você pensa dele… No entanto há um fato que preciso lhe contar. E o farei porque amanhã, literalmente, isso poderá interferir na rotina desse emprego que ele irá começar.

    — Preguiça dele para acordar cedo? Reclamar pela jornada? Ou seria pelos calos que a vassoura e o rodo farão nas finas mãos?

    — Não, não, não… Escute-me, mano, e prometa que vai entender.

    — Sim, o que há de tão grave?

    — Quando Nélio tinha 10 anos de idade, certa vez sonhou abrindo uma caixa de leite com chocolate, que ele tanto gostava, e quando ia servir seu copo, em meio ao líquido, saiu um dedo humano. Ele acordou gritando. O pai disse que era frescura e mandou ele ir dormir. Esse sonho transformou-se em trauma. Superando um dilema matrimonial, viabilizei que ele, Nélio, frequentasse por um bom período sessões com um psicólogo especialista em crianças e adolescentes. Mas, ainda assim, após cerca de dez anos o trauma segue: suco, leite ou qualquer outra bebida cuja embalagem seja caixas, ele é incapaz de se servir. E certamente ocorrerá na rotina de balconista de sua lanchonete. Por isso, suplico que você o entenda nesse pormenor.

    Ouvindo a irmã com cara de espanto e a boca meio aberta, Nivaldo a interrompeu de forma surpreendente:

    — Já tinha percebido que você o servia e, claro, deduzi que seria manha excessiva de mãe. Porém, farei tudo para que ele não precise abrir uma caixa e, com isso, relembrar o sonho-trauma. A lanchonete é pequena e estou atento aos pedidos dos fregueses e prometo intervir na hora que se faça necessário. Sou velho e rabugento, mas tenho sonhos e traumas que me espantam até hoje. Compreendo o medo de dedo de Nélio. Também povoam minha alma outros medos de outros dedos.

    Um beijo na testa da irmã selou aquele inusitado pacto laboral e Nivaldo dirigiu-se ao seu quarto, pensativo e ciente de que deveria descansar o corpanzil para iniciar a jornada na madrugada seguinte.

    *David de Medeiros Leite – Professor da UERN e Doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha)

  • Aurora

    — Sua aspirina, seu Augusto.

    — Muito obrigado, Aurora.

    — Veja, seu Augusto, Victor acaba de receber uma caixa de chocolates, presente da namorada. Que coisa romântica! Nunca recebi nem flores dos meus namorados, imagine chocolates.

    — Realmente, Aurora, a namorada de…

    — Victor, seu Augusto. Aquele outro balconista.

    — Em verdade, nesse tempo todo como cliente desta farmácia, só gravei o seu nome, Aurora.

    Ao tempo em que Augusto se dirigia ao caixa para fazer o pagamento da aspirina, ouviu Aurora aconselhar Victor, com dedo em riste:

    — Victor, preste atenção: essa sua namorada é muito especial. Serei vigia dela; você está proibido de tirar cabimento com as clientes que passam por aqui, jogando charminhos… Estou de olho, ouviu? — disse, levando o dedo indicador a esticar-lhe a pele abaixo de seu olho direito.

    Augusto, sessentão, viúvo, inventava, quase que diariamente, pretexto para ir àquela farmácia e ser atendido pela musa Aurora. Sem nunca ter havido a oportunidade de revelar à balzaquiana aquela veneração. Naquele momento, vislumbrou, no gesto da namorada de Victor, uma ousadia que poderia ser, também, por ele cometida: enviar-lhe flores.

    — Flores ou chocolates? — murmurou por quase toda a noite.

    Outra dúvida que lhe martelou o juízo: mandaria anonimamente ou assinaria um cartão que, certamente, acompanharia o regalo?

    Enfim, na manhã seguinte, rumou em busca de uma floricultura, carregando consigo uma caixa de finos chocolates. Isso mesmo, decidiu pelos dois.

    Agiu de forma meticulosa, escolhendo as flores, o horário de entrega e outros detalhes. Cacoetes incorporados, naturalmente, à rotina de quem trabalhou por mais de três décadas como bancário da Caixa Econômica. Em verdade, a situação era diversamente oposta ao método das partidas dobradas: naquela hora o raciocínio não poderia ficar sob delimitada equação conceitual que lhe era familiar: “cada débito corresponde um crédito de igual valor…”. Situação que rumava em outra dimensão: galanteio, conquista, temas aos quais Augusto havia se distanciado ao longo dos quase quarenta anos de matrimônio.

    A viuvez estava levando-o a uma espécie de nova adolescência, ele bem desconfiara. E entendia que hábitos, comunicação e linguajar estavam mudados. Tudo mudara:

    — Como irei criar “perfil” para navegar nas redes sociais, se o que aprendi no manuseio do aparelho celular foi somente ligar para minha filha e perguntar por Augusto Neto?

    Após o anônimo envio, Augusto, propositadamente, deu um intervalo de um dia para ir à farmácia, a fim de conferir a reação de Aurora.

    — Seu Augusto, estava doida para comentar algo com o senhor. Lembra que Victor recebeu os chocolates da namorada? Pois bem, comentei com o safado do meu paquera; e ele, descaradamente, comprou flores e chocolates e mandou para mim, sem assinar o cartão. Pensando ele que eu não iria deduzir tal esperteza. Cabra besta, não é não? Mas, ele não imaginava que eu faria uma cena de ciúmes: mostrei a ele as flores e os chocolates, dizendo que fora presente de algum cliente e fã.

    Depois do comentário, Aurora deu uma gargalhada; e Augusto apenas perguntou se ela dividira algum dos bombons com o “paquera”.

    — Ora, ele voou em cima, dizendo que “tinha direito à metade”, já que era meu namorado. Namorado? Ele não se enxerga. Paquera e ponto. E foi o único que eu arranjei depois que me separei do safado do meu ex. Mas, está bom, pelo menos ele ouviu a história e tentou imitar  ação da namorada do Victor.

    Augusto fez ar de riso e balançou a cabeça concordando com Aurora. Pagou o medicamento e desejou-lhe boa tarde, no mesmíssimo tom cordial.

    Rumou à cafeteria para completar a rotina da caminhada, que incluía um café expresso.

    — Hoje, além do café, gostaria de um conhaque. Macieira, por favor.

    De soslaio, Augusto percebeu um certo ar espanto da moça que o atendera. Não se fez de rogado:

    — Outro café e mais um conhaque, por gentileza.

    *David de Medeiros Leite – Professor da UERN e Doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha).

  • Tatuagem

    — Entre, por favor.

    — Mas, eu queria só informações…

    — Quais?

    — De preço e…

    — E se dói?

    — Como você sabe que iria perguntar isso?

    — Todos fazem essas perguntas…

    A porta, que mantinha-se entreaberta, escancarou-se com a cumplicidade dos movimentos: ambos seguram os trincos, externo e interno, respectivamente.

    Acomodada no pequeno sofá, Lidiane disse que pretendia tatuar uma bailarina em seu braço. Matheus insistiu em conhecer detalhes da escolha.

    — Você já foi ou é bailarina?

    — Não… a escolha é por conta da música de Chico Buarque.

    — Música? Quê música? — intrigou-se Matheus.

    A harmonia foi quebrada pela indignação da cliente em constatar que o tatuador não conhecia a música que dizia tanto sobre a profissão do rapaz e, em contrapartida, ouviu desaforos:

    — Imagine se alguém chega querendo tatuar um bêbado na mesa de um bar por conta de um brega que roda aí nos bares?

    A temperatura aumentou e Matheus, receoso de perder a cliente, ergueu a bandeira branca, dizendo que aquela discussão inicial era comum, porém a escolha definitiva cabia a ela, claro.

    Lidiane estava impactada pela rasa cultura do rapaz, que tentou reverter o quadro justificando que não ligava em música, pois se dedicava à leitura.

    — Leio Cervantes, Tolstói, Flaubert, Thomas Mann, Machado… Ainda este mês reli Madame Bovary e Dom Casmurro

    Enquanto ele falava sobre autores e livros, a jovem pensou em ir embora e procurar outro tatuador que, pelo menos, conhecesse Chico Buarque.

    Matheus propôs:

    — E uma nota musical?

    Um sorriso desfez o franzido do cenho demonstrando que a reconquista tinha sido atingida. Os modelos que apareciam na tela do computador como propostas faziam as discussões se alongarem em torno de cores e tamanhos dos modelos das notas.

    Não houve solução naquela tarde que já era engolida pelo lusco-fusco. Mais dois ou três encontros foram necessários para que uma estilizada escala de ré maior fosse perpetuada naquela pele de “ébano polido”, como diria Drummond.

    Em compensação, Matheus teve o privilégio de sentar-se na primeira fila do teatro onde Lidiane apresentou seu recital de violino, vestida em um elegante tailleur sem mangas.

    Os movimentos dos braços e a aparição de sua obra lhe interessaram muito mais que a sonoridade das cordas do violino.

    — Bravo!!! — aplaudiu de pé.

    Coube ao professor da laureada entregar-lhe um ramalhete de flores, seguindo-se um respeitoso beijo no rosto. A reação da aluna motivou aplausos, ao agarrar pela nunca o maestro, beijando-o na boca.

    Matheus era o único que não entendia a cena, pois aos colegas aquele namoro era familiar. Retirou-se um tanto desvanecido e cabisbaixo, pois tinha sonhado com Lidiane o convidando para tomar um chope, no pós-espetáculo.

    *David de Medeiros Leite – Professor da UERN e doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha).