Hoje vi uma face de Deus
Depois de muitos afazeres da manhã, resolvi parar para tomar café em um restaurante, porque já estava muito atrasada e ainda tinha muitos problemas para dar conta. Cheguei apressada, fiz meu prato e, quando sentei para comer, apareceu-me uma moça, bem jovem e grávida, olhando-me e pedindo dinheiro. Eu não tinha dinheiro, mas ofereci comida – o pessoal do restaurante também já estava providenciando – e resolvi conversar com ela.
– Oi, como é seu nome?
– Maria.
– Quantos ano você tem, Maria?
– 18.
Ela me respondia sempre objetiva e rapidamente, sem me observar muito. Acho que estava com medo, mas prosseguiu no diálogo.
– E tem outros filhos? Ou este é o primeiro?
– Tenho mais dois.
– E moram com você?
– Não. Um mora com a minha mãe e o outro com a outra avó, mas esta vai ficar comigo. Eu sempre quis ter uma menina.
– Ah, sim. Você está esperando uma menina. Que bom!
Foi quando avisaram que a comida estava pronta e ela se apressou para sair.
Nesse meio tempo, uma outra mulher, que também tomava café, veio ao seu encontro e lhe entregou uma quantia em dinheiro.
Ela se despediu de mim já com outro aspecto, diferente do que percebi em seu rosto quando a cumprimentei. E saiu sorrindo.
Embora sentisse uma certa alegria por perceber que a moça saiu dali melhor do que ao chegar, também fiquei triste, angustiada, o que me gerou ainda mais pressa para ir embora.
Entrei no carro desesperada e desabei no choro.
Senti culpa, senti vergonha, senti que fiz pouco.
Tive vergonha porque, mesmo de maneira involuntária, sou privilegiada diante dela.
Senti culpa por não ter feito algo a mais por aquela menina assustada.
Senti pena. Senti dó. Como pode uma menina tão jovem já ter enfrentado três gestações?
Pergunto-me até agora o quanto não deve sofrer, o quanto as pessoas, principalmente as mulheres, não a julgam dizendo coisas do tipo: “A culpa é dela!”, “Podia ter se prevenido!”, “Só arruma bucho hoje em dia quem quer!”.
Contudo, trata-se apenas de uma menina que fez sexo ainda menina. Sim! Pelo que me contou, sim, mas que não deixou de ser apenas uma menina, que já foi ou pode até ainda ser inocente a ponto de engravidar três vezes.
Eu só pensava que no lugar dela podia ser eu, com fome, com medo e principalmente sem saber como reagir. Foi quando me lembrei que antes de descer do carro e sentar naquela mesa eu rezava e pedia pra ver a face de Deus.
Ela apareceu. E por um momento, eu nem havia me dado conta.