Dos amigos, bons amigos e dos muito bons amigos
Quando criança, tinha muita vontade de sentir, reciprocamente, que eu era a melhor amiga da minha prima Isis Gabriela, porque, na geografia dos meus afetos, ela ocupava esse posto. Entretanto, Isis tinha outras melhores amigas, inclusive uma que figurava no primeiro lugar da lista, que não era eu. Tal constatação me deixava abalada, talvez pelo temperamento canceriano, marcado por apego extremo, melancolia e pitadas de drama, como diria o amigo e astrólogo particular, Sérgio Chaves. Ver-me em segundo lugar – ou seria terceiro? – era como uma facada no coração.
Lembro como me sentia triste quando a ouvia dizer, com orgulho, que Mirna era sua melhor amiga. Mirna, a propósito, era uma menina super cool, filha de cearenses que, não sei porque cargas d’água, foram morar em Assú, interior do Rio Grande do Norte. A família já despertava interesse só por ser da metrópole, Fortaleza, e, para complementar meu drama, a menina era culta, moderna, antenada com o estilo dos anos 2000.
Além de ser de fora, como costumamos falar por estas bandas, Mirna fazia natação, balé, aula de dança… Enfim, Mirna era muito legal. Por isso, eu sofria tanto por não ser a melhor amiga de Isis quanto por não ser amiga de Mirna.
Sentia-me como Eduardo quando conheceu Mônica. Ela fazia medicina, falava alemão, gostava de Bandeira, Bauhaus, Van Gogh, Mutantes, Caetano e Rimbaud; enquanto ele fazia aulinhas de inglês, gostava de novela e jogava futebol de botão com o avô.
Eu tinha mais ou menos 10 anos de idade, não estudava inglês, não sabia jogar futebol de mesa. No máximo, assistia Malhação, novela das 17h30, na Globo, febre entre os adolescentes da época. Mirna tinha um fichário da revista Capricho, um walkman e uma mochila, coisas que só não a tornavam a criança mais famosa da escola porque ela não era falante nem comunicativa e estava sempre reservada ao mundo de amigos íntimos, incluindo minha prima.
Naquele tempo, eu iniciava uma nova fase da minha vida, mudando para Assú, minha casa a partir de então. Passei minha primeira infância em Mossoró, por causa do trabalho de meu pai na antiga Etfrn, hoje IFRN, e, somente por volta de 2001, voltamos à Terra dos Poetas.
Pois bem. Como Mirna era muito legal e interessante, mas introvertida, ao contrário de mim, acabei levando certa vantagem. Em pouco tempo de escola, eu já liderava a maior parte dos grupos de amigos que integrava e entendia que ter um melhor amigo é bom, mas ter vários bons amigos é melhor ainda.
Muitos anos depois, adulta, conheci Caby da Costa Lima, um dos melhores seres humanos com quem já cruzei nesta vida. Para mim, ele tinha um caráter meio paterno ou até mesmo de padrinho, considerando as tantas camadas que representa até hoje, a ponto de ter me deixado como presente ser meio madrasta, meio irmã da filha, Alice Marina, a quem chamamos de Alicinha, desde sempre, por influência dele.
Caby costumava dizer que, na vida, existem amigos, bons amigos e muito bons amigos. Graças a Deus, mesmo com o pouco tempo em que convivemos, ele me disse que eu estava entre esse seleto grupo dos muito bons amigos.
Sempre me pego pensando sobre essa coisa de ter amigos, do quanto isso já me pareceu doloroso, por não ser considerada por algumas pessoas da forma como eu esperava, mas também o quanto me foi libertador.
Hoje, sei exatamente quem são meus amigos, meus bons amigos e meus muito bons amigos. No grupo dos muito bons amigos há uma lista restrita e íntima, guardada bem aqui dentro. Não compartilho os nomes, mas afirmo, com segurança, que posso contar com tais pessoas em qualquer situação.
Dos bons e dos que considero apenas amigos, há também figuras importantes e queridas cujos nomes igualmente preservo para não incorrer no risco da omissão.
De minha parte, posso dizer apenas, mas com certeza e convicção, que sou muito boa amiga dos amigos, dos bons amigos e dos muito bons amigos, sem distinção.