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  • OU O BRASIL ACABA COM AS BETS OU AS BETS ACABAM COM O BRASIL

    Entre 1816 e 1822, o naturalista e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire viajou pelo Brasil para estudar a fauna e flora locais. Durante suas explorações, ele se deparou com as formigas gigantes conhecidas como saúvas. Assombrado com o poder destrutivo desses insetos que facilmente devastavam árvores frondosas, arbustos, pastagens e gramados, terras e lavouras, dificultando assim, o plantio e o progresso da agricultura nacional, ele proclamou: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.

    Duzentos anos se passaram, e a “nostradâmica” previsão de Saint-Hilaire, não se confirmou. As saúvas não destruíram o Brasil, o seu impacto foi controlado e, apesar de seus efeitos negativos sobre as plantações, elas desempenham um papel vital na ciclagem de nutrientes e na aeração do solo através do corte de folhas.

    No entanto, a célebre frase do francês, que chegou a ser atribuída equivocadamente ao escritor Monteiro Lobato, notabilizou-se. Continua atual e serve como uma poderosa analogia para os diversos males que assolam o Brasil, dependendo do viés ideológico de cada um.

    Se o assustador inseto da família Formicidae, ordem Hymenoptera e gênero Atta está sob controle, outras “saúvas” devastadoras e depredadoras do meio ambiente, continuam a contribuir, sem dó e nem piedade, para a destruição de nossas florestas e lavouras naturais: o garimpo ilegal, a urbanização desordenada, o contrabando de madeira, a grilagem de terras, a poluição do ar e das águas, os desastres ambientais causados pelo homem e o agronegócio. Este último, uma “saúva” colossal, que domina a política e a economia nacional à custa do desmatamento desenfreado, do trabalho escravo, da corrupção, e, diga-se de passagem, de muita música ruim.

    Atualmente, diante do vasto noticiário sobre tragédias sociais e econômicas envolvendo as apostas online ou as bets, podemos afirmar que enfrentamos uma nova e ameaçadora “saúva”, completamente fora de controle. Desde a regulamentação das apostas online em 2018, durante o governo do então presidente Michel Temer, a prática de jogos de azar cresceu exponencialmente no Brasil.  Hoje, o país é o terceiro maior mercado de apostas do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da Inglaterra, segundo dados da Comscore, empresa especializada em análise de dados.

    Em entrevista ao site Pauta Pública no dia 3 de setembro, o psicólogo e pesquisador Altay de Souza, que atua no Departamento de Psicobiologia da UNIFESP, Centro de Comunicações e Ciências Cognitivas da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECAUSP) e no Núcleo de Estudos sobre Violência da USP, alertou para os perigos de “uma epidemia ainda silenciosa, oculta nas telas de celulares”. Ao falar sobre as consequências psicológicas e financeiras do crescente fenômeno de apostas no Brasil, ele enfatizou: “O vício em apostas online pode ser comparado a uma epidemia de saúde pública.”

    Um relatório do Banco Central, divulgado no dia 24 de setembro, aponta que, nos primeiros oito meses deste ano, o fluxo de dinheiro no setor de apostas online atingiu R$ 160 bilhões, envolvendo mais de 24 milhões de apostadores em todo o país. O relatório revela também que R$ 3 bilhões foram movimentados por cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família, com um gasto médio de R$ 147 por pessoa. Esses números são alarmantes.

    A repercussão desses dados incomodou o presidente Lula, que se mostrou favorável à restrição de apostas para beneficiários do Bolsa Família e solicitou que a Casa Civil e à Fazenda incluam na regulamentação das apostas online, um controle específico para contemplados pelo programa social.

    A questão central do problema, envolve a publicidade excessiva e desregulamentada das bets. Em matéria do Jornal de Brasília do dia 15 de outubro, o professor Bruno Pompeu, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que estuda o tema, afirma que “as pessoas acham que a questão das apostas é mais importante do que a publicidade das apostas, mas elas são inseparáveis. Só existe o mercado das apostas porque, antes, existe a publicidade delas”.

    Em entrevista à rádio CBN, no dia 30 de setembro, o ministro da Fazendo Fernando Haddad, reiterou a proibição do uso de cartão de crédito e do cartão do Bolsa Família para apostas. Ele também afirmou que a publicidade em torno das bets está “fora de controle”.

    Por que, então, a publicidade das casas de apostas online não recebe o mesmo tratamento dado à dos cigarros anos atrás? No Brasil, a propaganda de cigarros nos meios de comunicação de massa, como rádios, tevês e jornais, está proibida desde 2000, assim como o patrocínio de eventos culturais e esportivos.

    Infelizmente, o que vemos hoje no Brasil é um bombardeio midiático das casas de apostas, que tentam, a todo custo, vender a imagem de “jogo responsável”, “entretenimento saudável” e “diversão segura”.

    A BetNacional, uma das mais poderosas empresas do setor de apostas, patrocinadora e parceira da Rede Globo em diversos eventos esportivos e de entretenimento, lançou, em meados de setembro, uma nova campanha publicitária com Galvão Bueno como seu embaixador-mor. Personagem midiático de grande sucesso, super bem-sucedido e multimilionário, Galvão agora é o rosto da BetNacional.

    Essa casa de apostas online, que se autodenomina “a bet que você confia”, “a bet dos brasileiros” e “uma bet diferente”, promove-se como fornecedora de “entretenimento de qualidade”, sem qualquer constrangimento. E para fortalecer ainda mais sua imagem, conta com um elenco de peso em suas campanhas, incluindo personalidades como Vinícius Júnior, Thiaguinho, Ludmilla e Seu Jorge.

    É lamentável e profundamente preocupante ver figuras públicas tão influentes, ídolos de milhões, com grande poder de persuasão e engajamento, associando suas imagens a esse tipo de atividade. Além de controversa, essa situação levanta um sério dilema ético: como essas personalidades podem conciliar a responsabilidade social, tantas vezes destacada em seus discursos e trajetórias de vida, com os ganhos pessoais e financeiros oriundos de parcerias que são, no mínimo, questionáveis, ou por que não, esdrúxulas?

    O vínculo financeiro entre celebridades do meio artístico e esportivo e as casas de apostas online – e a publicidade da BetNacional é apenas um exemplo entre milhares – é alarmante e reforça a urgência da regulamentação da publicidade dessa atividade, que se revela extremamente prejudicial à população.

    E é paradoxal que o futebol, principal esporte que alimenta as bets, também seja alimentado por elas. Dos 20 clubes da Série A do Brasileirão, 15 são patrocinados por casa de apostas, e na Série B, todos os clubes recebem esse tipo de patrocínio. As duas principais competições promovidas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), levam o nome de uma bet: o Campeonato Brasileiro, virou o Brasileirão Betano (Séries A e B) e a Copa do Brasil, agora é Copa Betano do Brasil.

    A bet Casa de Apostas não patrocina clubes diretamente, mas está associada à Copa do Nordeste, competição da qual é patrocinadora master, e dá nome a dois estádios no Brasil: a Casa de Apostas Arena Fonte Nova, em Salvador, e aCasa de ApostasArena das Dunas, em Natal.

    Os casos de jogadores envolvidos em manipulação de apostas online estão se multiplicando em todo o mundo. Um exemplo notório é o de Lucas Paquetá, jogador do West Ham da Inglaterra e da Seleção Brasileira, que está sob investigação da justiça inglesa por suspeita de fraudes em apostas realizadas por parentes e amigos de sua cidade natal (Paquetá/RJ) em jogos nos quais recebeu cartões amarelos suspeitos. Se for considerado culpado, poderá ser banido do futebol.

    Em fevereiro de 2023, a Operação Penalidade Máxima, liderada pelo Ministério Público de Goiás, revelou um esquema de manipulação de resultados envolvendo jogadores e apostadores que lucravam com apostas em partidas de futebol no Brasil. No total, 22 jogadores foram punidos pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD): 5 foram banidos permanentemente do futebol, 1 foi liberado após pagar uma multa, 7 foram suspensos por 360 dias, 4 por 600 dias, e 5 por 720 dias.

    Esses casos evidenciam um mercado obscuro que movimenta bilhões de reais anualmente, favorecido pela falta de controle governamental e sustentado pela cumplicidade de diversos setores da economia, como o mercado publicitário, grandes conglomerados midiáticos, empresários, políticos, atletas e ex-atletas, artistas e influenciadores digitais.

    Em meio a essa “picaretagem” digital, as principais vítimas são os apostadores, conscientes ou não, que, seduzidos pela promessa de lucro fácil, acabam acumulando dívidas impagáveis. Isso compromete não apenas suas finanças, mas também seu bem-estar emocional, levando a problemas como depressão, ansiedade, e até a perda de empregos e o fim de relacionamentos.

    Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 26 de setembro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, destacou a necessidade de uma “avaliação crítica” sobre a situação atual do mercado de apostas on-line: “Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno. Não tínhamos noção do que isso poderia causar, principalmente essa ação muito ofensiva das casas de jogos e o uso de publicidade extrema”.

    Gleisi poderia ter encerrado suas considerações recorrendo ao poder analógico da célebre e bicentenária frase de Saint-Hilaire. Como não o fez, faço eu: “Ou o Brasil acaba com as bets ou as bets acabam com o Brasil”.

  • CARTA ABERTA AO JORNALISTA CEFAS CARVALHO

    Assunto: Música Atual x Música do Passado

    Caríssimo Cefas Carvalho.

    Como fundador, presidente e único membro, da Associação Potiguar dos Sessentões de Bom Gosto Musical e Sem Preconceitos (APSBGMSP), venho compartilhar algumas reflexões sobre as suas postagens no “livro de rostos” de Zuckerberg — rede social que, curiosamente, tornou-se a favorita entre os “cinquentões”, “sessentões” e afins —, nas quais você aborda as comparações intolerantes e preconceituosas, entre a música de “antigamente” e a atual.

    Em uma postagem de 02/09, você se diz espantado “com a quantidade de cinquentões aqui no Feicebique e nos grupos de zap que se prendem ao discurso que a música atual é uma merda, que os jovens só ouvem porcaria, que na tal ‘nossa época’ é que havia música de qualidade e etc. e tal”. Texto na íntegra aqui.

    Desde já, saiba que compartilho do seu espanto. Além disso, acredito que esses comentários exacerbados e agressivos extrapolam uma mera preferência musical, e de forma alguma refletem uma preocupação genuína com o que os jovens escutam atualmente. O que se percebe é um preconceito disfarçado – ou, em alguns casos, nem tanto –, alimentado por essa onda de conservadorismo que tomou conta das redes sociais e do mundo em geral. E esse preconceito não se restringe à música – que, aliás, muitos desses “cinquentões” provavelmente nem conhecem –, mas atinge os próprios artistas, em especial, Pabllo Vittar e Anitta, mencionados em sua postagem.

    Estamos falando de duas das maiores estrelas da música contemporânea, com impacto na cena cultural brasileira e internacional. E isso não se deve apenas à música, mas também às suas posturas contestadoras em relação a questões de identidade, política e direitos LGBTQIA+. São atitudes que desafiam a hipocrisia dos defensores “da moral e dos bons costumes” e incomodam a elite conservadora, da qual a maioria desses senhores e senhoras que estão “cinquentando” ou “sessentando” muito mal, fazem parte.

    Dito isso, gostaria de tentar lançar alguma luz sobre essa eterna “pinimba” entre os defensores da música atual e da música do passado. Mas fique tranquilo. Prometo não me alongar em análises e citações sobre a “música do meu tempo”.

    Um argumento em defesa dos “cinquentões” e “sessentões” (os sensatos, é claro) é que, em nosso tempo, a produção musical era incomparavelmente menor que a atual. Os meios de divulgação também eram mais limitados, o que nos protegia, de certo modo, de sermos bombardeados com músicas de qualidade questionável, embora elas também existissem.

    Na minha infância e pré-adolescência, nos anos 70, grande parte da música que eu ouvia vinha dos programas de rádio e dos discos que meu pai colocava para tocar numa “radiolinha” portátil, daquelas em que o alto-falante ficava na tampa. Nas sessões musicais pós-jantar, costumávamos ouvir Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Elizeth Cardoso, Ataulfo Alves, Sílvio Caldas, Altamiro Carrilho, Francisco Petrônio, Dilermando Reis, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, entre muitos outros.

    Foi nessa época que, nos primórdios da televisão em Mossoró, assistindo aos programas, “Porque Hoje é Sábado”, com Gonzaga Vasconcelos e, “Show do Mercantil”, com o ícone Augusto Borges, da TV Ceará Canal 2 (o único que “pegava”), conheci O Pessoal do Ceará: Fagner, Belchior, Ednardo, Fausto Nilo, Amelinha.

    Destaco também a coleção “História da Música Popular Brasileira”, publicada entre 1970 e 1972 pelo selo Abril Cultural, como de fundamental importância para a formação, ou quiçá, revolução, do meu (bom) gosto musical.

    Vendidos em banca de revistas, cada fascículo da coleção trazia a biografia de um artista e um LP de 10 polegadas (8 faixas). Noel Rosa foi o volume 1, Pixinguinha o 2, Dorival Caymmi o 3, e depois de algumas edições com os clássicos das “antigas”, vieram as “apostas” da época. Simplesmente: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Edu Lobo, Milton Nascimento, Jorge Ben, Nara Leão, Elis Regina, entre tantos que se tornariam clássicos tão clássicos quanto os já clássicos naquele momento. 

    É inegável que ter vivido na mesma época em que surgiam os “neoclássicos da MPB”, foi um privilégio para alguns “cinquentões” e “sessentões”. Ainda assim, não me faltaram críticas ao que se produzia naquele período, inclusive a algumas obras dos meus próprios ídolos. Exemplos?

    Na década de 1960, Nara Leão gravou álbuns antológicos. Em Opinião de Nara (1964), a então “Musa da Bossa Nova” surpreendeu – ironicamente – o mundo da bossa nova ao gravar “Opinião”, de Zé Keti, música que acabou se transformando em um hino de resistência à recém-instalada ditadura militar no Brasil: “Podem me prender/Podem me bater/Podem até deixar-me sem comer/Que eu não mudo de opinião”. Nesse disco, ela também gravou “Acender as Velas” de Zé Ketti, e “Sina de Caboclo”, de João do Vale.

    Na mesma linha, O Canto Livre de Nara (1965) apresentou a panfletária “Corisco”, uma parceria de Glauber Rocha e Sérgio Ricardo (“O sertão vai virar mar/E o mar vai virar sertão”), e repetiu a parceria com Zé Keti em “Malvadeza Durão”, “Nega Dina” e “Samba da Legalidade”; e com João do Vale no clássico “Carcará”. E Nara seguiu pelos 60 e 70 gravando pérolas, apostando em novos compositores ou usufruindo do talento dos amigos Chico Buarque, Vinícius de Morais, Tom Jobim, Gil, Caetano, como fez em Os Meus Amigos são um Barato, de 1977.

    Eis que, em 1978, Nara Leão resolveu gravar um LP só com músicas de Roberto e Erasmo Carlos: E que Tudo Mais Vá pro Inferno. A crítica especializada abominou a ousadia e eu fiquei transtornado! “Fim de carreira para a bela Nara!”, pensei. Hoje em dia, basta eu tomar uma cerveja para colocar “Além do Horizonte” para tocar. É a melhor versão já gravada em todos os tempos, por qualquer intérprete, de qualquer música do chato do Roberto Carlos (ops!).

    Em 1981, Chico Buarque produziu – na minha, metida a besta, opinião – sua obra-prima: Almanaque. Aliás, não é só a obra-prima da sua carreira, mas de toda a música brasileira. Acontece que no PA (pós-Almanaque) – também na minha, metida a besta, opinião – Chico fez coisas menos marcantes: Saltimbancos Trapalhões (1981); Chico Buarque en Español (1982); Para Viver um Grande Amor (1983) e O Grande Circo Místico (1983).

    E foi nesse período de entressafra “chicobuarqueana”, que certo dia, durante uma discussão de mesa de bar, do alto dos meus 22 anos, cometi a heresia de esbravejar peremptoriamente que Chico Buarque havia perdido a inspiração. Que havia ficado obsoleto, preguiçoso. Que estava cantando mal e não conseguia mais compor músicas de excelência.

    Então, em 1984, ele me “responde” com o LP Chico Buarque (só isso!) e essa “cacetada”: “Pelas Tabelas”, “Brejo da Cruz”, “Tantas Palavras” (com Dominguinhos), “Suburbano Coração”, “Mil Perdões”, “As Cartas” e… “VAI PASSAR!!!” (com Francis Hime). Definitivamente, Chico Buarque não sabe brincar!

    Pois é, meu dileto e “espantado” periodiqueiro. A música do “meu tempo” permitiu-me criticar e questionar gênios e “gênias”. E até o final do século passado, evidenciando uma certa arrogância e uma pernóstica intelectualidade musical, preferi ficar preso naquele passado de “privilegiado musical”, bravateando de forma pretensiosa que a Música Popular Brasileira havia estagnado em João Bosco.

    Foram os meus filhos, ainda pré-adolescentes, que me apresentaram Chico César, Zeca Baleiro e Lenine, e então passei a enxergar a nova turma que surgia. Claro que, depois de alguns álbuns lançados, também não faltaram críticas a esse trio inicial. Coisas do tipo: “Chico César e Zeca Baleiro – especialmente o segundo – são muito repetitivos”, “Lenine confunde criatividade com letras e melodias sem eira nem beira”, e por aí vai. E quem diria, né: “Mama África” (Chico César – 1995), “Heavy Metal do Senhor” (Zeca Baleiro – 1997) e “Hoje eu Quero Sair Só” (Lenine – 1997), já estão “beirando” os trinta!

    E vieram muitos outros e outras – alguns citados em sua postagem – que ao longo dos últimos 25, 30 anos evitaram que eu me transformasse em um “sessentão” tedioso, conservador e saudosista.

    Por enquanto, é isso. Fico por aqui com minhas elucubrações musicais, ou essa epístola aberta não fecha nunca.

    Quanto ao sertanejo, que você também destaca como alvo da fúria de “cinquentões” ensandecidos, como diria Copélia, personagem de Arlete Salles no humorístico Toma Lá Dá Cá: “prefiro não comentar” (risos).

    Grande abraço e saudações musicais.

    Marco Túlio Cícero

  • O LIVRO PERDIDO DE GALEANO         

    Fui apresentado a Eduardo Galeano pelo Dr. José Maria Caldas, o companheiro Zé – como o trato até hoje –, por volta de 1982 ou 1983. Eu tinha 22 anos e era um “sunguelo”, “zuadento” e metido a revolucionário de esquerda. Mudei quase nada de lá pra cá, é bom que se diga. Continuo “zuadento”, esquerdista, mas longe de ser um “sunguelo”. Com o PT recém fundado, sempre que nos encontrávamos em alguma cervejada, o assunto era política: Lula, socialismo, capitalismo, comunismo, justiça social, o futuro da esquerda no Brasil e a esperança e o sonho de dias melhores para o país sob um governo petista. Falávamos também de música e literatura — o clássico “papo cabeça” da geração dos anos 80. Naquela época, estava fascinado com a leitura de A Ilha de Fernando Morais (1ª edição de 1976), e não me cansava de citá-lo nas conversas e discussões políticas.

    Sempre li muito, desde muito cedo, e de tudo: histórias em quadrinhos, bolsilivros de faroeste (o autor mais famoso era o espanhol Marcial Lafuente Estefanía), de guerra (coleção Hora H), de espionagem (ZZ7 – Brigitte Montfort em ação, com suas capas provocantes), e policiais (coleção FBI). Na adolescência, li também quase todos os 48 volumes da coleção “Clássicos de Bolso” da Ediouro, publicados nos anos 1970. A coleção funcionava por assinatura e era composta por grandes clássicos da literatura mundial, em sua maioria adaptados ou traduzidos pelo jornalista e escritor Carlos Heitor Cony.

    Dito isso, voltemos aos anos 1980. Eis que certo dia – um sábado, com certeza – o companheiro Zé apareceu com dois livros: As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e uma coletânea de histórias de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle. Era um empréstimo.

    Quando cheguei em casa, coloquei os livros em umas das estantes que compunham a maravilhosa biblioteca de meu pai, Chicoliveira. Meu pai não era um leitor comum; ele “devorava” livros. E na segunda feira, ao sair para trabalhar, já o encontrei confortavelmente refestelado em sua espreguiçadeira, lendo As Veias Abertas.

    Diante desse fato, decidi ler as aventuras de Sherlock Holmes. Depois de alguns dias, houve uma troca silenciosa dos livros. E qual não foi minha surpresa ao me deparar com o livro do companheiro Zé, repleto de anotações.

    Chicoliveira tinha a mania de destacar, nos livros que lia, as passagens de que mais gostava. Escrevia os números das páginas nas folhas em branco, sublinhava trechos, fazia marcações e comentários nos rodapés — uma espécie de fichamento acadêmico. Certamente, ele imaginou que os livros eram meus, e essas anotações acabaram facilitando minha leitura e o encantamento por Eduardo Galeano.

    As Veias Abertas da América Latina, transcende o tempo histórico e, desde sua publicação em 1971, tornou-se um símbolo de resistência e uma referência intelectual e política para aqueles que lutam contra as injustiças sociais, a exploração econômica e o imperialismo. Até hoje, o livro de Galeano é peça central na formação e continuidade do pensamento de esquerda na América Latina, oferecendo tanto uma base histórica quanto uma inspiração constante para a luta por justiça social e soberania na região. Eu diria que é o nosso “manual do bom esquerdista”.

    Com os livros devidamente “consumidos”, chegou a hora da devolução. Mas como devolver um livro “todo riscado”? Devolvi, intacto, o de Arthur Conan Doyle e disse ao companheiro Zé, que ainda não havia terminado o de Galeano. Procurei-o nas escassas livrarias de Mossoró, mas não encontrei. O tempo foi passando, casei-me, saí da casa dos meus pais e não levei o livro comigo. Com o tempo, houve um afastamento natural entre nós, embora a amizade permaneça até hoje. Dr. Zé Maria foi o pediatra dos meus dois primeiros filhos, Isadora e Túlio Filho, e nas poucas vezes em que nos encontramos, nunca falamos sobre o livro não devolvido – ou perdido – de Galeano.

    Com as várias mudanças de Chicoliveira, no vai e vem da biblioteca, e depois com sua morte, quando houve a divisão dos livros e discos entre os filhos, nunca mais vi o famoso exemplar de As Veias Abertas da América Latina.

    Durante a pandemia, voltei a ler muito e a comprar livros (as livrarias virtuais ajudam e acabam “viciando”) e a obra-prima de Eduardo Galeano fez parte do primeiro lote.

    Recentemente, concluí a leitura da trilogia Memória do Fogo, uma obra monumental em que o gênio uruguaio explora a história da América Latina de maneira única e poética. Os Nascimentos (1982) abrange os séculos XV, XVI e XVII; As Caras e as Máscaras (1984) cobre os séculos XVIII e XIX; e O Século do Vento (1986) retrata o século XX.

    Nessa trilogia, Galeano adota um estilo literário que mistura narrativa histórica com elementos de ficção, mitologia e crônica, criando um texto ao mesmo tempo lírico e documental. Cada volume é composto por uma série de vinhetas curtas, que retratam personagens históricos, lendas indígenas e momentos cruciais da história latino-americana. Recomendo.

    Aqui está um trecho de As Caras e as Máscaras:

    SACRAMENTOS – Guatemala 1775 (Los Mayas del Siglo XVIII – Autor: Francisco de Solano – 1974)

    Os índios não cumprem os rituais da Páscoa se estes não coincidem com dias de chuva, de colheita ou de plantio. O arcebispo da Guatemala, Pedro Cortés Larraz, dita um novo decreto ameaçando quem se esquece, assim, da salvação da alma. Tampouco os índios vão à missa. Não respondem ao chamado nem ao sino; é preciso ir buscá-los a cavalo por aldeias e plantações e arrastá-los à força. A falta é castigada com oito chibatadas, mas a missa ofende os deuses maias e isso pode mais que o medo de apanhar. Cinquenta vezes por ano, a missa interrompe o trabalho agrário, cotidiana cerimônia de comunhão com a terra. Acompanhar passo a passo os ciclos de morte e ressureição do milho é, para os índios, uma forma de rezar; e a terra, templo imenso, lhes dá provas, dia a dia, do milagre da vida que renasce. Para eles, toda terra é igreja e todo bosque, santuário. Para fugir do castigo do pelourinho da praça, alguns índios se aproximam do confessionário, onde aprendem a pecar, e se ajoelham diante do altar, onde comungam comendo o deus de milho. Mas só levam seus filhos à pia batismal depois de tê-los levado, monte adentro, para oferecê-los aos antigos deuses. Ante eles, celebram as alegrias da ressureição. Tudo que nasce, nasce de novo.

    PS. Querido companheiro Zé, caso você leia esse texto e sua biblioteca continue desfalcada – mesmo passados 40 anos – da grande obra do gênio Galeano, envie-me uma mensagem que eu lhe faço chegar uma edição “zerada” de As Veias Abertas da América Latina.

  • O “GAROTO” JESUS ERA UM CAPETA EM FORMA DE GURI

    Não vou falar daquele bebê lindo e branquinho, de olhos verdes, cachinhos dourados, bracinhos, mãozinhas e perninhas gordinhas para o ar, bochechas fofas e boas de dar “chêro”, e um “buchinho” redondo que nos convida a fazer aquele barulho peculiar quando aplicamos uns beijos “assoprados”. Esse Menino Jesus, o Gesù Bambino, em sua imagem angelical e serena e que já vem com um ring light sobre a cabeça, contabiliza mais milagres do que sua versão de 33 anos depois, garantem os entendidos. Vou falar é do Jesus garoto, um guri danado, travesso, levado da breca, arteiro, inquieto e traquinas. Uma criança “virada num traque”. Um “pentelho”, como diria Fausto Silva. Meu amigo Juscelino Leite, lá de Mossoró, diante de tais atributos, afirmaria categórico: “Esse menino não vale um ‘cibazol’ vencido”!

    Infelizmente, não existem relatos sobre esse período da vida do filho do Homem na Bíblia. A falta de detalhes é uma das características mais frustrantes dos Evangelhos canônicos – os quatro que foram incluídos no Novo Testamento. Os evangelhos de João e Marcos retratam Jesus como adulto desde o início. Mateus e Lucas até relatam histórias sobre o nascimento e a infância de Cristo, mas há um imenso vazio nessas narrativas: vemos Jesus bebezinho, depois temos um breve relato de uma passagem triunfal pelo Templo de Jerusalém, aos 12 anos de idade – e acabou. Nada mais se fala sobre o Jesus criança, adolescente ou jovem adulto.

    No entanto, algumas passagens da infância de Jesus são narradas em um evangelho apócrifo – o “Evangelho da Infância” ou “Pseudo-Tomé” –, que contém histórias que contrastam com os textos bíblicos aceitos. Existem várias versões desse evangelho em diversas línguas antigas (grego, latim, siríaco, eslavo, georgiano, etíope e árabe), muitas delas de origem duvidosa, mas que continuam provocando celeuma.

    É por essas e outras, que a meninice de Jesus continua sendo um tabu entre os cristãos e um mistério entre os estudiosos do cristianismo. Então é natural ficar chocado e curioso com algumas narrativas do “Evangelho da Infância”, cuja transcrição original, estima-se, data de meados ao fim do século 2. Essa datação baseia-se em outro documento do mesmo século, que cita o bispo grego Irineu de Lyon, segundo o qual o evangelho é inautêntico e herético. Coisas de bispo. Eis alguns trechos:

    “Quando um menino começou a desfazer as represas de brinquedo que o garoto Jesus tinha feito na beira de um riacho, ele se irritou e falou: ‘Tolo injusto e irreverente! O que as poças d’água fizeram para te irritar? Eis que agora também tu secarás como uma árvore, e nunca terás nem folha, nem raiz, nem fruta’. No mesmo instante, o menino secou completamente”.

    “Algum tempo depois, Jesus caminhava pelo vilarejo quando uma criança passou correndo e esbarrou em seu ombro. Irritado, Jesus esbravejou: ‘Não seguirás mais o teu caminho’. Naquela mesma hora, a criança caiu e morreu. O menino divino ainda faz os aldeões que vão reclamar dele com José ficarem cegos e amaldiçoa um de seus professores”.

    “Por outro lado, Jesus ressuscita um amiguinho que caiu do telhado de uma casa, cura pessoas e faz a madeira crescer milagrosamente para que José consiga terminar um de seus trabalhos de carpintaria”.

    Recentemente – em meados de junho – deu-se a maior descoberta sobre o “Evangelho da Infância” em todos os tempos, e essa descoberta contou com a participação de um brasileiro: o papirólogo gaúcho Gabriel Nocchi Macedo, pesquisador e professor da Universidade de Liège, na Bélgica. Macedo e o húngaro Lajos Berkes, também papirólogo e docente do Instituto de Cristandade e Antiguidade da Universidade Humboldt de Berlim, descobriram um manuscrito em grego antigo de aproximadamente 1.600 anos, que já é considerada a versão mais antiga do “Evangelho de Pseudo-Tomé”. O fragmento foi encontrado na Biblioteca Estatal e Universitária Carl von Ossietzky, em Hamburgo, e faz parte de uma coleção reconhecida, eliminando quaisquer dúvidas sobre sua autenticidade.

    O documento passou despercebido por muito tempo e era considerado apenas uma nota antiga e pessoal. Poderia ser uma carta íntima ou uma lista de itens domésticos. Durante a pesquisa, Berkes e Macedo inseriram algumas palavras identificadas no manuscrito em um banco de dados que reúne toda a literatura grega – desde os textos mais antigos até a Idade Média –, e quase que imediatamente perceberam que se tratava de trechos do controverso “Evangelho da Infância”.

    Logo após a divulgação da descoberta na revista acadêmica alemã, Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, uma manchete sensacionalista deixou os pesquisadores perplexos: “Fragmento de papiro egípcio cadastrado errado em biblioteca alemã detona percepções milenares sobre a Bíblia e o próprio Jesus”. Berkes esclarece: “Não é uma história nova. Então, não muda nada no que sabemos sobre os Evangelhos e sobre Jesus. Causou muito mal-entendido e polêmica, embora nós nunca tenhamos alegado nada”.

    Entre os fragmentos identificados pelos dois pesquisadores, encontra-se a narrativa de como, aos cinco anos, Jesus estava perto de um riacho, onde manipulava argila e fazia figuras de pássaros, quando José, seu pai, o repreende por estar ativo no Sabá, o dia de descanso para os judeus. Em resposta, o menino bate as mãos, as aves ganham vida e saem voando. Simples assim.

    Não me perguntem por que, mas ao ler sobre o “Evangelho da Infância”, lembrei da música “Um capeta em forma de guri” de Renato e seus Blue Caps gravada em 1965.

    Nota do Autor: Essa música é uma versão de Renato Barros para “Shame and scandal in the family” de Slim Henry Brown e Huon Donaldson. Em 1986, Sérgio Mallandro fez sucesso com uma regravação que virou tema de abertura para o seu programa infantil “Hora do Capeta” (1987-1990) no SBT.

    Ouça a versão original: “Um capeta em forma de guri”.

    Conheci um capeta em forma de guri

    De uma família tradicional

    Surgiu um menino que era mesmo infernal

    Seus primeiros passos ainda neném

    Já foram “butinadas” na canela de alguém

    Crescendo o menino pra escola entrou

    De cara feia logo a professora olhou

    No meio da aula num teco fatal

    Mandou um coleguinha logo para o hospital

    Conheci…

  • EU ESTUDEI COM ALICE CARVALHO

    É isso mesmo. Eu estudei com Alice Gabrielle Affonso Carvalho – nome forte da “mulesta”! –, essa potiguar “arretada” que saiu da Coophab em Natal para brilhar por esse mundão afora. Pagamos juntos Semiótica da Comunicação com a professora Lilian Muneiro no segundo semestre de 2018. Ela no curso de Artes Visuais e eu no de Jornalismo na UFRN. Lembro-me bem daquela menina com “a sua cara de apressada”, que parecia estar constantemente atrasada para chegar ou sair de algum compromisso.

    Ela costumava sentar-se nas cadeiras mais próximas da porta. Talvez para facilitar uma “fuga” rápida tão logo a aula acabasse… ou não (risos). Eu me sentava do lado oposto da sala. É provável que ela nunca tenha me notado durante o período em que estudamos juntos. Mas estudamos juntos e eu posso provar. Só não mostro aqui a relação de alunos do sistema da UFRN porque deve ser proibido e posso acabar processado por divulgar informações sigilosas.

    Em certa ocasião, cheguei a sentir raiva de Alice ou da professora Lilian ou das duas juntas. Esclareço. Para a nota da terceira unidade a “profe” passou uma atividade com cinco questões bastante complexas, cujas respostas seriam discutidas na sala de aula.

    O tempo foi passando e, envolvido com as rotinas do trabalho, fui adiando a sua conclusão. Quando me dei conta, o prazo havia acabado e eu não tinha conseguido finalizar a atividade. Daí, que eu fui para a aula com duas questões de cinco sem resposta e, encarando de frente a minha inépcia, apresentei o trabalho incompleto. Na vez de Alice apresentar, ela falou que não tinha feito o seu por falta de tempo, ao que Lílian, tranquilamente e sem medo de ferir suscetibilidades, contemporizou: “Não tem problema. Você traz na próxima aula”. Naquela hora, pensei “lá” com os meus botões: “Menina ‘réia’ folgada”, sobre Alice e, “Pois, diga…! Diguénada…”, sobre Lilian. Mas a raiva passou logo. Não sou de guardar mágoas, apesar do 6,5.

    Aliás, falando em Semiótica, o tal do Charles Sanders Peirce (1839-1914), o pai da coisa toda, devia ter um parafuso a menos. Pense num troço pra dar um nó no juízo dos incautos que se matriculam nessa disciplina, mesmo sendo optativa. Brincadeirinha Lilian.

    Por essa época, já conhecia um pouco do trabalho de Alice Carvalho no audiovisual. Seu pioneirismo, sua teimosia, sua ousadia, seu arrojo, já deixava transparecer que ali estava nascendo uma artista com talento e capacidade criativa fora do comum. Desde então, sua carreira só deslanchou.

    O nome da minha colega de turma começou a surgir nas conversas dos churrascos de fim de semana – onde se reúnem familiares, amigos e agregados – na época de “Cangaço Novo”. Nessas cervejadas, as conversas sempre giram em torno de música, política, futebol, religião (ou a falta dela), cinema, novela, séries e “causos”. Em uma dessas reuniões “gastroetílicas”, quem já havia assistido “Cangaço Novo” (2023) comentou sobre a extraordinária atuação da atriz que interpreta Dinorah.

    Foi aí que eu falei: “É Alice. Estudou comigo”. Em meio aos risos e alguns “lá vem Túlio com suas histórias”, eu contei essa história dos meus tempos de faculdade.

    Quando soubemos que Alice Carvalho iria participar do remake de “Renascer” no papel de Joaninha, esposa de Tião Galinha, a notícia virou o assunto do dia. “Rapaz! A amiga de Túlio vai trabalhar em ‘Renascer’!”. “Vai virar uma global”. “Essa menina vai longe!”. Eu vibrei como se fosse um gol do Potiguar de Mossoró.

    Na Globo, Alice já havia feito uma participação na série “Segunda Chamada” (2019) e está na novela do Globoplay, “Guerreiros do Sol” com estreia prevista para 2025. Realmente, a menina foi longe.

    Apesar de ser um crítico contumaz das Organizações Globo e do seu poderoso império midiático, é inegável que a qualidade de suas obras na teledramaturgia é capaz de catapultar a carreira de qualquer ator ou atriz iniciante que se destaque em uma dessas produções.

    As primeiras aparições de Alice em “Renascer” foram um espanto. As cenas no manguezal, à cata de caranguejos com Irandhir Santos (Tião Galinha), já entraram para o rol das cenas memoráveis da teledramaturgia brasileira. A partir daí, sua personagem, Joana ou Joaninha, só tem crescido na trama a cada capítulo. A menina é “invocada”.

    Eis que, em um certo domingo de abril (28), estou eu no quarto assistindo futebol quando Maria, minha esposa, chega e fala: “Mô, sua amiga tá no Hulk”. E eu, que por motivos diversos – alguns bastante óbvios – não suporto Luciano Hulk, “fui obrigado” a assistir à “Dança dos Famosos” no dia em que minha colega fez parte do júri artístico da atração e foi homenageada. Emocionante.

    Sobre a “Dança dos Famosos”, preciso confessar um pequeno (ou grande?) delito: no domingo em que Lucy Alves, essa paraibana “danada” de talentosa e linda que “chega dá um ‘farnizinho’”, como a gente diz lá em Mossoró, vai se apresentar, não consigo resistir. Tenho que assistir! Finalizada a sua apresentação, volto para o futebol. No final, Maria me conta como ficou a classificação.

    Voltemos a “Renascer”. Agora em junho, as interpretações que me levaram às lágrimas – sim, sou chorão de novela, pronto, falei – foram as dos primeiros encontros de Joana com Zinha, a surpreendente baiana Samantha Jones, que confesso, não conhecia. Que coisa mais linda do mundo a potiguar Alice e a baiana Samantha contracenando! Quanta sensibilidade!

    O casal “JoanaZinha” não aconteceu na primeira versão de “Renascer”, mas tudo indica que vai emplacar nesse remake e, muito provavelmente, o casal seguirá me fazendo chorar até o último capítulo.

    Ainda sobre “Renascer”, cabem algumas críticas: que coisa mais chata, irritante e fora de contexto, os inúmeros merchans disparados aleatoriamente na cara do telespectador a cada capítulo. Um casamento foi patrocinado por uma marca de cerveja; do nada, aparece alguém tomando um refrigerante com o rótulo preenchendo toda a tela da TV; a bodega começou a vender chips de uma operadora de celular, só porque Zinha deu um de presente a Joana; e tem até um casal que só aparece em cena para falar sobre as qualidades de um modelo de carro. Outro dia, eles estavam viajando para São Paulo. Acho que nunca mais vão dar as caras na novela. Além disso, tem propaganda de banco, chocolate e tem até um remédio para dor de barriga que, vez por outra, alguém aparece para comprar na bodega que tem de tudo. Mas Alice não tem nada a ver com isso.

    PS: Alice, minha querida colega de Semiótica, qual foi sua nota da terceira unidade? Sucesso sempre!

  • “BICHOS ESCROTOS” CHAFURDAM NA LAMA GAÚCHA

    Em meio ao triste e trágico noticiário sobre a catástrofe climática que devasta o Rio Grande do Sul, somos obrigados a conviver diariamente com a enxurrada de fake news produzidas por políticos malditos da extrema-direita bolsonarista adeptos do quanto pior melhor. Não faltam também pessoas desumanas e maléficas que propagam mentiras nas redes sociais, apenas pelo vil prazer de alimentar o caos. E ainda existem os tais influencers (como essa palavra me incomoda!) do mal com seus milhões de seguidores a repercutirem farsas e maledicências.

    Um aparte: apesar de não apreciar a denominação e para não ser injusto, cabe destacar o papel dos influencers do bem no trabalho de arrecadação de donativos, de voluntariado e no combate às fake news.

    Enquanto o lado bom dos brasileiros se mobilizava em gestos e atitudes de solidariedade e auxílio aos gaúchos, deputados bolsonaristas passaram a ocupar o plenário da Câmara apenas com o propósito nefasto de produzir e divulgar boatos sobre o socorro às vítimas das enchentes. Esse festival de mau-caratismo e baixeza vem se repetindo a cada sessão legislativa e tem como protagonistas “bichos escrotos” para quem a solidariedade, a empatia, a caridade e a sororidade inexistem.

    Eis alguns exemplos de “bichos escrotos” bolsonaristas e seus discursos repulsivos amplificados diuturnamente nas redes sociais funestas:

    – Deputado Filipe Martins (PL-TO): Afirmou que caminhões com donativos estavam sendo barrados a caminho do RS por exigência de notas fiscais, o que é falso. Disse ainda que estava sendo exigida documentação de pilotos e embarcações de voluntários que atuam nos resgastes a vítimas da enchente, o que já foi exaustivamente desmentido pelo governo do RS.

    – Deputado Coronel Assis (União-MT) e Gilvan da Federal (PL-ES): Reproduziram em plenário as fake news vomitadas pelo colega Filipe Martins.

    – Deputado Paulo Bilynksyj (PL-SP): Afirmou que uma clínica médica que atendia as pessoas gratuitamente tinha sido fechada pela Vigilância Sanitária. A Secretaria Estadual de Saúde e a Vigilância Sanitária do Rio Grande do Sul rechaçaram a falsa notícia com veemência.

    – Deputado Paulo Bilynksyj (PL-SP), Deputada Caroline de Toni (PL-SC), Coronel Ulysses (União-AC) e General Girão (PL-RN): Citaram uma fala da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, fora de contexto. Os parlamentares afirmam que a ministra disse que “não é o momento” para enviar recursos para o RS. Para isso, usam o recorte de uma declaração em que a ministra diz: “Não vai faltar dinheiro para o RS. O dinheiro vai chegar no tempo certo, que não é agora, porque não tem nem o quê liberar porque nós não recebemos as demandas dos prefeitos. Eles não sabem o que pedir porque a água não baixou”.

    Os “bichos escrotos” não dão trégua em sua escalada de maldades oportunistas. Em grupos de bolsonaristas circulam mensagens e teorias estapafúrdias (quase sempre produzidas em perfis falsos), em uma reprodução fiel do modus operandi do período da pandemia da covid-19: espalhar fake news e apregoar conspirações negacionistas.

    Uma dessas teorias da conspiração garante que “o novo Plano Marshall do Brasil para o Rio Grande do Sul é uma estratégia elaborada por conspiradores e traidores da nação, com o objetivo de aproveitar-se de calamidades planejadas para desapropriar os cidadãos de suas casas, terras e propriedades”.

    Tem que ser um “bicho escroto” dos mais desprezíveis e malditos, para propagar uma aberração dessas em meio a tanto sofrimento.

    COMO AGEM OS “BICHOS ESCROTOS”

    Em 1983 eu trabalhava no Banorte (que foi mudando de nome e dono até virar Itaú) em Mossoró e a nossa agência resolveu organizar um mutirão para a arrecadação de donativos dentro da campanha Nordeste Urgente. O Nordeste atravessava um dos piores períodos de seca da história e todo o Brasil se mobilizou para ajudar o povo nordestino.

    Funcionários e funcionárias que se dispuseram a participar do mutirão e mais alguns voluntários – totalizando cerca de trinta pessoas – foram divididas em duas equipes. Por volta das 8h de um domingo, nos reunimos na sede da agência no centro da cidade e as equipes partiram em direções opostas na coleta de donativos. Cada uma a bordo de um caminhão.

    Foram quase oito horas entre caminhadas e “trepadas” no caminhão recolhendo donativos. Dinheiro, gêneros alimentícios, material de limpeza, etc. Foi emocionante ver pessoas da periferia com tão poucos recursos e fazendo questão de doar qualquer coisa que fosse possível. Em algumas casas os moradores nos ofereciam água, lanches, um cafezinho, um suco, uma fruta. A arrecadação surpreendeu a todos. Os dois caminhões ficaram abarrotados de donativos e cada equipe conseguiu encher umas duas sacolas de supermercado com cédulas e moedas.

    Por volta das 16h voltamos a nos reunir na agência do banco e outra equipe assumiu o trabalho de separar os donativos e fazer a contagem do dinheiro arrecadado. A partir daí, a distribuição dos donativos ficou a cargo de uma Loja Maçônica de Mossoró engajada na campanha.

    Cansados e estropiados pelo longo dia sob o sol escaldante de Mossoró – porém felizes pelo resultado do nosso trabalho – eu e mais uns quatro colegas de banco ainda usando a camiseta da campanha Nordeste Urgente resolvemos ir nos refrescar e por que não, celebrar o sucesso de nossa empreitada tomando umas cervejas no bar e restaurante O Sujeito.

    Assim que adentramos no ambiente – um dos mais agradáveis de Mossoró à época, situado a beira do rio – um indivíduo que estava em uma mesa logo na entrada deu uma risada e falou: “Aí! Os bacanas vieram gastar o dinheiro que pegaram dos bestas!”. Esse é um exemplo de como age um “bicho escroto”.

    E ASSIM SÃO OS “BICHOS ESCROTOS”

    Fala ChatGPT!

    “Bichos Escrotos” é uma música da banda brasileira Titãs [autores: Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Nando Reis] que critica comportamentos e características negativas da sociedade. A expressão “bichos escrotos” refere-se a pessoas ou elementos da sociedade que são vistos como desprezíveis, desagradáveis ou repugnantes. Na letra da música, os “bichos escrotos” são aqueles que agem de forma egoísta, corrupta, hipócrita ou destrutiva. Em suma, um “bicho escroto” pode ser definido como alguém que representa o pior lado da humanidade, seja por suas atitudes, valores ou comportamentos”.

    PS. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

  • TEM NO ALECRIM

    As bocas do fogão estavam em estado periclitante. A quantidade de furos na parte onde não deveria ter furos era quase igual à da parte que deve ter furos. Entenderam a situação? Conversando com algumas pessoas que estavam lá em casa para um almoço falei que precisava substituí-las, mas não sabia onde comprar umas novas. Uma sobrinha disse logo: “Tem no Alecrim”.

    Em outra oportunidade e ainda sobre o tema fogão comentei: “Tô vendo a hora essas grelhas se desmancharem de tão desgastadas”. Cá pra nós, que fogãozinho mais sambado esse meu! Carecendo de um novo. Dessa vez foi uma irmã, mãe daquela sobrinha, quem deu o pitaco: “Tem no Alecrim. Na principal, ao lado da parada de ônibus, numa loja que fica na esquina”. Pelo visto, mãe e filha são frequentadoras assíduas do Alecrim. O que não é o meu caso, que desde que mudei para Nova Parnamirim jamais voltei ao Alecrim. Pelos meus cálculos, lá se vão uns 15 anos. Um fato lastimável.

    Continuando na cozinha, a minha panela de pressão estava com a válvula da tampa quase partindo e como havia o risco de acidente parei de usá-la. Quem gosta de cozinhar sabe o quão desagradável é ficar com uma panela de estimação fora de combate. Falei com Maria, minha esposa, que teríamos que comprar uma nova. Na intenção de evitar um prejuízo maior, ela logo apresentou a solução: “Mostrei essa tampa a vizinha e ela disse que tem essa válvula pra vender. Mas SÓ tem no Alecrim”. Vou dizer uma coisa: quando esse tipo de informação vem reforçada por um sonoro SÓ, aí lasca tudo!

    Outro dia estava na fila do caixa do supermercado e em frente tem uma loja de roupas femininas. Na vitrine estava descrita em letras grandes uma promoção que eu confesso não entendi patavina (ai novo!): “Na compra de 2 peças ganhe 50% de desconto na segunda”. Não tinha nenhum preço em destaque. A mocinha do caixa comentou com uma cliente que passava as compras: “Quando sair daqui vou dar uma olhada nessa promoção”. A cliente de imediato aconselhou: “Vá não. No Alecrim você compra duas de qualquer dessas peças da vitrine por R$ 50,00”. Acho que ela leu os 50% como R$ 50,00, mas isso não vem ao caso. Qualquer roupa no Alecrim é mais barata.

    Eu tenho um primo que é apaixonado por carrinhos de corrida de controle remoto e outro dia precisou comprar uma peça para consertar o seu brinquedo. Pesquisou na internet e desistiu. Os preços até que eram acessíveis, porém os impostos de importação os tornavam inviáveis e ainda havia a demora para receber a encomenda. Falou sobre o seu problema com um companheiro de diversão e ouviu a solução: “Tem uma loja no Alecrim que vende. Fica na rua…. (e explicou detalhadamente como chegar no endereço)”. Em um certo sábado de manhã, lá se foi ele em busca da preciosa peça. Cabe aqui destacar que esse meu primo é completamente desorientado no trânsito. Agora imaginem o desprevenido no Alecrim, em pleno sábado dia de feira e à procura de um endereço. Com muito custo conseguiu estacionar o carro em uma rua aleatória e saiu a pé em busca da loja. Não encontrou e ainda perdeu o carro. Acabou voltando para casa de Uber e depois retornou ao Alecrim com a esposa (bem mais orientada do que ele) para recuperar o carro. Depois de várias buscas e informações desencontradas conseguiram encontrá-lo. Só não encontraram a tal loja e, por conseguinte, a peça. Não faz muito tempo perguntei a quantas andava a busca pelo almejado objeto e ele me falou que tinha dado um tempo. Estava criando coragem para convencer a esposa a ir com ele num sábado pela manhã no Alecrim.

    Em tempo: encontrei as bocas do fogão em uma lojinha na Av. Maria Lacerda em Nova Parnamirim, bairro onde moro, e a válvula da panela de pressão na internet. Comprei um kit com a válvula principal (peso do pino), a válvula de segurança e a borracha de silicone. Eu mesmo fiz as substituições e a minha inseparável panela ficou zerada e funcionando que é uma maravilha. Tenho certeza que essa minha atitude motivada apenas e tão somente pela preguiça de “ir bater no Alecrim” me fez perder dinheiro nessas compras. Afinal, no Alecrim é tudo mais barato.

    Quanto as grelhas, não encontrei em lugar algum seja físico ou virtual. Por enquanto dei uma lixada e melhoraram um pouco de aspecto. Mas ainda carecem de substituição. Qualquer dia desses crio coragem e “vou bater no Alecrim”.

    E agora “bateu” foi uma saudade danada do Alecrim. Saudade de ir à feira comprar de tudo um pouco e tomar umas lapadas de cana naquelas barracas de comidas maravilhosas preparadas em fogareiros feitos de latas de tinta ou querosene. O tira-gosto favorito era pé de frango cozido, quase desmanchando, com farofa. Uma delícia! Isso, é bom que se diga, muito antes desse manjar dos deuses tornar-se um dos símbolos trágicos do “miserê” que o foi o governo do genocida.

    Definitivamente, para um preguiçoso confesso que nem que eu, não é legal morar a 32 minutos de viagem e a 12,7 km do Alecrim. Na próxima encarnação quero nascer e morar nesse bairro tão querido, rico, tradicional e pitoresco. E que tem de tudo e mais barato.

  • “OLHA A CABELEIRA DO ZEZÉ” OU JORNALISMO CULTURAL X JORNALISMO DE ENTRETENIMENTO

    Com transmissão da TV Record, no domingo (10/03), Ituano e São Paulo faziam um jogo decisivo na última rodada da primeira fase do Campeonato Paulista. O Ituano tentava uma última cartada para evitar o rebaixamento e o São Paulo buscava uma vaga nas quartas de final, que caso não viesse seria uma tragédia de proporções titânicas.

                Pois bem. Jogo pegado, truncado, “só a vitória interessa aos dois times” destacavam esbaforidos narrador, comentarista e repórter de campo. Em meio a tensão do jogo, eis que, após uma bola chutada pela linha de fundo, o narrador Lucas Pereira dispara no mesmo tom empolgado da narração: “Não percam logo mais no Domingo Espetacular como ficou o novo visual de Zezé di Camargo após o transplante capilar!”. Como diria Jéssica (Samantha Schmütz), do humorístico “Vai que cola”: “Que p* é essa?!”. Fazer chamada da programação da emissora durante transmissões esportivas não é nenhuma novidade. A Globo faz isso, principalmente com suas novelas, há mais de trinta anos. Mas anunciar a nova cabeleira do Zezé, foi demais!

                Essa escalafobética chamada em meio a uma emocionante narração esportiva e para um assunto tão insignificante (pelo menos para esse que vos escreve e que tá pouco se lixando para a revolução capilar do Zezé) fez-me rir, mas também refletir sobre a linha tênue que separa o jornalismo cultural do jornalismo de entretenimento, em meio aos variados programas classificados como “informativos” espalhados pelos diversos canais de TV (aberta ou fechada) do Brasil.

    O Domingo Espetacular, citado na chamada, é definido por seus idealizadores como “um programa formatado para ser uma revista eletrônica de informação e entretenimento para os telespectadores aos domingos”. Ou seja: jornalismo e entretenimento ou jornalismo de entretenimento, o qual muitos confundem com jornalismo cultural, que é o que menos se vê nessas tais revistas eletrônicas.

    Foi o jornalismo de entretenimento que tirou jornalistas/apresentadoras tarimbadas como Fátima Bernardes, Patrícia Poeta e Maria Beltrão (entre outros e outras) das sisudas bancadas dos jornalísticos globais e as levou para os convidativos cenários dos programas matinais de variedades.

                Academicamente falando, o jornalismo cultural é o campo do jornalismo que se emprega em relatar fatos relacionados com a cultura, seja ela local, nacional ou internacional. É uma especialização do jornalismo enquanto profissão e abarca as mais diversas manifestações culturais, tais quais, artes plásticas, música, cinema, teatro, literatura, folclore, cultura popular, etc. No entanto, muitas vezes ele é negligenciado em meio ao frenesi digital dos influencers, youtubers, tiktokers, instagramers, xisters (existe isso?) e afins.

    Se por um lado o jornalismo cultural pode ser uma forma rica e literária de contar histórias, por outro, ele também oferece ao jornalista o risco de cair na armadilha do jornalismo raso, um jornalismo de celebridades ou um jornalismo de colunismo social, preocupado apenas em abastecer a indústria do entretenimento.

    Para fugir da “tentação” de sucumbir ao sensacionalismo e a superficialidade o jornalista precisa manter um compromisso sólido com a ética jornalística e se especializar e adquirir conhecimentos para que suas opiniões sejam valorizadas pelo público. O seu texto deve conduzir o leitor a refletir sobre as influências históricas e culturais que um determinado fato pode produzir.

    Portanto, jornalismo cultural e jornalismo de entretenimento são duas coisas completamente distintas.

    Voltando à vaca fria e “deixando a profundi… dade de lado”, como já dizia o gênio Belchior, transcrevo algumas pérolas do jornalismo de entretenimento pinçadas dos dois principais portais de notícias do Brasil:

    No UOL:

    “João Vicente provoca Ewbank e fala em suruba com Gagliasso”

    “No Brasil, modelo posa decotada e cita perrengue com caipirinha e mosquitos”

    “Ousada, Marina Sena posa de biquini e tampa o umbigo em foto”

    “Gagliasso surpreende seguidores pela forma como limpa bumbum”

    No Globo.com:

                “Novo affair de Jade Picon, bilionário primo de noivo de Marina Ruy Barbosa já namorou outra ex-BBB: veja quem é”

                “Após flertar com Deolane, Fiuk é flagrado aos beijos com morena em aniversário de influenciadora”

                “Sabrina Sato filma Nicolas Prattes em cachoeira”

                E não citei nada do BBB-24!

                Esse é o tipo de conteúdo que abunda (ops!) nas seções de entretenimento dos principais portais de notícias do Brasil diariamente. Tem para todos os gostos. Agora, justiça seja feita: nada supera a cabeleira do Zezé. Chamada em meio a uma transmissão de futebol para destacar o novo visual do gasturento mor após tratamento capilar é de lascar o cano, como diziam os antigos.

                Ah! E quanto ao jogo – que é o que menos importa nessa história – o São Paulo venceu por 3 a 2 com um gol de pênalti nos acréscimos dos acréscimos e se classificou para as quartas de final. No domingo seguinte empatou em 1 a 1 com o Novo Horizontino e perdeu nos pênaltis, ficando de fora das semifinais do Campeonato Paulista. O Ituano foi rebaixado.

    PS. Logo após utilizar a expressão “de volta à vaca fria” fiquei curioso sobre a sua origem e resolvi pesquisar. Se o caríssimo leitor quiser saber mais sobre, leia aqui: Qual a origem da expressão “voltar à vaca fria?”.

                Afinal, Papangu é cultura e informação e pratica o jornalismo cultural em toda a sua plenitude.

  • LAMA, TRAGÉDIA E IMPUNIDADE

    25 de janeiro de 2024: Cinco anos da tragédia de Brumadinho/MG.

    A Vale (que já foi do Rio Doce) foi privatizada em 1997. Em 2007 excluiu o “do Rio Doce” de sua razão social, como que prevendo as desgraças que viria a provocar.

    A VALE NÃO VALE UM VALE (janeiro de 2019)

    Autor: Marco Túlio Cícero

    A Vale não vale uma vida / A Vale do Vale da morte

    O Vale da história perdida / Entregue à própria sorte

    O Vale do desencanto / O Vale que vale um canto

    A Vale dos Vales sepultos / A Vale da “mais valia”

    A Vale de mil insultos / Vale da “valetocracia”

    O Vale dos corpos sumidos / O Vale dos desvalidos

    O Vale que sangra resíduo / O Vale que implora por luz

    A Vale ignora o indivíduo / Esparrama no Vale seu pus

    A Vale que a dor equivale / A Vale não vale um Vale

    A Vale da degradação / De um Vale triste, desolado

    A Vale da morte nas mãos / De um Vale que clama assustado

    O Vale que vale um carinho / O Vale não sofre sozinho

    O Vale perdeu seus rios / A Vale destrói esperanças

    A Vale comete ecocídios / E a mão da lei não lhe alcança

    O Vale do verde que chora / E da sirene que apavora

    O Vale que já foi doce / A Vale da grana nefasta

    O Vale de morte inundou-se / A Vale que o Vale devasta

    O horror que vale uma rima

    DEVOLVA MEU VALE, ASSASSINA!

    FÉRIAS DE AMOR E MAGIA

    Férias chegando (para mim, no caso), lembrei-me de uma poesia, quase música, que fiz como atividade de uma disciplina do curso de Jornalismo na UFRN.

    No quarto período (2018.1) paguei Oficina de Redação Criativa com a minha querida Michele Ferret. Professora, jornalista, poetisa, artista plástica, cantora, compositora, roteirista, escritora, diretora de arte, produtora, organizadora de saraus e tudo que de lindo possa existir no mundo das artes.

    Em uma certa aula, ela pediu que os alunos falassem qualquer palavra que lhe viesse à mente e foi tomando nota. Ao final tínhamos trinta e seis palavras completamente aleatórias. A atividade seria escrever um texto em qualquer formato usando no mínimo cinco dos termos elencados.

    Eu – metido a besta e “amostrado” como sempre – falei que iria usar todas as trinta e seis palavras em uma poesia. Como àquela época (início de 2018) eu já tinha a ideia de escrever o meu TCC tendo como tema a Música Brega no RN, tive a ideia de transformar a poesia em uma música brega. Essa música seria apresentada durante a defesa do TCC. Leiam aqui o resultado da pesquisa para o TCC: Revista Digital/Reportagem: A Música Potiguar Brega como identidade musical do Rio Grande do Norte.

    Infelizmente veio a pandemia, a defesa foi realizada on-line em fevereiro de 2022 e acabei não musicando – quem sabe um dia – a poesia que transcrevo abaixo.  As trinta e seis palavras e expressões aleatórias estão em destaque.

    Férias de Amor e Magia (Música Brega)

    Eu só queria SOSSEGO

    NORDESTE, CEARÁ, simples assim

    Curtir minha MACONHA na AREIA da PRAIA

    E numa “VIAGEM” tropeçar

    Na lâmpada do GÊNIO ALADIM

    FÉRIAS, SOL e CERVEJA

    À noite, um chá de JASMIM

    Mas você fez BRUXARIA

    E me envolveu com sua MAGIA

    Era para ser um simples CINEMA

    HARRY POTTER ao final da tarde

    Um brinde com PIPOCA

    Para selar nossa AMIZADE

    Então resolvemos comer SUSHI

    E dessa vez nós brindamos

    Com batida de 51 e ABACAXI

    Da EMPATIA ao DESEJO

    Surgiu o primeiro BEIJO

    Conversamos olhando o MAR

    Relações HUMANAS, FILHOS

    Sem o PROUNI de LULA como EDUCAR

    Até parece sem nexo

    Você gosta de Peppa e MATEMÁTICA

    Eu de PORTUGUÊS e BOB ESPONJA

    E o prazer do primeiro SEXO

    Foi como abrir uma CONCHA

    E encontrar uma PÉROLA rara

  • OS “PARÇAS”

    Eles são de uma fidelidade e solidariedade mútuas inabaláveis e acima de qualquer crime, pecado ou suspeita. Eles são os parças e habitam o reino fantástico do futebol dos bilhões.

    A gíria parça, de parceiro, comparsa, amigo fiel, já se incorporou ao vocabulário dos boleiros ou jogadores de futebol, principalmente dos que viram celebridades. Em algumas ocasiões, a hipocrisia predominante no modus operandi dos parças nos remete a emblemática frase “ninguém solta a mão de ninguém”. Desde que, evidentemente, aplicada em um contexto completamente inverso às suas finalidades originais.

    À guisa de informação, a expressão “ninguém solta a mão de ninguém” viralizou nas redes sociais ao emoldurar um desenho (duas mãos entrelaçadas com uma flor ao centro) da artista plástica e tatuadora mineira Thereza Nardelli, de 30 anos, concebido logo após a confirmação da eleição do genocida em 29 de outubro de 2018. A arte traduzia o sentimento de incerteza com o futuro do país e o temor, especialmente por parte da população LGBT, negra, feminina e indígena, além dos refugiados, diante das abomináveis declarações e atitudes que marcaram a trajetória do presidente eleito.

    À época, Thereza afirmou que o desenho era seu, mas a frase foi dita por sua mãe: “A gente atravessava um momento difícil na nossa vida pessoal, mas o país também passava por dificuldades. Aí ela virou pra mim e disse, ‘ninguém solta a mão de ninguém’”.

    Em postagem do dia 02 de novembro de 2018, a jornalista Lourdes Nassif do Jornal GGN, afirma que o “ninguém solta a mão de ninguém” era o grito de pavor que ecoava nos barracos improvisados onde funcionava o Curso de Ciências Sociais da USP, nos Anos de Chumbo: “De noite, quando as luzes das salas de aula eram repentinamente apagadas, os estudantes buscavam as mãos uns dos outros e se agarravam ao pilar mais próximo. Depois, quando as luzes acendiam, faziam uma chamada entre eles. Muitas vezes acontecia de um colega não responder, pois já não estava mais lá”.

    E como agem os parças?

     Robinho, condenado estupro em todas as instâncias na Itália, vive livre, leve e solto por aqui. Apaniguado pela justiça brasileira, que vem postergando o acatamento de um pedido da justiça italiana para que ele cumpra a sentença de nove anos de prisão no Brasil, segue jogando seu futevôlei tranquilamente e sem ser incomodado nas praias de Santos, São Paulo.

    Está sempre muito bem acompanhado por parças de fé, dentre eles o bom moço e integrante da tradicional família brasileira, Diego Ribas, que quando indagado sobre o estupro praticado pelo ex-companheiro de Santos Futebol Clube escolheu não falar sobre o assunto, por serem amigos, quase irmãos, desde a mais tenra idade. É assim que funciona entre os parças.

    Diego e Robinho são os maiores expoentes da segunda geração dos “Meninos da Vila” (a primeira é de 1978), responsáveis pela conquista do título brasileiro de 2002 pelo Santos após 18 anos de espera e por isso não merecem ser abespinhados enquanto se divertem em sua cidade natal.

    Robinho é apenas um caso – entre vários – de atletas ou ex-atletas, treinadores e dirigentes, envolvidos em crimes de violência contra a mulher, e que via de regra são “esquecidos” pela mídia e tratados com naturalidade entre os parças. Mas esse é um assunto a ser desenvolvido com mais detalhes e informações em um outro artigo.

                Eis que agora, no alvorecer de 2024, em mais um singelo caso de filantropia entre parças, descobrimos que Daniel Alves, preso na Espanha por estupro, recorreu a ajuda financeira de Neymar (da terceira geração dos “Meninos da Vila”) e família. O parça de longa data, é claro, não negou a ajuda. Neymar pai transferiu para o estuprador 150 mil euros (R$ 800 mil) que foi utilizado para pagar uma multa à Justiça espanhola. Chamado de “atenuante de reparação de dano causado”, esse valor pode reduzir a pena de Daniel, em caso de condenação.

    Além disso, Daniel Alves constituiu como procurador, Gustavo Xisto, um dos representantes jurídicos mais antigos das empresas de Neymar pai, que confirmou a ajuda financeira e jurídica: “A família nos pediu ajuda. O Daniel não tinha dinheiro para se defender, e o prazo para o pagamento da defesa estava expirando. Pense bem, em nenhum momento, eu podia negar ajuda a um amigo que está tentando se defender de uma acusação”. Parça que é parça, não larga a mão de um parça.

    Tempos atrás em um texto sobre o desgoverno do genocida, eu escrevi que para aquele período nefasto, a frase “quando a gente pensa que já viu tudo” não fazia mais sentido. O correto seria “a gente ainda não viu nada”. A mesma expressão serve para Neymar & Cia e seu séquito de fiéis parças.

    A SÍNDROME DA CANÇÃO PRESA OU “VERME DE OUVIDO”

    Desde o réveillon estou com a música “Coladin” grudada no meu cérebro. Já fiz de tudo, mas não tem jeito. Venho atravessando esse mês de janeiro com “Coladin” colado no meu ouvido. Pesquisei sobre essa praga e fiquei sabendo que esse fenômeno é conhecido no meio científico como “síndrome da canção presa” ou “verme de ouvido” (earworm, em inglês). No popular, “música chiclete”.

    O negócio é sério! De acordo com o neurologista Rodrigo Santos de Araújo, do Hospital Universitário da UFS (Universidade Federal de Sergipe), quando isso acontece o cérebro entende como uma memória evocada: “Quando a gente ouve uma canção ativa um processo auditivo temporal. Ouve a música e passa. Já a canção presa é uma memória que fica sendo evocada, às vezes por anos, o que chega a incomodar bastante a pessoa. Isso impacta na qualidade de vida. A pessoa está fazendo outra atividade e aquela música ali na cabeça o tempo todo. É difícil tirar do pensamento”. Sentiram o drama?! Nem sei como estou conseguindo escrever esse texto, com “Coladin” martelando no meu juízo.

    Uma das dicas apresentadas para solucionar esse infortúnio é ouvir outras canções, principalmente aquelas que estão entre as suas preferidas e se possível cantá-las em voz alta (coisa de doido). Não funcionou.

    Como as minhas canções preferidas não resolveram, dias atrás num ato de desespero, aloprei. Apelei para a aberração poética, estética, fonética, linguística, semântica, harmônica e filosófica, “Sinônimo de amor é amar (Sinônimos)”, tema de abertura da novela “Agro e paixão”, nas vozes dos grudentos e gasturentos Chitãozinho e Xororó:

    “O amor é feito de paixões/E quando perde a razão
    Não sabe quem vai machucar

    Quem ama nunca sente medo/De contar os seus segredos
    Sinônimo de amor é amar”.

    Não resolveu. E foi melhor assim. Esse estrupício sertanejo é infinitamente pior do que o “Coladin”.

    Diante do exposto, resolvi compartilhar minha maldição do “Coladin” com vocês. Quem ler esse trecho da música e conhece a melodia, vai ficar com ela grudada na mente pelo resto da vida. O autor do “chiclete” é o simpático Zé Vaqueiro.

    “Minha deusa/Até desarrumada é perfeita/

    Não nasceu pra ser mulher solteira/

    Nasceu pra mim pra ficar ‘coladin’/

    ‘Coladin’, ‘coladin’, ‘coladin’”.

    PS. A primeira vez que ouvi “Sinônimos” foi com Zé Ramalho e até pensei que era uma composição sua. É do eclético Paulo Sérgio Valle, Cláudio Noam e César Augusto.

    ENTÃO É NATAL, E O QUE VOCÊ FEZ?…

    Perguntou-me a bela Simone através do som ambiente do supermercado, logo aos primeiros dias do mês de dezembro. Pensei cá com os meus botões: o que foi que eu fiz mesmo em 2023? Então lembrei-me de uma resposta que dei a uma amiga de faculdade em uma troca de mensagens, lá pelo mês de setembro. Perguntou-me a amiga: “E aí, Marco. Que que você tem feito?”. Eu respondi: ainda tô festejando a vitória de Lula.

    Pois é, minha querida Simone. Em 2023 eu festejei a paz, o amor, a ternura, o carinho, a fraternidade, a solidariedade, a generosidade, a empatia, a alegria, a caridade, a bondade, a amizade, o afeto, o afago, o abraço, a cortesia, a gentileza, o cafuné e o “chêro”, a tolerância, a delicadeza, a compreensão, o altruísmo, a beleza, a felicidade, a benevolência, o humanitarismo, a compaixão, enfim, tudo de bom que representa a volta de Lula Presidente, depois de longos e tenebrosos anos de uma hecatombe humanitária que assolou e quase destruiu o Brasil. Festejei, estou festejando e vou festejar pelo resto da minha vida.

    Dito isso – ainda tá em tempo – desejo um excelente 2024 ao magote de “papangus” que prestigiam essa revolucionária Papangu na Rede.