O HOMEM QUE VIROU PAUTA
Nesse fevereiro, concluí oficialmente o curso de jornalismo na UFRN. Foi uma aventura e tanto. Acabei me atrasando em um semestre ou dois – nem sei direito – por causa da pandemia e o início do ensino remoto. Aquela confusão toda me deixou completamente desarvorado e acabei esquecendo de me matricular na época devida, no estágio obrigatório e no trabalho de conclusão de curso (TCC).
O período de ensino presencial foi realmente fantástico. Voltar a uma sala de aula depois de mais de trinta anos e conviver com aquele bando de jovens que me acolheu como um dos “seus”, sem me dispensar qualquer tratamento diferenciado por causa da minha idade (55 anos quando entrei na faculdade em 2016), foi uma experiência que transformou a minha vida. Para sempre e para muito melhor.
Confesso que no início foi um pouco assustador. Porém, o medo de ser “escanteado” por ser o mais velho da turma foi sendo superado aos poucos. Para isso recorri ao meu costumeiro bom humor e aos relatos de burlescas histórias e experiências de vida durante as conversas entre colegas de turma nos intervalos das aulas.
Nunca vou esquecer dos servidores e terceirizados locados no Departamento de Comunicação que habitualmente me tratavam muito bem e insistiam em me chamar de “professor”, ainda que eu retrucasse sempre, que era aluno. Acho que eles nunca acreditaram no que eu dizia.
A tradicional apresentação dos alunos a cada primeira aula de uma disciplina, demorava mais quando chegava a minha vez. Além do professor, sempre havia um ou outro aluno curioso em conhecer um pouco mais sobre aquele senhor grisalho, que parecia fora do contexto. A minha apresentação sempre começava assim: sou Marco Túlio, esquerdista desde o nascimento já que sou canhoto e petista antes mesmo do PT existir.
A cultura geral acumulada em anos de leitura na busca por informações e conhecimentos, ajudaram muito durante as aulas. Em geral, quando um professor citava algum fato acontecido entre os anos 1970 e 2000, já vinha acompanhado do rotineiro: “Marco Túlio, você deve se lembrar. É do seu tempo”.
Por volta do segundo período, já completamente entrosado com colegas e professores e também por causa dos meus bem vividos 56 anos, porém, com rostinho e corpinho de… 56, acabei virando pauta de reportagem no curso.
Como sou uma pessoa muito fácil ou acessível (soa melhor) e diariamente estava transitando nos corredores do Departamento de Comunicação, era sempre procurado por alunos de outros períodos que estavam escrevendo matérias do tipo: “Pessoas com mais de 40 anos que voltaram a estudar”. Muitos nem me conheciam, mas os próprios professores me indicavam para ser entrevistado. E eles chegavam: “O senhor é o Sr. Marco Túlio?”. E eu respondia: – Ele mesmo. Mas se me chamar de senhor outra vez, não dou a entrevista.
Não recusava nenhuma matéria. Fui fotografado e entrevistado umas dez vezes em quase cinco anos de convivência no departamento. Quem chegasse primeiro, levava. A matéria.
Um pouco antes da suspensão das aulas por causa da pandemia, Cecília, uma colega de “corredor do Decom”, me procurou para gravar um vídeo contando minha experiência universitária. O dia marcado para a gravação foi o primeiro dia da suspensão das aulas presenciais na UFRN. Nunca mais nos vimos. Ela me mandou uma mensagem perguntando se eu poderia enviar um depoimento por escrito para o seu trabalho. É claro que respondi que sim e escrevi um pequeno texto em resposta à pergunta “O que o motivou a voltar a estudar?”. Eis a resposta:
Não foi uma coisa muito pensada. Pra falar a verdade, foi quase como um desafio, uma brincadeira.
Eu tenho uma sobrinha, Andréia, que reclamava muito da dificuldade em passar no Enem. Sempre que nos encontrávamos ouvia essa reclamação. Certa vez eu disse: “Pois eu vou fazer o Enem e vou passar”. E ela: “Ah! Eu quero ver, tio”. E eu fiz minha inscrição no último dia do prazo.
O tempo passou e de repente chegou o fim de semana das provas. Na sexta-feira, eu estava em casa, tomando a tradicional cervejinha com minha esposa Maria e alguns amigos e fazendo um churrasquinho de leve, quando chegou minha irmã Stela, que é professora da UFRN, já me dando a maior bronca: “É bom maneirar na cerveja e ir dormir cedo, que amanhã tem prova”. E eu: “Puta merda! Tava nem me tocando”. Mas, para acalmá-la, falei que iria dormir cedo. Que nada! Fui dormir ou tentar dormir, quase às 3 da manhã. Acordei no sábado com uma ressaca desgraçada.
Logo cedo Stela me ligou dizendo que iria deixar Andréia no local da prova e que me levaria também. Fez realmente marcação cerrada. Fui fazer a prova, só Deus sabe como. Depois de mais de 30 anos, voltei a entrar em uma sala de aula e a me sentar numa cadeira escolar. Apesar da ressaca, consegui fazer a prova sem muitas dificuldades.
Quando entrei no ônibus pra voltar pra casa, encontrei duas amigas de minha filha Débora e perguntei: “Vão pra onde suas ‘tontas’?”. E elas responderam: “Lá pra sua casa. Debinha tá fazendo um churrasco pra turma”. Não deu outra. No domingo repetiu-se o “duo” ressaca-prova, só que com uma ressaca redobrada. Mas consegui chegar ao fim.
Para não encompridar muito a história, quando foi na época de sair o resultado do Enem, eu estava de férias com minha família em Tibau, uma cidade/praia próxima a Mossoró.
Estava na varanda da casa, deitado numa rede e brincando com minha neta Beatriz, quando Andréia me ligou aos berros: “Tio Túlio! Você passou!”. Eu dei um pinote da rede que quase derrubo o bebê: “Caralho! Acredito não. E você passou?”. E ela: “Passei não tio. Mas esquece. Tô feliz demais por você”. Mas aí, tinha uma história de ficar acompanhando um “troço” lá pelo site e eu não podia interromper minhas férias. Então passei meu login e senha e disse que ela cuidasse de tudo e fui pra uma barraca na praia tomar umas pra comemorar.
Localizar o histórico no Colégio Estadual de Mossoró, onde concluí o segundo grau em 1978, para fazer a matrícula na UFRN foi outra saga. Essa depois eu conto.
É isso. Quando cheguei para a primeira aula – no longínquo 2016.2 -, mais nervoso que gato em dia de faxina, pensei: “Vou passar um mês ou dois por aqui, e depois desisto dessa aventura”. Mas, fui contagiado e termino o curso de Jornalismo em 2021. E devo isso a vocês, meus queridos colegas de curso, que sempre me trataram com tanto carinho.
PS. Iniciei e não concluí duas graduações: Agronomia e História. Em Mossoró.