Quando cheguei a Natal no início de 1996, fui morar em uma casa, no Conjunto Mirasol. Essa casa, de ótimas lembranças e na qual morei por quase 15 anos até ir me arranchar em Nova Parnamirim, em 2012, tornou-se então o ponto de encontro de uma “reca” de irmãos – 2 homens e 4 mulheres que já viviam por aqui – nos fins de semana.
Foram farras memoráveis, daquelas que fazem vizinho chato chamar a polícia. Entre as mais célebres, está a da vitória de Lula em 2002 – deu polícia, é claro. O episódio ficou imortalizado em um cordel de autoria do poeta Kidelmir Dantas, também conhecido como Antôi Dedé, intitulado “A Festança da Vitória Lá na Família Feliz”. O cordel ainda foi parar em uma coletânea organizada por outro poeta, Crispiniano Neto, no livro “Lula na Literatura de Cordel”.
Pois bem. Em uma certa sexta-feira, mais precisamente no dia 14 de fevereiro de 1997, enquanto combinávamos o programa para a noite durante o almoço, alguém soltou:
— Hoje tem o último capítulo de O Rei do Gado. Quero perder não.
Outro já emendou:
— Então tá resolvido. Vamos assistir o último capítulo lá em Túlio.
Pronto. Estava dada a largada para uma tradição na família Oliveira que perdura até hoje.
É claro que ninguém conseguiu assistir ao tal último capítulo em paz. A TV na área com o som no último volume, a cerveja já rolando há algumas horas e todos falando alto e ao mesmo tempo (outra tradição familiar). Enquanto uns pediam silêncio, outros, que sequer tinham assistido a um único capítulo da novela, tentavam entender a história inteira no último. Reclamações não faltaram:
— É a última vez que venho assistir o último capítulo na casa de Túlio! Ninguém ouve nada!
Qual o quê?! Meses depois, lá estavam todos, no meio da mesma algazarra tentando assistir o “último capítulo”. E assim tem sido há anos.
Uma daquelas noites de “último capítulo” rendeu uma ótima história. Monte Neto — ou Netinho, ou “Little Neto” para os íntimos —, companheiro de farra desde os tempos de Mossoró, apareceu lá em casa. Chegou quase na hora em que a novela ia começar e do portão e com o violão debaixo do braço, já foi falando:
— Aí, Tulinho, aíí, Depí! (ele sempre reforça o “pi” no nome do meu irmão Deppe). Vamos levar um som!
Quando entrou e viu a turma toda sentada, bebendo de frente para a TV, perguntou espantado:
— O que é isso?! Tão assistindo o quê?
A resposta veio acompanhada de um pedido de silêncio:
— O último capítulo da novela. Fique quieto aí!
Sem entender nada, ele apelou:
— Vocês só podem tá de sacanagem comigo! Tulinho, deixa de frescura “home”! Pega ali a caixinha de som e os instrumentos.
As mulheres reclamaram em coro:
— Cale a boca, Netinho! No intervalo vocês conversam.
Quando deu o intervalo, nós fomos tentar explicar a história. E nem adiantou dizer que quando terminasse a novela, a gente iria fazer “um som”:
— “Nããããããã! Nunca vi um negócio desses! Só pode ser coisa de doido. Eu vou é embora. Se forem fazer alguma coisa amanhã, me avisem”.
Em outra ocasião, no segundo semestre de 2016, no curso de Jornalismo na UFRN, eu pagava a disciplina Teoria da Comunicação com o professor Juciano e as aulas eram nos quatro horários da sexta-feira. Normalmente terminavam já depois das 22 horas. Em uma certa aula, cada aluno deveria apresentar um vídeo, uma imagem, um texto, um objeto, enfim, qualquer coisa que conseguisse demonstrar a influência da televisão na sociedade.
Na minha vez, projetei uma imagem, tipo uma caricatura, de várias pessoas em frente a uma TV (procurei essa imagem na internet e não encontrei mais) e comecei: “O último capítulo de uma novela de sucesso, consegue mobilizar grande número de pessoas em frente a TV. Inclusive, a essa hora, minha família já deve estar toda reunida lá em casa para assistir o último capítulo de Velho Chico. Portanto, professor, gostaria que você me liberasse mais cedo”. A classe toda caiu na risada. E Juciano: “Libero. Mas antes explique essa história”.
E lá fui eu explicar que era uma tradição familiar, que em todo último capítulo de novela das nove da Globo se reuniam familiares e amigos para assistir, que fazíamos churrasco, bebíamos até dizer basta, e por aí vai. E os colegas começaram: “Quero ir também, Marco!”, “É pra levar o quê?”, “Tem que fazer reserva?”.
Veio a reclusão provocada pela pandemia da covid-19 e após esse período o número de assistentes foi diminuindo gradativamente, até porque a sexta-feira deixou de ser um dia de farras homéricas. Guardamos as energias para o sábado. A idade chega, gente! Ainda assim, seguimos com a tradição. No último capítulo de “Renascer”, em 6 de setembro de 2024, estávamos lá: eu, Maria e minhas irmãs Vera e Stela. Rolaram uns petiscos, umas cervejinhas, e como sempre, muitas reclamações, porque “Túlio não consegue ficar calado. Ave Maria”!
Agora, porém, algo nos preocupa. A novela atualmente no ar, Mania de Você, é tão estapafúrdia, com tantos atores e atrizes de qualidade duvidosa e atuações ridículas, que ninguém parece animado a assistir ao último capítulo, previsto para 28 de março de 2025. Será o fim de quase 30 anos de tradição? Culpa nossa é que não é. A responsabilidade recai sobre os autores, diretores e escaladores de elenco da Globo.
É claro que desde 1997, já sobrevivemos a muitos “últimos capítulos” de muita porcaria produzida pela Globo. Mas nada chega perto de Mania de Você e da atuação sofrível de Chay Suede – no papel do protagonista Mavi – que, pasmem, foi eleito “Melhor Ator de Novela” no prêmio Melhores do Ano 2024 da …Rede Globo, é claro.
PRÓSPERO NATAL E FELIZ ANO NOVO PARA TODOS!