Déjà vu: Gafanhotos
Não precisava ser profeta, sacerdotisa, intérprete de sonhos, quiromante, jogar búzios, cartas, ler a sorte na borra de café ou chás, muito menos ser futurólogo ou ter uma bola de cristal para saber que havia muito mais coisas entre o céu e a eleição em Natal do que supunha a nossa vã filosofia. No primeiro turno, uma disputa pra chegar ao muito ressabiado eleitor das pragas que – volta e meia – surgem na política norte-rio-grandense.
O resultado inicial foi até surpresa para muitos, afinal o ex-prefeito Carlos Eduardo parecia o prefeito de férias (prenuncio de que não acabaria bem). Sem adivinhações, o que pesou mesmo foi o apoio da máquina municipal comandada por Álvaro Dias (Republicanos), indicando Paulinho Freire para sua sucessão, que também tinha quase que a totalidade da Câmara municipal no bolso, dois senadores, alguns deputados federais, uma penca de deputados estaduais na mão, uma indústria de criação de fake News em rádios de aluguel da capital e da grande Natal, além de blogues e sites – ؙuma das pragas da modernidade, ditadas pelos gafanhotos profissionais da velha política potiguar.
O livro Êxodo do Antigo Testamento narra as pragas do Egito, e relata os castigos enviados por Deus, para forçar a libertação do povo hebreu da escravidão. Na História atual do Rio Grande do Norte o eleitor paga pra ver se salva um dentre uma peste extremista que de uns tempos para cá infestou a política nacional e só sabe se locupletar, traçando sem nenhuma vergonha o dinheiro público.
Se de um lado tínhamos a candidata Natália Bonavides surpreendendo ao chegar ao segundo turno, fazendo valer suas ótimas performances nos debates, deixando o candidato da extrema-direita, Paulinho Freire, parecer que iria desmaiar de tanto nervosismo e fazendo uma campanha limpa, propositiva e alegre. Do outro, aparecia o Freire, que não é só fraco nas ideias como mal preparado, com mais de 30 anos infestando o cenário potiguar como uma peste de piolhos e moscas. Mesmo assim, ele se manteve na primeira colocação, em momentos de completo despreparo nessa escuridão. “Onde fica o orçamento? Do que vive? O que come?”.
Uma preocupação que parecia atingir os candidatos no segundo turno era reverter a alta taxa de abstenção registrada no primeiro quando Natal teve o maior índice entre as capitais nordestinas. O descrédito, a falta de transporte público – que teve sua acanhada frota diminuída -, o feriadão para o servidor municipal junto a supostas ameaças, pagamentos por ausência e até retenção de títulos eleitorais, como apontam indícios, boatos e/ou denúncias colaboraram para que não houvesse uma melhora no quadro. Ao contrário, o segundo turno apresentou uma taxa ainda maior de eleitores faltantes. Foram mais de 150 mil ausências, que segundo César Sanson, professor de ciências sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), reflete tanto em questões estruturais quanto o desencanto com a política. Pontuais também, né?
Mas, independentemente dos obstáculos ao eleitor menos favorecido de nossa cidade, os apoios pesaram em 2024 e não foi por uma chuva de pedras, como no Egito, choveu foi dinheiro – e pesquisas e dinheiro e pesquisas… – notícia amplamente divulgada pela imprensa potiguar. O terceiro colocado Carlos Eduardo chegou a acusar, em uma postagem feita no Instagram, o atual prefeito Álvaro Dias de estar promovendo fake news e negociando apoio político em troca de cargos estratégicos na gestão municipal, revelando ainda que a aliança política com Álvaro não foi firmada devido a exigências que ele considerou inaceitáveis. Segundo o ex-prefeito, Álvaro queria quatro secretarias de “porteira fechada” em troca do apoio à candidatura de Paulinho Freire, algo que ele disse ter recusado. Finalizou dizendo que não participava de acordos dessa natureza. A peste do gado está entre nós, é bom ficar com uma pulga atrás da orelha.
Pulga e quantos mais insetos você quiser. Afinal, sabe-se que quando a elite comemora não serão os desvalidos a se darem bem. Prova disso é que na hora da “colheita” do resultado eleitoral até uma múmia de nome Agripino, que se encontrava em sarcófago em local incerto e não sabido, apareceu para as comemorações da vitória.
Sabe-se também que, eleição finalizada, todos que apoiaram Paulinho vão querer comer desse mato, ops, desse bolo. Mas, o que todo mundo já sabe mesmo é que não vai dar pra quem quer. Diante dos prognósticos, ou melhor, dos sinais, devemos esperar muito mais jogo de cena, muito mais engodo e tapeação, um déjà vu (ou seria déjá fu?) de Micarla. São os donos do mundo estrebuchando para não largar o poder e ter um pedaço ainda maior do que foi acordado. Talvez, para Natal, fosse melhor os gafanhotos.