O canto da sereia
É sabido que as sereias na mitologia grega eram demoníacas, capazes de atrair qualquer um que ouvisse o seu canto. Os marinheiros ou qualquer mortal se sentiam seduzidos por aquele belíssimo som que encantava. Daí, se descuidavam da embarcação e sempre acabavam naufragando. Razão pela qual Ulisses, rei de Ítaca, só escapou ao regressar à Tróia porque ordenou que tapassem os ouvidos de seus marinheiros com cera e o amarrassem ao mastro de sua embarcação. Ele queria ouvir o canto, mas sem correr o risco de ser destruído.
Ulisses foi extremamente esperto. Essa situação é lembrada por prefeitos e prefeitas do RN, que necessitam do tilintar do canto do Pix nas contas das prefeituras que gerem. Para o azar de Ulisses, na Odisseia, de Homero, não existia o escabroso e vergonhoso orçamento secreto, que vem bancando o migué das canções de parlamentares de má-fé. Seria até mais feliz sua volta para os braços de amada Penélope trazendo muita riqueza.
Vejam vocês, leitor e leitora, o caso do senador norte-rio-grandense Styvenson Valentim, que bate nos peitos (e haja peito anabolizado) para dizer que quem tá bancando as obras que o Governo Federal vem custeando pelo estado do Rio Grande do Norte é ele. Cantando com o orçamento alheio, Valentim tenta seduzir o máximo de comentários e curtidas em suas redes sociais e de possíveis aliados. Entretanto, para a infelicidade do nosso desafinado ‘sereio’ muitos gestores estão preparados com tampões nos ouvidos para não caírem em sua cantiga destoada.
Para se ter ideia da dimensão da aposta do nosso parlamentar rico em hormônios esteroides sintéticos no estrabismo dos prefeitos e prefeitas potiguares, em um vídeo em seu perfil do Facebook ele diz, de viva voz, para todos:
— “Eu vou ser um pouquinho arrogante, presunçoso, vou ser um pouco metido. Um político só tá mostrando, porque eu tô vendo aí umas movimentações em redes sociais de outros políticos dizendo cem milhões pra fulano, quarenta milhões pra sicrano, quarenta milhões pra saúde, trinta milhões pra saúde. Gente, eu disse que quarenta milhões eu construí um Hospital do Seridó, cinquenta eu tô construindo um aqui no Alecrim, Hospital de Criança com câncer, quatro milhões a gente deu uma usina de asfalto e fez quatro usinas já, dez milhões a gente fez uma ponte lá em Nova Cruz, cinco milhões a gente tá construindo uma escola de doze salas agora…” – conclui sem nem tremer sua tez botocada.
Desde que o ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Flávio Dino, comprou a briga com o Centrão suspendendo emendas do orçamento, querendo entender o destino das emendas secretas, estancando assim um poço sem fundo e sem transparência, as tramoias estão sendo expostas. Existe até um relatório da Polícia Federal (PF) que mostra como funcionava um suposto esquema de comercialização de emendas parlamentares indicadas pelos deputados do PL Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e Bosco Costa (SE) ao município de São José de Ribamar (MA).
Dizem que há muito mais podridão no reino da Dinamarca.
Dados do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal revelaram baixa adesão às determinações anteriores do STF. Das 4.154 contas pré abertas pelo BB, apenas 890 foram regularizadas. Na Caixa, somente 173 das 2.642 contas estão aptas para movimentação. E o pior: um relatório do Tribunal de Contas da União enviado ao STF indica que apenas 19% das emendas Pix dos últimos 6 anos permitem identificar o beneficiário final através dos extratos bancários. O volume de emendas parlamentares cresceu significativamente na última década: saltou de R$ 6,1 bilhões em 2014 para R$ 49,2 bilhões em 2024.
Voltando ao “esbanjador” do dinheiro do povo, a sereia, digo, o senador Valentim, ao responder a um comentário de um leitor na mesma postagem do vídeo publicado, que perguntou se essa publicidade toda do “tô pagando” seria por causa de suas pretensões ao pleito de 2026, desafinou, não só para seu interlocutor, mas, principalmente, para seus aliados que buscam – logicamente, assim como ele -, um horizonte favorável para emplacar suas musiquinhas de salvadores da pátria no próximo ano:
– Gente, tem que tá doido mesmo, entendeu? (para ser candidato) Na situação que tá hoje o Rio Grande do Norte, se não for interesse pessoal de fazer negócios, de fazer negócios com as coisas públicas, se não for coisa pessoal, de grupo que queira tirar vantagem do Estado pobre como esse, é roubar o pobre, viu gente? Se não foi isso, realmente tem que tá pirado, tem que tá muito doido pra poder botar gente numa coisa que anos vieram quebrando, anos vieram estragando esse Estado, anos. A tagarelice do senador sempre deixou seus pares atordoados, é fato. Mas dia após dia, o canto mavioso da sereia mais parruda do cenário político do RN agita sua base parlamentar para jogar a sujeira de mal informar o cidadão-eleitor do Rio grande do Norte. Parafraseando o nobre e inchado parlamentar, tem que tá doido mesmo é para se votar em tal candidato.