Ouso dizer que se dispensaria até ofertas e oferecimentos.
Bom, pelo menos até uma certa hora do dia.
Acordar com calma, se alongar na cama, comer o que der vontade. Tomar banho ou não, sair ou não, ver um filme ou não, ler… fazer o que se quer, sem agradar a ninguém nem conciliar desejos, a não ser os seus.
Uma caminhada na praia e um bom mergulho no mar cairiam bem nesse dia perfeito. Também seria interessante se sentar naquele pequeno restaurante e comer carpaccio tomando uma cerveja estupidamente gelada enquanto observa os passantes. Um dia longe do celular e de telas, a não ser as artísticas. Um passeio numa galeria de arte. Flanar num shopping olhando as vitrines… Sem pressa e sem compromisso. Tomar um café e se render aos proibidos doces folheando livros que não vai comprar. Desistir do cinema porque todos os filmes são dublados naquele horário e esticar até aquele barzinho sem frescuras e com boa música, pois enfim é hora de se reencontrar com seus amores, já que com seus afetos você passou o dia inteiro se reconectando.
2004 foi um ano muito enlouquecido em minha vida. Estava sem emprego, mas cheia de trabalho: atuei em três campanhas políticas, escrevi discursos, dirigi programas de TV e rádio, fui locutora, fiz publicidade, produzi um festival de música, gravei participação num CD, rodei o estado inúmeras vezes, passei por uma cirurgia, mudei de casa. No meio dos corres, o encontro com uma atrevida que começou a circular pelo RN e causava curiosidade sobre seus autores.
Não lembro bem quando ou qual edição me aproximou da revista Papangu, mas recordo que sempre que eu encontrava algum exemplar dava um jeito de mergulhar em suas páginas. Confesso que cheguei até a ‘surrupiar’ uma ou outra edição… as vantagens de usar bolsas grandes.
Naquele tempo – meu Deus, me sinto uma velha! -, existia também uma turma que se ‘reunia” no Yahhoo Groups, era o Beco da Lama virtual. Trocávamos ideias, opiniões, textos, poemas, debatíamos tudo, organizávamos eventos, fervilhávamos cultura. Ali, estreitei contato com alguns e conheci muitos e bons nomes. Túlio Ratto, dentre eles.
O tímido editor da Papangu mandava as notícias de sua Mossoró, tirava onda de todos, divulgava a serelepe revista e enfrentava detratores e agressões com galhardia. Túlio e sua trupe, que crescia a cada dia, era um respiro ante os ‘intelectualóides’ de plantão que dominavam o jornalismo cultural no estado e abria espaço para novos autores, artistas, escritores, poetas…
No final de 2005, por uma dessas tantas mudanças na vida profissional, lá fui eu aportar em Mossoró. Sem conhecer quase ninguém na cidade, pedi ajuda a Cid Augusto que me devolveu: “ligue pra Túlio Ratto, ele tem o contato de todo mundo”. E assim foi. De ligação em ligação, e-mail em e-mail, SMS em SMS, ficamos amigos que não se encontravam…
A campanha do ano seguinte me levou “de vez” para Mossoró. O quitinete da Frei Miguelinho chamado carinhosamente de castelinho foi testemunha de tantas mudanças e descobertas. A primeira cerveja com o Ratto dura até hoje, quase 18 anos depois. A peleja com a revista Papangu também – tô rindo, mas é com respeito.
Dos pitacos a pequenas colaborações até o escancaramento de matérias assinadas já teve um pouco de tudo. A Papangu me levou de leitora a entusiasta, de defensora a poeta, da mulher do cafezinho a cronista, repórter, editora, fotógrafa, produtora de festa… E, em meio às marés da vida, nos trouxe até aqui, do papel à internet. Quiçá, com ajuda das deusas e de todes, do infinito ao além. Simbora, Papangu!!!
Nem sei se preciso dizer que fui uma boa menina neste ano inominável de tão desafiador. Que os tempos não andam fáceis já sabemos, mas acho que não é necessário exagerar, né? Escrevo isso e penso que fora a perda de pessoas amadas, estamos aqui a despeito de tudo e mais juntos dos nossos e até disponíveis pros nem tão nossos assim. Estamos com saúde física – a mental está sendo batalhada a cada dia -, ainda temos prazer na companhia das pessoas, alegria para desfrutar de pequenos momentos , a grana não anda tão abundante, mas também não falta. Vem suada, como tudo o mais nesse mundo acalorado. Não sei avaliar se 2023 me trouxe mais maturidade ou se apenas aceitei o que não consigo mudar… Olha a maturidade aí, gente! Tenho respirado fundo mais vezes, confesso, naqueles átimos em que me sinto pronta a explodir. Algumas brigas definitivamente não valem a pena nem o mau humor e a tristeza que sempre acompanham o travo amargo das derrotas que a vida nos impõe. Não posso nem devo me cobrar mais do que consigo dar e se essa regra vale pra mim também tem que valer pros que me rodeiam. Sabe, Papai Noel, deve ser verdade aquele ditado que a gente tem que se perder para se achar… Assim como aquele que diz que o que acalma não é água com açúcar, mas água com sal, seja a do mar, do suor ou das lágrimas. Como canta Belchior, tenho chorado demais e se Deus é Brasileiro e anda do meu lado, posso me considerar uma garota de sorte, nem tão sã, nem sei de quê salva e um tanto o quanto forte e espero ganhar um merecido e belíssimo Ano Novo, cor do arco-íris, cheio daquelas coisas que sempre desejamos da boca pra fora ou do coração pra dentro: saúde, prosperidade, amor, harmonia. O mais importante eu já tenho, aquela meninazinha de olhos verdes chamada ES-PE-RAN-ÇA.
A Cidade Alta em dezembro era certeza de ruas iluminadas e famílias inteiras cheias de pacotes tentando andar de mãos dadas para ninguém se perder. As lojas ofereciam mercadorias para todos os gostos e bolsos. Quando o dia não era de compras, o lazer estava assegurado pelos cinemas e delícias com endereço certo, como um bom suco de frutas nativas, um pastel quentinho ou um sorvete saboroso. Nas calçadas, uma democrática mistura de estudantes, donas de casa, trabalhadores e visitantes.
Era assim. E já faz um tempo. O que se observa hoje na mesma Cidade Alta é um vazio que dói não só em quem conheceu os ditos tempos áureos, em quem vivenciou o Centro em algum momento de sua história – dos Cafés Grande Ponto e Magestic ao Café São Luiz, à Casa da Maçã, dos movimentos populares no calçadão da João Pessoa às apresentações teatrais do Alegria, Alegria, da escada rolante da Lobras aos cinemas Nordeste ou Rio Grande –, mas também em quem está só de passagem para dar uma olhada. É triste ver lugares outrora tão disputados sendo lacrados com tijolo e cimento.
Enquanto se revitalizam ou requalificam alguns prédios e espaços, outros se fecham e alguns órgãos e instituições públicas mudam de endereço, comprometendo ainda mais a vitalidade da Cidade Alta. Em contraponto, eventos culturais pululam e movimentam o bairro. O Festival Histórico de Natal, que ao longo do tempo se tornou cada vez mais grandioso e passou a fazer parte do calendário de festividades tradicionais da capital potiguar, é uma dessas iniciativas. “Precisamos resgatar o amor pela cidade, Natal tem um acervo cultural maravilhoso, diz Jarbas Filho, idealizador do evento.
Saindo do Marco Zero de Natal, a Praça André de Albuquerque, a Caminhada Histórica realizada no último dia 2 de dezembro levou mais de 2 mil pessoas às ruas com o objetivo de retomar o interesse e aproximar a população e os turistas do centro histórico da cidade. Para Alexandre Rocha, historiador que guia o passeio, o evento é uma oportunidade de se conhecer mais sobre o local em que vivemos, uma aula. “Houve um tempo em que esse era o Grande Centro. A cidade se desenvolveu a partir desse redor. Ruas, praças e avenidas que contam a História de Natal”.
Foi bonito ver famílias inteiras aproveitando a tarde do sábado para saber um pouco mais sobre Natal e seus monumentos. As irmãs Josy e Irla Ribeiro participaram pela primeira vez da Caminhada Histórica a convite da mãe e estavam animadas com o passeio. “Venho geralmente pro Beco da Lama, pro Zé Reeira, já fui também para um evento na Casa Vermelha, na Pinacoteca… Eu acho o Centro lindo e é incrível o resgate da cidade. Infelizmente alguns pontos estão mortos por falta de investimentos do setor público, mas acho o Centro incrível e gostaria muito de vê-lo vivo”, conta Irla.
Aos 50 anos, o fotógrafo José Aldenir, o ‘Joinha’, lembra que sempre frequentou o lugar. “Aqui é bacana, gosto de almoçar no Beco da Lama. Infelizmente o comércio teve uma caída, principalmente após pandemia. Eu reparo também que os comerciantes reclamam que os preços dos aluguéis são muito altos e termina o pessoal migrando para outros locais. Antigamente, o final de ano todo mundo vinha comprar roupa pras festas aqui, no São João também. Hoje, o comércio mais popular deixou o centro e foi para o Alecrim”.
A percepção de ‘Joinha’ é corroborada pelo colega de profissão, Fernando Pereira. Morador do Barro Vermelho, o fotógrafo fluminense radicado em Natal há 50 anos lamenta a falta de continuidade dos investimentos públicos no Centro da Cidade. “Moro perto, gosto de andar por aqui. Natal é uma cidade linda, infelizmente as praças não são bem cuidadas, entra ano sai ano, as praças continuam mal cuidadas, prédios mal conservados… também frequento o comércio do Centro que está em crise, todo mundo vê, muita coisa fechando”.
Fernando acredita que deveria haver um incentivo para alavancar o turismo na região. “Natal não é só praia. Precisa reformar… Quem vem pra cá não conhece a cidade, não tem um ‘city tour’, não tem nada pra conhecer o Centro”, reclama.
A Cidade Alta e o bairro da Ribeira formam o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da cidade de Natal, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 2010. O centro histórico possui um conjunto preservado com elementos urbanos do núcleo colonial e outros que evidenciam a trajetória de modernização da cidade. Os prédios mais conhecidos são a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação (Catedral antiga), o Palácio do Governo, atual Pinacoteca, o Sobradinho (hoje Museu Café Filho), o Palácio Felipe Camarão, sede da Prefeitura do Natal, Solar Bela Vista e o Theatro Alberto Maranhão.
Para o historiador Thiago Henrique, o Centro não precisa só de comércio, eventos e turismo e sim de ocupação popular. “Aqui não é um bairro em que se vive, é um bairro que se consome comercialmente, mas ele é consumido até determinado ponto, no horário comercial. Na minha percepção, para que o centro comece a ser vivido 24 horas, precisa que exista um projeto de moradia popular para que as pessoas vivam realmente aqui e não só sobrevivam do comércio formal e de ambulantes”, defende.
Com uma vivência desde a infância no bairro em que seus pais trabalhavam, Thiago costuma frequentar o Centro da Cidade profissionalmente e para lazer, além de desenvolver pesquisas na área para a universidade federal. “A cidade muda com o tempo, se renova e eu gosto de acompanhar essa dinâmica. Mas, sinto falta de pessoas vivendo aqui para além de momentos de transporte ou trabalho. Eu sinto falta disso 24 horas. Não existe segurança, não existe possibilidade de ter um tipo de turismo acessível no centro histórico… O caminho da Cidade Alta é a ocupação popular, principalmente dos prédios que estão à mercê da especulação imobiliária”, afirma o jovem historiador.
A despeito do esvaziamento e fechamento de lojas, a comerciante Lindomar Medeiros costuma rebater quem fala que “o Centro está morto”. Dona de uma ótica no edifício Barão do Rio Branco, Lindomar lembra que dali vivem muitas famílias que se levantam cedo e trabalham duro todas as semanas. “Podem vir, não morreu, não. Aqui no Centro você consegue comprar de tudo. E os preços são os melhores”, convida ela.
Acreditando nisso, o Sistema Fecomércio RN lançou o “Brilha Natal”, que será realizado entre os dias 13 e 23 de dezembro e promete movimentar o comércio de rua do Alecrim e da Cidade Alta com uma extensa programação cultural. “O Centro da Cidade está passando por um esvaziamento, as pessoas se afastaram. O ‘Brilha Natal’ é mais uma contribuição na tentativa de reverter essa situação, de chamar as famílias para passear e fortalecer o comércio de rua”, afirmou o presidente da Fecomércio RN, Marcelo Queiroz, durante o lançamento do projeto, no último dia 24.
Iniciativas como essa, junto com os diversos eventos culturais no Centro Histórico, talvez consigam trazer de volta a efervescência do bairro e seus inúmeros clientes e visitantes. A beleza dos longevos prédios e templos religiosos é um charmoso diferencial que costuma encantar gente de todas as idades e emociona quem já caminhou muito por essas ruas, como o senhor Jaime Rodrigues Magalhães, de 90 anos, que estudou na antiga Faculdade de Farmácia e fez questão de participar pela primeira vez da Caminhada Histórica de Natal. “Gosto dos prédios históricos, da antiga governadoria, do prédio da Prefeitura, a praça André de Albuquerque …”.
“De perto, ninguém é normal”. Pelo que tenho visto e conversado com amigos, Caetano nunca foi tão certeiro. Quase todo mundo que conheço toma algum ‘remedinho’. Seja para conseguir dormir, tratar depressão, controlar a ansiedade. E, não, não é só gente da minha meia inteira idade. É todo mundo mesmo. Crianças agitadas se tornam hiperativas e são medicadas. Adolescentes buscam seu lugar no mundo e viram melancólicos depressivos. Adultos não conseguem dormir por tantos motivos e têm que ser dopados. Ansiedade campeia, crises de pânico, tristeza. Ah, deixa de ser exagerada! Exagerada? Eu? Tá, posso até forçar um pouco a barra ao generalizar, mas não tô exagerando naum. Basta um pouquinho de atenção ao redor ou escutar colegas de trabalho, parentes e amigos que você constata que a sociedade caetaneou. Mas, caetaneou errado, né? Quando Gal rasgou o vozeirão em Vaca Profana naquele longínquo 1984, eu era apenas uma adolescente alta com bustão. A identificação foi quase imediata. Se não divinas, minhas tetas não eram passíveis de ser ignoradas. Além disso, sempre respeitei mais minhas risadas e aquela coisa toda de colocar os cornos “pra fora e acima da manada”, derramar “o leite mau na cara dos caretas” e a “movida Madrileña”… Tudo aquilo me pegou de um jeito traduzir-se. Sempre tive horror em ser igual e ter só uma tribo. Fazer parte de vários grupos e rodas e turmas me permitiu ser várias e aprender com todos e me divertir e viver intensamente. Apesar de me considerar tímida em determinados aspectos e situações, noutras só puro acontecimento. Ou era. É, porque o meu não ser normal está sendo o normal desse mundo que caetaneou errado, que tem crises de ansiedade e precisa também de ‘remedinhos’ para dormir ou não enlouquecer. Respira. Respirar fundo e profundamente, expirar lentamente e tentar não se perder de mim. Respeito muito minhas lágrimas, mas continuo além disso e me buscar é exercício diário. “A vida não é só trabalhar”, já dizia Pepe Mujica, “há que se deixar um bom capítulo para a loucura que tenha cada um. Porque uma coisa que fazes por obrigação não é liberdade. Só és livre quando gastas o tempo de sua vida em coisas que te motivam, que gostes”.
Adjetivo de dois gêneros, feliz significa “favorecido pela sorte” e aquele “cujos desejos, aspirações, exigências etc. foram atendidos ou realizados”. Seria legal que ser feliz fosse assim, fácil como ler no dicionário. Mas, não é. É preciso muito amor próprio e consciência das limitações. É preciso coragem para aceitar o que a vida nos traz e o que fazemos com isso. Coragem para ver nossos anseios realizados. Saber que nossas escolhas impactam diretamente no dia-a-dia e em qualquer aspecto de nossas vidas. Ser feliz é compromisso com você mesmo e com o que nos rodeia. Todo mundo quer ter as necessidades atendidas, da mais básica – como comer e dormir – às da alma. Todo mundo quer ser feliz. Feliz nos relacionamentos. Feliz na vida familiar. Feliz no trabalho que temos. Feliz na profissão que escolhemos. Feliz com os amigos. Feliz na vida que conseguimos ter e com as opções que fazemos. Não se trata aqui, é claro, de viver rindo ou ser um bobo da corte, mas sim daquela sensação de que alcançamos o possível e nos contentamos com isso. Ninguém falou também em abandonar ou não ter sonhos, mas em estarmos dispostos a lutar por eles e sabermos que nem sempre é fácil. Dizem que a felicidade é construção, é jardinagem, é regar todos os dias e ver como floresce ou frutifica. É estado de espírito. É exercício diário. É correr riscos e batalhar pelas mudanças que queremos. É preciso coragem e todos os dias dar a cara à tapa e ao riso, sem medo nenhum de ser o que se é, de esperançar por dias melhores, sem medo de ser feliz.
Ouço as conversas ao redor, meus olhos disparam por todo o ambiente, os pensamentos vagam enquanto rio das piadas e balanço o corpo no ritmo da música. As percepções se sucedem. A bela mulher que passa derramando olhares. O homem branco levemente constrangido com a informalidade local. A negra linda exibindo orgulhosa suas raízes afro. O músico que se anima tanto com a performance que espanta o cansaço e vibra energia. A atendente do balcão com o sorriso forçado congelado nos lábios a repetir insinceras delicadezas. O turista que fala alto na mesa ao lado para se fazer notar. O casal barbudo que aparenta estar em lua de mel. A não tão jovem senhorita que tenta sem jeito se sentir à vontade. Respondo animada ao cumprimento de uma amiga querida que o dia-a-dia afastou do convívio, escuto as novidades de filhos e netos, repetimos perguntas já feitas algum dia enquanto dançamos e fazemos selfies. Outras amigas se juntam, o alarido de vozes não esconde a alegria do momento nem da banda que interpreta boa parte da trilha sonora de nossa existência. Peço um espetinho à garçonete sempre tão gentil e que parece não esquecer as poucas vezes em que estivemos ali. Meus companheiros à mesa conversam e dançam e gravam vídeos como a imortalizar um momento prazeroso. A chuva forte não estraga a alegria da noite entre bares, caminhadas, bebidas estranhas e sonoras gargalhadas. A vida é boa. Celebremos.
Todas as mulheres do mundo pode até ser nome de filme e série, mas é algo muito sério quando a gente pensa que todas nós sofremos apenas por ser mulher.
Todas as mulheres em mim estão cansadas, diz a poeta afro-americana Nayirrah Waheed. Estamos mesmo. Cansadas de violência, de abuso, do desrespeito, de cagarem regras por nós e para nós, de julgamentos, de opressão, de sentir medo, de assédio, de trabalho doméstico, de acharem que não somos capazes, da imensa carga mental que é ser mulher.
Todas as mulheres do mundo vivem em mim e há dias em que é difícil demais levantar. Há outros em que é quase impossível dormir.
“Cu de burro, cu de burro na área…”. A expressão alçada à fama pelo saudoso narrador esportivo Zé Ary bem que podia ilustrar os relatos dessa pré-campanha para o Senado este ano no Rio Grande do Norte. Com apenas uma vaga em disputa, sete partidos já se prontificaram a ter candidatos para o chamado “céu” pelo então senador Agenor Maria.
A eleição que, ao contrário do governo do estado, deve ser definida no 1º turno, com maioria simples, este ano ganhou uma nova sopa de letrinhas, já que alguns partidos mudaram de nome e alguns nomes mudaram de partidos. Mas, como parece que isso não importa mesmo, deixa pra lá.
O partido Brasil 35 (ex-Partido da Mulher Brasileira) tem como pré-candidato ao Senado Federal o ex-deputado federal e advogado Ney Lopes de Souza. A Democracia Cristã pretende oficializar a candidatura da veterinária Shirlei Medeiros. O PSTU deve lançar a pré-candidatura do professor Dario Barbosa. Já o PSOL, que tinha três pré-candidatos, se definiu pelo nome de Freitas Júnior.
O ex-ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho é o pré-candidato do PL. Carlos Eduardo vai tentar o caminho do céu pelo PDT e o atual deputado federal Rafael Motta, do PSB, quer que a vaga ocupada atualmente por Jean Paul Prates (PT) seja dele.
Já o senador Jean sonha que seu partido resolva deixar de lado os forasteiros e se concentre em seu nome para a reeleição. Enquanto isso, se coloca à disposição para suplente do ungido pelo PT, aspira a uma futura secretaria estadual, quiçá um ministério e se nega a concorrer à Câmara Federal ou Assembleia Legislativa.
Trabalhado exaustiva e escancaradamente há alguns anos sob patrocínio do governo federal, o bolsonarista Rogério Marinho vem reunindo prefeitos em torno de seu nome e urdiu também a pré-candidatura oposicionista de Fábio Dantas (solidariedade) ao Governo do RN.
Apesar de ter reunido várias siglas em torno de sua pré-candidatura, Marinho deixa claro a quem queira saber “O palanque do presidente, no RN, sou eu, minha candidatura majoritária ao Senado e quem vai defender o legado do presidente Jair Bolsonaro sou eu, quem vai defender as realizações dele no RN, no Nordeste e no Brasil, sou eu”. Alguma dúvida?
O ex-prefeito de Natal e ex-candidato ao governo do estado, Carlos Eduardo (PDT) pode ter perdido as eleições em 2018, mas não perdeu a majestade… Ops, digo a oportunidade de se aliar à governadora Fátima Bezerra (PT) e ser seu candidato ao Senado como parece estar sacramentado até o momento.
Numa bela jogada, a governadora Fátima vem atraindo seus principais adversários para a candidatura majoritária e esvaziando a oposição. Se vai conseguir seu intento, só outubro dirá.
Quem também é aliado de Fátima e do governo petista, mas tem ‘atrapalhado’ um pouco o xadrez e “fincado pé” para ser o candidato governista ao Senado é o atual deputado Federal Rafael Motta, do mais novo amigo de infância PSB.
Jovem, articulado, bonito e carismático, Rafael atrai uma boa parcela dos petistas que não perdoa Carlos Eduardo ter apoiado Bolsonaro em 2018. Resta saber se as correntes petistas vão conseguir esquecer ou desculpar o voto do menino Motta pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
Como, pelo visto, o que não falta são telhados de vidros e estilingues — as velhas baladeiras — a postos e a campanha ainda está só nos ensaios, apesar do jornalismo militante, do jornalismo desejoso e dos blogs a soldo, muita água ainda há de correr sob as muitas pontes deste Rio Grande do Norte.
Pelo que mostra a pesquisa Item divulgada no último dia 23, as intenções de votos para Marinho, Carlos e Motta estão tecnicamente empatadas, entre 14,7% e 13,4%.
No quesito rejeição, Rogério Marinho lidera com 16,8%, seguido de Carlos Eduardo com 14% e Rafael Mota com 7,5%.
Mas, o que impressiona é o número de pessoas que declarou estar indeciso ou votar branco ou nulo: 55,2%.
Enquanto os eleitores desse cansado elefante não se decidem a assumir a responsabilidade pelas mudanças que quer ver realizadas no estado e votar para isso, a gente fica por aqui, ouvindo aquela velha canção da Xuxa que pergunta “Quem vai ganhar? Eu quero ver!” e, como as nossas referências musicais não estão as melhores neste mês, encerramos com um pouco de Elias Becky e sua filosofia de cantiga de roda: “Tem que ser forte pra não escorregar (…) Pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá. Só vai vencer quem em pé ficar”.
Se ainda não mataram o Brasil, lamento informar que falta pouco.
E, confesso, estou se não como o Brasil, doente de Brasil.
Todos os dias ataques a instituições e mais e maiores rasgos numa constituição espancada, sangrada e espezinhada.
Todos os dias um Jesus morto. Seja um Genivaldo, os que padre Júlio tenta alimentar ou os tantos que encontramos nas ruas e calçadas.
Todos os dias um tapa na cara e uma porrada no estômago.
Cada vez mais difícil respirar.
A dor é tão intensa que ninguém reage. Ou será que é isso que todos querem mesmo? Zumbis?
Estamos vivendo, fingindo ou apenas esperando algo que nem sei mais se vem.
Era sabido e anunciado que esse desgoverno ia ser difícil, mas não se imaginava que muitos que pensávamos bons, instituições que achávamos que funcionavam, categorias que… Silêncio, omissão e conivência.
Todos os dias um tapa na cara e uma porrada no estômago.
Até quando esperar?
Como tentar se manter são nesse descalabro?
Como deixar de ser uma plebe rude e néscia?
Ainda existe um gigante para acordar? Ou ele também já está morto e não ficamos sabendo?