Sobre

Quem Sabe o Fim Não Seja Nada

Por Antero dos Santos

O ano era 1982, Copa do Mundo na Espanha, morávamos na cidade Santa Maria da Vitória, região oeste da Bahia, localizada à margem esquerda do Rio Corrente, um rio caudaloso e, como sugere o nome, de forte correnteza.

Chegamos à cidade para acompanhar o meu Pai que iria trabalhar na pavimentação da estrada que liga a cidade a Bom Jesus da Lapa, localizada às margens do Rio São Francisco. Foi um ano feliz, tomei muito banho de rio, fiz alguns amigos que, decorridos 42 anos, ainda me recordo com enorme carinho.

Um desses amigos chamava-se Gabriel e o seu pai tinha uma banda de baile chamada “Pôr do Sol” e foi a partir deste encontro que se deu o meu primeiro contato consciente com a música e que me possibilitou a oportunidade assistir ao primeiro ensaio de uma banda na minha vida. O impacto daquilo me marcou profundamente, de tal modo que, deste então, a música passou a ter uma enorme relevância na minha vida.

O Gabriel tinha um irmão bem mais velho que era o guitarrista da banda e lembro-me dele com enorme ternura, pois ele era uma figura humana adorável, tinha uma enorme paciência comigo e com os questionamentos que eu fazia e, creio,  que ele percebeu ali o fascínio que a música causou em mim naquele dia e me sugeriu ir, no dia seguinte, com o seu irmão caçula visitar a sua casa de modo que ele pudesse me mostrar alguns discos com músicas que ele precisava ouvir para acrescentar ao repertório da sua Banda.

No dia seguinte, cheguei à sua casa para a sessão de audição dos discos que ele havia selecionado, o primeiro vinil que ele colocou na vitrola foi o de uma cantora que eu não conhecia até então, chamada Marina (atualmente Marina Lima). Lembro-me que era um disco de capa branca intitulado “Certos Acordes”, que tinha uma foto da jovem cantora em preto e branco. Este é um disco memorável e que teve alguns hits como “Charme do Mundo”, “O Lado Quente do Ser”, “Gata Todo dia” e “Maresia”, canção que foi gravada alguns anos depois pela Adriana Calcanhoto, tornando-se um dos seus principais sucessos radiofônicos.

A música que ele iria começar a trabalhar na feitura do novo repertório era a primeira faixa do disco, uma linda canção chamada “Charme do Mundo” e, segundo ele, tinha uns “riffs” de guitarra muito interessantes que ele precisaria executar. Quando o disco começou a tocar fui tomado por uma das maiores emoções que eu já senti na vida. Foi um momento arrebatador. Descobri ali a beleza que pode haver numa canção, algo que me marcou definitivamente e, pela primeira vez consegui “sentir” a música, prestando atenção na beleza poética de uma boa letra.  Desde então, não consigo dissociar uma coisa da outra.

Passei a nutrir por Marina uma paixão platônica, que se mantém até hoje. Decidi naquele dia, que iria aprender a tocar violão e uma dia poder tocar numa banda.

Dois anos depois comecei a tocar violão e em 1986, aos 17 anos, formei, com mais 04 amigos, a Banda Essência, composta por mim  no contrabaixo e vocais, Cleisson (in memoriam) na guitarra, Fábio Lucena nos teclados, Cesinha Batera, o melhor e mais virtuoso baterista que já toquei ao longo de todos esses anos e, no vocal, o indefectível Lúcio Flávio Laurini, meu parceiro na composição de algumas canções que integraram o repertório da banda, um cara incrível e de grande presença de palco.

A Banda Essência nos proporcionou a oportunidade de desenvolver um repertório próprio, de cunho autoral, foram pouco mais de dois anos de intensa convivência.  Encontrávamo-nos  quase todos os dias para compor e ensaiar. O som era “pesado” e agradava, fizemos muitas apresentações neste período, com alguns shows memoráveis que agitaram o cenário musical da cidade de Feira de Santana.

Foi uma época feliz de muitas descobertas, as quais pude vivenciar e experimentar ao lado desses queridos amigos.  Passamos todos no vestibular do ano seguinte, tínhamos todos a mesma idade, interesses e curiosidades comuns, de modo que vivemos o que precisava ser vivido naquele momento da nossa adolescência. Foi um momento mágico em nossas vidas!

Após dois anos de convivência a Banda Essência passou a adotar uma “pegada” com forte influência do rock progressivo, ao contrário de mim, que pretendia algo que tivesse uma intenção mais para o blues. Decidi sair da banda, foi algo que ocorreu de maneira natural e sem ressentimentos, continuei amigo de todos eles. Comecei a tocar em barzinhos da cidade e passei a me dedicar mais à composição e ainda tive a oportunidade de participar da formação de mais duas outras bandas.

A primeira delas foi a Banda Ponte Aérea, que contava comigo no vocal e guitarra base, Serginho, na guitarra solo, Joelson (Jó), no baixo, um excelente e disciplinado músico na época, Marcelo, nos teclados e Léo na bateria. Além de composições próprias, fazíamos covers de bandas de rock nacionais com pegada mais pop. 

A segunda foi a Banda Vega, concebida por mim e pelo meu amigo carioca Silvio Sentirelli, guitarrista com uma forte influência do blues, grande fã de Hendrix, e um gaitista sensacional. 

Convidamos 02 amigos comuns para compor a nova banda, Jó para o baixo, que já havia tocado comigo na Ponte Aérea e de Cesinha Batera, que tocou comigo na primeira formação da Banda Essência e, por fim, uma dentista carioca, amiga de Sentirelli, chamada Elke, uma linda morena que havia chegado do Rio de Janeiro, para fazer par comigo nos vocais, revelando-se, em pouco tempo, um encanto no palco, o que a fazia ficar ainda mais bonita. Compus muita coisa com o Sentirelli nessa época.  Considero, modestamente, que se trata de belas canções e me fazem sentir um grande orgulho em ser um coautor.

Confesso que essa foi a banda que eu mais gostei de ter tocado. Tínhamos entre nós uma sintonia fina e um grande potencial de criação, composição e arranjo, mas infelizmente, quando a banda estava “redonda”, o Sentirelli precisou voltar para o Rio de Janeiro e o sonho da Banda Veja acabou, o que causou em mim uma enorme tristeza à época, aquela era a banda dos meus sonhos.

Sempre consegui convencer aos meus amigos de banda a incluir músicas de Marina nas sessões de covers que tocávamos, me tornei seu fã desde a primeira audição de “Charme do Mundo” e adoro a estética das harmonias que adota em suas composições, suas músicas compuseram o repertório em todas as três bandas que toquei, seja no formato original ou em interpretações que fizemos com bons resultados naquelas versões.

Assisti Marina Lima pela primeira vez em 1986, em um show na concha acústica do teatro Castro Alves, em Salvador. Era final de tarde de uma sexta-feira e fui a esse show com o meu amigo Cesinha Batera.

Foi um belo show da turnê do disco TODAS e que tinha como “carro-chefe” a canção “Nada Por Mim”, do Hebert Viana, numa interpretação definitiva de Marina. Ela estava lindíssima e se apresentava tocando uma guitarra vermelha, tinha muito estilo e acompanhada por uma banda da pesada, que contava entre os seus componentes, nomes como o de Liminha no contrabaixo e de Leo Gandelman nos saxofones. Foi um show inesquecível!!!

Este ano, Marina Lima saiu em turnê com o show “ROTA 69” que faz referência à sua idade atual, e à Rota 66, uma estrada famosa nos EUA por ter belas paisagens e ligar Chicago a Los Angeles.

Ontem eu tive a oportunidade de, decorridos 38 anos desde aquele show que vi na concha acústica, assisti-la ao vivo novamente. Foi lindo e… emocionante!

O show Rota 69 apresentado ontem por ela, foi promovido pelo Festival de Artes de São Cristóvão, a antiga capital de Sergipe, localizada a pouco mais de 20 km de Aracaju. Esse festival conta com apresentações de música, cinema, teatro, literatura, folclore, artes visuais e gastronomia. Quem ainda não conhece, vale a pena visitar.

Marina continua uma bela mulher que, do “alto” de seus 69 anos, e, apesar dos problemas que sofreu nas cordas vocais ocasionados por um erro médico, está cantando muito bem. É um belíssimo show que se propõe a revisitar as canções de maior sucesso de sua carreira e que também presta homenagem ao irmão Antonio Cícero, seu maior parceiro na composição de suas canções.

Não só pude assisti-la de perto como ainda tive a “graça” de poder presenteá-la com um livro de crônicas de Clarice Lispector chamado “Aprendendo a Viver”, que considero o meu livro de cabeceira.

Marina teve perdas irreparáveis nos últimos anos, primeiro ao perder a voz em um erro médico e em seguida ver partida do pai, da mãe e de seus dois irmãos, primeiro o Roberto há alguns anos e recentemente de Antônio Cícero que, em razão do Alzheimer que o debilitou nos últimos anos, decidiu optar pela morte assistida na Suíça, onde a eutanásia é permitida.

Apesar de todas essas perdas, ela continua produzindo beleza e encantando, especialmente a mim, de maneira surpreendente, tal como, na primeira vez em que tive a oportunidade ouvir uma de suas primeiras canções, lá pelo idos de 1982.

Para dar o título a este texto, utilizei um trecho de uma de suas canções chamada “O Meu Sim”, do disco “Marina Lima”, gravado em 1991 e que se revela, na minha opinião muito atual para ela e para mim, pois “… Quem sabe o fim não seja nada e a estrada seja tudo…”.

Aracaju 01.12.2024

O ÚLTIMO CAPÍTULO

Fotografando as Luzes do natal em Natal