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O tempo não para

Por Natália Chagas

A cena é bem simples, apenas dois grandes amigos sentados em um lugar qualquer tomando uma cerveja. Mas torna-se bucólica quando se deparam com shows de dois ícones do rock nacional na tela da Smartv desapercebida por outros clientes do estabelecimento. Cazuza e Renato Russo performam seus inesquecíveis, para quem viu e viveu, especial de fim de ano e acústico respectivamente.

Os dois amigos, já nos seus idos 50 e poucos anos, não se deixam levar pelo inexpressivo pensamento de que em outros tempos era melhor, mas debatem consistentemente sobre o que há hoje no cenário nacional.

Entretanto se deparam entre debates com frases repetidas nos shows. Golpes de estado, violência em minorias, desigualdades sociais, revolta contra o status quo ainda fazem parte de um diálogo constante para análise de quem mantém a mente sã.

Pequenas coisas intercalam o debate e reforçam o pensamento vigente: “os assassinos estão livres, e nós não estamos”, “o que aconteceu ainda está por vir, e o futuro não é mais como era antigamente” ou ainda “eu vejo um futuro repetir um passado, eu vejo um museu de grandes novidades”. São todos exemplos de que somos ainda o mais do mesmo. Tarefa árdua é mudar o pensamento quando ele parece verdadeiro, quase profético, quanto o que era em décadas anteriores.

Os amigos não ousam diminuir a realidade desgraçando a falta de evolução da sociedade, mas veêm que pouco ou quase nada mudou. Estão no Brasil que ainda não desenvolveu sua identidade por não querer olhar no espelho e enxergar a si mesmo e formar sua história própria. Este país que é do futuro e muitas vezes, não reconhece seu passado. Este é um país que “te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro, transformam o país inteiro num puteiro pois assim se ganha mais dinheiro” e “celebra a estupidez humana”.

Estes parceiros vivem em estado inglório de “pedir piedade, senhor, piedade pra essa gente careta e covarde” para uma gama de pessoas que preferem moralizar as questões que não compreendem e que não os inclui. Percebem que essas pessoas não sabem amar, “ficam esperando alguém que caiba no seu sonho”, e incitam o ódio e bradam “Deus está do lado de quem vai vencer”. Nada mais pecaminoso do que pessoas que se conclamam do bem, a favor de Deus, da Pátria e família e “brincam” com a vida alheia, inclusive lhes retirando o direito de viver. O tolo que acredita que aquele que se diz a favor da família tendo abandonado mulheres, com diversos divórcios, filhos negligenciados e até não reconhecidos, é, na verdade, um grande cego e não percebe que “as ideias não correspondem aos fatos”. Este tolo é o mesmo que vive “da caridade de quem o detesta”. Chamam hoje de pobre de direita quem já foi um analfabeto político sem mudar qualquer característica.

“O tempo não para”, e para as percepções diárias, parece não mudar. É necessária muita tranquilidade para viver o tempo histórico. Vinculam as vidas pessoais a mudanças políticas e sociais e acreditam fazer parte dessa mudança. E, sim, fazem, mas não da forma revolucionária que gostariam. É passo de formiguinha que correm “pra não desistir do seu salário de fome e a esperança que eles têm. Nesse filme como extras todos querem se dar bem.”

No final da conta, os dois grandes amigos não conseguem formular frases inéditas, repetem o que bem versou seus ídolos sobre essa “Pátria desimportante”, e se perguntam: “Que país é esse?”

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