Sobre

Nossa Glorinha

Por Katharina Gurgel

Desde pequena tive uma relação diferente com a música. Não sei explicar muito bem o que eu sentia… Era coisa meio que como necessidade mesmo. Nem que fosse em forma de brincadeira ou passatempo, mas a música tinha que estar presente na maior parte do meu tempo, da minha vida.

Lembro como se fosse hoje, eu fazendo mini espetáculos na casa do meu avô materno, Deífilo, juntamente com minha irmã encostada e alguns tios e primos, para uma plateia seleta e entusiasta, formada por minha mãe, meus avós e outros da família que garantiam mais aplausos, que colocavam as cadeiras do terraço voltada para o portão da garagem, fundo do nosso palco improvisado.

Quando num determinado momento, saindo da minha infância, entrando na minha adolescência, vi e ouvi Glorinha cantando. Naquele momento, alguma coisa foi explicada e entendida. Eu a reconhecia, mesmo sem a conhecer.

O jeito dela dominar o palco e nossos olhos e ouvidos, a intimidade com as melodias, o tesão na interpretação, me emudeceram.

Meu Deus, eu entendia aquela relação dela com a música!

Glorinha não era apenas e tão somente uma cantora. Era mais. Muito mais. Ela se apropriava do que cantava e nos entregava uma experiência.

Impossível não se emocionar vendo Glorinha cantar.

Que artista!

Um dia, ela me vendo cantar no palco do Teatro Alberto Maranhão, chorou muito e não conseguiu falar nada. Só chorou. Eu a entendi. E ela sabe que eu a entendi. Não é apenas a música em si. Não é apenas a emoção do momento. É uma história de luta, de desbravura, de doação. Naquele choro de Glorinha tinha um pouco de alívio e de certeza do sangue nas veias e a perpetuação da arte. Meu cantar foi alento para ela. Ela foi inspiração para mim.

Sou grata pela força e arte de Glorinha Oliveira.

Tive a honra de vir nessa passagem como neta da Glória, do Rouxinol.

Nas nossas últimas conversas, quando ela falava do seu cansaço e das dores, perguntei-lhe se ela tinha consciência da sua missão e do seu legado para mim e para o Rio Grande do Norte. Ela respondeu que sim, que foi feliz demais cantando e que a música foi a vida dela, mas que estava cansada, conversando com Deus a toda hora para saber se não estava na hora dela sair do palco da vida.

Saiu dos palcos daqui, mas estará para sempre no espetáculo das nossas lembranças e memórias, como a maior cantora que o Estado já teve.

Aplausos, muitos, para Glorinha!

Katharina Gurgel é cantora, atriz e produtora

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