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  • TREINADORES BRASILEIROS NA EUROPA: FALTA DE OPORTUNIDADES OU PREGUIÇA?

    Nos últimos anos, o futebol brasileiro vem sofrendo uma verdadeira invasão de treinadores estrangeiros. Alguns chegaram e marcaram época: Jorge Jesus no Flamengo, Arthur Jorge no Botafogo e Abel Ferreira – com vários títulos e um contrato “quase” vitalício – no Palmeiras. Outros passaram sem deixar saudades. Que o diga a torcida do Vasco, que, na estreia de Álvaro Pacheco, o Boina, em 2 de junho de 2024, viu seu time levar um “sapeca” de 6 a 1 do maior rival, o Flamengo. Duas derrotas e um empate depois dessa tragédia, o português foi demitido. No entanto, essa demissão, corriqueira no futebol brasileiro, não altera em nada o atual cenário de invasão estrangeira. Dos vinte clubes da Série A do Brasileirão deste ano, cinco serão treinados por portugueses e quatro por argentinos. Por enquanto. O Brasileirão/25 só começa no final de março.

    E por que será que os treinadores brasileiros não chegam nem a ser cogitados para assumir o comando de grandes clubes no exterior, particularmente na Europa? A resposta pode ser mais simples do que parece: falta de preparo e, em muitos casos, de iniciativa. Mas podem chamar de preguiça.

    Muitos alegam que não recebem oportunidades, mas ignoram um fator fundamental: para atuar no exterior, é necessário obter a licença da FIFA, um requisito que grande parte deles simplesmente não cumpre. No entanto, a maior barreira nem é essa, e sim a falta de domínio de idiomas.

    É praxe entre os treinadores em atividade nas principais ligas europeias falar mais de um idioma, além do pátrio, é claro. Alguns exemplos:

    ֲJosé Mourinho, português, 62 anos, treinador do Fenerbahçe/Turquia: inglês, espanhol, italiano, francês e catalão;

    Pep Guardiola, espanhol, 54 anos, treinador do Manchester City/Inglaterra: alemão, inglês, catalão, francês, italiano e português;

    Carlo Ancelotti, italiano, 65 anos, treinador do Real Madrid/Espanha: inglês, espanhol, francês e alemão;

    Mikel Arteta, espanhol, 42 anos, treinador do Arsenal/Inglaterra: basco, inglês, francês, catalão, português e italiano;

    Diego Simeone, argentino, 54 anos, treinador do Atlético de Madrid/Espanha: italiano, inglês e português.

    Enquanto isso, poucos treinadores brasileiros falam inglês, espanhol ou qualquer outro idioma relevante no futebol internacional. Embora o uso de intérpretes seja comum, a tradução nem sempre transmite com exatidão as instruções e a filosofia do treinador, prejudicando a relação com o elenco e a aplicação das estratégias em campo. As chances de um convite de trabalho e de sucesso, portanto, são mínimas. E, cientes dessa realidade, eles preferem ficar por aqui mesmo. Acomodados, ultrapassados, despreparados, pulando de um clube para o outro, vivendo de rescisões de contrato milionárias e… reclamando.

    E mais: apoiados por alguns jornalistas esportivos tão obsoletos quanto, ficam vagando de uma mesa redonda para outra nos programas esportivos, tentando diminuir a competência dos estrangeiros que chegam ao Brasil e dão um banho de profissionalismo, com estudo, cursos e aprendizado contínuo.

    E é sempre o mesmo discurso: “O Brasil foi pentacampeão mundial com treinadores brasileiros”, “O treinador brasileiro é tão bom quanto os estrangeiros”, “Os dirigentes do nosso futebol não têm paciência com os treinadores brasileiros”… O mais puro “suco” de atraso e incompetência.

    Eis que, na contramão dessa tendência de acomodação e preguiça entre os nossos técnicos – especialmente os da “velha guarda” –, surgiu Filipe Luís, de 39 anos e fluente em espanhol, inglês e alemão, resultado de mais de quinze anos atuando no futebol europeu. O atual treinador do Flamengo, com apenas seis meses no comando de uma equipe profissional, já é a melhor surpresa entre os treinadores brasileiros da nova geração. E surpreende não só por seus conhecimentos táticos, desempenho e resultados conquistados, mas também por sua inteligência e cultura. O jovem técnico tem potencial para chegar à Seleção Brasileira e, quem sabe, consolidar uma carreira internacional.

    A exemplo de Filipe Luís, vários jogadores brasileiros com carreira internacional duradoura falam mais de um idioma e tentam se adaptar à cultura e aprender o idioma do país onde estão jogando.

    Um desses ex-jogadores que começa a despontar nesse mercado tão restrito e competitivo é Thiago Motta, de 42 anos. Após 25 anos atuando no futebol internacional, ao encerrar a carreira de jogador, iniciou a de treinador na Itália. Passou pelo Genoa (2019), Spezia (2021), Bologna (2023) e, desde junho de 2024, é o técnico da poderosa Juventus de Turim. Thiago Motta fala italiano, espanhol, francês e inglês. Quem sabe não está surgindo uma nova geração de treinadores brasileiros “padrão internacional”?

    A grande verdade é que o desempenho da “selecinha” da CBF – que só pode ser treinada por brasileiros – nas últimas cinco Copas foi pífio. Desde o penta em 2002, sob o comando de Felipão, a melhor participação brasileira em uma Copa do Mundo foi a 4ª colocação no Brasil-2014, também com Felipão. Isso, depois de uma vexatória e inesquecível “peia” de 7 a 1 nas semifinais contra a Alemanha e outra não menos constrangedora derrota de 3 a 0 para a Holanda na disputa do terceiro lugar.

    E quem eram os “geniais” treinadores brasileiros nas outras edições?

    2006 (Alemanha) – Parreira (está com 81 anos e aposentado): Eliminado nas quartas pela França (5º lugar);

    2010 (África do Sul) – Dunga (está com 61 anos, e era tão ruim que desistiu da carreira): Eliminado nas quartas pela Holanda (6º lugar);

    2018 (Rússia) – Tite (está com 63 anos, desempregado e sonhando com a Europa): Eliminado nas quartas pela Bélgica (6º lugar) e 2022 (Catar): Eliminado nas quartas pela Croácia (7º lugar).

    E por falar em Tite, apesar dos fiascos nas duas últimas Copas do Mundo, ele já deixou claro que quer comandar um clube no Velho Continente. O problema é: será que alguém quer o Tite? O pleonástico e metafórico treinador chegou ao Flamengo em outubro de 2023 e foi demitido em setembro de 2024, sem deixar saudades. Desde então, já rejeitou propostas do Cruzeiro, Vasco, Grêmio, Botafogo, Potiguar e Baraúnas. Tudo em nome do seu inabalável “Sonho Europeu”.

    Detalhe: logo após a decepção na Copa de 2022 e de olho numa carreira internacional, Tite resolveu estudar inglês, “com aulas específicas para o vocabulário futebolístico” (“diabéisso”?). Espero que ele já tenha aprendido o significado e a pronúncia de algumas dessas palavras e expressões, para quem sabe pleitear o cargo em algum clube da Quinta Divisão inglesa: Referee, Box, Header, Championship, Forward, Kick, Defender, Center forward or striker, Midfielder, Defensive midfielder, Winger, Right back and left back, Coach or manager, Opposing team, Away team, Foul, Touchline, Equalizer, Match, Away game, Yellow card, Red card… e vamos ficando por aqui.

    E para finalizar, não custa lembrar as pitorescas “aventuras” europeias de dois tradicionais treinadores tupiniquins:

    Felipão: De Portugal ao Chelsea

    Após uma boa passagem pela Seleção de Portugal entre 2003 e 2008 – chegou a uma final de Eurocopa (2004) e a uma semifinal de Copa do Mundo (2006) –, Felipão resolveu encarar a Premier League e, em junho de 2008, desembarcou em Londres para treinar o Chelsea. Durou pouco mais de seis meses no comando dos Blues e foi demitido em fevereiro de 2009, após uma sequência de resultados ruins e relatos de que alguns jogadores “não entendiam suas ideias” e teria sido vítima de “trairagem” de Anelka e Drogba. Se tivesse tentado a sorte na Espanha, talvez Felipão tivesse melhor sorte, já que consegue se comunicar em espanhol. Hoje, com 76 anos, ele está sem clube.

    Luxemburgo e o Real Madrid Galáctico

    Em janeiro de 2005, Vanderlei Luxemburgo surpreendeu o mundo ao ser contratado pelo Real Madrid. Apesar de alguns resultados expressivos – como um 4 a 2 em cima do Barcelona de Ronaldinho Gaúcho, Eto’o, Xavi e Iniesta –, não conquistou nenhum título e não caiu nas graças dos “galácticos” Zidane, Ronaldo, Roberto Carlos, Beckham, Figo e companhia. Em 2019, Roberto Carlos afirmou em uma entrevista que o brasileiro começou a perder o grupo quando proibiu o vinho e a cerveja nas refeições durante as concentrações, o que já era tradição entre os jogadores do Real.

    Em 4 de dezembro de 2005, Luxemburgo foi demitido e alega que a demissão ocorreu porque teve um “arranca-rabo” com Florentino Perez, presidente do Real, ao substituir Ronaldo em uma partida pela Champions League. Mais um injustiçado! De sua passagem pela Europa, sobrou a tentativa de se comunicar com a imprensa espanhola por meio de um “portunhol” pra lá de fajuto. Luxemburgo está com 72 anos, e seu último trabalho foi no Corinthians, entre maio e setembro de 2023.

  • O FASCÍNIO PELO DINHEIRO ALHEIO

    Nos primórdios do jornalismo, uma das frases mais recorrentes — quase um mantra no meio — era: “Essa notícia vende!”. Tenho minhas dúvidas, se ainda existem notícias desse calibre, capazes de alavancar tanto as vendas de um jornal quanto a carreira de um jornalista. Em tempos de redes sociais que dominam, influenciam, contaminam, contagiam e, muitas vezes “falsificam” o noticiário, tornou-se quase impossível distinguir um fato realmente relevante de uma simples fofoca.

    Algo que sempre me intriga – e irrita – nos grandes portais de notícias é a insistência em destacar, com riqueza de detalhes, os ganhos financeiros de atletas, artistas e outras personalidades. Será que esse tipo de manchete ainda “vende”?

    O grande destaque do esporte nacional no início de 2025 é o jovem tenista João Fonseca, já apontado como mais um possível sucessor de Guga Kuerten. Com apenas 18 anos, o brasileiro superou a fase classificatória (qualifying) do primeiro Grand Slam da temporada, o Aberto da Austrália, com três vitórias incríveis. E, na estreia na chave principal, em 14 de janeiro, surpreendeu o mundo ao derrotar o russo Andrey Rublev, 9º colocado no ranking mundial, com um expressivo 3 a 0. Um feito e tanto!

    Dias antes, logo após garantir sua vaga no torneio, o Globo.com já havia destacado: “Sensação do tênis, João Fonseca faturou quase R$ 4 milhões de premiação em um mês”O Globo, 10/01/2025.

    Entre várias manchetes exaltando os feitos do prodígio brasileiro, inclusive com elogios de grandes nomes do tênis como Djokovic, Carlos Alcaraz, Federer e Boris Becker, o UOL não se furtou em destacar: “Fonseca fatura mais R$ 250 mil em prêmios e beira o R$ 1 milhão só em 2025”UOL, 14/01/2025. Não li nenhuma dessas notícias. E, sendo bem honesto, questiono: elas são realmente relevantes?

    No dia seguinte, João Fonseca foi eliminado do torneio ao perder para o italiano Lorenzo Sonego, 55º colocado no ranking, por 3 sets a 2. Nada que atenue os méritos do jovem tenista nesse início de carreira profissional. Mas fica a lição: no tênis, como em qualquer outro esporte, ninguém vence de véspera. Vida e carreira que seguem. Força na raquete Joâozito! Agora, prepare-se! A cada nova conquista, sua vida financeira será devassada.

    Ninguém me trouxe mais felicidade no esporte em 2024 do que Rebeca Andrade e Rayssa Leal. Falar dos feitos dessas duas garotas é chover no molhado. Mas quer saber? Pois que chova!

    Com sua técnica, graça, beleza, leveza e profissionalismo, Rebeca Andrade colocou, literalmente, o mundo da ginástica aos seus pés. Foi emocionante ver a reverência de Simone Biles durante a entrega das medalhas, após a brasileira conquistar o ouro no solo, nas Olimpíadas de Paris. Que momento! Impossível não se emocionar. Eu, que nem Zeca Baleiro em Flor da Pele – “qualquer beijo de novela me faz chorar” –, chorei!

    Eis que, logo após o fim das Olimpíadas, em 30 de julho de 2024, uma matéria do ge.Globo.com trouxe o seguinte destaque: “Rebeca Andrade foi a atleta do Brasil que mais faturou nas Olimpíadas; veja a lista completa e os valores”globo.com, 11/08/2024. Que desnecessário!

    E Rayssa Leal? A “Fadinha do Skate”, como é carinhosamente conhecida, teve um 2024 perfeito. Brilhou na Street League Skateboarding (SLS) com os títulos das etapas de San Diego (EUA) em fevereiro, de Tóquio em novembro, e fechou o ano vencendo o Super Crow – final da Liga Mundial de Skate Street – no Ginásio do Ibirapuera, em dezembro. Em fevereiro foi vice em Paris e, em outubro, ficou com a quarta colocação em Sidney.

    E tem mais. Em maio, Rayssa foi medalha de ouro no pré-olímpico de Xangai e, em julho, nas Olimpíadas de Paris, conquistou a medalha de bronze. Em setembro, em sua primeira competição após as Olimpíadas, a incrível e insaciável Rayssa conquistou o bicampeonato do Mundial de Skate Street, em Roma. Ufa!

    Em todas essas competições, vitoriosas ou não, Rayssa manteve o sorriso fácil, o carinho e a solidariedade com as demais competidoras, o respeito com sua equipe e organizadores e um carisma capaz de quebrar qualquer protocolo.

    Tal e qual Rebeca, em meio às matérias sobre suas conquistas, não faltou a preocupação com os seus ganhos financeiros. Logo após a vitória no Super Crow de São Paulo, estampava o UOL: Milionária: quanto Rayssa Leal faturou com o tri mundial de skate? UOL, 16/12/2024.

    Sobre essas duas atletas geniais e encantadoras, escrevi em minha crônica de outubro de 2023 para essa Papangu. Isso, para mim, é o que interessa:

    O ESPORTE FEMININO E AS SUAS DIVINAS ATLETAS (Outubro/2023)

    Na disputa do solo no Mundial de Ginástica na Antuérpia, Bélgica, no domingo 08 de outubro de 2023, a maior ginasta do mundo na atualidade, Simone Biles, teve uma atitude magnífica enquanto esperava para subir ao pódio e receber a medalha de ouro da categoria: fez o gesto de “passar a coroa” para a brasileira Rebeca Andrade, medalha de prata, que vem encantando o Brasil e o mundo com suas apresentações.

    No dia anterior, na etapa de Sydney, na Austrália, da Liga Mundial de Skate Street (SLS), Rayssa Leal conquistou a medalha de prata. A australiana Chloe Covell, de 13 anos, ficou com o título. Amigas, Rayssa e Chloe comemoraram juntas e a brasileira, atual campeã mundial, fez um gesto de “passar a coroa” para a skatista australiana.

    Será que Simone copiou Rayssa ou foi apenas uma coincidência? Não sei. Só sei que o esporte feminino é lindo e as suas atletas são divinas.

    Saindo do esporte, falemos de outra mulher maravilhosa, que esbanja talento e carisma por onde passa: Fernanda Torres.

    Ela não “está só aqui”. Está em todo e em qualquer lugar que se possa imaginar. Linda, maravilhosa e talentosa, Fernanda Torres é tudo que há de bom no controverso e polêmico mundo artístico.

    Ao ganhar o prêmio de Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro, por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”, no dia 5 de janeiro, Fernandinha se transformou no maior fenômeno midiático desse início de 2025. “Descobriram” até que ela é uma escritora formidável, com três livros publicados. Li os romances Fim (2013) e A Glória e Seu Cortejo de Horrores (2017). Fantásticos! Pense numa “menina” danada! Ainda não li, Sete Anos (2014), uma coletânea de crônicas publicadas originalmente na revista Piauí, Veja Rio e Folha de São Paulo, mas já está na mira. Em 2023, Fim virou uma série do Globoplay.

     E vocês acham que Fernanda Torres saiu da premiação do Globo de Ouro apenas com aquela estatueta esquisita, feita de zinco, latão e acrílico nas mãos? Qual o quê! Dois dias depois, a Veja online trouxe a seguinte manchete: O presente milionário que Fernanda Torres ganhou com o Globo de OuroVeja (Em Cartaz – Raquel Carneiro), 07/01/2025.

    No globo.com, a Vogue detalhou: Premiados no Globo de Ouro, como Fernanda Torres, ganham bolsa com presentes de R$ 6 milhõesglobo.com, 07/01/2025.

    É tudo que o mundo precisava saber.

    Em tempo: “Ainda Estou Aqui” recebeu três indicações ao Oscar: Melhor Filme, Filme Internacional e Melhor Atriz para… Fernanda Torres! Só por essas indicações, já tem uma “reca” de “bolsominions” querendo pular da ponte. E, se em 2 de março, o filme receber algum Oscar, o que vai ter de “patriotários” querendo arrancar a cueca ou a calcinha pela cabeça, vai ser um espetáculo!

    Agora é só aguardar as manchetes: “Quanto Fernanda Torres faturou pela indicação ao Oscar?”, “Quanto Fernanda Torres pode faturar se ganhar o Oscar?”.

    PS: Se alguns dos meus milhões de leitores estiverem interessados em maiores detalhes sobre a vida pecuniária dos aqui citados, todas as matérias destacadas nesse artigo estão devidamente linkadas.

  • O ÚLTIMO CAPÍTULO

    Quando cheguei a Natal no início de 1996, fui morar em uma casa, no Conjunto Mirasol. Essa casa, de ótimas lembranças e na qual morei por quase 15 anos até ir me arranchar em Nova Parnamirim, em 2012, tornou-se então o ponto de encontro de uma “reca” de irmãos – 2 homens e 4 mulheres que já viviam por aqui – nos fins de semana.

    Foram farras memoráveis, daquelas que fazem vizinho chato chamar a polícia. Entre as mais célebres, está a da vitória de Lula em 2002 – deu polícia, é claro. O episódio ficou imortalizado em um cordel de autoria do poeta Kidelmir Dantas, também conhecido como Antôi Dedé, intitulado “A Festança da Vitória Lá na Família Feliz”. O cordel ainda foi parar em uma coletânea organizada por outro poeta, Crispiniano Neto, no livro “Lula na Literatura de Cordel”.

    Pois bem. Em uma certa sexta-feira, mais precisamente no dia 14 de fevereiro de 1997, enquanto combinávamos o programa para a noite durante o almoço, alguém soltou:

    — Hoje tem o último capítulo de O Rei do Gado. Quero perder não.

    Outro já emendou:

    — Então tá resolvido. Vamos assistir o último capítulo lá em Túlio.

    Pronto. Estava dada a largada para uma tradição na família Oliveira que perdura até hoje.

    É claro que ninguém conseguiu assistir ao tal último capítulo em paz. A TV na área com o som no último volume, a cerveja já rolando há algumas horas e todos falando alto e ao mesmo tempo (outra tradição familiar). Enquanto uns pediam silêncio, outros, que sequer tinham assistido a um único capítulo da novela, tentavam entender a história inteira no último. Reclamações não faltaram:

    — É a última vez que venho assistir o último capítulo na casa de Túlio! Ninguém ouve nada!

    Qual o quê?! Meses depois, lá estavam todos, no meio da mesma algazarra tentando assistir o “último capítulo”. E assim tem sido há anos.

    Uma daquelas noites de “último capítulo” rendeu uma ótima história. Monte Neto — ou Netinho, ou “Little Neto” para os íntimos —, companheiro de farra desde os tempos de Mossoró, apareceu lá em casa. Chegou quase na hora em que a novela ia começar e do portão e com o violão debaixo do braço, já foi falando:

    — Aí, Tulinho, aíí, Depí! (ele sempre reforça o “pi” no nome do meu irmão Deppe). Vamos levar um som!

    Quando entrou e viu a turma toda sentada, bebendo de frente para a TV, perguntou espantado:

    — O que é isso?! Tão assistindo o quê?

    A resposta veio acompanhada de um pedido de silêncio:

    — O último capítulo da novela. Fique quieto aí!

    Sem entender nada, ele apelou:

    — Vocês só podem tá de sacanagem comigo! Tulinho, deixa de frescura “home”! Pega ali a caixinha de som e os instrumentos.

    As mulheres reclamaram em coro:

    — Cale a boca, Netinho! No intervalo vocês conversam.

    Quando deu o intervalo, nós fomos tentar explicar a história. E nem adiantou dizer que quando terminasse a novela, a gente iria fazer “um som”:

    — “Nããããããã! Nunca vi um negócio desses! Só pode ser coisa de doido. Eu vou é embora. Se forem fazer alguma coisa amanhã, me avisem”.

    Em outra ocasião, no segundo semestre de 2016, no curso de Jornalismo na UFRN, eu pagava a disciplina Teoria da Comunicação com o professor Juciano e as aulas eram nos quatro horários da sexta-feira. Normalmente terminavam já depois das 22 horas. Em uma certa aula, cada aluno deveria apresentar um vídeo, uma imagem, um texto, um objeto, enfim, qualquer coisa que conseguisse demonstrar a influência da televisão na sociedade.

    Na minha vez, projetei uma imagem, tipo uma caricatura, de várias pessoas em frente a uma TV (procurei essa imagem na internet e não encontrei mais) e comecei: “O último capítulo de uma novela de sucesso, consegue mobilizar grande número de pessoas em frente a TV. Inclusive, a essa hora, minha família já deve estar toda reunida lá em casa para assistir o último capítulo de Velho Chico. Portanto, professor, gostaria que você me liberasse mais cedo”. A classe toda caiu na risada. E Juciano: “Libero. Mas antes explique essa história”.

    E lá fui eu explicar que era uma tradição familiar, que em todo último capítulo de novela das nove da Globo se reuniam familiares e amigos para assistir, que fazíamos churrasco, bebíamos até dizer basta, e por aí vai. E os colegas começaram: “Quero ir também,  Marco!”, “É pra levar o quê?”, “Tem que fazer reserva?”.

    Veio a reclusão provocada pela pandemia da covid-19 e após esse período o número de assistentes foi diminuindo gradativamente, até porque a sexta-feira deixou de ser um dia de farras homéricas. Guardamos as energias para o sábado. A idade chega, gente! Ainda assim, seguimos com a tradição. No último capítulo de “Renascer”, em 6 de setembro de 2024, estávamos lá: eu, Maria e minhas irmãs Vera e Stela. Rolaram uns petiscos, umas cervejinhas, e como sempre, muitas reclamações, porque “Túlio não consegue ficar calado. Ave Maria”!

    Agora, porém, algo nos preocupa. A novela atualmente no ar, Mania de Você, é tão estapafúrdia, com tantos atores e atrizes de qualidade duvidosa e atuações ridículas, que ninguém parece animado a assistir ao último capítulo, previsto para 28 de março de 2025. Será o fim de quase 30 anos de tradição? Culpa nossa é que não é. A responsabilidade recai sobre os autores, diretores e escaladores de elenco da Globo.

    É claro que desde 1997, já sobrevivemos a muitos “últimos capítulos” de muita porcaria produzida pela Globo. Mas nada chega perto de Mania de Você e da atuação sofrível de Chay Suede – no papel do protagonista Mavi – que, pasmem, foi eleito “Melhor Ator de Novela” no prêmio Melhores do Ano 2024 da …Rede Globo, é claro.

    PRÓSPERO NATAL E FELIZ ANO NOVO PARA TODOS!

  • ESQUERDA NO BRASIL: “DECIFRA-ME OU TE DEVORO”

    A cada ciclo eleitoral no Brasil, renova-se o debate sobre a força e o futuro da esquerda no país. Ao final de cada eleição, a análise crítica é sempre contundente: a esquerda brasileira parece viver numa corda bamba, oscilando entre o sucesso e o fracasso. Mesmo quando a esquerda vence, como foi o caso da eleição presidencial que trouxe novamente o PT ao poder, há uma sensação constante de incerteza sobre a solidez e as consequências dessa vitória.

    Tomemos como exemplo a eleição para prefeito em Natal. Antes disso, vale destacar números da eleição de 2022 para presidente e governador na capital do RN:

    Presidente: Lula – 246.881 votos (52,96%); Bolsonaro – 219.306 votos (47,04%).

    Governador: Fátima Bezerra (PT) – 205.934 votos (49,93%). Eleita no primeiro turno com 58,31% dos votos no estado.

    Entre essas duas votações realizadas simultaneamente houve uma diferença de 40.947 votos entre os candidatos do PT, o que é, no mínimo, intrigante. Um verdadeiro enigma, eu diria. Avancemos agora para a eleição municipal apenas dois anos depois.

    Foi surpreendente para muitos, que a candidata do PT, Natália Bonavides, chegasse ao segundo turno contra Paulinho Freire, candidato apoiado pelo prefeito atual e, por extensão, por Bolsonaro. No primeiro turno, Paulinho recebeu 44,08% dos votos, Natália ficou com 28,45% e Carlos Eduardo, ex-prefeito, eleito e reeleito duas vezes e ainda muito paparicado pelos eleitores natalenses, obteve 23,95%. Agora eu lhes pergunto, companheiros e companheiras: como assim surpreendente?! Natália foi a candidata do presidente da República e da governadora do Estado, super bem votados nas eleições de 2022! Surpreende, é ela ter chegado ao segundo turno com apenas 110.483 votos. Menos da metade dos votos de Lula e um pouco mais da metade dos votos de Fátima Bezerra na eleição de 2022. Mas, como dizem os entendidos, segundo turno é outra eleição.

    A campanha de Natália no segundo turno foi intensa. O povo foi às ruas, Lula participou de um dos últimos comícios – uma festa maravilhosa! –, criando uma magnífica onda de otimismo. No entanto, Paulinho Freire venceu com absurdos 222.661 votos (55,34%), enquanto Natália somou 179.714 (44,66%). Essa derrota adiciona mais um elemento ao complexo “Decifra-me ou te devoro”, que acompanha a esquerda brasileira desde sempre. Senta, que lá vem história!

    A frase “Decifra-me ou te devoro” remete ao desafio lançado pela Esfinge de Tebas aos viajantes que passavam pela cidade. Quem encontrasse a Esfinge deveria decifrar seu enigma ou pagar com a vida. O enigma era: “O que é que de manhã tem quatro patas, de tarde tem duas e de noite tem três”? Édipo decifrou o enigma ao responder que se tratava do ser humano, “que engatinha quando bebê, caminha ereto quando adulto e usa uma bengala na velhice”. A solução do enigma levou a Esfinge de Tebas ao suicídio, pulando de um despenhadeiro.

    A esquerda brasileira, por sua vez, é um enigma que ainda não foi completamente decifrado. E, sinceramente, não me sinto à altura de ser o Édipo dessa história. Entretanto, há pontos que merecem reflexão.

    Apesar das sucessivas conquistas eleitorais – presidência, governos estaduais e municipais, cargos legislativos – falta a esquerda brasileira uma base sólida e uma conexão estreita com a população mais pobre e vulnerável, que deveria ser seu eleitorado natural. Por que, então, a esquerda, historicamente defensora dos trabalhadores, luta tanto para consolidar uma representação estável e mobilizadora junto a esse eleitorado?

    Um fator, é a necessidade de formar coalizões amplas para vencer eleições, como no caso do PT, que muitas vezes precisa negociar com partidos de centro e até grupos conservadores. Essa estratégia, embora pragmática, muitas vezes dilui os princípios fundamentais da esquerda e limita a implementação de uma agenda progressista consistente.

    Além disso, há a barreira do Congresso Nacional, dominado por uma maioria conservadora. Isso cria a sensação de “ganhou, mas não levou”, já que muitas pautas progressistas ficam travadas.

    Outro ponto central, é o voto da população mais pobre. A esquerda desenvolveu seu discurso em torno da defesa dos direitos dos trabalhadores, da redistribuição de renda e da justiça social. Porém, o apoio dos setores mais vulneráveis, não é tão automático quanto se espera. Muitas vezes, discursos mais simples e diretos sobre ordem, segurança e moralidade, comuns na direita, têm maior apelo. Enquanto isso, temas complexos defendidos pela esquerda não chegam de forma clara às bases populares.

    Acrescente-se a essa constatação, a dificuldade da esquerda em se reconectar com um eleitorado que vem se transformando nas últimas décadas: a classe média emergente, que ascendeu economicamente durante os governos petistas e tornou-se uma base volátil, inclinada a votar contra partidos de esquerda em busca da manutenção de conquistas individuais, como o consumo e a estabilidade econômica.

    Há, também, uma percepção de que os governos de esquerda, quando no poder, falham em cumprir suas promessas ou não conseguem enfrentar os desafios impostos por uma estrutura política que favorece demasiadamente os interesses das elites.

    Os números das últimas eleições municipais, tornam evidente que a esquerda não vem obtendo sucesso em sua luta para renovar o seu discurso e se conectar com essas novas demandas eleitorais. É necessário se reaproximar das bases populares, incorporando suas carências e valorizando suas vozes. Só assim será possível se reafirmar como uma força política que não apenas ganha eleições, mas que transforma a sociedade.

    Para Refletir: O Papel da Mídia e a Questão do Poder

    Em dezembro de 2019, durante o Curso de Jornalismo da UFRN, participei de uma mesa-redonda intitulada “Veias Ainda Abertas da América Latina – Mídia e Poder”. O debate focou na influência dos grandes grupos midiáticos e no seu papel determinante na disputa de narrativas, quase sempre alinhado aos interesses das elites predatórias e do capital estrangeiro. Um dos pontos discutidos foi a ausência, durante os governos do PT, de um projeto estratégico de poder, especialmente no campo da comunicação, que pudesse minimizar essa influência maléfica.

    Entre os palestrantes estava o mestre Arnon de Andrade, professor e pesquisador do Centro de Educação da UFRN, que infelizmente faleceu em setembro passado. Em sua fala inicial, com a serenidade que lhe era característica, Arnon trouxe uma reflexão marcante sobre a posição da esquerda brasileira. Talvez não com as mesmas palavras, mas o sentido era este:

    “A esquerda no Brasil nunca teve um projeto permanente ou duradouro de poder. O poder continuará nas mãos da elite conservadora e capitalista, uma realidade secular. A esquerda vive de lutas e conquistas, sejam elas grandes ou pequenas, que precisam ser celebradas enquanto duram”.

    Essa visão de Arnon, poderia ser uma chave para compreender o “enigma da esquerda brasileira”?

  • OU O BRASIL ACABA COM AS BETS OU AS BETS ACABAM COM O BRASIL

    Entre 1816 e 1822, o naturalista e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire viajou pelo Brasil para estudar a fauna e flora locais. Durante suas explorações, ele se deparou com as formigas gigantes conhecidas como saúvas. Assombrado com o poder destrutivo desses insetos que facilmente devastavam árvores frondosas, arbustos, pastagens e gramados, terras e lavouras, dificultando assim, o plantio e o progresso da agricultura nacional, ele proclamou: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.

    Duzentos anos se passaram, e a “nostradâmica” previsão de Saint-Hilaire, não se confirmou. As saúvas não destruíram o Brasil, o seu impacto foi controlado e, apesar de seus efeitos negativos sobre as plantações, elas desempenham um papel vital na ciclagem de nutrientes e na aeração do solo através do corte de folhas.

    No entanto, a célebre frase do francês, que chegou a ser atribuída equivocadamente ao escritor Monteiro Lobato, notabilizou-se. Continua atual e serve como uma poderosa analogia para os diversos males que assolam o Brasil, dependendo do viés ideológico de cada um.

    Se o assustador inseto da família Formicidae, ordem Hymenoptera e gênero Atta está sob controle, outras “saúvas” devastadoras e depredadoras do meio ambiente, continuam a contribuir, sem dó e nem piedade, para a destruição de nossas florestas e lavouras naturais: o garimpo ilegal, a urbanização desordenada, o contrabando de madeira, a grilagem de terras, a poluição do ar e das águas, os desastres ambientais causados pelo homem e o agronegócio. Este último, uma “saúva” colossal, que domina a política e a economia nacional à custa do desmatamento desenfreado, do trabalho escravo, da corrupção, e, diga-se de passagem, de muita música ruim.

    Atualmente, diante do vasto noticiário sobre tragédias sociais e econômicas envolvendo as apostas online ou as bets, podemos afirmar que enfrentamos uma nova e ameaçadora “saúva”, completamente fora de controle. Desde a regulamentação das apostas online em 2018, durante o governo do então presidente Michel Temer, a prática de jogos de azar cresceu exponencialmente no Brasil.  Hoje, o país é o terceiro maior mercado de apostas do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da Inglaterra, segundo dados da Comscore, empresa especializada em análise de dados.

    Em entrevista ao site Pauta Pública no dia 3 de setembro, o psicólogo e pesquisador Altay de Souza, que atua no Departamento de Psicobiologia da UNIFESP, Centro de Comunicações e Ciências Cognitivas da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECAUSP) e no Núcleo de Estudos sobre Violência da USP, alertou para os perigos de “uma epidemia ainda silenciosa, oculta nas telas de celulares”. Ao falar sobre as consequências psicológicas e financeiras do crescente fenômeno de apostas no Brasil, ele enfatizou: “O vício em apostas online pode ser comparado a uma epidemia de saúde pública.”

    Um relatório do Banco Central, divulgado no dia 24 de setembro, aponta que, nos primeiros oito meses deste ano, o fluxo de dinheiro no setor de apostas online atingiu R$ 160 bilhões, envolvendo mais de 24 milhões de apostadores em todo o país. O relatório revela também que R$ 3 bilhões foram movimentados por cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família, com um gasto médio de R$ 147 por pessoa. Esses números são alarmantes.

    A repercussão desses dados incomodou o presidente Lula, que se mostrou favorável à restrição de apostas para beneficiários do Bolsa Família e solicitou que a Casa Civil e à Fazenda incluam na regulamentação das apostas online, um controle específico para contemplados pelo programa social.

    A questão central do problema, envolve a publicidade excessiva e desregulamentada das bets. Em matéria do Jornal de Brasília do dia 15 de outubro, o professor Bruno Pompeu, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que estuda o tema, afirma que “as pessoas acham que a questão das apostas é mais importante do que a publicidade das apostas, mas elas são inseparáveis. Só existe o mercado das apostas porque, antes, existe a publicidade delas”.

    Em entrevista à rádio CBN, no dia 30 de setembro, o ministro da Fazendo Fernando Haddad, reiterou a proibição do uso de cartão de crédito e do cartão do Bolsa Família para apostas. Ele também afirmou que a publicidade em torno das bets está “fora de controle”.

    Por que, então, a publicidade das casas de apostas online não recebe o mesmo tratamento dado à dos cigarros anos atrás? No Brasil, a propaganda de cigarros nos meios de comunicação de massa, como rádios, tevês e jornais, está proibida desde 2000, assim como o patrocínio de eventos culturais e esportivos.

    Infelizmente, o que vemos hoje no Brasil é um bombardeio midiático das casas de apostas, que tentam, a todo custo, vender a imagem de “jogo responsável”, “entretenimento saudável” e “diversão segura”.

    A BetNacional, uma das mais poderosas empresas do setor de apostas, patrocinadora e parceira da Rede Globo em diversos eventos esportivos e de entretenimento, lançou, em meados de setembro, uma nova campanha publicitária com Galvão Bueno como seu embaixador-mor. Personagem midiático de grande sucesso, super bem-sucedido e multimilionário, Galvão agora é o rosto da BetNacional.

    Essa casa de apostas online, que se autodenomina “a bet que você confia”, “a bet dos brasileiros” e “uma bet diferente”, promove-se como fornecedora de “entretenimento de qualidade”, sem qualquer constrangimento. E para fortalecer ainda mais sua imagem, conta com um elenco de peso em suas campanhas, incluindo personalidades como Vinícius Júnior, Thiaguinho, Ludmilla e Seu Jorge.

    É lamentável e profundamente preocupante ver figuras públicas tão influentes, ídolos de milhões, com grande poder de persuasão e engajamento, associando suas imagens a esse tipo de atividade. Além de controversa, essa situação levanta um sério dilema ético: como essas personalidades podem conciliar a responsabilidade social, tantas vezes destacada em seus discursos e trajetórias de vida, com os ganhos pessoais e financeiros oriundos de parcerias que são, no mínimo, questionáveis, ou por que não, esdrúxulas?

    O vínculo financeiro entre celebridades do meio artístico e esportivo e as casas de apostas online – e a publicidade da BetNacional é apenas um exemplo entre milhares – é alarmante e reforça a urgência da regulamentação da publicidade dessa atividade, que se revela extremamente prejudicial à população.

    E é paradoxal que o futebol, principal esporte que alimenta as bets, também seja alimentado por elas. Dos 20 clubes da Série A do Brasileirão, 15 são patrocinados por casa de apostas, e na Série B, todos os clubes recebem esse tipo de patrocínio. As duas principais competições promovidas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), levam o nome de uma bet: o Campeonato Brasileiro, virou o Brasileirão Betano (Séries A e B) e a Copa do Brasil, agora é Copa Betano do Brasil.

    A bet Casa de Apostas não patrocina clubes diretamente, mas está associada à Copa do Nordeste, competição da qual é patrocinadora master, e dá nome a dois estádios no Brasil: a Casa de Apostas Arena Fonte Nova, em Salvador, e aCasa de ApostasArena das Dunas, em Natal.

    Os casos de jogadores envolvidos em manipulação de apostas online estão se multiplicando em todo o mundo. Um exemplo notório é o de Lucas Paquetá, jogador do West Ham da Inglaterra e da Seleção Brasileira, que está sob investigação da justiça inglesa por suspeita de fraudes em apostas realizadas por parentes e amigos de sua cidade natal (Paquetá/RJ) em jogos nos quais recebeu cartões amarelos suspeitos. Se for considerado culpado, poderá ser banido do futebol.

    Em fevereiro de 2023, a Operação Penalidade Máxima, liderada pelo Ministério Público de Goiás, revelou um esquema de manipulação de resultados envolvendo jogadores e apostadores que lucravam com apostas em partidas de futebol no Brasil. No total, 22 jogadores foram punidos pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD): 5 foram banidos permanentemente do futebol, 1 foi liberado após pagar uma multa, 7 foram suspensos por 360 dias, 4 por 600 dias, e 5 por 720 dias.

    Esses casos evidenciam um mercado obscuro que movimenta bilhões de reais anualmente, favorecido pela falta de controle governamental e sustentado pela cumplicidade de diversos setores da economia, como o mercado publicitário, grandes conglomerados midiáticos, empresários, políticos, atletas e ex-atletas, artistas e influenciadores digitais.

    Em meio a essa “picaretagem” digital, as principais vítimas são os apostadores, conscientes ou não, que, seduzidos pela promessa de lucro fácil, acabam acumulando dívidas impagáveis. Isso compromete não apenas suas finanças, mas também seu bem-estar emocional, levando a problemas como depressão, ansiedade, e até a perda de empregos e o fim de relacionamentos.

    Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 26 de setembro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, destacou a necessidade de uma “avaliação crítica” sobre a situação atual do mercado de apostas on-line: “Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno. Não tínhamos noção do que isso poderia causar, principalmente essa ação muito ofensiva das casas de jogos e o uso de publicidade extrema”.

    Gleisi poderia ter encerrado suas considerações recorrendo ao poder analógico da célebre e bicentenária frase de Saint-Hilaire. Como não o fez, faço eu: “Ou o Brasil acaba com as bets ou as bets acabam com o Brasil”.

  • CARTA ABERTA AO JORNALISTA CEFAS CARVALHO

    Assunto: Música Atual x Música do Passado

    Caríssimo Cefas Carvalho.

    Como fundador, presidente e único membro, da Associação Potiguar dos Sessentões de Bom Gosto Musical e Sem Preconceitos (APSBGMSP), venho compartilhar algumas reflexões sobre as suas postagens no “livro de rostos” de Zuckerberg — rede social que, curiosamente, tornou-se a favorita entre os “cinquentões”, “sessentões” e afins —, nas quais você aborda as comparações intolerantes e preconceituosas, entre a música de “antigamente” e a atual.

    Em uma postagem de 02/09, você se diz espantado “com a quantidade de cinquentões aqui no Feicebique e nos grupos de zap que se prendem ao discurso que a música atual é uma merda, que os jovens só ouvem porcaria, que na tal ‘nossa época’ é que havia música de qualidade e etc. e tal”. Texto na íntegra aqui.

    Desde já, saiba que compartilho do seu espanto. Além disso, acredito que esses comentários exacerbados e agressivos extrapolam uma mera preferência musical, e de forma alguma refletem uma preocupação genuína com o que os jovens escutam atualmente. O que se percebe é um preconceito disfarçado – ou, em alguns casos, nem tanto –, alimentado por essa onda de conservadorismo que tomou conta das redes sociais e do mundo em geral. E esse preconceito não se restringe à música – que, aliás, muitos desses “cinquentões” provavelmente nem conhecem –, mas atinge os próprios artistas, em especial, Pabllo Vittar e Anitta, mencionados em sua postagem.

    Estamos falando de duas das maiores estrelas da música contemporânea, com impacto na cena cultural brasileira e internacional. E isso não se deve apenas à música, mas também às suas posturas contestadoras em relação a questões de identidade, política e direitos LGBTQIA+. São atitudes que desafiam a hipocrisia dos defensores “da moral e dos bons costumes” e incomodam a elite conservadora, da qual a maioria desses senhores e senhoras que estão “cinquentando” ou “sessentando” muito mal, fazem parte.

    Dito isso, gostaria de tentar lançar alguma luz sobre essa eterna “pinimba” entre os defensores da música atual e da música do passado. Mas fique tranquilo. Prometo não me alongar em análises e citações sobre a “música do meu tempo”.

    Um argumento em defesa dos “cinquentões” e “sessentões” (os sensatos, é claro) é que, em nosso tempo, a produção musical era incomparavelmente menor que a atual. Os meios de divulgação também eram mais limitados, o que nos protegia, de certo modo, de sermos bombardeados com músicas de qualidade questionável, embora elas também existissem.

    Na minha infância e pré-adolescência, nos anos 70, grande parte da música que eu ouvia vinha dos programas de rádio e dos discos que meu pai colocava para tocar numa “radiolinha” portátil, daquelas em que o alto-falante ficava na tampa. Nas sessões musicais pós-jantar, costumávamos ouvir Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Elizeth Cardoso, Ataulfo Alves, Sílvio Caldas, Altamiro Carrilho, Francisco Petrônio, Dilermando Reis, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, entre muitos outros.

    Foi nessa época que, nos primórdios da televisão em Mossoró, assistindo aos programas, “Porque Hoje é Sábado”, com Gonzaga Vasconcelos e, “Show do Mercantil”, com o ícone Augusto Borges, da TV Ceará Canal 2 (o único que “pegava”), conheci O Pessoal do Ceará: Fagner, Belchior, Ednardo, Fausto Nilo, Amelinha.

    Destaco também a coleção “História da Música Popular Brasileira”, publicada entre 1970 e 1972 pelo selo Abril Cultural, como de fundamental importância para a formação, ou quiçá, revolução, do meu (bom) gosto musical.

    Vendidos em banca de revistas, cada fascículo da coleção trazia a biografia de um artista e um LP de 10 polegadas (8 faixas). Noel Rosa foi o volume 1, Pixinguinha o 2, Dorival Caymmi o 3, e depois de algumas edições com os clássicos das “antigas”, vieram as “apostas” da época. Simplesmente: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Edu Lobo, Milton Nascimento, Jorge Ben, Nara Leão, Elis Regina, entre tantos que se tornariam clássicos tão clássicos quanto os já clássicos naquele momento. 

    É inegável que ter vivido na mesma época em que surgiam os “neoclássicos da MPB”, foi um privilégio para alguns “cinquentões” e “sessentões”. Ainda assim, não me faltaram críticas ao que se produzia naquele período, inclusive a algumas obras dos meus próprios ídolos. Exemplos?

    Na década de 1960, Nara Leão gravou álbuns antológicos. Em Opinião de Nara (1964), a então “Musa da Bossa Nova” surpreendeu – ironicamente – o mundo da bossa nova ao gravar “Opinião”, de Zé Keti, música que acabou se transformando em um hino de resistência à recém-instalada ditadura militar no Brasil: “Podem me prender/Podem me bater/Podem até deixar-me sem comer/Que eu não mudo de opinião”. Nesse disco, ela também gravou “Acender as Velas” de Zé Ketti, e “Sina de Caboclo”, de João do Vale.

    Na mesma linha, O Canto Livre de Nara (1965) apresentou a panfletária “Corisco”, uma parceria de Glauber Rocha e Sérgio Ricardo (“O sertão vai virar mar/E o mar vai virar sertão”), e repetiu a parceria com Zé Keti em “Malvadeza Durão”, “Nega Dina” e “Samba da Legalidade”; e com João do Vale no clássico “Carcará”. E Nara seguiu pelos 60 e 70 gravando pérolas, apostando em novos compositores ou usufruindo do talento dos amigos Chico Buarque, Vinícius de Morais, Tom Jobim, Gil, Caetano, como fez em Os Meus Amigos são um Barato, de 1977.

    Eis que, em 1978, Nara Leão resolveu gravar um LP só com músicas de Roberto e Erasmo Carlos: E que Tudo Mais Vá pro Inferno. A crítica especializada abominou a ousadia e eu fiquei transtornado! “Fim de carreira para a bela Nara!”, pensei. Hoje em dia, basta eu tomar uma cerveja para colocar “Além do Horizonte” para tocar. É a melhor versão já gravada em todos os tempos, por qualquer intérprete, de qualquer música do chato do Roberto Carlos (ops!).

    Em 1981, Chico Buarque produziu – na minha, metida a besta, opinião – sua obra-prima: Almanaque. Aliás, não é só a obra-prima da sua carreira, mas de toda a música brasileira. Acontece que no PA (pós-Almanaque) – também na minha, metida a besta, opinião – Chico fez coisas menos marcantes: Saltimbancos Trapalhões (1981); Chico Buarque en Español (1982); Para Viver um Grande Amor (1983) e O Grande Circo Místico (1983).

    E foi nesse período de entressafra “chicobuarqueana”, que certo dia, durante uma discussão de mesa de bar, do alto dos meus 22 anos, cometi a heresia de esbravejar peremptoriamente que Chico Buarque havia perdido a inspiração. Que havia ficado obsoleto, preguiçoso. Que estava cantando mal e não conseguia mais compor músicas de excelência.

    Então, em 1984, ele me “responde” com o LP Chico Buarque (só isso!) e essa “cacetada”: “Pelas Tabelas”, “Brejo da Cruz”, “Tantas Palavras” (com Dominguinhos), “Suburbano Coração”, “Mil Perdões”, “As Cartas” e… “VAI PASSAR!!!” (com Francis Hime). Definitivamente, Chico Buarque não sabe brincar!

    Pois é, meu dileto e “espantado” periodiqueiro. A música do “meu tempo” permitiu-me criticar e questionar gênios e “gênias”. E até o final do século passado, evidenciando uma certa arrogância e uma pernóstica intelectualidade musical, preferi ficar preso naquele passado de “privilegiado musical”, bravateando de forma pretensiosa que a Música Popular Brasileira havia estagnado em João Bosco.

    Foram os meus filhos, ainda pré-adolescentes, que me apresentaram Chico César, Zeca Baleiro e Lenine, e então passei a enxergar a nova turma que surgia. Claro que, depois de alguns álbuns lançados, também não faltaram críticas a esse trio inicial. Coisas do tipo: “Chico César e Zeca Baleiro – especialmente o segundo – são muito repetitivos”, “Lenine confunde criatividade com letras e melodias sem eira nem beira”, e por aí vai. E quem diria, né: “Mama África” (Chico César – 1995), “Heavy Metal do Senhor” (Zeca Baleiro – 1997) e “Hoje eu Quero Sair Só” (Lenine – 1997), já estão “beirando” os trinta!

    E vieram muitos outros e outras – alguns citados em sua postagem – que ao longo dos últimos 25, 30 anos evitaram que eu me transformasse em um “sessentão” tedioso, conservador e saudosista.

    Por enquanto, é isso. Fico por aqui com minhas elucubrações musicais, ou essa epístola aberta não fecha nunca.

    Quanto ao sertanejo, que você também destaca como alvo da fúria de “cinquentões” ensandecidos, como diria Copélia, personagem de Arlete Salles no humorístico Toma Lá Dá Cá: “prefiro não comentar” (risos).

    Grande abraço e saudações musicais.

    Marco Túlio Cícero

  • O LIVRO PERDIDO DE GALEANO         

    Fui apresentado a Eduardo Galeano pelo Dr. José Maria Caldas, o companheiro Zé – como o trato até hoje –, por volta de 1982 ou 1983. Eu tinha 22 anos e era um “sunguelo”, “zuadento” e metido a revolucionário de esquerda. Mudei quase nada de lá pra cá, é bom que se diga. Continuo “zuadento”, esquerdista, mas longe de ser um “sunguelo”. Com o PT recém fundado, sempre que nos encontrávamos em alguma cervejada, o assunto era política: Lula, socialismo, capitalismo, comunismo, justiça social, o futuro da esquerda no Brasil e a esperança e o sonho de dias melhores para o país sob um governo petista. Falávamos também de música e literatura — o clássico “papo cabeça” da geração dos anos 80. Naquela época, estava fascinado com a leitura de A Ilha de Fernando Morais (1ª edição de 1976), e não me cansava de citá-lo nas conversas e discussões políticas.

    Sempre li muito, desde muito cedo, e de tudo: histórias em quadrinhos, bolsilivros de faroeste (o autor mais famoso era o espanhol Marcial Lafuente Estefanía), de guerra (coleção Hora H), de espionagem (ZZ7 – Brigitte Montfort em ação, com suas capas provocantes), e policiais (coleção FBI). Na adolescência, li também quase todos os 48 volumes da coleção “Clássicos de Bolso” da Ediouro, publicados nos anos 1970. A coleção funcionava por assinatura e era composta por grandes clássicos da literatura mundial, em sua maioria adaptados ou traduzidos pelo jornalista e escritor Carlos Heitor Cony.

    Dito isso, voltemos aos anos 1980. Eis que certo dia – um sábado, com certeza – o companheiro Zé apareceu com dois livros: As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e uma coletânea de histórias de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle. Era um empréstimo.

    Quando cheguei em casa, coloquei os livros em umas das estantes que compunham a maravilhosa biblioteca de meu pai, Chicoliveira. Meu pai não era um leitor comum; ele “devorava” livros. E na segunda feira, ao sair para trabalhar, já o encontrei confortavelmente refestelado em sua espreguiçadeira, lendo As Veias Abertas.

    Diante desse fato, decidi ler as aventuras de Sherlock Holmes. Depois de alguns dias, houve uma troca silenciosa dos livros. E qual não foi minha surpresa ao me deparar com o livro do companheiro Zé, repleto de anotações.

    Chicoliveira tinha a mania de destacar, nos livros que lia, as passagens de que mais gostava. Escrevia os números das páginas nas folhas em branco, sublinhava trechos, fazia marcações e comentários nos rodapés — uma espécie de fichamento acadêmico. Certamente, ele imaginou que os livros eram meus, e essas anotações acabaram facilitando minha leitura e o encantamento por Eduardo Galeano.

    As Veias Abertas da América Latina, transcende o tempo histórico e, desde sua publicação em 1971, tornou-se um símbolo de resistência e uma referência intelectual e política para aqueles que lutam contra as injustiças sociais, a exploração econômica e o imperialismo. Até hoje, o livro de Galeano é peça central na formação e continuidade do pensamento de esquerda na América Latina, oferecendo tanto uma base histórica quanto uma inspiração constante para a luta por justiça social e soberania na região. Eu diria que é o nosso “manual do bom esquerdista”.

    Com os livros devidamente “consumidos”, chegou a hora da devolução. Mas como devolver um livro “todo riscado”? Devolvi, intacto, o de Arthur Conan Doyle e disse ao companheiro Zé, que ainda não havia terminado o de Galeano. Procurei-o nas escassas livrarias de Mossoró, mas não encontrei. O tempo foi passando, casei-me, saí da casa dos meus pais e não levei o livro comigo. Com o tempo, houve um afastamento natural entre nós, embora a amizade permaneça até hoje. Dr. Zé Maria foi o pediatra dos meus dois primeiros filhos, Isadora e Túlio Filho, e nas poucas vezes em que nos encontramos, nunca falamos sobre o livro não devolvido – ou perdido – de Galeano.

    Com as várias mudanças de Chicoliveira, no vai e vem da biblioteca, e depois com sua morte, quando houve a divisão dos livros e discos entre os filhos, nunca mais vi o famoso exemplar de As Veias Abertas da América Latina.

    Durante a pandemia, voltei a ler muito e a comprar livros (as livrarias virtuais ajudam e acabam “viciando”) e a obra-prima de Eduardo Galeano fez parte do primeiro lote.

    Recentemente, concluí a leitura da trilogia Memória do Fogo, uma obra monumental em que o gênio uruguaio explora a história da América Latina de maneira única e poética. Os Nascimentos (1982) abrange os séculos XV, XVI e XVII; As Caras e as Máscaras (1984) cobre os séculos XVIII e XIX; e O Século do Vento (1986) retrata o século XX.

    Nessa trilogia, Galeano adota um estilo literário que mistura narrativa histórica com elementos de ficção, mitologia e crônica, criando um texto ao mesmo tempo lírico e documental. Cada volume é composto por uma série de vinhetas curtas, que retratam personagens históricos, lendas indígenas e momentos cruciais da história latino-americana. Recomendo.

    Aqui está um trecho de As Caras e as Máscaras:

    SACRAMENTOS – Guatemala 1775 (Los Mayas del Siglo XVIII – Autor: Francisco de Solano – 1974)

    Os índios não cumprem os rituais da Páscoa se estes não coincidem com dias de chuva, de colheita ou de plantio. O arcebispo da Guatemala, Pedro Cortés Larraz, dita um novo decreto ameaçando quem se esquece, assim, da salvação da alma. Tampouco os índios vão à missa. Não respondem ao chamado nem ao sino; é preciso ir buscá-los a cavalo por aldeias e plantações e arrastá-los à força. A falta é castigada com oito chibatadas, mas a missa ofende os deuses maias e isso pode mais que o medo de apanhar. Cinquenta vezes por ano, a missa interrompe o trabalho agrário, cotidiana cerimônia de comunhão com a terra. Acompanhar passo a passo os ciclos de morte e ressureição do milho é, para os índios, uma forma de rezar; e a terra, templo imenso, lhes dá provas, dia a dia, do milagre da vida que renasce. Para eles, toda terra é igreja e todo bosque, santuário. Para fugir do castigo do pelourinho da praça, alguns índios se aproximam do confessionário, onde aprendem a pecar, e se ajoelham diante do altar, onde comungam comendo o deus de milho. Mas só levam seus filhos à pia batismal depois de tê-los levado, monte adentro, para oferecê-los aos antigos deuses. Ante eles, celebram as alegrias da ressureição. Tudo que nasce, nasce de novo.

    PS. Querido companheiro Zé, caso você leia esse texto e sua biblioteca continue desfalcada – mesmo passados 40 anos – da grande obra do gênio Galeano, envie-me uma mensagem que eu lhe faço chegar uma edição “zerada” de As Veias Abertas da América Latina.

  • O “GAROTO” JESUS ERA UM CAPETA EM FORMA DE GURI

    Não vou falar daquele bebê lindo e branquinho, de olhos verdes, cachinhos dourados, bracinhos, mãozinhas e perninhas gordinhas para o ar, bochechas fofas e boas de dar “chêro”, e um “buchinho” redondo que nos convida a fazer aquele barulho peculiar quando aplicamos uns beijos “assoprados”. Esse Menino Jesus, o Gesù Bambino, em sua imagem angelical e serena e que já vem com um ring light sobre a cabeça, contabiliza mais milagres do que sua versão de 33 anos depois, garantem os entendidos. Vou falar é do Jesus garoto, um guri danado, travesso, levado da breca, arteiro, inquieto e traquinas. Uma criança “virada num traque”. Um “pentelho”, como diria Fausto Silva. Meu amigo Juscelino Leite, lá de Mossoró, diante de tais atributos, afirmaria categórico: “Esse menino não vale um ‘cibazol’ vencido”!

    Infelizmente, não existem relatos sobre esse período da vida do filho do Homem na Bíblia. A falta de detalhes é uma das características mais frustrantes dos Evangelhos canônicos – os quatro que foram incluídos no Novo Testamento. Os evangelhos de João e Marcos retratam Jesus como adulto desde o início. Mateus e Lucas até relatam histórias sobre o nascimento e a infância de Cristo, mas há um imenso vazio nessas narrativas: vemos Jesus bebezinho, depois temos um breve relato de uma passagem triunfal pelo Templo de Jerusalém, aos 12 anos de idade – e acabou. Nada mais se fala sobre o Jesus criança, adolescente ou jovem adulto.

    No entanto, algumas passagens da infância de Jesus são narradas em um evangelho apócrifo – o “Evangelho da Infância” ou “Pseudo-Tomé” –, que contém histórias que contrastam com os textos bíblicos aceitos. Existem várias versões desse evangelho em diversas línguas antigas (grego, latim, siríaco, eslavo, georgiano, etíope e árabe), muitas delas de origem duvidosa, mas que continuam provocando celeuma.

    É por essas e outras, que a meninice de Jesus continua sendo um tabu entre os cristãos e um mistério entre os estudiosos do cristianismo. Então é natural ficar chocado e curioso com algumas narrativas do “Evangelho da Infância”, cuja transcrição original, estima-se, data de meados ao fim do século 2. Essa datação baseia-se em outro documento do mesmo século, que cita o bispo grego Irineu de Lyon, segundo o qual o evangelho é inautêntico e herético. Coisas de bispo. Eis alguns trechos:

    “Quando um menino começou a desfazer as represas de brinquedo que o garoto Jesus tinha feito na beira de um riacho, ele se irritou e falou: ‘Tolo injusto e irreverente! O que as poças d’água fizeram para te irritar? Eis que agora também tu secarás como uma árvore, e nunca terás nem folha, nem raiz, nem fruta’. No mesmo instante, o menino secou completamente”.

    “Algum tempo depois, Jesus caminhava pelo vilarejo quando uma criança passou correndo e esbarrou em seu ombro. Irritado, Jesus esbravejou: ‘Não seguirás mais o teu caminho’. Naquela mesma hora, a criança caiu e morreu. O menino divino ainda faz os aldeões que vão reclamar dele com José ficarem cegos e amaldiçoa um de seus professores”.

    “Por outro lado, Jesus ressuscita um amiguinho que caiu do telhado de uma casa, cura pessoas e faz a madeira crescer milagrosamente para que José consiga terminar um de seus trabalhos de carpintaria”.

    Recentemente – em meados de junho – deu-se a maior descoberta sobre o “Evangelho da Infância” em todos os tempos, e essa descoberta contou com a participação de um brasileiro: o papirólogo gaúcho Gabriel Nocchi Macedo, pesquisador e professor da Universidade de Liège, na Bélgica. Macedo e o húngaro Lajos Berkes, também papirólogo e docente do Instituto de Cristandade e Antiguidade da Universidade Humboldt de Berlim, descobriram um manuscrito em grego antigo de aproximadamente 1.600 anos, que já é considerada a versão mais antiga do “Evangelho de Pseudo-Tomé”. O fragmento foi encontrado na Biblioteca Estatal e Universitária Carl von Ossietzky, em Hamburgo, e faz parte de uma coleção reconhecida, eliminando quaisquer dúvidas sobre sua autenticidade.

    O documento passou despercebido por muito tempo e era considerado apenas uma nota antiga e pessoal. Poderia ser uma carta íntima ou uma lista de itens domésticos. Durante a pesquisa, Berkes e Macedo inseriram algumas palavras identificadas no manuscrito em um banco de dados que reúne toda a literatura grega – desde os textos mais antigos até a Idade Média –, e quase que imediatamente perceberam que se tratava de trechos do controverso “Evangelho da Infância”.

    Logo após a divulgação da descoberta na revista acadêmica alemã, Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, uma manchete sensacionalista deixou os pesquisadores perplexos: “Fragmento de papiro egípcio cadastrado errado em biblioteca alemã detona percepções milenares sobre a Bíblia e o próprio Jesus”. Berkes esclarece: “Não é uma história nova. Então, não muda nada no que sabemos sobre os Evangelhos e sobre Jesus. Causou muito mal-entendido e polêmica, embora nós nunca tenhamos alegado nada”.

    Entre os fragmentos identificados pelos dois pesquisadores, encontra-se a narrativa de como, aos cinco anos, Jesus estava perto de um riacho, onde manipulava argila e fazia figuras de pássaros, quando José, seu pai, o repreende por estar ativo no Sabá, o dia de descanso para os judeus. Em resposta, o menino bate as mãos, as aves ganham vida e saem voando. Simples assim.

    Não me perguntem por que, mas ao ler sobre o “Evangelho da Infância”, lembrei da música “Um capeta em forma de guri” de Renato e seus Blue Caps gravada em 1965.

    Nota do Autor: Essa música é uma versão de Renato Barros para “Shame and scandal in the family” de Slim Henry Brown e Huon Donaldson. Em 1986, Sérgio Mallandro fez sucesso com uma regravação que virou tema de abertura para o seu programa infantil “Hora do Capeta” (1987-1990) no SBT.

    Ouça a versão original: “Um capeta em forma de guri”.

    Conheci um capeta em forma de guri

    De uma família tradicional

    Surgiu um menino que era mesmo infernal

    Seus primeiros passos ainda neném

    Já foram “butinadas” na canela de alguém

    Crescendo o menino pra escola entrou

    De cara feia logo a professora olhou

    No meio da aula num teco fatal

    Mandou um coleguinha logo para o hospital

    Conheci…

  • EU ESTUDEI COM ALICE CARVALHO

    É isso mesmo. Eu estudei com Alice Gabrielle Affonso Carvalho – nome forte da “mulesta”! –, essa potiguar “arretada” que saiu da Coophab em Natal para brilhar por esse mundão afora. Pagamos juntos Semiótica da Comunicação com a professora Lilian Muneiro no segundo semestre de 2018. Ela no curso de Artes Visuais e eu no de Jornalismo na UFRN. Lembro-me bem daquela menina com “a sua cara de apressada”, que parecia estar constantemente atrasada para chegar ou sair de algum compromisso.

    Ela costumava sentar-se nas cadeiras mais próximas da porta. Talvez para facilitar uma “fuga” rápida tão logo a aula acabasse… ou não (risos). Eu me sentava do lado oposto da sala. É provável que ela nunca tenha me notado durante o período em que estudamos juntos. Mas estudamos juntos e eu posso provar. Só não mostro aqui a relação de alunos do sistema da UFRN porque deve ser proibido e posso acabar processado por divulgar informações sigilosas.

    Em certa ocasião, cheguei a sentir raiva de Alice ou da professora Lilian ou das duas juntas. Esclareço. Para a nota da terceira unidade a “profe” passou uma atividade com cinco questões bastante complexas, cujas respostas seriam discutidas na sala de aula.

    O tempo foi passando e, envolvido com as rotinas do trabalho, fui adiando a sua conclusão. Quando me dei conta, o prazo havia acabado e eu não tinha conseguido finalizar a atividade. Daí, que eu fui para a aula com duas questões de cinco sem resposta e, encarando de frente a minha inépcia, apresentei o trabalho incompleto. Na vez de Alice apresentar, ela falou que não tinha feito o seu por falta de tempo, ao que Lílian, tranquilamente e sem medo de ferir suscetibilidades, contemporizou: “Não tem problema. Você traz na próxima aula”. Naquela hora, pensei “lá” com os meus botões: “Menina ‘réia’ folgada”, sobre Alice e, “Pois, diga…! Diguénada…”, sobre Lilian. Mas a raiva passou logo. Não sou de guardar mágoas, apesar do 6,5.

    Aliás, falando em Semiótica, o tal do Charles Sanders Peirce (1839-1914), o pai da coisa toda, devia ter um parafuso a menos. Pense num troço pra dar um nó no juízo dos incautos que se matriculam nessa disciplina, mesmo sendo optativa. Brincadeirinha Lilian.

    Por essa época, já conhecia um pouco do trabalho de Alice Carvalho no audiovisual. Seu pioneirismo, sua teimosia, sua ousadia, seu arrojo, já deixava transparecer que ali estava nascendo uma artista com talento e capacidade criativa fora do comum. Desde então, sua carreira só deslanchou.

    O nome da minha colega de turma começou a surgir nas conversas dos churrascos de fim de semana – onde se reúnem familiares, amigos e agregados – na época de “Cangaço Novo”. Nessas cervejadas, as conversas sempre giram em torno de música, política, futebol, religião (ou a falta dela), cinema, novela, séries e “causos”. Em uma dessas reuniões “gastroetílicas”, quem já havia assistido “Cangaço Novo” (2023) comentou sobre a extraordinária atuação da atriz que interpreta Dinorah.

    Foi aí que eu falei: “É Alice. Estudou comigo”. Em meio aos risos e alguns “lá vem Túlio com suas histórias”, eu contei essa história dos meus tempos de faculdade.

    Quando soubemos que Alice Carvalho iria participar do remake de “Renascer” no papel de Joaninha, esposa de Tião Galinha, a notícia virou o assunto do dia. “Rapaz! A amiga de Túlio vai trabalhar em ‘Renascer’!”. “Vai virar uma global”. “Essa menina vai longe!”. Eu vibrei como se fosse um gol do Potiguar de Mossoró.

    Na Globo, Alice já havia feito uma participação na série “Segunda Chamada” (2019) e está na novela do Globoplay, “Guerreiros do Sol” com estreia prevista para 2025. Realmente, a menina foi longe.

    Apesar de ser um crítico contumaz das Organizações Globo e do seu poderoso império midiático, é inegável que a qualidade de suas obras na teledramaturgia é capaz de catapultar a carreira de qualquer ator ou atriz iniciante que se destaque em uma dessas produções.

    As primeiras aparições de Alice em “Renascer” foram um espanto. As cenas no manguezal, à cata de caranguejos com Irandhir Santos (Tião Galinha), já entraram para o rol das cenas memoráveis da teledramaturgia brasileira. A partir daí, sua personagem, Joana ou Joaninha, só tem crescido na trama a cada capítulo. A menina é “invocada”.

    Eis que, em um certo domingo de abril (28), estou eu no quarto assistindo futebol quando Maria, minha esposa, chega e fala: “Mô, sua amiga tá no Hulk”. E eu, que por motivos diversos – alguns bastante óbvios – não suporto Luciano Hulk, “fui obrigado” a assistir à “Dança dos Famosos” no dia em que minha colega fez parte do júri artístico da atração e foi homenageada. Emocionante.

    Sobre a “Dança dos Famosos”, preciso confessar um pequeno (ou grande?) delito: no domingo em que Lucy Alves, essa paraibana “danada” de talentosa e linda que “chega dá um ‘farnizinho’”, como a gente diz lá em Mossoró, vai se apresentar, não consigo resistir. Tenho que assistir! Finalizada a sua apresentação, volto para o futebol. No final, Maria me conta como ficou a classificação.

    Voltemos a “Renascer”. Agora em junho, as interpretações que me levaram às lágrimas – sim, sou chorão de novela, pronto, falei – foram as dos primeiros encontros de Joana com Zinha, a surpreendente baiana Samantha Jones, que confesso, não conhecia. Que coisa mais linda do mundo a potiguar Alice e a baiana Samantha contracenando! Quanta sensibilidade!

    O casal “JoanaZinha” não aconteceu na primeira versão de “Renascer”, mas tudo indica que vai emplacar nesse remake e, muito provavelmente, o casal seguirá me fazendo chorar até o último capítulo.

    Ainda sobre “Renascer”, cabem algumas críticas: que coisa mais chata, irritante e fora de contexto, os inúmeros merchans disparados aleatoriamente na cara do telespectador a cada capítulo. Um casamento foi patrocinado por uma marca de cerveja; do nada, aparece alguém tomando um refrigerante com o rótulo preenchendo toda a tela da TV; a bodega começou a vender chips de uma operadora de celular, só porque Zinha deu um de presente a Joana; e tem até um casal que só aparece em cena para falar sobre as qualidades de um modelo de carro. Outro dia, eles estavam viajando para São Paulo. Acho que nunca mais vão dar as caras na novela. Além disso, tem propaganda de banco, chocolate e tem até um remédio para dor de barriga que, vez por outra, alguém aparece para comprar na bodega que tem de tudo. Mas Alice não tem nada a ver com isso.

    PS: Alice, minha querida colega de Semiótica, qual foi sua nota da terceira unidade? Sucesso sempre!

  • “BICHOS ESCROTOS” CHAFURDAM NA LAMA GAÚCHA

    Em meio ao triste e trágico noticiário sobre a catástrofe climática que devasta o Rio Grande do Sul, somos obrigados a conviver diariamente com a enxurrada de fake news produzidas por políticos malditos da extrema-direita bolsonarista adeptos do quanto pior melhor. Não faltam também pessoas desumanas e maléficas que propagam mentiras nas redes sociais, apenas pelo vil prazer de alimentar o caos. E ainda existem os tais influencers (como essa palavra me incomoda!) do mal com seus milhões de seguidores a repercutirem farsas e maledicências.

    Um aparte: apesar de não apreciar a denominação e para não ser injusto, cabe destacar o papel dos influencers do bem no trabalho de arrecadação de donativos, de voluntariado e no combate às fake news.

    Enquanto o lado bom dos brasileiros se mobilizava em gestos e atitudes de solidariedade e auxílio aos gaúchos, deputados bolsonaristas passaram a ocupar o plenário da Câmara apenas com o propósito nefasto de produzir e divulgar boatos sobre o socorro às vítimas das enchentes. Esse festival de mau-caratismo e baixeza vem se repetindo a cada sessão legislativa e tem como protagonistas “bichos escrotos” para quem a solidariedade, a empatia, a caridade e a sororidade inexistem.

    Eis alguns exemplos de “bichos escrotos” bolsonaristas e seus discursos repulsivos amplificados diuturnamente nas redes sociais funestas:

    – Deputado Filipe Martins (PL-TO): Afirmou que caminhões com donativos estavam sendo barrados a caminho do RS por exigência de notas fiscais, o que é falso. Disse ainda que estava sendo exigida documentação de pilotos e embarcações de voluntários que atuam nos resgastes a vítimas da enchente, o que já foi exaustivamente desmentido pelo governo do RS.

    – Deputado Coronel Assis (União-MT) e Gilvan da Federal (PL-ES): Reproduziram em plenário as fake news vomitadas pelo colega Filipe Martins.

    – Deputado Paulo Bilynksyj (PL-SP): Afirmou que uma clínica médica que atendia as pessoas gratuitamente tinha sido fechada pela Vigilância Sanitária. A Secretaria Estadual de Saúde e a Vigilância Sanitária do Rio Grande do Sul rechaçaram a falsa notícia com veemência.

    – Deputado Paulo Bilynksyj (PL-SP), Deputada Caroline de Toni (PL-SC), Coronel Ulysses (União-AC) e General Girão (PL-RN): Citaram uma fala da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, fora de contexto. Os parlamentares afirmam que a ministra disse que “não é o momento” para enviar recursos para o RS. Para isso, usam o recorte de uma declaração em que a ministra diz: “Não vai faltar dinheiro para o RS. O dinheiro vai chegar no tempo certo, que não é agora, porque não tem nem o quê liberar porque nós não recebemos as demandas dos prefeitos. Eles não sabem o que pedir porque a água não baixou”.

    Os “bichos escrotos” não dão trégua em sua escalada de maldades oportunistas. Em grupos de bolsonaristas circulam mensagens e teorias estapafúrdias (quase sempre produzidas em perfis falsos), em uma reprodução fiel do modus operandi do período da pandemia da covid-19: espalhar fake news e apregoar conspirações negacionistas.

    Uma dessas teorias da conspiração garante que “o novo Plano Marshall do Brasil para o Rio Grande do Sul é uma estratégia elaborada por conspiradores e traidores da nação, com o objetivo de aproveitar-se de calamidades planejadas para desapropriar os cidadãos de suas casas, terras e propriedades”.

    Tem que ser um “bicho escroto” dos mais desprezíveis e malditos, para propagar uma aberração dessas em meio a tanto sofrimento.

    COMO AGEM OS “BICHOS ESCROTOS”

    Em 1983 eu trabalhava no Banorte (que foi mudando de nome e dono até virar Itaú) em Mossoró e a nossa agência resolveu organizar um mutirão para a arrecadação de donativos dentro da campanha Nordeste Urgente. O Nordeste atravessava um dos piores períodos de seca da história e todo o Brasil se mobilizou para ajudar o povo nordestino.

    Funcionários e funcionárias que se dispuseram a participar do mutirão e mais alguns voluntários – totalizando cerca de trinta pessoas – foram divididas em duas equipes. Por volta das 8h de um domingo, nos reunimos na sede da agência no centro da cidade e as equipes partiram em direções opostas na coleta de donativos. Cada uma a bordo de um caminhão.

    Foram quase oito horas entre caminhadas e “trepadas” no caminhão recolhendo donativos. Dinheiro, gêneros alimentícios, material de limpeza, etc. Foi emocionante ver pessoas da periferia com tão poucos recursos e fazendo questão de doar qualquer coisa que fosse possível. Em algumas casas os moradores nos ofereciam água, lanches, um cafezinho, um suco, uma fruta. A arrecadação surpreendeu a todos. Os dois caminhões ficaram abarrotados de donativos e cada equipe conseguiu encher umas duas sacolas de supermercado com cédulas e moedas.

    Por volta das 16h voltamos a nos reunir na agência do banco e outra equipe assumiu o trabalho de separar os donativos e fazer a contagem do dinheiro arrecadado. A partir daí, a distribuição dos donativos ficou a cargo de uma Loja Maçônica de Mossoró engajada na campanha.

    Cansados e estropiados pelo longo dia sob o sol escaldante de Mossoró – porém felizes pelo resultado do nosso trabalho – eu e mais uns quatro colegas de banco ainda usando a camiseta da campanha Nordeste Urgente resolvemos ir nos refrescar e por que não, celebrar o sucesso de nossa empreitada tomando umas cervejas no bar e restaurante O Sujeito.

    Assim que adentramos no ambiente – um dos mais agradáveis de Mossoró à época, situado a beira do rio – um indivíduo que estava em uma mesa logo na entrada deu uma risada e falou: “Aí! Os bacanas vieram gastar o dinheiro que pegaram dos bestas!”. Esse é um exemplo de como age um “bicho escroto”.

    E ASSIM SÃO OS “BICHOS ESCROTOS”

    Fala ChatGPT!

    “Bichos Escrotos” é uma música da banda brasileira Titãs [autores: Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Nando Reis] que critica comportamentos e características negativas da sociedade. A expressão “bichos escrotos” refere-se a pessoas ou elementos da sociedade que são vistos como desprezíveis, desagradáveis ou repugnantes. Na letra da música, os “bichos escrotos” são aqueles que agem de forma egoísta, corrupta, hipócrita ou destrutiva. Em suma, um “bicho escroto” pode ser definido como alguém que representa o pior lado da humanidade, seja por suas atitudes, valores ou comportamentos”.

    PS. Qualquer semelhança não é mera coincidência.