Sobre

O alívio maior

Por Natália Chagas

O homem moderno vive sob pressões inúmeras buscando meios de escapar do mundo que o comprime. Enquanto não se encontra a grande resposta de como viver melhor, achamos pequenas felicidades nos alívios diários funcionais. Por exemplo não há maior alívio do que fazer xixi quando estamos apertados, ou beber algo gelado, seja água, cerveja ou suco, quando está quente ou com muita sede. Não se engane, todo ser fica extremamente aliviado ao defecar quando o intestino está cheio, e ainda sente-se mais leve ao soltar um belo pum quando há gases em suas entranhas.

Para as mulheres, muitos alívios são diferentes. Um dos meus alívios pessoais preferidos é tirar o sutiã após um dia longo de trabalho. Por décadas passamos por cosestes repressores sem nem mesmo conseguir respirar, ainda mantemos esta memória desta vestimenta que segura, protege, esconde e até aumenta os seios. Anseio pelo alívio de um dia queimar de vez sutiãs em praça pública e não vivermos sob a ditadura falaciosa do padrão de beleza.

Outro grande alívio feminino é sempre o teste de gravidez negativo quando não é planejado. Todas as possibilidades e julgamentos passam em nossas cabeças naqueles três a cinco minutos de espera.

Em contrapartida, já ouvi sobre o alívio da dor do parto. Muitas mulheres, que passam pelo parto normal, discorrem sobre a combinação da felicidade intensa de ter sua cria nos braços com a dor desaparecendo após horas do trabalho de parto. Creio ser um misto de emoções, mas com o alívio de uma dor que é considerada a maior que o ser humano pode suportar. Alívio da dor que nasce é provavelmente algo inesquecível.

Durante a pandemia, entre sutiãs, banho tomando, teste de covid negativo, um dos meus alívios preferidos era tirar a máscara. Sem ela eu conseguia respirar e falar melhor além de em um breve momento sentir normal ao meio do caos. A máscara trazia um simbolismo de separação entre as pessoas para além do óbvio que era a covid, era também um ícone de que a morte estava rondando. A máscara trazia o medo embutido, uma certa imaginação mórbida de qual amigo distante poderia estar em risco ou até falecido e o sinal de ignorância daqueles que se recusavam a usar.

Tive pesadelos terríveis sobre morrer sem ar, com tubos atravessando minha garganta e os médicos em volta de mim decretando minha morte. Em sua maioria, esses pesadelos vinham em cochilos após o almoço ouvindo as notícias horríveis do jornal da tarde. Mas enfim veio o alívio. Cheguei do trabalho, tomei um banho e deitei para descansar um pouco. Acabei ligando a TV para ter barulho pela casa afora, já que moro sozinho. Meu alívio deste pesadelo veio com a voz de mulher recitando:

“Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,

outra um regimento.

Uma coisa é um país,

outra o confinamento.”

Era Carmem Lúcia declamando Affonso Romano de Sant’anna para deflagrar seu voto no julgamento de Bolsonaro. Pessoalmente, há um conjunto de alívios neste episódio. Inicialmente, que existe a resistência permanente em prol da democracia. Raros são os dias que podemos gozar da república democrática sem estarmos alertas. Mas também há os dias que percebemos que não estamos sozinhos nesta luta. Este foi meu segundo alívio. Me senti amparada por Carmem Lúcia. Dentro de sua sensatez, ela não destilou o ódio ou disseminou a paixão, apenas análise de justiça, como deve ser em uma república judiciária. Não fujo do fato do orgulho feminino me ter tomado posse. Somos em tantas vezes desacreditadas e menosprezadas, que ao cair em mãos de mulher o ato foi caprichado, bordado e entregue com leveza. Por último, foi o momento que dois mineiros, Carmem e Affonso, puderam demonstrar razoabilidade perante tantos infortúnios atos de políticos de Minas Gerais.

Não acredito que ninguém vai aprender nada que já não se sabia antes desse acontecimento do 11 de setembro de 2025, mas estou aliviada por ter acontecido.

A ira sobre vós

PEC da Blindagem, Bandidagem, Filhadaputagem….