Por Natália Chagas
Sentada no sofá, a criança olhava com desconfiança para os homens que entravam e saiam da casa barulhenta com cheiro de gim e perfume barato. O som alto abafava os gemidos e risadas dos homens e das prostitutas. A criança tinha 5 anos e se chamava Larissa. Era filha de uma das meninas que já chegou grávida na casa, já que a proprietária, Terezinha, tinha regras rígidas, sendo uma delas o fato de que não poderiam engravidar enquanto estivessem sob seu teto. Mas a pobre Viviene já havia embuchado do padastro, e para que não houvesse a separação, a mãe a expulsou. Terezinha ficou com pena da menina, que não passava dos seus 15 anos, e a colocou para dentro da casa como faxineira. Com 18, Vivi escolheu como nome de batismo Estrela e se colocou a serviço dos homens porque a renda era melhor.
A criação de Larissa era coletiva. Todas as meninas se apaixonaram por aquela criança encantadora. Os vigias e seguranças a tinham como uma boneca. Sempre tinha alguém para alimentar, dar banho, levar à escola, ajudar na tarefa com muito carinho quando a própria Vivi não podia. A séria e disciplinadora Terezinha fazia questão da escola da criança e verificação de seu desenvolvimento. Tomaram como decisão unânime que ela teria consciência de tudo, desde a forma em que foi concebida até a labuta que lhes forneciam o pão de cada dia. Lógico que tudo a seu tempo.
A menina crescia esperta e muito indagadora. Era a princesa da casa sem ilusões e com uma certa maldade para se esquivar dos maliciosos pervertidos que ali rondavam.
No carnaval daquele ano, a casa foi fechada para um grupo de um deputado poder farrear sigilosamente. Ele havia sido eleito prometendo zelar pela pátria e família, sendo conservador extremista e evangélico, acumulando o cargo de pastor de sua igreja, e assim necessitava de sigilo extremo. Como conhecia de infância Terezinha, tinha liberdade e dinheiro para fechar a casa por 4 dias.
No meio da madrugada de sexta para sábado, a comitiva chegou e foi recepcionada com muita alegria, comida e bebida. Todos os dias, logo pela manhã cedo, Larissa tomava seu café lado a lado com o deputado pastor, os dois em silêncio. Ela mantinha sua rotina daqueles dias livres de desenhos animados no quarto privado e brincava com as crianças na rua sem mencionar em absoluto o que estava acontecendo dentro da casa.
Na terça-feira, na hora do almoço, um dos assessores lembrou o deputado que iriam embora ao cair da noite para que houvesse menos risco de alguém os ver saindo, aproveitou o momento para pontuar a agenda e compromissos do dia seguinte tanto na câmara quanto na igreja. Enquanto ele falava, Vivi, que era sua preferida, notou uma mudança evolutiva em sua face e postura, se tornando mais inquieto, sisudo, avermelhado e com respiração forte. Ela saiu do seu colo, e todos presentes perceberam sua transformação. Ele começou a balbuciar coisas e todos ficaram em silêncio, mas ninguém entendia. Sua voz foi aumentando de volume até ficar audível.
– … O povo há de viver sob o temor do Senhor, sob Sua vontade e por Sua glória. Temos que louvar ao todo poderoso e pedir por sua misericórdia e clemência dando a Ele toda honra e respeito. Devemos seguir as regras de Deus sem pestanejar em uma linha reta como diz a bíblia. Temos que ser honestos e decentes.
Neste momento, ele pegou Larissa, que estava ao seu lado como sempre, pelo pescoço e a colocou contra a parede a enforcando ao ponto de não conseguir ouvir o choro ou grito da criança, e continuou:
– Não é decente deixar uma criança exposta a atos lascivos como os que acontecem nesta casa. Isto deve parar pelo bem da família.
Todos os trabalhadores da casa se uniram para separar aquele homenzarrão da pequena criança. O deputado pastor parecia tomado por uma força demoníaca sobrenatural que precisou de Terezinha arrebentar-lhe uma frigideira na cabeça para que ele parasse. O pastor caiu ao chão sangrando e já morto.
Seus assessores, temendo uma repercussão negativa contra a igreja, o colocaram atrás do volante de um carro e empurraram em um desfiladeiro. A polícia e a imprensa relataram o acidente como se ocorrido pela bondade do falecido de desviar de um animal que atravessava a estrada.
Terezinha recebeu uma boa comissão por serviços prestados à sociedade, mudou-se para a capital onde Larissa teve acesso a uma boa escola até a faculdade de medicina.