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“OLHA A CABELEIRA DO ZEZÉ” OU JORNALISMO CULTURAL X JORNALISMO DE ENTRETENIMENTO

Funny cow on a green summer meadow; Shutterstock ID 130949000; PO: aol; Job: production; Client: drone

Com transmissão da TV Record, no domingo (10/03), Ituano e São Paulo faziam um jogo decisivo na última rodada da primeira fase do Campeonato Paulista. O Ituano tentava uma última cartada para evitar o rebaixamento e o São Paulo buscava uma vaga nas quartas de final, que caso não viesse seria uma tragédia de proporções titânicas.

            Pois bem. Jogo pegado, truncado, “só a vitória interessa aos dois times” destacavam esbaforidos narrador, comentarista e repórter de campo. Em meio a tensão do jogo, eis que, após uma bola chutada pela linha de fundo, o narrador Lucas Pereira dispara no mesmo tom empolgado da narração: “Não percam logo mais no Domingo Espetacular como ficou o novo visual de Zezé di Camargo após o transplante capilar!”. Como diria Jéssica (Samantha Schmütz), do humorístico “Vai que cola”: “Que p* é essa?!”. Fazer chamada da programação da emissora durante transmissões esportivas não é nenhuma novidade. A Globo faz isso, principalmente com suas novelas, há mais de trinta anos. Mas anunciar a nova cabeleira do Zezé, foi demais!

            Essa escalafobética chamada em meio a uma emocionante narração esportiva e para um assunto tão insignificante (pelo menos para esse que vos escreve e que tá pouco se lixando para a revolução capilar do Zezé) fez-me rir, mas também refletir sobre a linha tênue que separa o jornalismo cultural do jornalismo de entretenimento, em meio aos variados programas classificados como “informativos” espalhados pelos diversos canais de TV (aberta ou fechada) do Brasil.

O Domingo Espetacular, citado na chamada, é definido por seus idealizadores como “um programa formatado para ser uma revista eletrônica de informação e entretenimento para os telespectadores aos domingos”. Ou seja: jornalismo e entretenimento ou jornalismo de entretenimento, o qual muitos confundem com jornalismo cultural, que é o que menos se vê nessas tais revistas eletrônicas.

Foi o jornalismo de entretenimento que tirou jornalistas/apresentadoras tarimbadas como Fátima Bernardes, Patrícia Poeta e Maria Beltrão (entre outros e outras) das sisudas bancadas dos jornalísticos globais e as levou para os convidativos cenários dos programas matinais de variedades.

            Academicamente falando, o jornalismo cultural é o campo do jornalismo que se emprega em relatar fatos relacionados com a cultura, seja ela local, nacional ou internacional. É uma especialização do jornalismo enquanto profissão e abarca as mais diversas manifestações culturais, tais quais, artes plásticas, música, cinema, teatro, literatura, folclore, cultura popular, etc. No entanto, muitas vezes ele é negligenciado em meio ao frenesi digital dos influencers, youtubers, tiktokers, instagramers, xisters (existe isso?) e afins.

Se por um lado o jornalismo cultural pode ser uma forma rica e literária de contar histórias, por outro, ele também oferece ao jornalista o risco de cair na armadilha do jornalismo raso, um jornalismo de celebridades ou um jornalismo de colunismo social, preocupado apenas em abastecer a indústria do entretenimento.

Para fugir da “tentação” de sucumbir ao sensacionalismo e a superficialidade o jornalista precisa manter um compromisso sólido com a ética jornalística e se especializar e adquirir conhecimentos para que suas opiniões sejam valorizadas pelo público. O seu texto deve conduzir o leitor a refletir sobre as influências históricas e culturais que um determinado fato pode produzir.

Portanto, jornalismo cultural e jornalismo de entretenimento são duas coisas completamente distintas.

Voltando à vaca fria e “deixando a profundi… dade de lado”, como já dizia o gênio Belchior, transcrevo algumas pérolas do jornalismo de entretenimento pinçadas dos dois principais portais de notícias do Brasil:

No UOL:

“João Vicente provoca Ewbank e fala em suruba com Gagliasso”

“No Brasil, modelo posa decotada e cita perrengue com caipirinha e mosquitos”

“Ousada, Marina Sena posa de biquini e tampa o umbigo em foto”

“Gagliasso surpreende seguidores pela forma como limpa bumbum”

No Globo.com:

            “Novo affair de Jade Picon, bilionário primo de noivo de Marina Ruy Barbosa já namorou outra ex-BBB: veja quem é”

            “Após flertar com Deolane, Fiuk é flagrado aos beijos com morena em aniversário de influenciadora”

            “Sabrina Sato filma Nicolas Prattes em cachoeira”

            E não citei nada do BBB-24!

            Esse é o tipo de conteúdo que abunda (ops!) nas seções de entretenimento dos principais portais de notícias do Brasil diariamente. Tem para todos os gostos. Agora, justiça seja feita: nada supera a cabeleira do Zezé. Chamada em meio a uma transmissão de futebol para destacar o novo visual do gasturento mor após tratamento capilar é de lascar o cano, como diziam os antigos.

            Ah! E quanto ao jogo – que é o que menos importa nessa história – o São Paulo venceu por 3 a 2 com um gol de pênalti nos acréscimos dos acréscimos e se classificou para as quartas de final. No domingo seguinte empatou em 1 a 1 com o Novo Horizontino e perdeu nos pênaltis, ficando de fora das semifinais do Campeonato Paulista. O Ituano foi rebaixado.

PS. Logo após utilizar a expressão “de volta à vaca fria” fiquei curioso sobre a sua origem e resolvi pesquisar. Se o caríssimo leitor quiser saber mais sobre, leia aqui: Qual a origem da expressão “voltar à vaca fria?”.

            Afinal, Papangu é cultura e informação e pratica o jornalismo cultural em toda a sua plenitude.

Escrito por Marco Túlio

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