Sobre

Na terra que deu a primeira eleitora ao Brasil

Em 2018, eu cursava Direito na Universidade Potiguar (UnP) e, logicamente, não tinha direito a voto nas eleições da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Naquele ano, Bárbara Paloma venceu a disputa e se tornou a primeira mulher a presidir a subseccional de Mossoró.

Como não podia votar, assisti respeitosamente Cid Augusto, que já era advogado, declarar apoio à chapa adversária, que tinha um homem na liderança. Era a opinião dele para a ocasião. Mesmo querendo muito contribuir de alguma forma para aquele momento histórico, ainda não era a minha vez de estar ativamente no caminho da luta por mais mulheres em espaços de poder na instituição.

Lembro muito bem que, durante a campanha, encontrei por acaso com Paloma e Glauber, que eram os candidatos, no escritório de doutora Liana, bem em frente ao nosso, na Travessa O Mossoroense, 42. Tinha ido entregar documentos de uma diligência.

Bárbara estava de barriga já crescida, a espera de Bianca. Mesmo sem me conhecer – e sabendo que eu não tinha condições de lhe oferecer qualquer voto, pois Glauber, seu vice-presidente, havia sido meu professor e avisara da minha condição de estudante –, ela me tratou com carinho, respeito. E eu fiz o que podia, desejando, do fundo do meu coração, uma boa sorte.

Segui meio inconformada por não votar nela, não minto. Queria ter podido fazer valer a luta daquela mulher, que, para completar, aguardava mais um filho. Bárbara, contudo, enfrentou toda uma campanha eleitoral, que, mesmo não sendo partidária, é tão difícil quanto, e isso carregando um bebê na barriga, um escritório, a maternidade, o casamento. E saiu vitoriosa.

A eleição seguinte realizou-se em 2021, e aí eu já advogava e exercia plenamente meus direitos de eleitora.

Num domingo à tarde, recebemos a inesperada ligação de Vânia Furtado, minha amiga querida, para me comunicar que estaria colocando seu nome à disposição para a disputa do comando da OAB de Mossoró e que convidaria Cid Augusto para integrar a chapa como postulante a um dos assentos no conselheiro subseccional.

Mesmo com a sua conhecida aversão a disputas políticas, mas em nome do nosso carinho por ela, Cid concordou, e isso fez com que eu caísse de cabeça naquela que seria minha primeira campanha de classe.

Engajei-me, pedi voto, briguei, protestei pelos ataques e principalmente pela violência política de gênero sofrida por Vânia. O resultado, entretanto, não foi como esperávamos.

Eram três chapas na disputa. Venceu a que trazia Hermeson Pinheiro e Diana Paula na cabeça. Em segundo lugar ficou o grupo de Luiz Carlos e Helena Belmont e, em terceiro, o segmento representado por Vânia Furtado e Victor Lobato.

Luiz Carlos e Helena Belmont eram apoiados por Bárbara Paloma, que demonstrou não só os bons resultados de sua gestão, mesmo afetada pela pandemia, como também se consolidou enquanto liderança. A diferença do primeiro para o segundo colocado, vale dizer, foi menor que 10 votos.

Seguimos com o respeito à escolha da maioria.

A gestão que venceu as eleições de 2021 segregou a OAB de Mossoró.

Atividades institucionais e boa recepção, só para aliados.

O palanque nunca foi desfeito.

Como os integrantes dos dois grupos de oposição passaram a ser rechaçados após o final da campanha, acabaram se unindo.

Inúmeras vezes, presenciei a única mulher até então eleita presidente daquela subsecção ser silenciada, ser esquecida, ser apagada, durante eventos institucionais.

Situações assim eu presenciei e também vivi, a ponto de me sentir mal de frequentar o ambiente que devia ser a cada da advocacia, independentemente das escolhas eleitorais de cada profissional.  As atitudes com outras mulheres, entretanto, acabavam me trazendo mais revolta do que as que faziam a mim mesma.

Naturalmente, e eu nem sei dizer a partir de qual momento, eu e Paloma fomos conversando, trocando figurinhas do dia-a-dia, da maternidade, da profissão, do casamento, construindo aquilo que eu verdadeiramente conceituo como sororidade. E assim chegamos a 2024, diante de mais uma eleição institucional. 

Logo no início do ano, encontrei-me com o amigo Américo Bento, que me deu a excelente notícia do diálogo entre os grupos vencidos na eleição passada, e que possivelmente surgiria a chapa Lorena e Américo.

Para minha alegria, mais uma mulher entregando seu nome à disputa, e, como um bálsamo para os meus ouvidos, ao ouvir a notícia de Américo, Cid Augusto, que estava ao meu lado, anunciou de pronto: “Se a chapa for essa, terá o meu voto. Estaremos com vocês”.

Meses depois, o atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte, Aldo Medeiros, que foi meu candidato em 2021, anunciou a formação da chapa que teria seu apoio, Carlos Kelsen e Bárbara Paloma.

Com todo respeito a Carlos Kelsen, a quem tive a oportunidade de conhecer apenas durante a campanha, e, não obstante as boas impressões que me causou, apostei na chapa porque conheço Bárbara Paloma. Por ela, anunciei imediatamente que estaríamos juntas. Lembro quando a encontrei a primeira vez após o anúncio da candidatura e logo abri o sorriso para anunciar de peito aberto: “Bárbara, minha amiga, tenho orgulho de lhe dizer isto: meu voto é seu!”.

E assim trilhamos um caminho, que eu sei bem o quanto é difícil, tanto para Lorena, que foi atacada, agredida, duvidada, diminuída, inclusive por outras mulheres; quanto para Paloma, que teve que se desdobrar em mil para estar em vários lugares, dar contas das tarefas de mãe, esposa, profissional e candidata.

Houve mentiras, tentativas de silenciamento e um caminho árduo, é verdade. Mas, desta vez, eu estava lá, com elas, oferecendo o meu apoio, o meu afeto, as minhas posições e principalmente a minha coragem para lutar.

Mesmo que essa vitória não tivesse acontecido nas urnas, já tinha acontecido para mim.

Eu estava fazendo parte do lado que eu acredito ser o melhor, das pessoas que eu confio que farão o melhor, das mulheres que eu sei que unirão forças em prol de outras mulheres.

Algumas situações nos dão o triunfo também por justiça.

E assim, no final da tarde de 25 de novembro de 2024, na avenida Rio Branco, ao som de muitos gritos, choros, risos e nervosos, eu segurei as mãos de Bárbara Paloma e de Lorena Gualberto para declará-las vitoriosas na caminhada e nas urnas.

A partir de janeiro de 2025, na terra que fez de Celina Guimarães Viana a primeira eleitora deste País, teremos empossada a segunda mulher democraticamente eleita para presidir a subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Mossoró. E também teremos, na vice-presidência da Seccional da OAB, no Estado do Rio Grande do Norte, a primeira mossoroense a estar ali.

Sigam seus caminhos, minhas amigas. Desta história, eu me orgulho de fazer parte.

Escrito por Clarisse Tavares

Coração paterno

Sei