Sobre

“Mea Culpa”

Há quase oito anos, por empréstimo tomado da biblioteca de Cid Augusto, li o livro “Mea Culpa”, de Doca Street, assassino de Ângela Diniz, que conta a própria história de vida, incluindo o trágico momento do crime ocorrido aos 30 de dezembro de 1976. Trágico para Ângela, que perdeu a vida aos 32 anos, com um tiro na nuca e três no rosto, porque Doca morreu de causas naturais em 2020, aos 86.

O caso gerou reviravoltas no movimento feminista no Brasil, que, nos anos 1970, estava engatinhando por aqui. De lá até hoje, houve avanços significativos no que diz respeito aos direitos das mulheres, à ocupação de espaços de poder, mas ainda há muito a se expandir e a se conseguir para que alcancemos a paridade, para que quebremos os elos do machismo arraigado estruturalmente na sociedade.

Por isso, abraço a causa e faço dela uma bandeira em todos os meios a que pertenço, e, no profissional, não poderia ser diferente. Tenho insistido, por exemplo, para que mais advogadas trabalhem na advocacia eleitoral, meu grande nicho de atuação, considerando que, no Rio Grande do Norte, as mulheres geralmente não atuam nesse ramo.

E isso não é coincidência ou falta de vontade delas, é machismo mesmo. O ambiente da advocacia, que já é hostil para nós, acentua-se nesse ramo, porque os homens, para agravar a situação, circundam os grupos políticos como forma de impor suas contratações, sem desconhecer que eles, por outro lado, também são hegemônicos na direção dos partidos.

Em março de 2023, a Folha de S.Paulo divulgou matéria mostrando que, dos 53 partidos políticos registrados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas cinco são dirigidos por mulheres. Com essa tendência, a supremacia masculina na atuação jurídica dos partidos políticos é só mais um motivo para que nesse ambiente o machismo reverbere, refletindo na advocacia eleitoralista.

Para comprovar essa afirmativa, há alguns dias critiquei, nas redes sociais, um evento em que os seis advogados palestrantes eram homens, mesmo existindo muitas de nós, mulheres advogadas, em atuação constante, firme e de muito profissionalismo.

Exposta a crítica, observando a irrefutável exclusão feminina do evento, fui imediatamente repreendida por um colega, que, além de não ter lugar de fala nem conhecimento sobre as nossas lutas cotidianas em um País misógino, afirmou que eu precisava pedir desculpas por haver sido injusta no comentário.

Segundo ele, que, a propósito, estava entre os palestrantes, não havia profissionais femininas ali porque não existe nenhuma mulher com atuação relevante no direito eleitoral norte-rio-grandense. E acrescentou: os homens convidados a participar do evento tinham conseguido espaços por seus méritos, coisa que eu deveria me esforçar para conseguir.

Na hora da troca de mensagens, encontrava-me de saída para uma festa, sem tempo, disposição ou vontade para discutir com alguém que não sabia o que estava dizendo e que, para completar, não conhecia o mínimo de mim para supor, na crítica impessoal, a pretensão de ser convidada para um evento no qual as mulheres eram tidas como irrelevantes.

Fui à festa, curti, aproveitei. Vê-se, entretanto, até pelo teor do texto, que o incômodo permanece. Não por eu dar importância ao que pensam desta advogada que trabalha de sol a sol para conquistar e ampliar espaços profissionais, com perseverança, dignidade e respeito ao outro; mas sim pelo que representa a constatação errônea do colega sobre as eleitoralistas potiguares, no contexto da luta por igualdade de gênero na política.

O episódio, em compensação, serve-me de estímulo na busca por mecanismos capazes de lançar luzes sobre a advocacia eleitoral feminina do Rio Grande do Norte, que existe, sim! É atuante, sim! E tem muita relevância, tanto na capital quanto no interior.

Voltando ao assassinato de Ângela Diniz por Doca Street, anoto que a história desse feminicídio ocorrido há 47 anos veio parar na crônica de hoje apenas como exemplo de que a força de mulheres unidas, em torno de um propósito, pode causar impactos inimagináveis na sociedade.

Do mesmo modo que a pressão das feministas dos anos 1970 modificou o resultado de um julgamento com forte conotação sexista; da maneira que as deputadas do chamado “Lobby do Batom” implementaram direitos na Constituição de 1988; e por tantas outras vezes nas quais, unidas, vencemos lutas e conquistamos espaços, tenho plena certeza de que, muito em breve, a presença da mulher na advocacia eleitoral será respeitada.

Até lá, quem quiser que faça o seu mea-culpa.

Escrito por Clarisse Tavares

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