Dizem que, ao longo da vida, construímos memórias falsas a partir de histórias que nos contam sobre algo que vivemos. Há, portanto, coisas que realmente lembramos e outras que, de tanto ouvirmos, reproduzimos.
Embora muitas vezes meus pais me falem sobre isso, tenho certeza de que é uma lembrança real, não só por conseguir fechar os olhos e lembrar a situação, mas também pelo que ela me faz sentir.
Quando nasci, meus pais moravam em uma casa no Dom Elizeu, Em Assú/RN, e a rua era super movimentada, cheia de vizinhos, de crianças, pessoas com quem convivo até hoje e que deixaram marcas felizes em minha vida. Mas a lembrança mais terna que tenho daquela rua é a do meu Vovô do Pão.
Vovô do Pão era um senhor que vendia pães em uma bicicleta e, todos os dias, no fim da tarde, estava na rua em que eu morava. Quando me avistava de longe, já abria o sorriso.
E que sorriso!
Escrevo e vejo nitidamente aquele sorriso na minha frente. Lembro a forma como parava a bicicleta e se virava sem descer da sela, para tirar o meu pão doce do cesto. Depois, abaixava-se com o rosto em minha direção para ganhar um beijo, que ele retribuía com outro beijo em minha cabeça, ou na minha mão, ao me entregar o prêmio, um pão doce que brilhava de açúcar e também de afeto.
Cresci, construí outras memórias afetivas, mas essa me marca profundamente.
Quando como pão doce, sinto o adoçar na boca e no coração, porque aquele pão, todos os dias, não era só um pão, era a demonstração de amor puro e de afeto gratuito de alguém no mundo por mim. Alguém que não precisava, mas que me demonstrava uma fraternidade que até hoje me fortalece.
Eu não sei o nome do meu Vovô do Pão, embora tenha encontrado com ele várias outras vezes depois de adulta. Também não sei dizer se ele continua vivo, porque já não o vejo há bastante tempo. Onde quer que ele esteja, entretanto, nunca vou me esquecer da marca de amor que ele deixou em mim.
Torço para que todo mundo possa um dia encontrar um Vovô do Pão, não para ganhar um pão doce e encher a barriga no lanche da tarde. Mas para que possa sentir o que é receber gratuitamente o afeto e a cordialidade sincera de alguém.
Vovô do Pão, muito obrigada.