Últimas histórias

  • Bastante

    Por Natália Chagas

    Eliana era uma pessoa muito amada por todos em Marisol. Era uma cidadezinha bem pequena e aconchegante, e ela, sendo uma excelente enfermeira, era estimada por todos por sua dedicação e carinho. A cidade não tinha um médico fixo, apenas plantonistas a cada dois dias. Então sobrava para Eliana esse papel de socorrista em momentos emergenciais. E ela fazia com toda responsabilidade e presteza dos melhores profissionais que poderia existir. Por isso, todos da cidade a adoravam. Ela se tornou a melhor amiga das mulheres, confidente de muitos homens, madrinha de vários casamentos e crianças, e ainda recebera uma sequência imensa de pedidos de casamento. E aí estava a grande infelicidade de Eliana. Ela era apaixonada por Esaú, dono do hotel pousada da cidade.
    Eles namoraram por dois anos. Eram o casal preferido da cidade pois Esaú, gentil e caridoso, era filho da terra com uma relação de amizade com todos. As pessoas não entenderam bem aquele término que, na ideia de várias pessoas, era um óbvio casamento perfeito.
    Esaú explicou a Eliana que não achava justo que ficassem juntos já que ele não sentia mais o sentimento que os uniu. Ele sentia uma tenra amizade por ela, mas não amor. Ela refutou:
    — Não gosta de conversar mais comigo?

    — Gosto, mas isso não é o bastante.

    — Não gosta de sair comigo?

    — Gosto, mas isso não é o bastante.

    — Não gosta de transar comigo?

    — Gosto, mas isso não é o bastante.

    — Não sabe que eu te amo?

    — Sei, e sei que isso não é o bastante.

    — Então o que lhe basta?

    — Ainda não descobri.

    — Quando descobrir, estarei lá para participar.

    — É o que anseio.
    Ele saiu. Ela ficou e chorou por meses. Fugia de vê-lo naquela cidade pequena com muita dificuldade. Mesmo com todo seu esforço, ainda se encontravam mais do que ela gostava. Ele, sempre gentil, nunca deixou de cumprimenta-la e até mesmo perguntar como estava de forma carinhosa e atenciosa. Dentro de si, Eliana sentia que ainda havia algo para acontecer entre eles, mas não sabia como nem o quê.
    A vida foi levando aos poucos a mágoa da separação. O cotidiano foi acalentando uma saudade afetuosa e a troca de olhares entregava cumplicidades de um tempo bom com esperanças.
    Com muito trabalho, Eliana não reparou que havia meses sem ver Esaú. Um dia, três amigas, Lucinéia, Marília e Dalva, foram até o hospital no horário de saída de Eliana para espera-la para uma saída informal. Elas foram para um barzinho de costume, sentaram e as três amigas pareciam tensas mesmo após a segunda cerveja. Eliana se cansou da situação e perguntou:

    — Gente, o que está acontecendo?

    Marília tomou a frente:

    — Eliana, a gente tem uma notícia desagradável para você.

    — Falem – soltou Eliana um tanto ansiosa.

    — Esaú está de namorada nova – disse Dalva.
    Enquanto as meninas brigavam entre si sobre a forma que a notícia foi anunciada, Eliana se segurou na cadeira zonza e triste. Sentiu um corte fundo no coração e todo sangue de seu corpo gelado em suas veias. Retomou suas forças e ouviu:

    — Eliana, Eliana… você está bem?

    — Sim. Mas preciso ir para casa, ficar sozinha.

    Levantou e saiu sem a cabeça funcionar direito, apenas as pernas a levavam no rumo conhecido.
    Entrou em casa, tirou a roupa em fúria chorando para todo lado. Chorava mesmo sem pensar no que havia acontecido, apenas sentia a dor. Passou a noite inteira chorando. Quando o sol ia nascendo, ela teve um ímpeto que misturava ódio e dor. Naquele momento decidiu que tomaria de volta o homem que ainda amava. Não importava o que teria que fazer, ou o que quer que ela teria que se tornar, ela não seria quem sairia ferida.
    Logo cedo, deu um jeito de descobrir quem era a moça. Em cidade muito pequena, isso era fácil. Eliana buscou em todos os cantos e ao final do dia tinha toda a ficha: a pilantra chamava Leandra, era morena, simpática, trabalhava no banco, havia sido transferida há pouco para treinamento, olhos castanhos, sem filhos, na mesma idade de Eliana e Esaú, vinha da capital onde havia deixado o pai, a mãe e dois irmãos.

    Todos falavam bem da moça. Nada dessas informações valiam para Eliana. Ela precisava de algo mais preciso para terminar o romance.
    Chamou Dalva para uma cerveja. Dalva era uma grande amiga e seu namorado, Renato, era amigo de Esaú. Após alguns lamentos, Eliana convenceu a moça a chamar os novos pombinhos para um jantar na casa de Renato. Eliana sabia o tanto que Esaú amava comida. Se a pistoleira não soubesse cozinhar, esse seria o caminho da separação. No dia seguinte do jantar, Eliana correu para almoçar com Dalva que deu o relato de que Leandra sabia cozinhar como ninguém, pegou várias receitas, trocaram muitas ideias e se tornaram grandes amigas. Eliana ficou frustrada com a notícias, e com ciúmes da nova relação de sua amiga.
    Desistiu dessa ideia e partiu para uma nova estratégia. Chamou Lucinéia. Esta era a amiga, que junto com seu marido Marcelo, era a mais rica e melhor entendia da alta sociedade marisolense e reconhecia de longe quem sabia ou não como se comportar nesse meio. Elitismo era um dos defeitos de Esaú que havia sido motivo de briga entre ele e Eliana. Sugeriu, com muita diplomacia, que Lucinéia chamasse o casalzinho para um fim de semana na fazenda da família, onde inclusive estava a velha Dinaura, mãe de Lucinéia, uma das mais esnobes pessoas da cidade. A família era investidora no hotel pousada de Esaú, portanto extremamente importante crivo. No dia seguinte, Lucinéia se lamentava a injustiça que havia sido a preferência de sua mãe em prol de Leandra, mas entendia, pois a moça era apaixonante. Eliana, aborrecida, pediu para sair antes que Lucinéia se alongasse em elogios à moça.
    Tomou, então, para si o trabalho sujo. Entendeu que apenas ela podia separar os dois. Arranjou um jeito de encontrar o casal como quem não quisesse nada. Sentou, tomou cerveja e riu muito com o humor ácido da moça. Descobriu um gosto por filmes muito parecidos. Percebeu uma simbiose nas convicções ideológicas e sociais. Vislumbrou nos traços de Leandra uma beleza reluzente. Com muita simpatia, se tornou próxima da moça. Conviviam sempre os três juntos.
    Em determinada noite, Eliana convidou o casal para jantar na casa dela. Vinho, mais vinho e mais vinho, foram para o sofá da sala, onde entre o proposital desejo e o acidental toque uma série de olhares foi gerada até um beijo de Eliana no pescoço de Leandra. Esaú se afastou levemente até o chão para apreciar um longo beijo na boca das duas, que, de olhos fechados, tiraram a roupa uma da outra. Enquanto elas se perdiam em carícias, Esaú se masturbava. Quando era convocado, Esaú participava ao comando das duas mulheres que dançaram como eclipse cada um a seu momento de êxtase.
    Por toda a noite, suspiros, sussurros e declarações foram feitas. Ao nascer do sol, a única certeza que havia era que aquilo bastava.

  • Livro explora questões sobre território e musicalidade

    Como podemos refletir acerca das relações entre lugares e música? De que maneiras, inseridos em tradições compartilhadas, criamos identidade a partir do ser individual e da experiência da alteridade? Questões como essas são debatidas no livro Geografias Sonoras, do professor Alessandro Dozena, do Departamento de Geografia (DGE/UFRN), que será lançado em maio na UFRN.

    A obra busca expor a importância da abordagem de temas interdisciplinares, como território e musicalidade, tanto no ambiente acadêmico quanto fora dele. Nesse contexto, a música é considerada um fato espacial, dotada de significados corporais, sensoriais, políticos, identitários, espirituais, e está em relação contínua com a territorialidade.

    A partir dessa proposta conceitual, foram escolhidas seis aproximações: Os sons como linguagens espaciais; o papel da corporeidade na mediação entre a música e o território; o ser(tão) musical nordestino; expressões identitárias nas comunidades do tambor; e a difusão mundial da musicalidade brasileira e o samba como discurso e prática de contrafinalidade. Para o professor, essas abordagens potencializam a abertura e a expansão de horizontes teóricos, metodológicos, conceituais e disciplinares, além de buscar ações criativas e originais.

    Alessandro Dozena também menciona que a musicalidade possui influência significativa no modo como espaços geográficos são percebidos, de maneira que os fenômenos musicais contribuem diretamente para a construção identitária desses territórios. “A valorização e compreensão da herança cultural brasileira, das identidades construídas diasporicamente, potencializa a relevância não somente do pesquisar sobre, mas do pesquisar com as comunidades”, declara.

    Lançamento

    O livro  Geografias Sonoras será lançado no dia 2 de maio, quinta-feira, às 15h, na livraria Cooperativa Cultural, localizada no Centro de Convivência do Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O livro também pode ser adquirido on-line por meio do site da Mórula Editorial.

  • Exposição Memórias do Mar, de João Oliveira, entra em cartaz na Pinacoteca do Estado

    Composta de instalações, colagens, cianotipias e séries fotográficas, a exposição “Memórias do Mar” caminha por paisagens de mangues, embarcações, ranchos de pescadores, cardumes e salinas. Uma das protagonistas da economia do Estado, a cultura da pesca artesanal na Costa Branca do Rio Grande do Norte ganhou um retrato poético a partir das lentes do artista visual João Oliveira. Após anos de pesquisa na região, ele apresenta ao público o resultado de seu trabalho, por meio da mostra que será aberta ao público nesta sexta-feira (26), às 19h, na Pinacoteca do Estado, em Natal (RN).

    Na ocasião também será relançado o fotolivro “Sal e Mangue” (2021). A mostra fica em cartaz até o dia 18 de maio. A inspiração para a exposição surge da profunda imersão de João Oliveira na pesquisa antropológica, especialmente o seu envolvimento com o Núcleo de Antropologia Visual (NAVIS), na UFRN, sob a orientação da professora Lisabete Coradini, que assina a curadoria ao lado de Paula Lima. Os trabalhos foram desenvolvidos em paralelo à sua pesquisa de mestrado na região, focada na fotoetnografia.

    O interesse pela Costa Branca tem relação com as memórias da família. “É um lugar que chama atenção pelas características sociais e geográficas. Tem forte presença da indústria do sal e, ao mesmo tempo, você vê a cultura da pesca artesanal”, conta o artista. Seus estudos foram centrados especialmente nas comunidades de Diogo Lopes, Sertãozinho e Barreiras.

    Fundador da galeria Margem Hub, João Oliveira monta pela primeira vez uma exposição individual na Pinacoteca do Estado. A exposição, nesse caso, não apenas ressalta sua trajetória como fotógrafo, mas também revela seu amadurecimento enquanto artista visual contemporâneo, explorando diferentes suportes além da fotografia, e diferentes práticas de ateliê.

    A mostra está distribuída em núcleos e é composta de instalações, colagens e processos experimentais, como a cianotipia. Destacam-se séries como “Derivas”, em que o artista apresenta registros de objetos encontrados nas áreas de mangue, que muito dizem sobre as relações sociais existentes na comunidade. A série “Barcos” explora a relação simbólica entre a comunidade e suas embarcações. Enquanto a instalação “Cardume” revela uma visão singular dos peixes e da cultura pesqueira. A exposição resgata também a série “Sal e Mangue”, de 2021, resultado de sua primeira imersão na Costa Branca, entre os anos de 2015 e 2019.

    “Memórias do Mar” não é apenas uma exposição, mas o resultado de um longo percurso de pesquisa e reflexão. E representa, segundo João Oliveira, “a relação interligada e não hierárquica” de alguns modos de produção do conhecimento. “A gente tem a própria ciência social, a arte e os saberes tradicionais. É uma exposição que se coloca no lugar de intersecção desses campos”, comenta o artista.

    A exposição está sendo realizada com recursos próprios. Conta com produção da Margem Hub e apoio do Governo do RN, por meio da Fundação José Augusto. A pesquisa sobre a cultura da pesca artesanal na Costa Branca se tornou possível graças à bolsa CAPES, pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFRN, dentro do Núcleo de Antropologia Visual (NAVIS).

    Fotos: João Oliveira (Margem Hub).

    SERVIÇO: Exposição “Memórias de Mar”, de João Oliveira

    🗓️ 26 de abril de 2024 (sexta-feira)

    🕒 19h – entrada franca!

    📍 Palácio Potengi | Pinacoteca do Estado – Praça Sete de Setembro. Cidade Alta. Natal (RN).

  • Lá em riba

    O prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra (União), continua na liderança nas pesquisas de intenção de voto para sua reeleição. Na primeira de 2024, realizada pela Datavero, encomendada e divulgada pela 93 FM, Allyson tem uma margem considerável de 68,71%. A gestão do prefeito também se destaca pela alta avaliação, o governo é aprovado por 79,14% da população do município.

    Na outra ponta, lá embaixo da consulta popular, temos uma oposição que ensaiou unir opositores na política mossoroense (durante desfile Verão/2024 nos alpendres de Tibau), como é o caso da deputada estadual Isolda (PT) e Rosalba Ciarlini (PP), com a criação de uma candidatura robusta — sob as benção da governadora Fátima Bezerra — para enfrentar o líder das pesquisas. Porém, a união se perdeu no desentendimento, vaidade e desorganização, além, claro, dos números nas alturas do prefeito. Um pacto nascido morto pela desorganização e ineficiência, sem contribuição para um bom debate político, com uma Isolda vociferando de um lado, Carlos Augusto orientando Rosalba a “ficar na dela” do outro e Rosalba no meio dizendo que “quem manda aqui sou ele”.

    Alguns analistas políticos de Mossoró, já sinalizam com convicção que a desistência da metade dos nomes dessa lista de candidatos que aparecem na pesquisa é certa, pois de vera mesmo, até o momento, apenas o empresário Genivan Vale e o vereador Zé Peixeiro anunciaram suas pré-candidaturas oficialmente.

    A saída para Isolda Dantas, dizem os experts da política mossoroense, seria o PT trazer o nome do ex-reitor Josivan Barbosa para a lista dos que podem perder a eleição com dignidade sem machucar o ego de quem poderia ter voto e não tem.

    Já para Rosalba Ciarlini, a fase de negociação não parou e a novidade do encerramento deste mês é que a ex-senadora, ex-governadora e ex-prefeita de Mossoró estaria tentando amarrar seu apoio a Genivan Vale. O problema é que as exigências do seu grupo superam os da cantona Madonna para se apresentar no Rio de Janeiro. Caso esse apoio dê certo, ela deixaria a pré-candidatura à prefeita e sairia candidata à vereança. É a Rosa!

    — Que queda, hein?, lamenta a claque da ex-quase-tudo Rosalba.

    Já o grupo do pré-candidato e o próprio Genivan Vale acreditam na polarização do eleitorado mossoroense, o que a pesquisa Datavero apresenta exatamente o contrário. Não haveria polarização política nacional entre Lula e Bolsonaro para impacto nas eleições municipais deste ano em Mossoró.

    Bem, com tudo caminhando para os encaixes das peças desse  tabuleiro, outro ponto que assusta a oposição e chama bastante atenção é a rejeição ao prefeito Allyson Bezerra ser extremamente baixa para um candidato à reeleição, enquanto Isolda e Rosalba lideram com números lá em riba.

    Mas, tudo pode mudar até outubro. Inclusive nada.

  • World Creativity Day oferece dezenas de atividades gratuitas

    Com o propósito de promover a criatividade como um catalisador para o progresso social e econômico sustentáveis, desde 2018 acontece no Brasil o Dia Mundial da Criatividade. Uma iniciativa que tem o poder de transformar a vida das pessoas, impulsionar setores inteiros e enriquecer a cultura.

    São voluntários, anfitriões, parceiros, inspiradores e participantes do Brasil e do mundo que querem fazer parte do ecossistema de criatividade e inovação em suas cidades.

    A missão é construir uma comunidade global de líderes criativos, educadores, empreendedores, investidores, criadores de conteúdo, pesquisadores e outros agentes de mudança em defesa da Resolução 71/284 da Organização das Nações Unidas, celebrando o dia 21 de abril ao redor do mundo com a realização de milhares de atividades gratuitas que promovem o desenvolvimento humano.

    O Brasil, ao sediar o Dia Mundial da Criatividade, tem a oportunidade de demonstrar ao mundo seu compromisso com a inovação e sua capacidade de se destacar no cenário global. O evento, que reunirá líderes criativos de diversas áreas, startups, empresas inovadoras e artistas, proporcionará um ambiente propício para a troca de conhecimentos e a construção de parcerias.

    Em Natal, existem mais de 60 atividades listadas, entre oficinas, palestras, cursos e workshops nas mais variadas áreas que vão acontecer por toda a cidade de 19 a 21 de abril. Confira a lista e se inscreva AQUI.

    Criatividade

    Definida como a capacidade de pensar de forma original, fazer conexões inesperadas e gerar soluções inovadoras para problemas, a criatividade envolve a expressão de ideias de maneira única e a habilidade de encontrar abordagens não convencionais para desafios e é uma qualidade valiosa em diversos campos, incluindo artes, ciências, negócios e tecnologia.

    Principais características da criatividade incluem:

    1. Originalidade: A capacidade de produzir algo novo e único, muitas vezes distinto das abordagens convencionais.

    2. Flexibilidade: Ser capaz de adaptar o pensamento e abordar problemas de diversas maneiras, alternando entre diferentes perspectivas.

    3. Fluência: Gerar uma grande quantidade de ideias, soluções ou respostas rapidamente.

    4. Elaboração: Desenvolver e expandir ideias, transformando conceitos iniciais em formas mais completas e refinadas.

    5. Pensamento Associativo: Estabelecer conexões entre conceitos aparentemente não relacionados, explorando novas possibilidades.

    6. Resolução de Problemas: Encontrar soluções eficazes e inovadoras para desafios complexos.

  • O bicho homem

    Por Natália Chagas

    Desde a minha chegada, jamais tinha visto tanta aberração.  Sentei no chão, contra a parede bem no cantinho, impotente só podendo chorar. A revolta subia do estômago ao coração até a garganta, e eu engolia tudo de volta no choro. Os gritos rasgavam meus ouvidos esganiçados de dor, se uniam às risadas dos homens bêbados que se deliciavam a cada estouro.

    Comecei a me lembrar quantas vezes as pessoas me falavam que era inútil naquela cidade pequena, com aquela mentalidade tacanha, eu discutir nobreza e misericórdia. “As pessoas daqui são assim mesmo!”, me diziam. Eu ainda lutava contra esse pensamento mesmo sendo motivo para risadas na rua. Agora me dava conta que lutei pouco demais. A arrogância dos homens de sentirem superiores a outros não deixavam que se percebessem iguais.

    Por várias vezes, me deparei com um dos mais indômitos seres, Juvenal. Ao ver sua crueldade com uma mãe e seu filhote, confrontei-o com toda minha coragem. Ele se virou contra mim, e os pobres puderam fugir.

    – Eu faço o que eu quiser, do jeito que eu quiser! – Disse ele com uma faca na mão.

    – Você não fará nenhuma crueldade comigo por perto! Isso, eu juro!

    Os olhos deles vidraram nos meus com ódio dilacerante, seu nariz suado quase se encostava no meu, o bafo de cachaça impregnava em minha narina e me deixavam levemente tonta. Mas me segurei firme e o enfrentei até sua saída me jurando vingança.

    Por muitas vezes, ganhei as disputas com Juvenal, o que aumentou sua raiva chegando àquela manhã.

    Em um dia, eu andava pelas ruas e observei uma certa calmaria no ar. Apenas a pequena Chiclete na calçada a se lamber. Chiclete era uma gata de rua que sempre bebia da água que eu colocava na frente da loja. Deitava ao sol e espreguiçava longamente até que passasse alguém. Para qualquer um, ela parecia sorrir e todos se derretiam e acabavam dando comida a ela. Ela grudava no coração de qualquer um, dizia dona Maria, minha vizinha de frente. Daí a chamamos de Chiclete. Ela apareceu prenha um dia. Já bem barriguda. O cuidado das pessoas aumentou e algumas já disputavam filhotinhos.

    Quando caiu a noite, fechei a loja e já saía pelos fundos quando dois homens agarraram meus braços, me levantaram e me levaram até um beco. No meio da luta, reconheci Valdo, que era um dos capangas de Juvenal. Eu gritava e esperneava como louca mas era tudo um grande deserto. Fecharam uma grade na minha frente em que eu podia ver até o outro lado da rua. A imagem de Juvenal crescia ao vir em minha direção, e dizia:

    -Já lhe falei que eu faço do jeito que eu quiser. E vou te provar.

    Nas mãos, Chiclete com fogos de artifício grudados por todo o corpo.

    Não há ser mais cruel do que o que ataca o indefeso para machucar aquele que lhe dá medo.

  • Em cartaz: FUGA

    Sinopse

    Há pouco mais de dois anos uma peste devastou as terras brasileiras. Foi uma época de trevas, de matança indiscriminada durante uma pandemia. A falta de vacinas aumentou a população em cemitérios; havia desdém com familiares em luto; acrobacias de jet-ki pareciam cultuar a barbárie, comemorar o sofrimento dos indefesos, e elevar o nome de torturadores e armas.

    Essa é a história de uma pobre família conhecida por rachadinhas e falcatruas, rica em ilícitos. Em uma região desolada deste lado da América, a família ataca tudo e todos, inclusive utilizando de igrejas evangélicas ou apenas em aglomeração de gado na Paulista.

    Somente um bárbaro careca, de um tribo composto por 11 membros consegue mexer com os nervos da peste e da sua trupe de malfeitores. De lá, surgem as ordens e as descobertas que o País vem enfrentando seguidamente de tentativas de golpe. Um erro do destino nos colocou nessa posição — muito pior que a morte — que deram ao Senhor da Peste.

    O que não se sabia é que quando pressionado, a peste se descontrola ao ponto de buscar abrigo em embaixadas, com medo da prisão.

    — Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira alternativa não existe — vociferou e cuspiu “pelos cotovelos” certa vez.  Mas o que todos sabem mesmo é que no final não haverá fuga, o destino da peste será a Papuda.

    Título Original

    Flukt (FUGA)

    Ano de Lançamento: 2024

    Gênero: Drama, Suspense

  • Festival de Cinema Brasileiro em Paris homenageia o ator e diretor Antônio Pitanga

    A capital francesa recebe até este sábado (02) a 26ª edição do Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Com 30 produções da cinematografia nacional – entre ficções e documentários -, este ano, o Festival no Cinéma l’Arlequin, prestará homenagem a uma das figuras mais emblemáticas do cinema brasileiro, Antônio Pitanga. O renomado ator, que já atuou em mais de 70 filmes, é conhecido por sua colaboração com diretores icônicos do Cinema Novo, como Glauber Rocha.

    Os filmes do festival estão divididos em cinco mostras: Competitiva, Hors-concours, Documentários, Sessão Escolar e Homenagem a Antonio Pitanga. Entre as obras, serão exibidas: “A Batalha da Rua Maria Antônia”, de Vera Egito, ficção vencedora do Festival do Rio de 2023; “Pedágio”, de Carolina Markowicz, vencedor de quatro prêmios no Festival do Rio e grande vencedor do prêmio de Melhor Filme do Festival de Cinema de Roma 2023; e “Sem Coração”, de Nara Normande e Tião, vencedor do prêmio de Melhor Fotografia no Festival do Rio de 2023 e o de Melhor Filme Brasileiro no Prêmio Félix, para longas com temáticas voltadas à causa LGBTQIAP+.

    “Eventos como o Festival de Cinema Brasileiro de Paris são vitais para ampliar a visibilidade dos nossos filmes e artistas no cenário internacional. Nesta edição do festival de Paris, que tem o Brasil como homenageado, o público vai viver uma experiência cinematográfica única, marcada pela qualidade e originalidade de nossas produções”, exalta a ministra da Cultura, Margareth Menezes.

    PITANGA

    A mostra que homenageia Antônio Pitanga conta com uma seleção de filmes mais significativos de sua carreira como “Barravento”, de Glauber Rocha; “Na Boca do Mundo”, obra produzida em 1979, e primeiro filme dirigida por Pitanga; “Ladrões de Cinema”, longa de Fernando Coni Campos; “Nosso Sonho”, de Eduardo Albergaria;  “Casa de Antiguidade”, de João Paulo de Miranda Maria; e “Pitanga”, documentário sobre o ator dirigido por sua filha por Camila Pitanga.

    Ainda segundo a ministra Margareth Menezes, a homenagem a Pitanga é um reconhecimento não apenas de sua contribuição para o cinema brasileiro, mas também de sua importância histórica e cultural para o país.

    “Sua trajetória de mais de cinco décadas é marcada por interpretações memoráveis e pela participação em filmes que se tornaram referências no cenário cinematográfico nacional e internacional”, disse.

    Além das exibições, o festival também conta com debates, workshops e outras atividades que visam promover o intercâmbio cultural entre o Brasil e a França.

  • Ministério da Cultura lança Programa Patrimônio Cidadão

    O Ministério da Cultura (MinC), por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), lançou o Programa Patrimônio Cidadão. Trata-se de um conjunto de iniciativas e projetos em todo o país que visam proteger locais, bem como comunidades e territórios historicamente marginalizados em áreas tombadas como patrimônio cultural. O investimento previsto ultrapassa R$ 70 milhões. A cerimônia foi realizada no último dia 22 na Casa dos Sete Candeeiros, em Salvador.

    As ações vão desde a conservação, restauro, educação patrimonial, preservação do patrimônio arqueológico até a promoção do patrimônio imaterial. Segundo a ministra da Cultura, Margareth Menezes, o Programa Patrimônio Cidadão traz uma reflexão sensível acerca das comunidades mais marginalizadas e atende às necessidades reais da população. 

    “Esse plano é uma forma de acolher as pessoas vulnerabilizadas e valorizar o patrimônio histórico do país. A gente fica triste de ver nos centros históricos uma casa corroída pelo tempo, às vezes, por descaso; mas, em outras, pela falta de condição do proprietário daquele patrimônio de fazer uma reforma, a partir do momento em que o imóvel está tombado. Existem inúmeras questões para mexer no patrimônio tombado e esse plano traz uma sensibilidade que vai, de fato, impactar positivamente a vida das pessoas”, explicou.

    Para Leandro Grass, presidente do Iphan, ao longo dos últimos anos, a falta de investimentos em cultura ampliou as desigualdades sociais, mas o Programa Patrimônio Cidadão, com a priorização dos grupos e lugares vulnerabilizados, vai mudar esse cenário. 

    “A gente tem buscado, através desse conjunto de ações, reduzir as desigualdades e, nesse momento da história, se perpetuar nos próximos anos como uma marca das políticas de patrimônio cultural; priorizando, assim, grupos, povos, comunidades, territórios, historicamente marginalizados e perseguidos pelo estado brasileiro”, comentou. 

    Jecilda Mello é líder comunitária, moradora no Centro Histórico do Pelourinho, em Salvador (BA), e representante da Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico (AMACH). Aos 69 anos, ela explica que a falta de conservação ou melhoria numa moradia localizada num centro histórico, por exemplo, afeta também a identidade e a dignidade cultural e social dos moradores. “Os casarões abandonados, sem conservação, estão sendo desvalorizados e isso prejudica a nossa identidade cultural como cidadão. Ou seja, eu deixo de ser visível para ser invisível para sociedade. O nosso lema é resistir para continuar a existir e quero acreditar nesse projeto”, afirmou. 

    Canteiro-Modelo 

    No conjunto de ações enquadradas no Programa Patrimônio Cidadão, destaca-se o Canteiro-Modelo de Conservação. A iniciativa que o Iphan vem implementando em cidades históricas consiste na oferta de assistência técnica pública e gratuita para o desenvolvimento e a qualificação de intervenções de conservação de bens tombados que sejam de proprietários hipossuficientes e famílias de baixa renda.

    Em parceria com universidades e institutos federais, a iniciativa também forma estudantes para uma atuação socialmente mais responsável e contribui para o fortalecimento das cadeias produtivas locais. 

    Natal

    O conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da cidade de Natal tombado pelo Iphan em 2010 engloba a Cidade Alta e parte do Bairro da Ribeira. Destaca-se, no conjunto, a importância histórica e paisagística do rio Potengi, para a cidade, e o fato de que ele ainda representa importante papel no transporte de mercadorias e pessoas. O conjunto, emoldurado pelo rio, compõe uma paisagem muito importante para a memória potiguar, onde estão instalados a maioria dos espaços culturais. O patrimônio tombado é formado por cerca de 30 bens materiais, incluindo edificações de destaque do período colonial (em sua maioria) e um acervo de obras de arte sacra.

    UFRN institui Política de Cultura, Memória e Museus

    O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aprovou por unanimidade, nessa terça-feira, 26, a Política de Cultura, Memória e Museus da instituição. O documento apresenta os princípios e as diretrizes para reconhecer e valorizar a diversidade cultural produzida na UFRN; proteger e promover a produção e o patrimônio histórico e artístico, a memória material e imaterial da UFRN e a produção museal, entre outros objetivos.

    De acordo com relator do processo no Consepe e pró-reitor adjunto de Extensão da UFRN, Edvaldo Vasconcelos, a política unifica as três temáticas antes divididas em diferentes resoluções, mas que eram semelhantes entre si. Além disso, o novo documento cria um único comitê gestor, por meio do qual será possível discutir as três dimensões de forma mais plural.

    A resolução institui o Comitê Gestor da Política de Cultura, Memória e Museus da UFRN, de caráter permanente, que possui natureza deliberativa e consultiva, de articulação estratégica e avaliativa das ações que contribuam para o fortalecimento e consolidação da política. O Conselho se reunirá ordinariamente uma vez por semestre letivo, ou extraordinariamente, sempre que necessário.