Sobre ,

Bastante

Por Natália Chagas

Eliana era uma pessoa muito amada por todos em Marisol. Era uma cidadezinha bem pequena e aconchegante, e ela, sendo uma excelente enfermeira, era estimada por todos por sua dedicação e carinho. A cidade não tinha um médico fixo, apenas plantonistas a cada dois dias. Então sobrava para Eliana esse papel de socorrista em momentos emergenciais. E ela fazia com toda responsabilidade e presteza dos melhores profissionais que poderia existir. Por isso, todos da cidade a adoravam. Ela se tornou a melhor amiga das mulheres, confidente de muitos homens, madrinha de vários casamentos e crianças, e ainda recebera uma sequência imensa de pedidos de casamento. E aí estava a grande infelicidade de Eliana. Ela era apaixonada por Esaú, dono do hotel pousada da cidade.
Eles namoraram por dois anos. Eram o casal preferido da cidade pois Esaú, gentil e caridoso, era filho da terra com uma relação de amizade com todos. As pessoas não entenderam bem aquele término que, na ideia de várias pessoas, era um óbvio casamento perfeito.
Esaú explicou a Eliana que não achava justo que ficassem juntos já que ele não sentia mais o sentimento que os uniu. Ele sentia uma tenra amizade por ela, mas não amor. Ela refutou:
— Não gosta de conversar mais comigo?

— Gosto, mas isso não é o bastante.

— Não gosta de sair comigo?

— Gosto, mas isso não é o bastante.

— Não gosta de transar comigo?

— Gosto, mas isso não é o bastante.

— Não sabe que eu te amo?

— Sei, e sei que isso não é o bastante.

— Então o que lhe basta?

— Ainda não descobri.

— Quando descobrir, estarei lá para participar.

— É o que anseio.
Ele saiu. Ela ficou e chorou por meses. Fugia de vê-lo naquela cidade pequena com muita dificuldade. Mesmo com todo seu esforço, ainda se encontravam mais do que ela gostava. Ele, sempre gentil, nunca deixou de cumprimenta-la e até mesmo perguntar como estava de forma carinhosa e atenciosa. Dentro de si, Eliana sentia que ainda havia algo para acontecer entre eles, mas não sabia como nem o quê.
A vida foi levando aos poucos a mágoa da separação. O cotidiano foi acalentando uma saudade afetuosa e a troca de olhares entregava cumplicidades de um tempo bom com esperanças.
Com muito trabalho, Eliana não reparou que havia meses sem ver Esaú. Um dia, três amigas, Lucinéia, Marília e Dalva, foram até o hospital no horário de saída de Eliana para espera-la para uma saída informal. Elas foram para um barzinho de costume, sentaram e as três amigas pareciam tensas mesmo após a segunda cerveja. Eliana se cansou da situação e perguntou:

— Gente, o que está acontecendo?

Marília tomou a frente:

— Eliana, a gente tem uma notícia desagradável para você.

— Falem – soltou Eliana um tanto ansiosa.

— Esaú está de namorada nova – disse Dalva.
Enquanto as meninas brigavam entre si sobre a forma que a notícia foi anunciada, Eliana se segurou na cadeira zonza e triste. Sentiu um corte fundo no coração e todo sangue de seu corpo gelado em suas veias. Retomou suas forças e ouviu:

— Eliana, Eliana… você está bem?

— Sim. Mas preciso ir para casa, ficar sozinha.

Levantou e saiu sem a cabeça funcionar direito, apenas as pernas a levavam no rumo conhecido.
Entrou em casa, tirou a roupa em fúria chorando para todo lado. Chorava mesmo sem pensar no que havia acontecido, apenas sentia a dor. Passou a noite inteira chorando. Quando o sol ia nascendo, ela teve um ímpeto que misturava ódio e dor. Naquele momento decidiu que tomaria de volta o homem que ainda amava. Não importava o que teria que fazer, ou o que quer que ela teria que se tornar, ela não seria quem sairia ferida.
Logo cedo, deu um jeito de descobrir quem era a moça. Em cidade muito pequena, isso era fácil. Eliana buscou em todos os cantos e ao final do dia tinha toda a ficha: a pilantra chamava Leandra, era morena, simpática, trabalhava no banco, havia sido transferida há pouco para treinamento, olhos castanhos, sem filhos, na mesma idade de Eliana e Esaú, vinha da capital onde havia deixado o pai, a mãe e dois irmãos.

Todos falavam bem da moça. Nada dessas informações valiam para Eliana. Ela precisava de algo mais preciso para terminar o romance.
Chamou Dalva para uma cerveja. Dalva era uma grande amiga e seu namorado, Renato, era amigo de Esaú. Após alguns lamentos, Eliana convenceu a moça a chamar os novos pombinhos para um jantar na casa de Renato. Eliana sabia o tanto que Esaú amava comida. Se a pistoleira não soubesse cozinhar, esse seria o caminho da separação. No dia seguinte do jantar, Eliana correu para almoçar com Dalva que deu o relato de que Leandra sabia cozinhar como ninguém, pegou várias receitas, trocaram muitas ideias e se tornaram grandes amigas. Eliana ficou frustrada com a notícias, e com ciúmes da nova relação de sua amiga.
Desistiu dessa ideia e partiu para uma nova estratégia. Chamou Lucinéia. Esta era a amiga, que junto com seu marido Marcelo, era a mais rica e melhor entendia da alta sociedade marisolense e reconhecia de longe quem sabia ou não como se comportar nesse meio. Elitismo era um dos defeitos de Esaú que havia sido motivo de briga entre ele e Eliana. Sugeriu, com muita diplomacia, que Lucinéia chamasse o casalzinho para um fim de semana na fazenda da família, onde inclusive estava a velha Dinaura, mãe de Lucinéia, uma das mais esnobes pessoas da cidade. A família era investidora no hotel pousada de Esaú, portanto extremamente importante crivo. No dia seguinte, Lucinéia se lamentava a injustiça que havia sido a preferência de sua mãe em prol de Leandra, mas entendia, pois a moça era apaixonante. Eliana, aborrecida, pediu para sair antes que Lucinéia se alongasse em elogios à moça.
Tomou, então, para si o trabalho sujo. Entendeu que apenas ela podia separar os dois. Arranjou um jeito de encontrar o casal como quem não quisesse nada. Sentou, tomou cerveja e riu muito com o humor ácido da moça. Descobriu um gosto por filmes muito parecidos. Percebeu uma simbiose nas convicções ideológicas e sociais. Vislumbrou nos traços de Leandra uma beleza reluzente. Com muita simpatia, se tornou próxima da moça. Conviviam sempre os três juntos.
Em determinada noite, Eliana convidou o casal para jantar na casa dela. Vinho, mais vinho e mais vinho, foram para o sofá da sala, onde entre o proposital desejo e o acidental toque uma série de olhares foi gerada até um beijo de Eliana no pescoço de Leandra. Esaú se afastou levemente até o chão para apreciar um longo beijo na boca das duas, que, de olhos fechados, tiraram a roupa uma da outra. Enquanto elas se perdiam em carícias, Esaú se masturbava. Quando era convocado, Esaú participava ao comando das duas mulheres que dançaram como eclipse cada um a seu momento de êxtase.
Por toda a noite, suspiros, sussurros e declarações foram feitas. Ao nascer do sol, a única certeza que havia era que aquilo bastava.

Vaidade

Show de Rachadinhas