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Segurança

Por Natália Chagas

Irina passou de amores em amores sem se sentir segura. Talvez pela falta do pai e com uma mãe regendo uma casa com seis mulheres sob a perspectiva do medo, desenvolveu uma relação pacífica com a insegurança. Tinha 9 sobrinhos e nenhum filho. Todos eles a adoravam. Ela era a única da família chamada para balada de jovens após o entediante jantar de sexta-feira que a matriarca fazia questão. Irina adorava ir para os bares, shows e sair para dançar depois de tanto ser sabatinada pela mãe e irmãs sobre sua solteirice. Ela se enturmava, se divertia e mantinha a sensação de que todos estavam seguros.

No aniversário de Cristiane, sua sobrinha mais velha, todos os jovens e Irina foram para uma casa de show. Ela adorou a ideia porque além de ser o aniversário de Cristiane, era um local fechado e uma casa que, nos tempos de jovem de Irina, era sua discoteca preferida.

Tudo parecia perfeito. Não havia como aquela noite ficar melhor. Entre uma música e outra, Irina sentou para descansar um pouco, tomar uma cerveja e olhar ao redor. Entre as várias pessoas alegres, ela percebeu um homem alto, forte, moreno, sério, parado de braços cruzados olhando todos perto do banheiro. Deduziu ser o segurança do local. Ficou muito impressionada com a concentração entre tanta gente bêbada e alegre tropeçando pelo salão. A sua imagem não lhe dava medo, bem ao contrário, causava uma harmonia em seu coração. Observar suas ações tornou uma distração para Irina. Quando uma confusão começou, delicada e firmemente ele separou os jovens afoitos, e todos tranquilamente voltaram a se divertir. Cada vez mais, a jovem senhora desenvolvia um sentimento de tranquilidade no trabalho daquele homem alto e moreno. Observava seus braços e feição séria que transmitia força e serenidade.

Irina fez questão de esperar Cristiane ir embora para coloca-la no uber e garantir sua segurança, o que aconteceu quando o local fechou e só restava os trabalhadores do local. Ao caminhar para casa, ela percebeu que estava sendo seguida. Em um momento de apavoramento, começou a andar mais rápido sem olhar para trás. A casa dela era quatro quarteirões da casa de show, mas pareceram cinquenta. Quando ela aproximou do último quarteirão, com medo de seu possível agressor estar perto, resolveu olhar para trás e viu o segurança caminhando em sua direção. Continuou andando, chegou em casa, entrou e correu para a janela para ver que ele passava direto seguindo o seu caminho.

Irina passou a ser frequentadora assídua da casa de show, sozinha ou acompanhada de amigos. Mas sempre ficava até fechar a casa e ser acompanhada por seu fiel escudeiro. Em vários momentos durante sua caminhada, eles trocavam olhares e pequenos sorrisos. Em um dia mais ousado, ela virou uma esquina e deu a volta em um dos quarteirões para ver se ele apenas seguia seu caminho ou se a seguia. Ao dobrar a segunda esquina do quarteirão, seu coração se alegrou ao perceber que ele ainda estava lá seguindo e garantindo sua segurança. Ao chegar em casa, percebeu que seu segurança parou uns segundos em seu portão, olhou para todos os lados e seguiu sua trajetória normal. Naquele mesmo dia, Irina experimentou um sentimento que há muito tempo não se permitia. Ela foi para seu quarto, tirou a roupa, acariciou com delicadeza todo seu corpo e teve seu primeiro orgasmo. Apesar de ter tido seus namorados em outras épocas, nunca antes havia sentido segura o bastante para deixar seu corpo se levar naquela pequena morte.

No dia seguinte, após quase três meses de flertes, ela se sentiu à vontade para convidar seu estranho desconhecido para um café. Ele aceitou. Entrou em sua casa, sentou em sua mesa da cozinha, e, enquanto preparava o café, Irina lhe perguntou o nome.

– João.

– Quantos anos você tem?

– Quarenta e sete.

– Você é casado? – Ela perguntou temendo a resposta.

– Não, mas moro com uma mulher.

– Ah… sim. E ela está esperando você? Quero dizer, você tem que ir?

– Ela pode esperar.

Aquilo soou estranho para Irina, mas ela se dividia entre não querer invadir sua privacidade e saber até onde poderia sonhar. Um silêncio tranquilo invadiu sua cozinha, e ela devaneava sobre os desejos impronunciáveis que percorriam seu corpo, lembrava da sensação libertadora que havia sentido na manhã anterior. Cautelosamente, imaginava a esposa que se encontrava em seu lar, o esperando. Ousou perguntar:

– O que sente por essa mulher?

Ele sorriu francamente e disse:

– Ela é tudo para mim.

Em seus pensamentos, Irina tentava conectar quais motivos ele estaria cuidando dela em todas as saídas da casa de show e ali naquela mesa de cozinha esperando o café passar. Pela primeira vez na vida, Irina quis, por um sentimento que ela não entendia direito, ser egoísta. Olhou os braços fortes, olhar terno, mãos largas, corpo bem tratado, e ela desejou tudo aquilo para ela.

– O café já está passando. Se importa se eu colocar algo mais confortável?

– Claro que não.

Irina foi ao quarto, se vestiu com um baby doll rosa que havia ganhado de suas sobrinhas, e nunca havia tido coragem de usar. Voltou para a cozinha, os olhos de João arregalaram, engoliu seco a saliva e respirou fundo. Ela começava a delirar sobre como seria dominada por ele na cama, como ele a envolveria por todos os lados sem deixar nenhum perigo lhe atingir. Já não existia o mundo lá fora. Era apenas os dois que importava.

Pegou duas xícaras, pôs o café, ofereceu a ele. Ele, sem tirar os olhos dela, tomou dois goles. Os olhos não se desgrudavam. Ela se sentia despudorada, pronta para se entregar a ele mesmo se machucasse alguém. Ela quase não acreditava, mas estava pronta para ser a outra dele. Não importava se ela teria que esperar para os dias que a esposa não desconfiasse, passar Natal e Ano-Novo sozinha, e abafar os sentimentos de ciúmes e abandono. Naquele momento, ela o queria mais do que tudo na vida. Ele se levantou, andou até ela lentamente, ofereceu a xícara de volta e disse:

– Obrigado pelo café. Estava uma delícia. Mas tenho que ir. Minha mãe me espera. Ela tem Alzheimer.

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