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  • André Pellenz propõe reflexões sobre crises conjugais, pandemia e política em ‘Fluxo’, que estreia dia 31 de agosto nos cinemas

    O longa, em preto e branco e totalmente realizado à distância na quarentena, mostra os conflitos de um casal em crise durante o lockdown em um cenário político ameaçador; elenco conta com Bruna Guerin, Gabriel Godoy, Silvero Pereira e Cassio Gabus Mendes

    Definido pelo seu diretor e roteirista André Pellenz como “um filme que parece um documentário sobre o futuro”, o drama “Fluxo” – gravado em preto e branco numa fase em que as filmagens presenciais estavam proibidas por conta da covid-19 – chegará aos cinemas no dia 31 de agosto de 2023. Na trama, uma distopia política-conjugal, um casal em crise, interpretado por Gabriel Godoy e Bruna Guerin, acaba tendo que lidar com uma situação inesperada, um lockdown. Obrigados a conviver, eles reavaliam seus conceitos, enquanto uma ameaça maior vai se formando do lado de fora: um governo de ultradireita prepara um golpe de estado.

    “Quando escrevi o roteiro, não imaginava o contexto político que viria depois. Foi assustador ver a ficção quase virando um golpe de Estado real”, relembra André.

    Produzido pela Media Bridge e pela Paramount Pictures, com distribuição da Pipa Pictures e Paramount, “Fluxo” conta ainda com Cássio Gabus Mendes, Silvero Pereira, Guida Vianna, Ronaldo Reis, Alana Ferri e Monika Saviano no elenco, todos filmados em suas casas por meio de aplicativos, em Rio, São Paulo e Fortaleza.

    Lançamento cancelado motivou o projeto

    A frustração de ver o lançamento de seu filme “Os Espetaculares”, que estava cercado de grande expectativa mas que, com os cinemas fechados, teve o lançamento cancelado, motivou André. Como ele mesmo explica:

    “Na verdade, ‘Os Espetaculares’ chegou a estrear em Manaus, quando as coisas pareciam estar mais calmas e apenas os cinemas de lá estavam reabrindo. Porém, uma semana depois a cidade iniciou aquele trágico ciclo de falta de oxigênio e tudo se fechou ainda mais. Isso me marcou muito, e minha raiva com o governo da época era cada vez maior. Eu precisava colocar tudo isso para fora”. (O lançamento de “Os Espetaculares” estava previsto para junho de 2020, e o filme acabou sendo adquirido pela Amazon).

    Escrito em apenas 20 dias, o diretor não quis esperar a flexibilização de protocolos e decidiu gravar “Fluxo” de maneira totalmente remota, com um mínimo de recursos e ousando na linguagem cinematográfica. Os atores receberam o equipamento em casa e seguiram as instruções da equipe (que nem mesmo se encontrou) a distância, sendo responsáveis por todos os movimentos de câmera, sem a presença de qualquer pessoa no set, algo visto poucas vezes na história do cinema.

    Fim da pandemia, mudança na montagem

    Com o filme pronto, já no fim da pandemia, André decidiu que era preciso mudar alguma coisa. O insight acabou implicando numa revisão da montagem do filme, alterando alguns conceitos da obra, como ele mesmo explica:

    “Acabei remontando o filme como se tivesse terminado uma guerra. Não queria lembrar logo de cara como tudo começou, e sim ir revendo as coisas em sentido inverso, de forma a ‘zerar’ meus sentimentos em relação a tudo que aconteceu”, diz.

    Responsável por capitanear grandes sucessos comerciais, como “Minha Mãe é Uma Peça” (2013), “Detetives do Prédio Azul” (2017), e mais recentemente “Os Aventureiros”, até então a maior bilheteria brasileira do ano de 2023, Pellenz gostou da experiência de fazer algo mais simples e artesanal. “Para mim é um retorno aos meus projetos de curta-metragem e à série dramática “Natália”, do Universal Channel/TV Brasil, onde a simplicidade fazia parte da linguagem”, empolga-se.

    Caixas na porta de casa: os desafios de filmar à distância num período de incertezas

    Os desafios de se fazer um filme sem a presença do diretor foram muitos. Pellenz define como uma espécie de “Dogma 95” particular: “Na época, fiquei intrigado com a limitação que Lars Von Trier e sua turma se auto-impuseram, gerando filmes únicos e muito interessantes. No nosso caso, as limitações foram impostas pela pandemia, e é fascinante ver como elas afetaram a linguagem e o resultado. Hoje entendo melhor as motivações deles”, completa.

    Sem contato pessoal, os equipamentos foram deixados lacrados e higienizados nas casas dos atores, e eles precisaram aprender a montar e operar tudo.

    “Chegaram equipamentos e mais equipamentos na minha casa na época. Duas câmeras, iluminação, cabos e mais cabos, tripés, material para arte e som. Uma loucura. A casa ficou de ponta cabeça e tivemos que ter muita calma para entender que a nossa casa viraria um set de filmagem por 15 dias”, conta Gabriel Godoy.

    O ator relembra o grande desafio que era concluir cada plano: “Sair do personagem não era uma questão, mas não sair do cenário do filme, isso era. (risos). O desafio era antes de gravar. Era mais tempo sendo da técnica do que do elenco. Geralmente, buscamos estar 100% concentrados em um set de filmagem, porém no caso do Fluxo precisávamos estar 500% para dar conta de tudo. Às vezes passávamos 40 minutos montando um plano e quando estava tudo pronto eu lembrava: “Ah, agora preciso também atuar. Sou ator do filme. (risos). Foi uma experiência única realmente”, diz.

    Bruna Guerin também se recorda com prazer do desafio, que trouxe muitos aprendizados: “Como tínhamos que exercer todas as funções do set, além de atuar, foi muito desafiador. Mas a equipe toda nos conduziu com tanta paciência e generosidade que acabou sendo um prazer estar vivenciando tudo aquilo. Foi um dos maiores aprendizados que tive na vida. Hoje enxergo e trabalho no audiovisual muito diferente por conta dessa experiência”.

    Outro destaque é a participação especial de Cássio Gabus Mendes, que não saiu de sua casa e fez tudo sozinho. “Jamais imaginei que um dia faria uma cena sem mais ninguém por perto”, disse o ator durante as gravações.

    Silvero Pereira, que gravou suas cenas em Fortaleza, compõe o elenco num papel-chave para a distopia final. O ator também gravou a música-tema do filme, “Jaqueta Amarela”, de Assucena (da extinta banda “As Baías e a Cozinha Mineira”).

    “Fluxo” é um um dos poucos filmes realizados naquele momento de tensão. No entanto, não é “o filme da pandemia”, como diz Cosimo Valerio, sócio da Media Bridge, produtora de filmes como “Chacrinha” e “Intervenção”: “Não estamos retratando a covid-19. A quarentena do enredo é um ponto de partida para discutir a crise de um casal que acaba refletindo uma situação maior e mais grave”, afirma

    Filme manteve a produção cinematográfica ativa na pandemia

    Outro grande trunfo de “Fluxo” foi manter a produção cinematográfica brasileira em funcionamento mínimo num período inóspito, em que o setor cultural, e especialmente o cinema, foi diretamente afetado.

    “Conseguimos manter a produção ativa na época, permitindo que equipe e elenco, mesmo em número reduzido, tivessem trabalho remunerado. A parceria com a Paramount foi fundamental para finalizarmos o filme da melhor maneira possível”, completa Angelo Salvetti, também sócio da Media Bridge.

    Segundo Alex Levy-Heller, da Pipa Pictures, “Fluxo” é um filme para salas de cinema: “Estamos renovando nossa aposta na tela grande, na sala escura, no cinema como arte. Este é um filme feito com as menores câmeras, para telas maiores. De certa forma, essa amplificação reflete o alívio que vivemos recentemente”, conclui.

    Sinopse:

    Primeiro volume de uma trilogia sobre a angústia, inspirado na obra do diretor italiano Michelangelo Antonioni, em especial “O Eclipse”, e nas provocações temporais do soviético Andrei Tarkovski, “Fluxo” é uma distopia política-conjugal que acompanha um casal em crise. Carla expulsa Rodrigo de casa, mas ele não pode deixar o apartamento por conta de um lockdown imposto pelas autoridades. Assim, os dois são obrigados a conviver e acabam revendo seus conceitos, até que as coisas ao redor tomam um rumo jamais imaginado e uma ameaça maior que a própria razão do lockdown vai se formando lá fora.

    TRAILER DE ‘FLUXO’: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=PYYnocJuKg4

    Ficha técnica:

    Distribuição: Pipa Pictures e Paramount Pictures

    Produção: Media Bridge e Paramount Pictures

    Elenco: Bruna Guerin, Gabriel Godoy, Silvero Pereira, Guida Vianna e Cassio Gabus Mendes

    Roteiro e direção: André Pellenz

    Produção: Angelo Salvetti, Cosimo Valerio, André Pellenz e Altino Pavan

    Fotografia: Ênio Berwanger

    Direção de arte: Raíza Antunes

    Figurino: Isa Ribas

    Montagem: André Pellenz

    Trilha Sonora: João Jabace e Luís Rodrigues, com músicas de Johnny Hooker, Letrux, Mariana Volker, Bemti, DiMelo e Assucena

    Música: “Jaqueta Amarela”, de Assucena, interpretada por Silvero Pereira

  • O acéfalo Valentim

    Para o filósofo alemão Immanuel Kant, a prerrogativa do legislador universal é de nos tornar pessoa, um ser com fim em si mesmo, e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação – dispondo de uma dignidade ontológica.

    Já para o senador da República, Styvenson Valentim (PODEMOS-RN), que – como bem definiu a jornalista e psicanalista Sheila Azevedo – ganhou notoriedade e ascensão política por sua sanha justiceira contra os cachaceiros motoristas de plantão, os direitos do homem podem ser usados pelo Estado, mas não de todo e qualquer homem, como demonstra seu projeto de lei que defende a  doação de órgãos duplos como hipótese de remição da pena privativa de liberdade (PL 2.822/2022).

    Styvenson defende que o projeto pode parecer “bruto e desumano”, mas a proposta dá oportunidade para que essas pessoas demostrem solidariedade e de alguma forma devolvam para a sociedade algo que foi retirado dela. Assim, “coisificando” corpos e impelindo que apenados (pois já cumprem uma pena de acordo com o devido processo penal) sejam mais uma vez penalizados e tornando a população mais pobre do país muito vulnerável.

    Para o jornalista e professor de Direito e Processo Penal da Universidade Católica do RN, Cid Augusto, “o projeto é absurdo, mas, infelizmente, não representa novidade. Já se defendeu algo semelhante nas Filipinas e talvez em outros lugares. Lá, propunha-se a transformação da pena de morte em prisão perpétua, em troca de um rim do condenado. Aqui, o mesmo órgão vale 50% da pena. A iniciativa, como se percebe, institucionaliza o comércio de órgãos humanos. Por ele, o detento que cumpriu pelo menos 20% do tempo imposto pela Justiça criminal pode comprar a liberdade ao Estado, pagando com a mutilação do próprio corpo”.

    Cid ainda destaca que, se aprovada, a proposta vai reduzir a população carcerária, formada em sua maioria por pessoas pretas, pobres e com baixo ou nenhum nível de alfabetização, a condição de subgrupo humano, de indivíduos inferiores e descartáveis.

    “Sem querer enveredar na chatice do ‘juridiquês’, afirmo apenas que fere gravemente a Constituição Federal ao desrespeitar princípios inegociáveis, como igualdade, dignidade humana e vedação a penas cruéis”, alerta Cid Augusto.

    A proposta de trocar órgãos de presos por tempo de prisão não é novidade aqui no Brasil e já tramita há pelo menos 20 anos no Congresso Nacional. Em junho de 2003, o então deputado Valdemar Costa Neto (PL/SP) apresentou o um projeto de lei propondo permitir “a presidiário que se inscreva como doador vivo de órgãos, partes do corpo humano ou tecidos para fins terapêuticos, requerer redução de pena após a aprovação do procedimento cirúrgico”.

    De lá para cá, outros onze projetos de lei foram apensados à proposta de Costa Neto e continuam desafiando os limites da ética e da legislação brasileira, que explicita que “comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano” é crime, com pena de reclusão (que vai de três a oito anos) e multa. Isso, também sem levar em conta a Constituição Federal, que em seu artigo 1°, inciso III, faz da dignidade da pessoa humana valor supremo da ordem jurídica.

    Se cada ser humano tem que ser respeitado na sua integralidade e ter sua dignidade protegida, como transformar em lei uma proposta de barganha de seu próprio corpo?  Se é proibido vender seu órgão, pode ser permitindo trocá-lo por alguma vantagem? Uma pessoa cumprindo pena estaria em condições para doar seus órgãos por livre e espontânea vontade? Teria também os esclarecimentos necessários para tanto? Um preso tem autonomia? Ou devem ser induzidos a se transformar em um recurso ‘natural’ pronto para colheita?

    As perguntas são muitas. Mas, o limite além de constitucional, legal, é ético.

    Segundo o filósofo italiano Nicolau Maquiavel. “há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis”.

    Partindo disso, e diante de iníquas propostas de nossos legisladores, é de se lamentar que a despeito de tantos avanços da Ciência, ainda não seja possível o transplante de cérebros. Poderia ser indicado para muita gente que se acha acima do bem e do mal.  

  • Coletivo CIDA e ATeKa Compagnie (FRA) promovem oficinas para estudantes da dança

    Em uma ação conjunta entre Coletivo CIDA e ATeKa Compagnie (FRA), estudantes e pesquisadores da dança estão participando de oficinas formativas com o coreógrafo francês Abdoulaye Konaté. Ao todo, serão realizadas quatro oficinas que beneficiarão mais de 120 pessoas de forma gratuita.

    Esta ação faz parte da Residência Artística Sucre, uma iniciativa da ATeKa Compagnie e do Coletivo CIDA, apoiada  pela “La Fabrique des Résidences” do Instituto Francês e Programa “Cruzamentos” da Villa Tijuca. Uma união entre as Alliances Francesas com Chaillot – Teatro Nacional da Dança – Paris, França e o MC2: Casa de Cultura de Grenoble, na França, em cooperação com a Fundação Nacional de Artes (Funarte), Ministério da Cultura e Governo do Brasil. O projeto possui apoio institucional do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Fundação José Augusto e da Aliança Francesa de Natal.

    Para  René Loui, coreógrafo, intérprete e fundador do Coletivo CIDA, essa residência artística é muito significativa. “O Coletivo CIDA em seus sete anos de existência e resistência, vem estabelecendo laços e criando redes de conexões com artistas das mais diversas realidades, nos quatro cantos do planeta. Isso é muito significativo para nós: Uma companhia de dança internacional se atrai pelo nosso trabalho nas redes sociais e anos depois nos propõe uma parceria. Não posso deixar de citar a grande oportunidade de ocupar a Maison de La Culture em Grenoble, na França. Sem dúvida este novo projeto representa uma grande jornada para o Coletivo CIDA”, pontua René Loui.

    Etapas Brasil e França

    A residência entre o Coletivo CIDA e a ATeKa Compagnie. se realizará em duas etapas, uma no Brasil e a outra na França. A primeira etapa começou no início do mês de agosto com a vinda do coreógrafo Abdoulaye Konaté para a cidade de Natal/RN.  

    De acordo com René Loui essa residência é também sobre uma conexão ancestral.”Ao longo de minha jornada nas artes me envolvi em inúmeras residências artísticas. Cada uma delas com suas características e singularidades foram ponto de partida para a construção de uma obra cênica. Aqui, com a Residência Sucre, temos nas nossas mãos uma folha de papel negro onde escreveremos em traços também negros. Uma residência artística para relembrar e para reviver as dores e as memórias de nossos antepassados”, pontua René Loui.
     

    Em Natal serão 30 dias de imersão no processo criativo da obra, além da realização de atividades de formação com instituições e grupos da cidade, dentre eles: Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM), Grupo Universitário Gaya Dança Contemporânea, junto com alunos da graduação em Dança pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e convidados.

    Para a intérprete potiguar Ana Cláudia Viana, a atividade foi muito positiva. ”Esse intercâmbio de saberes foi muito positivo. O Abdoulaye Konaté trouxe algo que é dele e nós entregamos algo que é nosso, partilhando nossos saberes e vivências em dança. Foi um importante momento para atualizar saberes, discursos, sensações, percepções sobre nós e o trabalho que fazemos”. 

    Após a conclusão dessas ações formativas, Coletivo CIDA e Abdoulaye Konaté seguem no processo de montagem do espetáculo SUCRE – SI PROCHE DU PARADISE (Açúcar – Tão Perto do Céu). Estima-se que em setembro seja realizada uma Mostra para um público convidado e representantes da Aliança Francesa Natal, Fundação José Augusto e do Gabinete da Secretária Extraordinária de Cultura do Rio Grande do Norte. 

    A segunda etapa, será realizada na cidade de Grenoble, na França, onde os dois grupos ocuparão a MC2: Casa de Cultura de Grenoble para a finalização da montagem, realização de laboratórios artísticos e uma temporada de estreia.

    Ainda na França o Coletivo CIDA exibirá o espetáculo Corpos Turvos, como grupo convidado para a Table Ronde: Spectacle Vivant et Handicap, evento sobre Artes Cênicas e Inclusão e Acessibilidade.

    Conexão Coletivo CIDA e ATeKa Compagnie 

    Foi através das redes sociais que o Coletivo CIDA e Ateka Compagnie iniciaram o contato, que agora rende uma colaboração artística graças a editais de fomento.

    “O acaso obviamente não existe. Todas as coisas tem um propósito. A ATeKa Compagnie e o Coletivo CIDA começaram a se seguir nas redes sociais no ano de 2019, ano em que foi criado o espetáculo “Sucre – um sorvete para um crime legal”. E agora, em 2023, o  Edital Bolsa Funarte e Aliança Francesa de Residências Artísticas em Artes Cênicas Brasil/França – 2022 possibilita essa residência de pesquisa em colaboração com o Coletivo CIDA, me trazendo de volta a questionar sobre esse tema. Tudo foi planejado a partir das conexões, e agora estou ansioso para finalmente encontrá-los para que possamos pensar juntos no possível rumo de uma história agridoce, salgada, ácida, contraditória”, aponta o francês Abdoulaye.

    Criado originalmente em 2019 pela ATeKa, “Sucre” ganha uma nova perspectiva e nova corporeidade através da participação de Jânia Santos, Marconi Araújo, René Loui e Rozeane Oliveira, nomes que são referências para as artes cênicas norte-rio-grandense.

    “Acredito que essa residência artística seja algo muito significativo tanto para o Coletivo CIDA quanto para a ATeKa Compagnie. Fomos um dos cinco grupos do Brasil aprovados e o único do nordeste, ou seja, é de suma importância para nós podermos compartilhar nossas metodologias de produção em dança com a ATeKa Compagnie, assim como sermos atravessado por eles. Aproximar ainda mais nossas pesquisas e metodologias, através dos trabalhos corporais, durante esse primeiro mês de residência está sendo algo muito gratificante”, comenta Arthur Moura, produtor e fundador do CIDA.
     

    Sobre o CIDA

    O Coletivo Independente Dependente de Artistas (CIDA ) é um núcleo artístico de dança contemporânea, fundado no ano de 2016 por artistas emergentes, pluriétnicos, com e sem deficiências, oriundos das mais diversas regiões do Brasil e radicados na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.


    Todas as informações sobre o CIDA podem ser acompanhadas através dos canais de comunicação do coletivo. Acesse: www.coletivocida.com.br ou acompanhe o Coletivo no Instagram em: @coletivocida.

    Sobre ATeKa Compagnie

    Os projetos da ATeKa giram em torno de três missões: criação coreográfica, distribuição de peças e ações de transmissão. Suas criações desenvolvem uma linguagem coreográfica na encruzilhada da cultura africana e da cultura europeia contemporânea.

    Todas as informações sobre o ATeKa podem ser acompanhadas através do site: http://www.ateka-cie.com/ ou pelo Instagram em: @ateka_compagnie.

  • Incandescências

    Por Natália Chagas

    A solidão era proporcional à vaidade que o havia afastado dela. Um oco no centro do peito inquietava a vontade de beber, o sossego das pernas, a serenidade mental ou a necessidade de respirar. Ele se lembrava dela como se sentisse o calor do corpo do seu lado. Chegava às vezes a virar o rosto na quase certeza que veria aquele rosto de pele branca, cabelos grisalhos e sorriso vermelho arrebatador.

    Não fez muita força para recordar da fatídica noite que se separaram. Enxergou no olhar molhado a desilusão que avassalou o coração daquela mulher de pernas longas. Ele viu, naquele momento, que havia falhado. Mas não podia, por não querer, voltar atrás. Finalmente havia convencido Luara de participar do menáge que o perseguia em sonhos molhados há tanto tempo. Achava terrível não ser com Neiva com quem já tinha uma relação bastante rotineira, e o sexo sempre em alta qualidade, mas teria seu menáge com Luara. Aliás, durante todo percurso baladeiro da noite, tinha tido picos de tesão imaginando as duas melhores transas de sua vida na mesma cama. Mas Neiva já havia se consolidado como a rotina para ele naquela eterna insistência em oficializar o namoro. Ele nunca havia prometido diferente para ela, sempre foi honesto. Talvez pudesse ser mais franco ao mencionar o tamanho de seu tesão por Luara, mas ela sabia durante toda a relação do compromisso que ele tinha com sua liberdade e hedonismo. Nada ficaria entre ele e seu bem estar.

    Mas aquela noite, o atordoava a ausência de Neiva. Depois de tantos meses ignorando o fato de ela não o ter procurado, como fazia em outros momentos, enfim se encontrou com saudades.

    Atravessou a cidade até a casa dela, bateu campainha, gritou e nada. Nenhum sinal de vida. Um vizinho, ouvindo o barulho, apareceu na porta e disse:

    – Não tem ninguém aí, não.

    – O senhor sabe há quanto tempo Neiva se mudou?

    – Olha, ela se foi há alguns meses. E de uma hora para outra. Minha esposa tentou convencê-la a ficar. Mas ela chegou uma noite, no outro dia de manhã pagou tudo à dona da casa, no fim do dia, o caminhão de mudança levou as coisas dela.

    – O senhor sabe para onde ela foi?

    – Ela não quis contar pra ninguém. Aqui na rua todo mundo tentou descobrir porque todos gostavam dela, mas a danada não arredou o pé. E estava triste a pobre alma. Sentimos muita falta dela.

    Kênio saiu da frente da casa com um peso terrível passando por suas veias. Agora além da saudade, sentia culpa da infelicidade de Neiva. Pensou e repensou quantas coisas ela havia se prometido a ele, e tão pouco pediu em retorno.

    Mas não havia desistido. Acharia a moça custe o que custasse. Afinal depois de anos investigando fofocas de madames, cavucando notícias de escândalos lhe daria um mínimo de conhecimento de como achar uma mulher que nem era tão pequena assim. A cidade não é grande. Não vai ser difícil.

    Por alguns dias, rodou alguns lugares comuns aos dois perguntou a pessoas que conhecia Neiva ou era amigo de quando eram reconhecidos como casal. Ninguém sabia de nada. Algumas pessoas nem mesmo havia percebido a ausência da moça. Foi até o escritório onde ela trabalhava, e ela havia se demitido sem dizer onde ia. Ele sabia que ela não procuraria a família porque a relação era quase inexistente. Foi para redes sociais e viu que as postagens haviam parado de serem publicadas há mais de dois meses, próximo da última vez que se viram. No Facebook, no insta, apenas a mensagem: “Difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que mais se ama” – Bob Marley.

    Aplacou em sua mente milhares de momentos declaratórios de Neiva. Um em especial que ele sentado no encosto da cama de olhos fechados sentiu a língua da mulher desenhando um caminho leve de tesão na perna esquerda, chegando em sua virilha, lambendo seu saco até o pau. Ela engolia toda rigidez de seu tesão provocando seus ímpetos mais enlouquecedores, sem ao menos abrir os olhos ele gozou alucinadamente. Devagar, ela chegou em seu ouvido e disse levemente: “te amo”. Aquela noite transaram onde não havia mais espaço na casa. Todo metro da casa foi percorrido com o amor de Neiva. “Quando foi que eu parei de enxergar a coisa boa que havia ao meu lado?”- se perguntou.
    Agora mais do que nunca tinha que encontrá-la. Retomaria o projeto de casal que eles haviam pensado no início do romance. Considerou até mesmo a possibilidade de lhe pedir em namoro como ela sempre quis e ele achava uma bobagem.

    Rodou por toda cidade em cada empresa de mudança que havia, acabou descobrindo que Neiva contratara um espaço para guardar móveis. A chave estava em seu nome desde que ele revelasse a senha:

    – O senhor tem que falar a data em que se conheceram. Tem apenas uma chance, e tem que bater com a data que está no formulário.

    Ele pensou uma série de vezes com medo de errar. Estava curiosíssimo em saber o que havia lá dentro. De repente, a imagem de Neiva entrou em sua mente como foi naquele vinte e oito de janeiro. O estúdio estava em gravação silencioso. Ele se sentiu magnetizado por sua imagem flutuando por entre as pessoas em destaque de luz. Nada mais sedutor do que o passo leve de uma mulher sem medo de invadir a vida de um homem.

    Ele soltou o dia certo. Abriu a porta, no fim do salão vazio uma urna em cima de uma mesa segurando uma carta. Na carta dizia: “Ao meu amor, que ao desistir de ti, também desisti de mim, porém nunca consegui te tirar de dentro mim, então resolvi cremar o que me atormentava. Vou em corpo, fico em puro amor junto do seu coração. Te amo!”

    Desde este dia, ao colocar a urna com os restantes dela sob a cama, ele perdera sua libido completamente.

  • Festival Komboio Potiguar leva  arte e cultura para o TAM

    O Festival Komboio Potiguar chega ao Teatro Alberto Maranhão (TAM) nos dias 3 e 4 de agosto promovendo diversas ações socioculturais e ambientais, além de trazer a estreia do musical genuinamente potiguar “Aqui é o meu lugar”. Toda a programação é gratuita e começa a partir das 16 horas.

    Idealizado pelo artista e produtor cultural Zeca Santos, o Festival Komboio Potiguar oferece oficinas artísticas, ações formativas, adoção de mudas nativas, feira criativa e exposições, tudo isso a bordo de uma kombi palco grafitada por Paulo Pazciência.

    “Contribuir para que a natalense desenvolva cada vez mais o senso de pertencimento é uma declaração de amor à cidade. É a partir desse sentimento que outras ações secundárias possam acontecer. Queremos reverberar a visão de uma Natal onde as coisas dão certo. Que tem cultura sim, que tem economia criativa sim, que tem potência artística sim”, declara o artista e produtor cultural Zeca Santos.

    “Depois dessa obra fiquei muito mais apaixonado pela cidade. Esses seis personagens da trama olham para além do Morro do Careca, para além do Forte dos Reis Magos. É sobre os habitantes reais e quem movimenta essa cidade. É uma obra que a gente deixa para Natal, esperamos que ela possa nos dar muita esperança e ajude a valorizar o que temos de bom aqui”, estima Zeca.

    O Festival também homenageia mulheres ícones da cultura do estado no que elas expressam de inspiração, resiliência e resistência, como: Dona Militana (cancioneira e romancista), Dona Maria de Lourdes (rendeira de bilro mais antiga do RN) e Auta de Sousa (poetisa).


    Sobre o musical ‘Aqui é o meu lugar”


    Com trilha sonora assinada pela dupla potiguar Khrystal e Sérgio Groove, a partir do seu mais recente trabalho musical “Romã”, o musical evoca as quatro zonas da capital nos fazendo pensar sobre  identidade territorial. 

    A obra conta a história de seis personagens, onde quatro deles formam a irmandade abraçados pelo “Sol e sua Noiva”, responsáveis pelo plano de unir em nós as distâncias entre esses irmãos-territórios.

    No elenco estão os atores e cantores Doc Câmara e Zeca Santos, as cantoras e atrizes  Heli Medeiros e Lysia Condè. Interpretando ‘Sol’ está Khrystal, cantora e atriz que assina a trilha sonora junto com Groove.  Como a noiva do ‘Sol’ está o ator e cantor Dudu Galvão, que também assina a direção musical do espetáculo. A trilha sonora será executada ao vivo pelo multi-instrumentista e compositor Sérgio Groove.  A direção de arte e figurinos são assinados pelo figurinista João Macelino e a dramaturgia é de Euler Lopes, premiada escritora de Aracaju (SE), mas que tem Natal como sua segunda casa.  

    “Essa é uma obra que nasce de um encontro, de um desejo e de um medo de não mais pertencer. Assim, quando convidamos Euler Lopes, tínhamos em mente dois desafios: acionar o lugar contemporâneo e poético para construir uma obra que tocasse no lugar do pertencimento do potiguar”, comenta Dudu Galvão.  

    “‘Aqui é meu lugar” traz para a cena, personagens que podemos encontrar ao virar qualquer esquina de camelô do Alecrim, ao cruzar as faixas de pedestre da Avenida Itapetinga, dentro dos ônibus de Felipe Camarão ou na beira do mar de Ponta Negra. Natal é preenchida por pessoas reais, comuns, tradicionais, típicas, seja o nome que você queira dar. Mesmo assim, é justamente na simplicidade que a gente queria habitar ao mexer nessa matéria. A identidade social de um povo, o sentimento de fazer parte de um território conquistado por um cotidiano que se repete e se constrói coletivamente era o nosso desejo”, completa Dudu.  

    O Festival Komboio Potiguar é uma realização do Komboio Potiguar e Cores que Tocam, e conta com o patrocínio da Prefeitura do Natal  através da Lei Djalma Maranhão, Colégio CEI , Arena das Dunas, Hotel D’ Beach Resort e Dr. Niro Reis. Apoio: TAM, Midia Day, Grupo Facetas, Grupo Estação de Teatro, Tecesol e Grupo Pau e Lata. Acompanhe Komboio Potiguar no Instagram em: @komboiopotiguarproducoes.

    SERVIÇO: 

    Festival Komboio Potiguar estreia no Teatro Alberto Maranhão (TAM)
    Dias da semana:  quinta e sexta-feira 
    Horário: A partir das 16h
    Musical: às 19h
    Local: Teatro Alberto Maranhão
    Endereço: Praça Augusto Severo, s/n – Ribeira
    Ingressos:  gratuitos  via plataforma 
    Informações: https://www.instagram.com/komboiopotiguarproducoes
    Classificação indicativa: livre
    Duração do musical : 1h20 minutos.
    Lotação: 582
    Gênero: Teatro musical 

  • Quem mandou matar Marielle?

    O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou na semana passada  um acordo de delação premiada com o ex-policial Élcio Queiroz, que “causou” um grande reboliço na rede. É que isso poderá  fornecer informações para que a investigação chegue aos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.

    A investigação passou a ser acompanhada pela Polícia Federal em fevereiro deste ano, após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

    O delator citou o nome de um suposto intermediário responsável por contratar o ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de efetuar os disparos que mataram a vereadora carioca, e indicou a origem da arma utilizada no crime.

    A PF prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, suspeito de dar “auxílio moral e material” aos assassinatos.

    A execução de Marielle – que estava em exercício de seu mandato – permeou nos últimos anos a mais aguda polarização que marcou a política brasileira. No atual governo do PT, a elucidação do caso se tornou uma “questão de honra do Estado brasileiro”, segundo o Ministro, que afirmou que o que foi dito por Élcio Queiroz coloca o caso em um “novo patamar” e confirma o que já se sabia sobre a execução do crime. “Há uma espécie de mudança de patamar da investigação. Se conclui a investigação sobre a execução e há elementos para um novo patamar, a identificação dos mandantes. Nas próximas semanas provavelmente haverá novas operações derivadas das provas colhidas hoje.”

    Quem mandou matar Marielle?

    A pergunta perdura, mas parece que está perto de uma reposta.

  • Exposição B.B. King: Um Mundo Melhor mostra que trajetória do músico alinha-se a campanhas contra segregação de negros

    Se você está pensando em dar um pulinho em São Paulo, nós apresentamos mais um bom motivo. A trajetória do guitarrista e compositor norte-americano B.B. King está sendo apresentada em uma exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS), na zona oeste da capital paulista. Logo na entrada, quem visita a mostra recebe uma provocação que contextualiza a trajetória do artista, que ficou conhecido internacionalmente como Rei do Blues. É preciso escolher entre duas portas, uma para pessoas brancas e outra para negras, lembrando, assim, do período das leis racistas de segregação que vigoraram nos Estados Unidos na primeira metade do século 20.

    blues é um gênero musical que surgiu nos Estados Unidos no século 19. Esse estilo se desenvolveu a partir das tradições musicais africanas, que envolviam aspectos religiosos, culturais e principalmente a questão racial.

    A exposição do MIS proporciona ao visitante uma narrativa sensorial, quando este passa por um corredor que simula o clima das plantações de algodão do Mississipi, no sul do país, onde King trabalhou na juventude.

    As canções de trabalho e as que conclamam à revolta as populações negras que viveram a escravização nas fazendas, anos antes, também fazem parte da trilha sonora da exposição. Assim, a vida do músico é costurada com a luta por direitos das pessoas negras norte-americanas.

    Música e guitarra autografada

    Fotografias, objetos e músicas tocadas em vídeos e instalações ambientes, mostram ao público como foi a carreira artística de King. Após deixar o trabalho nas plantações, o músico, nascido em 16 de setembro de 1925 e batizado Riley Ben King, foi DJ e apresentador na WDIA, primeira estação de rádio com programação destinada a afro-americanos. É possível ver cartazes de shows e espetáculos a partir de 1948, quando ele já usava o nome artístico de B.B. King.

    Uma guitarra Gibson Lucille, autografada, está em exibição em uma das vitrines. O modelo foi batizado pela fabricante em homenagem ao músico, que chamava seus instrumentos de Lucille, como forma de carinho e também como um lembrete para si mesmo. No início da carreira, King entrou em um teatro em chamas para salvar sua guitarra. Segundo narração dele próprio, mais tarde, King soube que o fogo havia começado durante uma briga entre dois homens por uma mulher chamada Lucille. Na anedota, King diz que chamou sua guitarra de Lucille para evitar correr tantos riscos no futuro.

    Também podem ser vistas partituras, registros de turnês, figurino de shows e prêmios recebidos pelo artista ao longo da carreira, encerrada em 2015, com sua morte, aos 89 anos por complicações da diabetes.

    Imersão na história e no blues

    Itens da vida e obra de B.B. King podem ser vistos até outubro no Museu da Imagem e do Som – Paulo Pinto/Agência Brasil

    O auge da carreira de King, que chegou a fazer mais de 340 apresentações em um ano, é marcado por uma foto dele e sua banda com o ônibus que levava o grupo por todas as partes dos Estados Unidos. A imagem dialoga com uma reconstrução cenográfica de um ônibus segregado, em homenagem a Rosa Parks, uma mulher negra que foi presa ao se negar a ceder seu lugar para um homem branco. A injustiça inflamou a comunidade negra, que promoveu um duro boicote ao sistema de transporte público, em Montgomery, no estado sulista do Alabama.

    As ações políticas e sociais do próprio King têm espaço na mostra, que traz fotos dos shows que fez em presídios, como forma de solidariedade à população negra encarcerada. O músico criou ainda uma associação para facilitar a reinserção de ex-detentos na sociedade, muitos deles vítimas do sistema de Justiça norte-americano, considerado racista.

    Ao mesmo tempo que é possível aprofundar-se na história de um dos maiores nomes do blues do mundo, o público pode fazer uma imersão completa na obra do artista, chegando à sensação quase literal de estar em um disco de vinil, como proposta de uma das instalações. Muito do material exposto veio do B.B.King Museum, que fica no estado do Mississipi.

    A mostra B.B. King: Um Mundo Melhor em Algum Lugar pode ser visitada até 8 de outubro no Museu da Imagem e do Som (MIS).

    O MIS abre de terça a sexta-feira, das 10h às 19h e, aos sábados, das 10h às 20h. Nos domingos e feriados, as visitas vão das 10h às 18h. A entrada é gratuita às terças-feiras. Mais informações podem ser obtidas na página do museu.

    Com informações da Agência Brasil

  • Mundo real

    Por Natália Chagas

    Ele era o novo ginecologista da cidade. Pronto para o atendimento sob qualquer circunstância. Era novo na profissão e queria mostrar seu trabalho e ser reconhecido por isso da maneira mais ampla possível. Queria ter o reconhecimento do prefeito que abriu as portas daquela cidade pequena que girava em torno da BR que por ali passava. Aliás o que mais lhe chamou atenção foi o fato de toda a economia da cidade girava em torno dos transeuntes caminhoneiros que circulavam por ali.

    Mas ele não tinha com o que se preocupar. Ele era o ginecologista da cidade. A obrigação dele era com a população doméstica. Assim acreditava.

    Até que um belo dia, uma mãe marcou um horário para a filha de 12 anos. Ele, recebendo as fichas da secretária e a programação do dia, achou muito progressista uma mulher naquelas redondezas próximas do fim do mundo trazer ao ginecologista uma criança em início de desenvolvimento hormonal para uma consulta. Ao dizer isso para a secretária, ouviu uma sonora ironia através de:

    – Sei…

    E ainda seguido de um olhar descrente que fez com que o jovem médico se sentisse ingênuo.

    Mas seguiu em frente com seu dia, ainda ansioso por aquela consulta.

    Ao chegar no fim da tarde, eis que chega a mãe e sua mirrada filha, quase no meio das pernas da mãe de tão pequena e envergonhada. Sentou-se na frente do doutor, e com olhos caídos e meio transtornados, vermelhos e secos, descreveu um quadro sobre a menina, que instigou o recém-formado a fazer alguns exames iniciais e retornou com as duas para a sala de atendimento trazendo notícias:

    – Bom, senhora, inicialmente, devo dizer que para meu espanto, sua filha aparenta grávida.

    Como um surto desesperador, a mulher explode em gritos e tapas na menina:

    – Eu falei pra aquele desgraçado que eu estava vendendo apenas seu boquete. Sua virgindade valia mais do que 50. Era pra ser, pelo menos 100. Como você pôde entregar pra ele de mão beijada desse jeito? Sua vadiazinha de merda!!

    O médico tomado por um susto imenso, congelou suas reações, paralisando qualquer movimento, ainda enxergou a menina pulando sobre sua mesa,  puxou seu abridor de cartas e expôs o gume na garganta da mãe aos gritos:

    – Você me fez assim! Dei porque era meu e quis. Você me vende para um caminhoneiro qualquer, leva o dinheiro daquilo que quebrou meu dente, bebe ele todo e não quer que eu ganhe nada com isso. Pois te digo que vou ganhar o prazer de cortar tua garganta, sua cafetina de uma figa.

    O médico, com uma calma que não sabia de onde tirar, virou pra criança e disse:

     – Moça, não tenho nada com isso. Peço que se acalme e não me envolva nas suas questões de família. Abaixe o estilete que te atendo sem maiores danos a mais ninguém.

    A menina, lentamente, abaixou a arma. As duas mulheres se olhavam com fúria. O jovem, com mãos trêmulas. chamou a secretária. Passaram os procedimentos para acompanhamentos da gravidez. E a secretária soltou:

    – Bem vindo ao mundo real, doutor. Aqui estamos todos incrédulos e vivos.

  • Por que choras, Rogério Marinho?

    Por Ana Cadengue

    Conhecido como uma pessoa fria e calculista, sem arroubos de manifestações nem de tristezas nem de alegrias, foi com surpresa que o país assistiu o senador Rogério Marinho (PL) fazer biquinho e cair num choro sem lágrimas no último dia 13 de julho durante uma audiência pública no Senado.  O motivo que tanto emocionou o ser que não se abala por pouco, foi o destino dos terroristas de 8 de janeiro. Ninguém nunca o viu emocionado, ao menos pesaroso, pelos milhares de mortos pelo Covid e o desgoverno que integrou, nem pelos yanomamis, nem pelo povo passando fome, nem por nada.

    As lágrimas que muitos disseram ser de crocodilo e que foi classificada como uma cena patética pela imprensa de todo o país causaram indagações. Por que choras, Rogério Marinho? Já que ninguém viu um pingo de perturbação quando a Justiça do Rio Grande do Norte o condenou por improbidade administrativa no início de junho e determinou a perda de cargo público e a suspensão de seus direitos políticos durante 8 anos por incluir a nomeação de uma funcionária fantasma no quadro da Câmara Municipal quando era vereador em Natal, segundo a decisão do juiz Bruno Montenegro Ribeiro Dantas, o que – de verdade – ocasionou a comoção?

    Marinho, que pode apresentar recursos, inclusive declarou à época que iria “continuar Senador da República por mais pelo menos 7 anos e 7 meses. Fiquem todos tranquilos. Isso, certamente, para desespero de alguns que se regozijaram com o processo”, mostrando mais uma vez que não é de se abalar.

    Para regozijo dos que não se desesperam ao esperar por justiça, a imprensa noticia que o senador Rogério Marinho pode ser cassado por abuso de poder político e econômico.

    O processo instaurado pela Procuradoria Eleitoral do Ministério Público Federal do Rio Grade do Norte investiga o suposto uso de recursos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales São Francisco e Parnaíba (Codevasf) para comprar apoio de prefeitos nas Eleições 2022.

    Como amplamente mostrado em redes sociais, durante a gestão de Rogério Marinho no Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), a Codevasf passou a se dedicar à entrega de obras de pavimentação e máquinas agrícolas, abrindo o caminho do potiguar ao Senado.

    Na investigação, há relatos de que ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) articulou um esquema bilionário envolvendo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), chegando a articular mudanças na estrutura da Codevasf, envolvida em denúncias de corrupção e investigada pela Controladoria Geral da União (CGU).

    O processo está em segredo de Justiça, mas muito se tem falado da convocação de vários prefeitos potiguares, além do ex-deputado federal Beto Rosado (PP) e dos deputados estaduais Tomba Farias e Gustavo Carvalho (PSDB), que já prestaram depoimentos à Polícia Federal com relação ao caso.

    Terminada a fase de inquérito, o processo seguirá para a justiça eleitoral, e passará pelo crivo do TRE/RN, onde o relator é o desembargador Expedito Ferreira de Souza, e depois subirá para o Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, que dará o veredito.

    Além do risco de ficar inelegível e perder o mandato, o que ocasionaria eleição suplementar para escolha de novo senador, Rogério Marinho ainda se bate publicamente com ex-aliados, como o prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos) que escancarou em entrevista à jornalista Thaisa Galvão a quebra de compromisso por parte do ex-ministro bolsonarista, no que se configuraria em mais um caso de abuso de poder político e uso da máquina federal nas eleições 2022.

    Álvaro contou que, antes de sair do Ministério do Desenvolvimento Regional, Marinho cancelou convênios com a Prefeitura do Natal gerando prejuízos na ordem de R$ 40 milhões ao município. Em resposta, o antes comedido Rogério Marinho desafiou Álvaro a provar a perda de recursos com documentos e não só de boca, como devem ter sido as promessas.

    Será que tão querida e usada Codevasf vai conseguir tratorar a carreira política do agora emocionado Marinho?