Últimas histórias

  • Feliz ano velho,

    adeus ano novo

    O ano de 2023 vai chegando ao fim menos eufórico do que o de 2022, quando a expectativa era grande na troca de presidente e início do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As grandes mudanças vão se confirmando, sendo sentidas em todos os âmbitos da administração, dia após dia, e muita coisa voltando ao “normal”. O que não muda mesmo é a sanha do Centrão por cargos, emendas e o desejo de manter um governo paralelo.

    Por essas bandas da terra de Cascudo, onde se gasta 200 para o outro não ganhar 20, a semelhança entre a Casa grande e parlamento é enorme, quando deputados mantém cargos no governo — inclusive em primeiro escalão —, querem os seus apoiadores no governo, são governo, mas não votam a favor dos interesses do governo.

    Exemplo maior foi a votação que decidiu, no início deste mês, por 14 votos a zero, rejeitar o recurso do PT que pedia a votação em plenário do projeto que trata da alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Com o recurso negado, prevaleceu o parecer da Comissão de Finanças e Fiscalização, que em novembro se posicionou contra o projeto enviado pelo governo pedindo a manutenção da alíquota em 20% por tempo indeterminado. O Projeto em si não foi votado. Aliás, a proposta do líder do governo, Francisco do PT, que solicitava uma alíquota intermediária de 19% até o final de 2026, nem chegou a ser apreciada. Com isso, o próximo ano começa com a taxa do imposto estadual voltando aos 18% que vigoravam no RN até abril deste ano.

    O RN tem enfrentado uma queda na arrecadação de impostos, especialmente de ICMS. Segundo o governo, em dezembro a redução foi de 11,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. Consequência da desoneração dos setores de combustíveis, telecomunicações e energia elétrica, imposta pelas leis complementares 192 e 194, editadas pelo Governo Federal e que reduziram as alíquotas aplicadas a esses três segmentos desde o início do segundo semestre deste ano. Além disso, a queda constante no Fundo de Participação dos Estados (FPE), repassado pelo Governo Federal, também tem contribuído para a diminuição da arrecadação.

    A votação foi uma grande derrota para a governadora Fátima Bezerra? Ao contrário do que dizem os “bombeiros” de parte a parte: Sim. Claro que foi. Enorme. Os deputados oposicionistas cozinharam o galo o quanto puderam e só após três tentativas frustradas — por falta de quórum — a Casa se posicionou contra a proposta do governo. Dos 22 presentes, um era o presidente Ezequiel Ferreira (PSDB), Ivanilson Oliveira (União Brasil) e Kleber Rodrigues (PSDB), se ausentaram alegando questões de saúde, 14 votaram contra o recurso e 7 ficaram em obstrução e não votaram. Adjuto Dias (MDB), Coronel Azevedo (PL),Cristiane Dantas (Solidariedade), Dr. Kerginaldo (PSDB), Galeno Torquato (PSDB), Gustavo Carvalho (PSDB), Hermano Morais (PV), José Dias (PSDB), Luiz Eduardo (Solidariedade), Neilton Diógenes (PP), Nelter Queiroz (PSDB), Taveira Júnior (União Brasil),
    Terezinha Maia (PL) e Tomba Farias (PSDB) jogaram a pá de cal nos planos da governadora Fátima.

    “A gente vai achar caminhos para manter nossas receitas no patamar que nós precisamos para o ano de 2024, com medidas que podem desagradar alguns setores, mas que vão fazer com que o estado não entre em colapso no ano que vem”, disse em entrevista o secretário estadual de Fazenda, Carlos Eduardo Xavier, que estima uma perda de arrecadação de cerca de R$ 700 milhões em 2024 e que sendo o ICMS uma das principais fontes de recursos para o estado, o governo pretende rever incentivos fiscais concedidos — já anunciando alguns cortes em setores importantes — entre eles, a renúncia para o diesel para empresas de transporte público de passageiros e empresas de ônibus. A certeza é que ao reduzir o imposto, o RN vai na contramão de 17 estados aumentaram a alíquota e outros 9 que mantiveram a alíquota que já existia, finalizou o secretário.

    É possível que tenhamos mudanças significativas agora com a promulgação da reforma tributária. É o que se espera.

    Porém, entretanto, todavia, contudo, na AL, o deputado Nelter Queiroz (PSDB) diz que já tem “brecha” e motivos para abrir uma CPI para afastar a governadora. “Só falta a maioria”. Ele também afirma que o governo Fátima não pode perseguir e atacar o Poder Legislativo. “Nós queremos que a governadora respeite a Assembleia, respeite os deputados e não queira criar brigar com o poder legislativo tampouco com o povo. Nós não somos capachos do seu governo”, advertiu o deputado.

    Para o povo só falta a musiquinha (se é que já não foi gravada?): adeus ano novo, feliz ano velho.

  • Destino: Mossoró

    Na edição de outubro da Papangu na Rede destacamos o conturbado momento das articulações entre os grupos políticos da capital para achar um candidato pra chamar de seu. Confuso e truncado, em um vai-e-vem de “quem nem foi” e acha que será apoiado pelo prefeito Álvaro Dias. Com uma oposição alvissareira com o resultado das últimas pesquisas e com o surgimento, a cada semana, de novas coisas, nomes e pretensões que  corroboram para um quadro que está longe de ser definido.

    Contrário do que vemos em Mossoró. Na capital do oeste potiguar parece que nada mudou desde a última eleição, em 2020, em que o candidato Allyson Bezerra derrotou a ex-governadora Rosalba Ciarlini. O alcaide, agora no União Brasil, tem mais de 80% de aprovação e parece viver seu melhor momento à frente do executivo. Os cronistas da política mossoroense apostam que a sucessão tem quatro nomes definidos: o prefeito (é certeza ir à disputa da reeleição), a deputada estadual Isolda Dantas (PT), o vereador Tony Fernandes (que ninguém sabe quem é) e a ex-prefeita Rosalba Ciarlini (Progressistas). Desses ficam dois. Um, claro, logicamente é o prefeito. O outro ou outra representará a oposição, que segue desunida.

    O cenário na terra que se jacta de ter expulsado Lampião só parece diferente no que concerne às famosas oligarquias. Em 2024, pela primeira vez, em 76 anos, Mossoró vai para uma disputa da prefeitura sem Rosados como a maior força política. O município que chegou a ter três deputados estaduais e dois deputados federais simultaneamente, hoje vive esse momento histórico.

    Para 2024, é incerto a participação da ex-prefeita Rosalba Ciarline, que segue calada em seu mundo ‘Ravengariano’. A ex-deputada Sandra Rosado já disse que não disputará mais eleições. Sua filha Larissa, segundo notícias publicadas na imprensa mossoroesense, e que teve mandato cassado na atual legislatura, tentará voltar ao legislativo. Beto Rosado, Fafá Rosado e Leonardo Nogueira, não se ouve falar. Aliás, quando se fala em Rosado, o nome da ex-prefeita Maria de Fatima Rosado Nogueira, a Fafá, nem é cogitado, tão pífia foi sua liderança fora dos muros do Palácio da Resistência.

    Em pesquisa divulgada no último mês de maio pela empresa LOGOS, o prefeito de Mossoró Allyson Bezerra, liderava com muita folga a disputa para as eleições municipais do ano que vem. Na pergunta espontânea — quando os nomes dos possíveis candidatos(as) não são citados aos eleitores -, Allyson liderava com 62,69% das respostas. A segunda opção mais citada naquela oportunidade, a ex-prefeita Rosalba Ciarlini (PP) batia os 6,94%; e a Deputada Estadual Isolda Dantas (PT) passeava em terceira colocação com 2,57%.

    Na pergunta estimulada, quando os entrevistadores apresentam os nomes dos possíveis candidatos(as), Allyson Bezerra continuava o passeio com 65,07%, enquanto Rosalba chegava aos 10,31% e Isolda 4,16%.

    A um ano da eleição, pouca ou quase nenhuma novidade. A oposição ao prefeito Allyson Bezerra não se mexe nem é mexido por ninguém. A esquerda, que tem a deputada Isolda como principal nome, roda, roda, roda, e para em um oito — ou noves fora nada — na desenvoltura da pré-candidata nas intenções de votos.

    Por fim, o que se espera é que o mossoroense possa exercer seu direito à escolha de um nome que tenha compromisso com o desenvolvimento da cidade.

    Há quem diga que se o presidente da Câmara Municipal, Lawrence Amorim, meter dos pés para ser candidato, o cenário muda.

    Bem, temos um ano para saber. Só não pode ser por W.O, por favor.

  • Prefeitáveis Verão 2024

    “O mais fraco aí responde a 5 processos”, “perderão todos juntos”, “Só “filé”😂”, “Formação de quadrilha que fala???”, “Está repreendido em nome de Jesus 🙌”, “Agora tudo está perdido, definitivamente”, “A RASPA DA FULERAGEM DA POLITICA DO RN!!!!”, “😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂 só os inimigos do pobres”, “Minnnnn zericordia 😂”, “Será que enche um pinico?”, “Zulivre”, “A verdadeira facção!!!”, “Kkk Chernobyl tem menos radiação ☢️”, “Showww já sei o lado q não vou ficar!!! 😂😂😂😂”.

    Essas são algumas reações a uma postagem no Instagram sobre uma reunião realizada na casa do senador Rogério Marinho (PL) em Brasília, anunciando que o grupo formado pela “direita”, ou melhor, dizendo pela fina flor que o Bolsonarismo uniu no Rio Grande do Norte terá nome único concorrendo à Prefeitura de Natal.

    A fotografia, amplamente divulgada pelas redes sociais na noite de terça-feira, 24, e que rendeu algumas opiniões de apoio, esmaeceu rapidamente, de acordo com blogs políticos da taba, que não se cansam de noticiar encontros, almoços e muitas conversas entre políticos locais.

    Apenas 3 dias depois, as manchetes eram de que o deputado Paulinho Freire (União Brasil) podia até estar na foto, mas não estava no projeto e que teria desistido de sua pré-candidatura à Prefeitura do Natal para apoiar o ex-prefeito Carlos Eduardo numa nova investida ao Palácio Felipe Camarão.

    Disse-me-disse, notinhas plantadas, especulações, interesses escusos, versões conflitantes, desmentidos pífios… A celeuma da semana foi coroada com a publicação de uma pesquisa do Instituto DataVero pelo jornal Diário do RN que mostra que a tal da “Direita Unida” (sic) não chega a 15% das intenções de voto dos natalenses enquanto Carlos Eduardo sozinho ostenta o dobro disso e fala numa “ampla aliança” para voltar a ser prefeito.

    Que ampla aliança seria essa ninguém sabe ainda, até porque os que não almejam a Prefeitura desejam o Governo do Estado em 2026 e controlar vaidades não é bem a atividade preferida de políticos daqui e de alhures.

    Se confiável, a pesquisa DataVero dá uma ideia do que ou quem o natalense quer na administração de sua urbe nem tão amada assim.  Segurança (33,2%), saúde (24,8%) e transporte público (8%) estão entre os problemas mais citados pelos 1.013 entrevistados entre os dias 20 e 22 de outubro.

    A maioria (39,2%) não se declarou ideologicamente, enquanto 27% se disseram de direita, 17,4% de esquerda e 16,4% de centro.

    Segundo a pesquisa, entre os que afirmaram votar em Carlos Eduardo (PSD), 37,7% o escolheram por considerar que ele fez uma boa gestão em Natal. Neste quesito, o segundo mais citado é o candidato do prefeito Álvaro Dias (Republicanos), com 35,7%. O deputado federal Paulinho Freire (União Brasil), que chegou a comandar a Prefeitura entre 1º de novembro e 13 de dezembro de 2012, tem 10,4%.

    Há quem escolha seu candidato por gostar da pessoa/político, como 19,4% dos que citaram o candidato de Álvaro Dias. O ex-deputado federal Rafael Motta (PSB) foi o 2º mais citado no quesito, com 18,2%; Carlos Eduardo tem 15,9%; a deputada federal Natália Bonavides (PT) tem 13,3%; o deputado Sargento Gonçalves (PL) tem 12,2%; a deputada estadual Eudiane Macedo (PV), tem 12%. Paulinho Freire tem 6,3% e General Girão (PL) aparece com 6,1%.

    Apesar de aparecer em 3º lugar nas intenções de voto com 8, 9 % na pesquisa estimulada, Natália Bonavides aparece em primeiro lugar em rejeição com 12,5%, quando perguntado em qual nome o entrevistado não votaria de jeito nenhum.

    Na sequência da rejeição surgem o candidato do atual prefeito Álvaro Dias (9,4%) e Carlos Eduardo (8,3%). Completam o ranking dos mais rejeitados General Girão (7,9%), Sargento Gonçalves (4%), Paulinho Freire (3,1%), Rafael Motta (2,3%), Eudiane Macedo (2,1%) e Joanna Guerra (1%).

    No que diz respeito à gestão municipal, 24,8% da população avalia a atuação do prefeito Álvaro Dias como boa, enquanto 21% a consideram péssima, 19,2% a classificam como regular para mais, 13,3% como regular para menos, 8,3% como ruim e 6,1% como excelente. A aprovação, que engloba as classificações excelente, boa ou regular para mais, totaliza 50,1%; enquanto 42,6% expressam desaprovação, caracterizando-a como regular para menos, ruim ou péssima.

    Como dá para perceber, o natalense ainda não tem muita ideia em quem vai votar no ano que vem nem nos melhores motivos para tal. O que se sabe é que a batalha de notinhas, notas e postagens ainda está só começando e perguntas como “Paulinho Freire continua na ‘direita unida’ (sic)?”, “Nina Souza será indicada como vice de Carlos Eduardo?”, “Rafael Motta será mesmo o candidato de Álvaro Dias?”, “Álvaro vai anunciar um candidato?”, “Carlos Eduardo conseguirá reunir uma aliança em torno de seu nome?”, “Natália vai ceder à alianças com o Centrão para viabilizar seu nome?”, “Algum aventureiro vai arrebatar o eleitorado?”.

    Enquanto isso, fica a ideia de um leitor que sugeriu a realização de um Reality Show nos moldes do BBB e A Fazenda com todos os pré-candidatos à Prefeitura do Natal. “Uma semana confinados e com direito a provas que envolvessem o conhecimento e a vivência na Gestão Pública. Ao final desse período, a população escolheria aquele que sairia candidato a prefeito da Capital do RN”. Interessante. 

  • Prenda-me se for capaz

    Por Túlio Ratto

    A trajetória é, por si só, fantástica demais para ser verdade: em apenas quatro anos (de 2018 a 2022), Frank Bolsonale Jr. fingiu ser presidente da República, médico, infectologista, piloto de jet-ski, hipnotizador de emas, “matador de lombrigas”, pai de família e tantas outras coisas de sua natureza grotesca do que pode imaginar nossa vã filosofia.

    Foram quase quatro décadas mamando nos cofres públicos como parlamentar – — do baixíssimo clero, diga-se —  com relativo sucesso, principalmente nas casas das famílias de bem, cristãs, defensoras dos bons costumes. Sua desenvoltura é tão exitosa que nem a descoberta das rachadinhas, compras em dinheiro vivo de mansões e imóveis, afetou a reputação da família, que vive igualmente, também, de maneira igual, exclusivamente do serviço público.

    Na iminência de ser preso — por outras acusações — a trajetória de sucesso do ex-capitão pode até virar best-seller caso caia nas graças de trambiqueiros que buscam aprender “o poder da sedução de um ignóbil com imenso sucesso de público e de crítica”. Prenda-me se For Capaz conta a estória bem “pé-no-chão” de um capitão expulso do Exército que chegou a ser preso. Depois foi julgado sob a acusação de elaborar um plano para fragilizar o alto comando do Exército, situação que o levou a trocar a carreira militar pela política.

    O expectador não pode criar grandes expectativas sobre a trama, ou grandes arroubos de planejamento, planos mirabolantes, até porque o cara não consegue fazer um ó com uma quenga, em decorrência de uma incrível pobreza intelectual. Do outro lado, trata-se de um filme simples, benfeito e tecnicamente perfeito, se levarmos em conta a destreza nas investigações da Polícia Federal — que não têm decepcionado quando vai a fundo na relação de presentes, desvios de joias do Governo, chegando até as tratativas da tentativa do golpe do 8 de janeiro. Aliás, uma CPI desse triste episódio da democracia brasileira deverá pedir o indiciamento de Frank Bolsonale por pelo menos quatro crimes cometidos durante o mandato: golpe de Estado, escuta telefônica ilegal, incitação ao crime e autoacusação falsa. Tanto aliados quanto adversários do ex-presidente da República dão como certo que o relatório a ser apresentado vai associar os sucessivos ataques de Bolsonale à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas aos atos de vandalismo que culminaram com a invasão e a depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas contas de governo e oposição há votos suficientes para aprovar o indiciamento do ex-presidente.

    Coloquem também na conta mais de 700 mil mortes durante a pandemia. Um número que poderia ser bem menor, caso as vacinas tivessem chegado antes. Para quem não lembra, em outubro de 2021, a CPI da Covid aprovou o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que atribuía nove crimes a Bolsonale, mas o procurador-geral da República (que pegou o beco nesta semana), Augusto Aras, não deu prosseguimento às apurações, o que frustrou a nação brasileira.

    Do Mauro Cid ao hacker Walter Delgatti Netto, do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, que acenou para a ruptura da democracia brasileira ao general Heleno, existem indícios, provas, crimes de sobra.

    Por enquanto, e na expectativa de mais coadjuvantes, o ex-servidor da Sabesp Aécio Lúcio Costa Pereira, o produtor rural Thiago de Assis Mathar e o entregador Matheus Lima de Carvalho Lázaro foram condenados por tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Resta saber se conseguirão pegar algum meliante do topo dessa cadeia golpista.

    Somente a PF poderá nos responder. E a Justiça condenar.

  • O acéfalo Valentim

    Para o filósofo alemão Immanuel Kant, a prerrogativa do legislador universal é de nos tornar pessoa, um ser com fim em si mesmo, e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação – dispondo de uma dignidade ontológica.

    Já para o senador da República, Styvenson Valentim (PODEMOS-RN), que – como bem definiu a jornalista e psicanalista Sheila Azevedo – ganhou notoriedade e ascensão política por sua sanha justiceira contra os cachaceiros motoristas de plantão, os direitos do homem podem ser usados pelo Estado, mas não de todo e qualquer homem, como demonstra seu projeto de lei que defende a  doação de órgãos duplos como hipótese de remição da pena privativa de liberdade (PL 2.822/2022).

    Styvenson defende que o projeto pode parecer “bruto e desumano”, mas a proposta dá oportunidade para que essas pessoas demostrem solidariedade e de alguma forma devolvam para a sociedade algo que foi retirado dela. Assim, “coisificando” corpos e impelindo que apenados (pois já cumprem uma pena de acordo com o devido processo penal) sejam mais uma vez penalizados e tornando a população mais pobre do país muito vulnerável.

    Para o jornalista e professor de Direito e Processo Penal da Universidade Católica do RN, Cid Augusto, “o projeto é absurdo, mas, infelizmente, não representa novidade. Já se defendeu algo semelhante nas Filipinas e talvez em outros lugares. Lá, propunha-se a transformação da pena de morte em prisão perpétua, em troca de um rim do condenado. Aqui, o mesmo órgão vale 50% da pena. A iniciativa, como se percebe, institucionaliza o comércio de órgãos humanos. Por ele, o detento que cumpriu pelo menos 20% do tempo imposto pela Justiça criminal pode comprar a liberdade ao Estado, pagando com a mutilação do próprio corpo”.

    Cid ainda destaca que, se aprovada, a proposta vai reduzir a população carcerária, formada em sua maioria por pessoas pretas, pobres e com baixo ou nenhum nível de alfabetização, a condição de subgrupo humano, de indivíduos inferiores e descartáveis.

    “Sem querer enveredar na chatice do ‘juridiquês’, afirmo apenas que fere gravemente a Constituição Federal ao desrespeitar princípios inegociáveis, como igualdade, dignidade humana e vedação a penas cruéis”, alerta Cid Augusto.

    A proposta de trocar órgãos de presos por tempo de prisão não é novidade aqui no Brasil e já tramita há pelo menos 20 anos no Congresso Nacional. Em junho de 2003, o então deputado Valdemar Costa Neto (PL/SP) apresentou o um projeto de lei propondo permitir “a presidiário que se inscreva como doador vivo de órgãos, partes do corpo humano ou tecidos para fins terapêuticos, requerer redução de pena após a aprovação do procedimento cirúrgico”.

    De lá para cá, outros onze projetos de lei foram apensados à proposta de Costa Neto e continuam desafiando os limites da ética e da legislação brasileira, que explicita que “comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano” é crime, com pena de reclusão (que vai de três a oito anos) e multa. Isso, também sem levar em conta a Constituição Federal, que em seu artigo 1°, inciso III, faz da dignidade da pessoa humana valor supremo da ordem jurídica.

    Se cada ser humano tem que ser respeitado na sua integralidade e ter sua dignidade protegida, como transformar em lei uma proposta de barganha de seu próprio corpo?  Se é proibido vender seu órgão, pode ser permitindo trocá-lo por alguma vantagem? Uma pessoa cumprindo pena estaria em condições para doar seus órgãos por livre e espontânea vontade? Teria também os esclarecimentos necessários para tanto? Um preso tem autonomia? Ou devem ser induzidos a se transformar em um recurso ‘natural’ pronto para colheita?

    As perguntas são muitas. Mas, o limite além de constitucional, legal, é ético.

    Segundo o filósofo italiano Nicolau Maquiavel. “há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis”.

    Partindo disso, e diante de iníquas propostas de nossos legisladores, é de se lamentar que a despeito de tantos avanços da Ciência, ainda não seja possível o transplante de cérebros. Poderia ser indicado para muita gente que se acha acima do bem e do mal.