Por Túlio Ratto
A trajetória é, por si só, fantástica demais para ser verdade: em apenas quatro anos (de 2018 a 2022), Frank Bolsonale Jr. fingiu ser presidente da República, médico, infectologista, piloto de jet-ski, hipnotizador de emas, “matador de lombrigas”, pai de família e tantas outras coisas de sua natureza grotesca do que pode imaginar nossa vã filosofia.
Foram quase quatro décadas mamando nos cofres públicos como parlamentar – — do baixíssimo clero, diga-se — com relativo sucesso, principalmente nas casas das famílias de bem, cristãs, defensoras dos bons costumes. Sua desenvoltura é tão exitosa que nem a descoberta das rachadinhas, compras em dinheiro vivo de mansões e imóveis, afetou a reputação da família, que vive igualmente, também, de maneira igual, exclusivamente do serviço público.
Na iminência de ser preso — por outras acusações — a trajetória de sucesso do ex-capitão pode até virar best-seller caso caia nas graças de trambiqueiros que buscam aprender “o poder da sedução de um ignóbil com imenso sucesso de público e de crítica”. Prenda-me se For Capaz conta a estória bem “pé-no-chão” de um capitão expulso do Exército que chegou a ser preso. Depois foi julgado sob a acusação de elaborar um plano para fragilizar o alto comando do Exército, situação que o levou a trocar a carreira militar pela política.
O expectador não pode criar grandes expectativas sobre a trama, ou grandes arroubos de planejamento, planos mirabolantes, até porque o cara não consegue fazer um ó com uma quenga, em decorrência de uma incrível pobreza intelectual. Do outro lado, trata-se de um filme simples, benfeito e tecnicamente perfeito, se levarmos em conta a destreza nas investigações da Polícia Federal — que não têm decepcionado quando vai a fundo na relação de presentes, desvios de joias do Governo, chegando até as tratativas da tentativa do golpe do 8 de janeiro. Aliás, uma CPI desse triste episódio da democracia brasileira deverá pedir o indiciamento de Frank Bolsonale por pelo menos quatro crimes cometidos durante o mandato: golpe de Estado, escuta telefônica ilegal, incitação ao crime e autoacusação falsa. Tanto aliados quanto adversários do ex-presidente da República dão como certo que o relatório a ser apresentado vai associar os sucessivos ataques de Bolsonale à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas aos atos de vandalismo que culminaram com a invasão e a depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas contas de governo e oposição há votos suficientes para aprovar o indiciamento do ex-presidente.
Coloquem também na conta mais de 700 mil mortes durante a pandemia. Um número que poderia ser bem menor, caso as vacinas tivessem chegado antes. Para quem não lembra, em outubro de 2021, a CPI da Covid aprovou o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que atribuía nove crimes a Bolsonale, mas o procurador-geral da República (que pegou o beco nesta semana), Augusto Aras, não deu prosseguimento às apurações, o que frustrou a nação brasileira.
Do Mauro Cid ao hacker Walter Delgatti Netto, do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, que acenou para a ruptura da democracia brasileira ao general Heleno, existem indícios, provas, crimes de sobra.
Por enquanto, e na expectativa de mais coadjuvantes, o ex-servidor da Sabesp Aécio Lúcio Costa Pereira, o produtor rural Thiago de Assis Mathar e o entregador Matheus Lima de Carvalho Lázaro foram condenados por tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Resta saber se conseguirão pegar algum meliante do topo dessa cadeia golpista.
Somente a PF poderá nos responder. E a Justiça condenar.