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  • Entrevista: TONY SILVA, uma revolução em movimento

    Nosso bate-papo de março é com a atriz mossoroense Antonia Lúcia da Silva, conhecida em todo o Brasil como Tony Silva. Muitas gargalhadas deram um rumo contagiante à nossa conversa, via internet, com muitas histórias de alguém que cativa pela sinceridade e simplicidade.

    Logo de cara perguntamos o que Tony tem feito nesse período de isolamento: “Estou com alguns projetos com Dionísio do Apodi, fazendo uma leitura dramática de Morte e vida Severina, com um bocado de gente diferente; Estou com “Sem eira nem Beira de Arte”, que é aquele projeto que faz três anos. Eu vou para uma praça, um beco, calçada, coloco uma caixa de som com microfone, recito alguns poemas, canto algumas coisas, e tem um pessoal do Café com Poesia que vai comigo, a Dulce Cavalcante, uma senhora de oitenta e tantos anos, vai lá e recita poemas, faz entrevistas, e a gente abre uma roda. E se tiver algum artista, eles que dão continuidade ao projeto, e assim estou fazendo esse trabalho. E também com algumas outras coisas, pensando em fazer um resgate de serenatas. Achei um parceiro aí que toca muito bem violão, ele tem a idade parecida com a minha, a gente não pode sair agora por causa do risco, porque o vírus não poder ver um ‘veinho’, né?”.

    Tal qual uma metralhadora giratória quando fala sobre seus projetos, a atriz conta sobre os que estão sendo executados e o que estão por vir. Rapidamente, sem dar tempo para defesa, então, pergunto como é o dia a dia de sua profissão, dentro de casa, como ela tem se virado…

    Tony Silva – Dentro dessa pandemia, assim fechado, eu tenho feito alguma coisa, né, lido algumas coisas, vendo algumas coisas… Dona de casa, né, Tulio? Porque dona de casa é a pior profissão que existe (rsrsrsr) quem inventou foi o ‘sapirico’, porque é muita coisa pra fazer, todo dia você amanhece, eu acordo cedíssimo…

    E você está conseguindo conciliar com a sua profissão?
    Tony Silva – Tem que conciliar, né? Eu vou dormir cedo demais também, acordo muito cedo. Duas ou três horas estou ‘jogando’ no WhatsApp umas reflexões pra mais de 500 pessoas. Faço isso todos os dias, de segunda a quinta-feira eu estou mandando, porque as pessoas estão tão deprimidas, tão ruins na vida, que a gente precisa dar algumas palavras de consolo, impulsionar pra vida, a autoestima tem que ser elevada. Porque nunca tivemos numa situação como essa, são duas pandemias: uma está no poder, matando todo mundo, e a outra está assolando aqui, o país todo, o mundo todo, mas começamos a derrocada….

    A atriz mantém um importante e interessante projeto com bonecas. Diz que é uma coisa que realiza junto com um grupo que tinha uma oficina chamada “Você tem história para contar”, que é só com gente ‘jovem’ de 80, 70, 60 anos. “Essas meninas, Marlene Maia, Dulce Cavalcante, Vanda Jacinto, a filha de Marlene, a gente se juntou e tinha que pagar pra Aldir Blanc. Eu disse que era preciso pagar isso aqui, porque eu fiz uma mudança, eu fiz um projeto de mudar a casa, porque a casa era o recinto de ‘Maria Espaia a Brasa’, e eu tinha como contrapartida dar essas oficinas. Então fui fazer com as meninas, e foram umas tardes assim maravilhosas, quase um mês de contar histórias; cada boneca tem uma historinha, e eu estou pensando seriamente em voltar com isso, depois dessa coisa, todo mundo vacinado, a gente voltar não só com as bonecas, que é muito bacana fazer bonecas de pano, que hoje só temos industrializadas, com retalhos. Fazer colchas de retalhos para doação para as casas de saúde, essas coisas… Não tem nada certo ainda” — esclarece.

    Você sempre foi uma das líderes em Mossoró… Teatros fechados, a rua sem arte, como é que os artistas estão sobrevivendo, como você vê isso tudo?
    Tony Silva – É um sufoco grande, porque é o primeiro a parar, dizem isso, e isso é um chavão, é o primeiro a parar e o último a voltar. Para os poderes, sim. Mas as pessoas continuam fazendo seus projetos, mesmo de casa estão entrando nos editais, participando. Eu é que sou muito ‘molona’ e burra, porque eu não sei fazer nada na internet… Só o whatsApp, o resto eu não sei mais nada. Fui abrir meu e-mail e não sabia mais, tive que chamar meu sobrinho. Estou ficando assim, nessa coisa de pandemia, não tenho condições. A minha vida é de muito mais gente, pessoa a pessoa. Quando você para nesse instrumento (mídia) é muito difícil. É igual aquela coisa de sacar dinheiro de aposentado, o velhinho tem que ter sempre uma pessoa que ele paga 20 reais para que ele possa tirar o dinheiro dele, já é pouco e ele ainda paga pro cara tirar, não confia na família, mas confia na pessoa que está lá no banco. É assim eu vejo cada um dando seu depoimento, que a coisa está ruim, agora mesmo pra gente fazer um trabalho, o grupo junto com Dionísio, a gente não pode se encostar porque o vírus atacou com força. Depois da campanha política, que depois do resultado de cada campanha a gente tem uma miséria para gente administrar, foi um aumento muito grande… A campanha política, o final de ano, o carnaval, e a gente tem que administrar essas três coisas porque não temos condições, nem consciência suficiente para ficar em casa, se resguardando. Tem que a polícia dizer: menino fique em casa, fulano passe gel, lave essas mãos, tome banho, bote máscara. É uma coisa.

    “Eu não entendo essa demência que nós temos, não entendo como é que o ser humano não compreende que ele precisa ficar livre.”

    Se a gente, todo mundo se unisse, daria certo pra que não levasse essa pandemia tão à frente, mas isso é um trabalho de educação, e educação nesse país tá muito difícil.
    Tony Silva sorri ao comentar sobre o começo, quando pergunto sobre sua paixão pelo teatro. O início da carreira e dos que a incentivaram, Aécio Cândido, ex-vice-reitor da UERN, e do poeta Crispiniano Neto, que praticamente a empurraram para o palco. “Eu não fui apaixonada pelo teatro, não. Eu fui empurrada para o teatro, depois é que eu conheci. Eu fazia Técnica Agrícola, em 1978, quando conheci Aécio Cândido e Crispiniano Neto, professores à época na ESAM. O Elizeu Viana tinha um convênio com a ESAM, aí eu inventei de fazer Técnico Agrícola, nem sei o porquê, pois não sei criar nada, nem piolho, mas fui… Um dia na brincadeira, Aécio disse: Tony eu vou escrever um texto de teatro para você participar. Eu disse: ‘ômi’, escreva que eu vou. Adolescente, lá fui. Um ano depois que terminei os estudos, feito faculdade de Educação Física, ele me convidou e eu comecei a participar desse texto chamado “Circo, alegria do povo”, na época em que começou a morrer o pastoril, o boi de reis, a ciranda, e foi começado a ser substituída por outras coisas. Ele fez esse texto maravilhoso, com drama, chamado João Boa Morte, que era em relação à terra, terra para quem trabalha, uma coisa assim… Naquela época, ensaiávamos durante um ano inteiro para memorizar, decorar. Não memorizar, que eu não sabia nem o que era isso. Mas um ano depois, dia 03 de novembro de 1980, não me lembro ao certo, mas geralmente a gente estreava ao espetáculo depois de dia de finados (não sei o que Aécio tinha com os defuntos (rsrs) mas era sempre depois do Dia de Finados). Lá na FACEM, onde hoje é o auditório, que se tornou um depósito há muitos anos, e não vai se arrumar de jeito nenhum. Naquela época os estudantes da universidade também participavam daquelas coisas, eram mais aguerridos, participativos, estavam presente nos recitais, frequentavam os espetáculos no ACEU. O que sei é que o Epílogo de Campos estava ‘entupetado’ de gente, sentados no chão, no corredor, e bateu um medo na hora de entrar. Eu disse: “Vou entrar não!” (rsrsrsr) — Aécio disse: “Vai, sim”, e me empurrou. Eu fui e nunca mais saí. Foi um bendito empurrão, porque eu conheci uma coisa chamada teatro, que não conhecia, não sabia. Só ouvia falar nos mamulengos, no João redondo, mas nunca tinha visto o João Redondo. Eu brincava muito de tique, de bandeirinha, era muito macheira, no meio da rua brincando com homem, com mulher, jogando bola, mas eu conheci o teatro, levei 10 anos. Vou ser atriz, não. Vou ser trabalhadora da arte, porque a gente trabalhava tanto, confeccionava tudo, na época, inclusive a iluminação de latas de sorvete; figurino, pintava; eu ia dormir de madrugada, de manhã, mas a gente se sentia satisfeito fazendo e foi muito bom isso acontecer. Depois veio “Terra Pra Quem Trabalha”, isso tudo no grupo TERRA, com Aécio Cândido. Iremar era um dos compositores da época. Só tinha gente filé, eu não sabia se era bom, não, mas que era gente filé demais, era. Iremar Leite que é uma sumidade na música, Aécio que é um grande historiador; Crispiniano Neto, e a casa 65 era muito visitada, na Tibério Burlamaqui, casa de Aécio, visitada por muita gente e eu adorava aquele universo, ouvindo as histórias dos cantadores e músicos que passavam lá” — recorda.

    E suas influencias? E esses cantadores? Ouvimos muito a respeito dessa coisa dos cantadores de Mossoró naquela época.
    Tony Silva –
    Tinha muitos, como Luiz Antônio, adorava ouvir Luiz Antônio cantador, ele recitar, cantar. Eu ia para os festivais. Otacílio Batista, muitos, muitos. Eu perdi a conta das noites que eu sentava na calçada pra ver os cantadores fazendo aquelas brigas entre eles, as disputas; Conceição Acyoli que é escritora, teve lá na casa de Aécio. Muita gente bacana que eu não lembro mais, mas que ficou na saudade aquilo tudo, numa época de gente mais culta… a gente ouvia muito mais histórias do que hoje. Passei dez anos para ser chamada de atriz, no dia que saí na televisão, e um dos vigias da FACEM disse assim: Eita, Tony, você é artista, né? Por que isso? Porque você apareceu na televisão. A partir daí foi que entendi que pra eu ser artista pra ele, para ser atriz, tinha que estar na televisão. E não é algo que eu gosto muito, não. É muito complicado, mostra muito os defeitos da gente, e eu sou muito linda para que todo mundo me veja (kkkkkkkk). Comecei a me chamar de atriz. “Eu sou atriz”, dizia, e repetia muito durante a noite para não ‘esborrotar’, pois a palavra tem que estar dentro de você, e você ser. Eu imaginava que ser atriz era só o povo que estava na Globo, na época. A gente fazia tanta coisa bacana nos terreiros, apresentava os espetáculos nos terreiros, as pessoas participavam mais, estavam mais presentes. Hoje não, você pena para realizar um espetáculo.

    Tony comenta a nudez da personagem no espetáculo Medéia e se diz surpresa com a reação do público. Comenta que às vezes a plateia era composta por uma pessoa. “Quando eu estava n’A Máscara, última companhia que participei, a gente fez espetáculos para uma pessoa só, uma. Toda quinta-feira a gente fazia ‘Medéia no Covil da Medeia’, lá na Rua Rui Barbosa, e às vezes era somente uma pessoa que ia assistir. Acho que era coisa de 22 horas, eu ficava nua, o povo ficava meio assombrado com o espetáculo. Não sei se a gente forma ninguém para ver espetáculo. Não é bem formar. Acho que a gente tem que contribuir para que a educação seja fortalecida e aconteça nesta cidade, neste país, para que ele (o público) vá para os musicais, para o teatro, tem que ir para ver os cantadores cantar, não é só essa musiquinha de hoje — que eu não tenho nada contra —, mas que eu não gosto, que não forma nada, não diz nada, ele forma para cima da cachaça, que a gente toma, e da mulher para se prostituir. Só isso. Não tem outra coisa. Aí dizem, é o novo! O novo, não! Estamos contribuindo para uma coisa ruim se proliferar. A letra da música me dói, acanalha comigo, como mulher, como ser humano; uma mulher cantando uma coisa que denigre a mulher, num deboche, isso é horrível” — lamenta.

    A atriz Tony Silva concorreu ao prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília. Participou do filme “Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio”, do diretor cearense Rosemberg Cariry, e do documentário “Fabião das Queimadas”, de Veríssimo de Melo, dirigido por Buca Dantas. Foi a única atriz selecionada que atua fora do eixo Sul/Sudeste para concorrer ao Troféu Cadango. Nesse ensejo, suas concorrentes, num total de cinco, todas eram atrizes da Rede Globo de Televisão. Já participou de várias companhias de teatro, entre eles o Grupo Escarcéu, Nocaute à Primeira Vista, Terra, tendo participado também do espetáculo “Príncipe do Barro Branco”, do grupo natalense Tambor, e de “Os Desencantos do Diabo”. Afirmo categoricamente que é um patrimônio que Mossoró tem e que deve valorizar. Mas será que isso foi bom pra ela e a prendeu na terra onde Lampião perdeu as botas? Ou será que ela estava satisfeita com o sucesso aqui, e isso teria impedido de ir pra outros lugares? “Não. Eu sempre quis.

    “Depois que eu entendi que a arte pra mim ela revoluciona em qualquer canto, que minha arte tem que ser revolucionária, então não preciso ir para o Rio de Janeiro para dizer que sou atriz.”

    Quem precisa vir beber de nossa água aqui é o povo do Rio de Janeiro, e dizer o quão nós somos resistentes, como nós somos, como agora com o que está acontecendo. Eu preferi nunca ter essa oportunidade de sair, fazer um curso fora, nunca tive. E esse ‘patrimônio’ é só aqui, entre você e eu. Quando sobe a calçada daqui de casa minha mãe não sabe que sou patrimônio. Aliás, nem eu sabia (kkkkk). São coisas que o povo inventa, aquela coisa que vereador faz, que manda convite para as pessoas e bota lá na gaveta. Patrimônio serve para quê? Para fazer um espetáculo a gente tem que dar duro, e eu tenho que pedir a uma pessoa para fazer um projeto? Se é um patrimônio por que o Poder não sustenta com um salário suficiente? Esse patrimônio serve pra quê? Mas, vou contar para você sobre aquele camarada que era governador, e que saiu antes de Fátima, o Robinson Farias. Na época de Rosalba, ele não tinha quem homenagear e mandou me chamar. Queria me homenagear. Ele nunca tinha visto um espetáculo na vida dele, principalmente de Tony Silva, né? Aí eu fui lá e dei a língua pra ele. Tirei uma foto oficial dando a língua pra ele (kkkk)” — Diz a atriz com uma daquelas gargalhadas de fechar um quarteirão inteiro. “Porque um cara que está me homenageando sem saber, nunca viu um espetáculo meu, não sabe nada… É a mesma coisa do patrimônio”.

    “Que patrimônio é esse, gente, que quando eu passo fome ninguém grita?”

    “Tem umas pessoas que dizem: Tony você é uma grande atriz, eu sou sua fã. Minha mãe adora você. rsrsrsrsrsr Aí eu digo: E é? Ótimo! Mas não aparece um patrocinador para um espetáculo. Sou conhecida por toda Mossoró, em todo Rio Grande do Norte. Com a cega Nicácia, que é uma personagem do Oratório de Santa Luzia, foram mais de cem mil pessoas que me viram, que alisaram a minha canela um dia, lá no Adro, como se eu fosse a cega, e as pessoas começam: aqui aconteceu um milagre. É uma mentira tão bem contada, mas as pessoas adoram. A arte tem esse poder de ludibriar as pessoas e tem a forma de levar as pessoas a acreditar na transformação. Por isso que ele passa antes e não pode ser sustentado pelos poderes. Eles têm medo que a pessoa pense que eles deves mudar…

    Esse é seu grande poder, você é influenciadora, através da personagem. Esse mundo é fantástico por isso.

    Por isso é que a gente que faz arte na cidade, no país, no Brasil, no Mundo. Porque eles têm medo de que aquelas personagens, que aquelas pessoas comecem a ver o que eles estão dizendo, na realidade. Quando um cara decora um texto durante 13 dias, que é o Oratório de Santa Luzia, ele vai entender, vai dizer cada palavra, a palavra vai entrando nele, e assim é o teatro, ele vai entrando nas pessoas, bem devagarinho, com sutileza, com o riso, com o choro, com a raiva, mas ele tá entrando sem ferir, e um dia ele transforma uma cabeça dessas e diz o que veio fazer. É tanto que ele veio há milhões de anos (o teatro) e sobrevive a todas as populações. Ele vai transformando, vão mudando, mas ele permanece lá com a palavra; a palavra ainda é a força do ser humano, a palavra ainda transforma, não é o microfone, não é a música, é a palavra, o aconchego. É como você diz, a forma de como dizer só o teatro sabe, eu sei disso, e tenho a esperança de um dia eu ver essa mudança.

    Por isso que não saí, porque eu queria ser reconhecida na minha cidade, como atriz. Eu não preciso só ir lá pra fora, não. Qualquer ser humano diz: “Mulher você é atriz, né? E eu digo: “acho que sou”; Mulher você é tão parecida com aquela menina que faz (nunca assistiu um espetáculo… kkk mas não me importo); que faz a mãe de Santa Luzia (nunca ouvi dizer que a mãe de Santa Luzia fosse preta)… E ela: (kkkkkkkkkk)… Mas a voz é uma identificação, é tudo. Só não quero mudar minha forma de viver a minha vida, não quero.

    Essa falta de reconhecimento seria sua maior mágoa em sua carreira?
    Tony Silva – Não é. Você sabe que nós que tratamos com a arte, com qualquer tipo de arte, a gente não pode ficar acomodado. Eu tenho medo de me acomodar, porque é isso que acontece aqui quando você é subsidiada. É como aqueles camaradas que vão servir a algum político, que vestem a camisa e vão defender uma coisa que eles não sabem nem o que é. Tenho medo disso. Eu queria muito que a política cultural tivesse esse entendimento. Quanta gente hoje vive de arte na minha cidade? Eu sou aposentada do Estado – fui professora do Estado. Trabalhei na área de saúde do Estado com os meninos do SEDUC, e tentei fazer minhas coisas lá dentro, e vi uma transformação bacana. Só que não deram continuidade. Eu queria que essa contribuição, mesmo que tenha dado pouco, mas que ajudasse a outras pessoas também a viver. Quanta gente de arte? Quantos músicos, quantos atrizes, atores, hoje vivem sem ter um tostão, não tem uma política para isso? Veio a lei Aldir Blanc agora, que você tem que fazer um malabarismo pra dizer que é artista. Tudo você tem que provar que é artista. É como uma pessoa lhe procurar para você escrever um texto que vai comemorar alguma coisa e a pessoa não pergunta quanto é meu trabalho… Isso é ruim, você não pede a qualquer pessoa para ela fazer. Um padre, por exemplo, não reza uma missa sem pagar. É a minha profissão, me respeitem, me perguntem, mesmo que eu faça de graça. Não é meu amigo aquele que pede pra fazer trabalho de graça. Faço para os amigos, é claro, que estão na labuta. Agora, para instituição? Faço não, viu? Tem que perguntar quanto é. Porque quando aquelas bandas grandes vêm pra cá, primeiro você paga os 50% pra eles saírem de casa. Quando eles chegam na cidade, para subirem no palco, você paga os 50% restante. Por que para os artistas da cidade não tem essa mesma prioridade? Por quê? Vamos falar de dinheiro às claras, porque é isso. Eu preciso ver essa cidade pensar diferente, e eu acho que começou.

    “A gente precisa mudar o pensamento, o caminhar, o trilhar dessa cidade para evolução do cidadão.”

    Para quem quer seguir a carreira de atriz/ator, o que você diria?
    Tony Silva –
    Todos têm que experimentar, seguir em frente, como o teatro é egoísta, ele vai escolhendo. A arte vai escolhendo e fazendo seu caminho. A palavra é fazer.

  • PATU: Aventuras na Serra do Lima

    Ao longe, a imensa Serra do Lima desponta majestosa no horizonte, como num convite encantado, saltando aos olhos do visitante silenciosamente, prometendo uma aventura sem fim. Situada no Pólo Serrano, distante 320 km de Natal, a serra de Patu é um convite para peripécias turísticas.

    Se o leitor estiver de passagem por Patu e observar as pessoas olhando para cima, usando binóculos ou a olho nu, não se assuste. Eles estão observando o céu repleto de coloridos parapentes e asas-delta voando em torno da Serra do Lima e pousando no meio da caatinga potiguar.

    Atualmente, a cidade norte-riograndense de Patu é considerada como um dos melhores lugares do mundo para a prática de vôos livre, tanto de asa-delta como o vôo de Parapente (Paraglider). Devido às condições climáticas e geográficas da região, vários estrangeiros e brasileiros procuram a cidade para praticar os vôos livres e tentar bater recordes.

    Os vôos-livres acontecem de setembro a janeiro, quando os ventos sertanejos da caatinga são mais quentes e estão propícios para formar as “térmicas”, massas ascendentes de ar quente, que sustentam o vôo. Nessa época do ano, o sertão potiguar de Patu recebe gente do mundo inteiro que vem à cidade para praticar o vôo-livre.

    Turismo religioso no Santuário do Lima

    Santuário e Igreja de Nossa Senhora dos Impossíveis, em cima da Serra do Lima

    O que não há pelo mundo sobra no coração do nordestino: a fé. O Rio Grande do Norte começa a despertar para o potencial do turismo religioso. Tem muita gente apostando na tradição e religiosidade do homem nordestino, cuja cultura está sedimentada no catolicismo trazido pelos portugueses.

    No alto da Serra do Lima está o Santuário de Nossa Senhora dos Impossíveis, um grande complexo religioso, que atrai fiéis de todo o Brasil. Com uma arquitetura modernista, a capela tem capacidade para 700 pessoas. Nos finais de semana, é comum ver pessoas subindo a serra a pé para pagar uma promessa à Santa das coisas impossíveis.

    Administrado pela Irmandade da Sagrada Família há mais de 350 anos, o Santuário do Lima tem sua maior festa no dia 1º de janeiro, dia de Nossa Senhora dos Impossíveis, quando recebe a visita de milhares de fieis que vêm subir a serra para pedir graças à Santa e rezar para que ano vindouro seja leve.

    Na trilha do cangaceiro Jesuíno Brilhante

    Gruta ao pé da Serra do Cajueiro aonde se escondia o cangaceiro Jesuíno Brilhante

    Para conhecer de perto a história de Jesuíno Brilhante, o famoso cangaceiro patuense conhecido como o “Robim Hood da caatinga”, é preciso se embrenhar na mata para ir até a caverna de pedras onde o bando se escondia no pé da Serra do Cajueiro.

    Sob a orientação do guia Turístico local, Zé Doido, os aventureiros seguem a trilha na mata, que tem como característica a riqueza de sua fauna e flora preservada. No caminho, há árvores e cipós gigantescos que chegam a medir entre dez a quinze metros.

    A mata nativa é composta principalmente por jatobás, ipê roxo, aroeira e mororó, espécies também comuns à mata Atlântica. Numa área de aproximadamente cinco hectares, é fácil encontrar cascas do coco catolé, deixados pelos macacos pregos e por micos-leões, frutos de seus cardápios alimentares.

    Criada pelo rolamento de grandes blocos de granito, a gruta está localizada na soleira da Serra do Cajueiro. Estes blocos são formados devido ao intemperismo e falhas que atuam na rocha. Toda a área faz parte da fazenda Cajueiro, localizada às margens da RN-078, distante 6 km de Patu.

    Sítio Arqueológico do Jatobá

    Inscrições rupestres no sítio Riacho do Letreiro

    Devido ao relevo e excelentes condições climáticas a área serrana possui todos os pré-requisitos para pratica de vários tipos de esportes radicais como vôo livre, trilhas ecológicas, rapel e enduros.

    Prática de Voou Livre é comum em Patu de agosto à novembro

    Há milhares de ano, os primeiros habitantes deixaram suas inscrições gravadas nas pedras, que se formou o Sítio Arqueológico do Riacho do Letreiro, com gravuras rupestres feitas sobre as pedras de granito, já bastante destruídas pela ação do sol, água, chuva e trânsito de animais.

    O Riacho do Letreiro é um sítio arqueológico a céu aberto, com suas imagens esculpidas diretamente sobre a rocha, sem a proteção de uma caverna. Segundo especialistas, os desenhos são classificados como da tradição “Itacoatiara”, comum nas regiões ribeirinhas do Nordeste brasileiro.

    Origens patuenses

    Vila de Patu ao Pé da Serra do Lima

    O município de Patu fica situado na região Oeste e microrregião Serrana do Rio Grande do Norte, uma zona de agricultura e pecuária, que no início da colonização estava ligada ao ciclo dos currais. Os primeiros habitantes da região foram os índios Cariris.

    A origem do nome Patu tem duas versões. Na primeira, de acordo com a literatural popular, dois irmãos tinham seus terrenos próximos ao pé da serra. Certo dia um disse ao outro: “Quando eu morrer isto aqui fica PA-TU”. Desde então, o nome do lugar ficou conhecido como Patu.

    Casarões coloniais preservados em Patu

    No entanto, a versão mais aceita é a segunda, registrada pelo historiador Câmara Cascudo. No seu livro “Nomes da Terra” (Sebo Vermelho Edições), Patu significa lugar de terra alta em tupi, denominação que os índios Cariris utilizavam para identificar o local.

    O principal destaque no início da criação de Patu foi o Coronel Antônio de Lima Abreu Perreira, Comandante do Regimento de Ordenanças da Ribeira do Apodi, na Serra do Patu, que no ano de 1758, fez doação de terras para a construção da Capela de Nossa Senhora dos Impossíveis, erguida na majestosa Serra do Lima.

    Patu ainda preserva traços da antiga vila. Desde as casas coloridas, ao pé da serra, até os casarões coloniais, a cidade se espalha por toda a parte. Mesmo sem os trilhos que levaram os trens para Patu, a velha Estação Ferroviária sobreviveu a modernidade da vida como uma testemunha, se transformando num museu para contar a história da região.

    Antiga Estação de Trem abriga a Casa de Cultura do município
  • Rapidinha: Tedros Adhanom Ghebreyesus

    Um bate-papo verdadeiramente falacioso

    Não estou vendo nada. Tem vacinação? Vocês estão vendo?

    Podemos ter alguma esperança em dias melhores mesmo com essa vacinação tão lenta no mundo?

    É bom para o negacionismo. Ganham mais votos.

    Como isso tudo afeta a política brasileira?

    O bom é que a queda será maior. Terão bastante trabalho para juntar os cacos.

    Como o Sr. avalia o governo Bolsonaro no enfrentamento da Covid-19?

    De jetsky ele é muito bom. Isso não quer dizer que ele seja ruim ao defender Cloroquina. Mas, ao final, sempre vem a pergunta se ele é isso mesmo? Digo sempre: muito pelo contrário.

    Seria a solidariedade global a solução no Brasil para tão ineficiente enfrentamento à Covid?

    Difícil uma solução no Brasil. Mas, é bom dizer que para o vírus não importa se você é um príncipe ou um plebeu, pessoa de bem ou miliciano, ele pega todos. Não adianta ter 6 armas na cintura na hora do “pega pra capar” com o vírus.

    Qual a sua mensagem para Bolsonaro?

    Presidente, por que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta da sua esposa Michele Bolsonaro?

    Suas considerações finais, Diretor.

    Nenhum país está imune e nenhum indivíduo está a salvo. Já diria o filósofo Daniel Silveira: cochilou na Covid, cai. Cuidem-se!

  • Carlos André —O gigante de Mossoró

    Por Túlio Ratto

    Ainda se discute e não se consegue mensurar o real estrago da pandemia na economia mundial, nem as profissões e setores que foram mais afetados. Entretanto, sem dúvida alguma, o sofrimento na classe artística brasileira é descomunal, pois envolve inúmeros artistas que já viviam na pindaíba há bastante tempo, esquecidos pelos setores culturais em todo o Brasil. Isso não é coisa somente do Rio Grande do Norte, bom que se diga. O prejuízo se torna ainda mais acentuado quando se trata de um artista na terceira idade. Aí, meu velho, é que o bicho pega pra valer.

    Nosso bate-papo especial nesta edição é com o mossoroense Oséas Lopes, nosso querido Carlos André. Com 82 anos, ele até se vangloria de não tomar remédio algum. “Sou juventude acumulada, só tomo caldo de cana com pastel”, sustenta.

    Grande na altura — cerca de 1,90 — e no talento, Oséas “Carlos André” Almeida Lopes é um dos maiores artistas que o RN já concebeu. O artista, como muitos, está nessa luta diária do isolamento social. Um desafio ainda maior para ele, acostumado a viajar o Brasil inteiro realizando shows. E foi exatamente sobre o que ele tem feito na ‘quarentena’ que iniciei o nosso papo, ao que respondeu sem titubear:

    — Nada! É duro para quem vive da arte. Só a mão de Deus mesmo. A não ser aqueles que estão na onda, na mídia ou que estão com muito dinheiro reservado, né? E mesmo assim ainda fazendo shows, na loucura mesmo. Não precisa fazer esses shows, pois eles têm muito dinheiro. Agora quem não tem?

    A trajetória de Carlos André já é bastante conhecida, mas é sempre prazeroso relembrar a sua introdução à música. Filho de uma prole de 16, do comerciante Messias Lopes de Macedo e da senhora Joana Almeida Lopes, Oséas trabalhava em Nonato Aires, uma oficina de carroceria de caminhão, seu primeiro emprego. Pintava aqueles “frisos” de madeira que tem nas carrocerias, de verde, vermelho… “E enquanto eu pintava, ficava cantando as músicas de Luiz Gonzaga. E sempre passava por ali nosso amigo que já se foi, o Canindé Alves. E ele certo dia disse que seria o aniversário da Rádio Tapuyo e perguntou se eu queria participar. ‘E o que é que eu vou fazer’, perguntei. E ele responde: o que você está fazendo aí: cantar. E fui. Souza Luz e João Newton da Escóssia faziam parte da diretoria e me contrataram. Lá fiquei do ano de 1956 até 1959. O melhor salário de Mossoró era o de Oséas Lopes cantando.

    Foi durante um encontro em evento do aniversário de uma rádio da cidade do Crato-CE que Oséas recebe convite de Jackson do Pandeiro para trabalhar no Rio de Janeiro. “Resolvi realizar meu sonho e fui morar no Rio de Janeiro. Jackson havia me dito que o procurasse, deixou até o endereço dele, e que me ajudaria. Souza Luz, da rádio Tapuyo, chamou-me de maluco quando disse que iria embora para o Rio. E perguntou como é que eu ia pro Rio sem conhecer nada e deixando o salário que eu ganhava em Mossoró”. O cantor resume essa fase da história na Cidade Maravilhosa para uma pergunta:

    — Se eu tivesse ficado em Mossoró, como seria hoje? Rádio à época pagava salários a artistas, músicos, a todos, e hoje? Estava rodando bolsinha, né, bicho?

    Quando pergunto se o grupo dos jovens forrozeiros, com Oséas Lopes, Hermelinda e João Batista, já existia antes dele ir ao Rio de Janeiro e sobre o fim, ele diz que já existiam “Oséas Lopes e Seus Cangaceiros do Ritmo”, mas que tiveram de mudar o nome ao chegar ao Rio, pois esse nome para gravar o primeiro disco não ficava legal. Surgia aí o Trio Mossoró. Sobre o fim, diz que nunca teve um ponto final no grupo. Ainda estão juntos até hoje.

    Em 1962, quando lançaram o primeiro disco intitulado “Rua do Namoro”, abriram-se as cortinas para conquistas importantíssimas no cenário musical brasileiro, como o troféu Elterpe, em 1965, pela música “Carcará”, do segundo disco do Trio, “Quem foi vaqueiro”. Esse prêmio era o de maior importância da Música Popular Brasileira à época. Dois anos depois, “Carcará”, de autoria de João do Valle, seria regravado por Maria Bethânia. “Eu me sinto orgulhoso de ter levado o nome de Mossoró para fora do estado. Porque naquela época, nos anos de 1960, ninguém sabia que existia a cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte”.

    Em livro biográfico de Carlos André, escrito pelo professor Almir Nogueira, o cantor Raimundo Fagner apresenta o livro dizendo: “O Trio Mossoró conseguiu colocar a cidade de Mossoró no mapa”. O grupo gravou 12 LP’s e 4 compactos.“No início dos anos de 1960, existia um cavalo que ganhava tudo no Rio, e que tinha o nome de Mossoró. Daí eles pensavam que a gente estava homenageando o cavalo. É mole? (risos).”

    “No início dos anos de 1960, existia um cavalo que ganhava tudo no Rio, e que tinha o nome de Mossoró. Daí eles pensavam que a gente estava homenageando o cavalo. É mole? (risos).”

    Carlos André lembra com carinho do auge do Trio na Região Sudeste do Brasil e fala que um sobrinho dele conseguiu recortes das manchetes de jornais da época no Rio e São Paulo. “Enviei para os nossos amigos de Mossoró Herbert Mota e o Paulo Linhares — com fotos e que falava sobre nós. O Rio Hit Parade mostrava os grandes sucessos, como os de Roberto Carlos e a onda daquela época. E o Trio Mossoró estava no meio. Tinha também o programa Hoje é Dia de Rock. Eram o Erasmo, Roberto, Eduardo Araújo… Só a nata do Rock. O produtor/apresentador do programa, Jair de Taumaturgo, era fã do Trio Mossoró. Tanto que nos colocava juntos com eles no programa de Rock. “Aí lá vem o Trio Mossoró, todos com chapéu de couro na cabeça e os caras tudo no rock” — conta aos risos.

    Algo que vira e mexe vem à tona em nossa conversa é a questão da valorização ou desvalorização do grupo em sua terra natal. Carlos André lembra que antes da pandemia foram fazer um show em São Paulo e quando chegaram ao aeroporto duas garotas em uma camioneta receberam o Trio para acompanhá-los até o hotel e se colocaram à disposição para passeios pela cidade, se eles quisessem. “Parecia até Mossoró, ó, bicho?”, ironiza, e diz que enviou o material para a ex-prefeita Rosalba, queria mostrar aquela recepção. No palco, ele conta, foi preciso até segurança, pois era grande a multidão para ver ao show, “e de jovens, universitários. Por que isso não acontece em Mossoró, meu Deus?”, pergunta desapontado. Lembra ainda que quando foi fazer show em um São João, de Mossoró, nem camarim tinha para ficar. Até teriam direito, se pagassem pelo camarim. “É mole? Isso dói na gente.” Em outra ocasião, relembra que o cachê do Trio deveria pagar todas as custas, como translado, hotel, alimentação. E, caso não aceitassem, o secretário de cultura mandara avisar que não seriam contratados.

    Carlos André, sua grande mágoa seria essa indiferença com que Mossoró tem com o seu nome e o nome do Trio?

    “Dos governantes? Total. Vou aproveitar para desabafar agora. Na época que o produtor de TV Zé Messias veio a Mossoró, fui com ele assistir ao espetáculo Chuva de Balas, depois da apresentação dele o convidaram para ver a peça, e disseram que pra mim não tinha um lugar lá na frente, que só tinha pra ele. É uma vergonha, bicho. O amigo Herbert Mota sempre me diz que tudo tem sua hora, que minha hora vai chegar. Mas a minha hora será quando eu partir? É como meu amigo Nelson do Cavaquinho falava, que depois que eu partir só quero reza. Se você pode fazer algo por mim, que faça agora. Quem mais fez divulgação do nome de Mossoró fomos nós, eu e o Trio Mossoró. E não sou reconhecido. Quantas mensagens e e-mails enviei para Rosalba e ela nunca me deu uma resposta? Nunca. Mas eu adorava o pai dela porque era meu grande amigo. E ele sempre dizia que estava chegando a minha vez. Quando ela se elegesse a algo eu seria lembrado. Nunca chegou”.

    Apesar de hoje morar em Recife-PE, Carlos André sempre foi muito presente em Mossoró e diz, quando pergunto sobre nossos destaques mossoroenses na música, que “temos muitos talentos, mas que também não são reconhecidos. A injustiça existe. Orlando Peres e Ilo de Souza são grandes talentos. Tinha um sanfoneiro em Mossoró que me falava que tocava no São João e recebia R$ 300 reais para ele e banda. Isso é uma vergonha. Quem conhece Mossoró sabe que aqui é um celeiro de grandes artistas. Não dá nem pra elencar tantos talentos. Temos muitos. Mas é aquela coisa, sem incentivos o negócio não anda, bicho!”, finaliza desapontado.

    Nosso mais ilustre cantor se emociona ao falar sobre o irmão Cocota. “Há cinquenta anos eu gravei uma música. A Praça dos Seresteiros seria uma grande homenagem ao meu irmão. Mas foi engavetada pela prefeitura. O nosso irmão ‘Cocota’ cantava muito também. Daí criou-se uma espécie de escolinha. Já fazia um relativo sucesso no rádio. Tudo incentivado por nossa mãe. Naquela época ela ‘mandou’ logo os meninos aprenderem algum instrumento”.

    Sobre o impulso dado a Luiz Gonzaga quando o rei do baião começava a desacelerar na carreira, alerta-me que não fica bem ele mesmo falar, mas, emenda: “Em 1983 eu estava com a corda toda no Rio de Janeiro como cantor e produtor. Em reunião com o presidente da gravadora RCA, soube que muitos iriam ser dispensados, inclusive o Luiz Gonzaga e o Nelson Gonçalves, pois há quase uma década iam mal nas vendas. Defendi os dois, eles não poderiam ser dispensados. O que esses dois já haviam feito pela gravadora não está escrito… Então assumi a responsabilidade de ser produtor musical de Luiz com a missão de fazê-lo retomar a carreira de sucesso. E deu certo”.
    Até o ano de 1987, Carlos André produziu os discos “Danado de bom” (1984), “Luiz Gonzaga & Fagner” (1984), “Sanfoneiro macho” (1985), “Forró de Cabo a Rabo” (1986) e “De Fiá Pavi” (1987), álbuns com vários sucessos que imortalizaram o velho “Lula” e que renderam a Gonzagão discos de ouro e platina.

    Coincidentemente, em 1984, mesmo ano do lançamento de “Danado de bom”, Carlos André lança o disco dele com a música Siboney, que estourou nas paradas. Ele fala que esteve em Mossoró para lançar os dois discos, dele e de Gonzagão, e, ao chegar à recepção de uma rádio, pediu pra falar com o programador. Foi atendido. Disse que estava vindo do Rio pra fazer divulgação do disco de Luiz Gonzaga, que até então já havia vendido um milhão de cópias, e o seu, recém-lançado. O programador pegou os discos, disse obrigado e virou as costas.

    — Na minha cidade eu passar por isso? — lamenta.

    “A minha irmã Hermelinda diz que não consegue ser assim. Diz que eu sou macaco de Mossoró pra ter que aturar isso. É uma vergonha o que eles fazem com a gente”.

    Encerro o bate-papo com Carlos André pedindo suas considerações finais e ressaltando que seu talento, trabalho, pioneirismo, o que o Trio Mossoró representa para a cidade deveriam ser — e nós torcemos muito para que isso ocorra —, lembrados pela nova administração. Acredito que o novo prefeito deva saber sobre essa longa história de sucesso e que o mossoroense tem o dever de lutar e defender o nome do Trio Mossoró e seus integrantes, pois foram vocês que mais divulgaram o nome de nossa cidade pelo Brasil. Posso até queimar minha língua, estar superestimando o novo prefeito, Allyson Bezerra, mas arrisco em dizer que vocês serão, enfim, reconhecidos.

    — Se Deus quiser. Eu sonho com isso, Túlio. O povo gosta do Trio Mossoró, gosta de Carlos André. Tem você e tem outros amigos que querem que ocorra esse contato com a nova administração. E eu vou. Quero conhecer esse moço, esse rapaz, porque eu vejo aqui pela internet, os bairros com malfeitos, ele já está andando. Ele vai marcar, vai mudar Mossoró realmente. Pelo que eu vejo através da internet, ele já está mudando.

    Oséas Carlos André Almeida Lopes nasceu no dia 28 de outubro de 1938, em Mossoró/RN. Foi um dos fundadores do Trio Mossoró, em 1959. Trabalhou nas rádios Tapuyo, Mayrink Veiga e Nacional. Nos anos 1970, seguiu carreira solo com o nome de Carlos André, quando fez enorme sucesso e chegou a vender mais de 1 milhão de cópias com o compacto duplo “Apaixonado”, pela gravadora Beverly, que trazia no seu lado B a música “Se meu amor não chegar”, que até hoje “quebra as mesas” de norte a sul do país.

    Compositor de sucesso, com mais de 100 músicas gravadas, Oséas Lopes também ficou conhecido como produtor musical, tendo trabalhado com dezenas de artistas de forró, entre eles Luiz Gonzaga, com quem produziu 5 LPs. O primeiro, Danado de Bom, vendeu mais de um milhão de cópias em seis meses. Sanfoneiro Macho, Forró de Cabo a Rabo, Forró de Fia Pavi, Duetos Luiz Gonzaga & Raimundo Fagner foram alguns outros trabalhos desta parceria.

    Outro grande nome do forró que passou pelas mãos do produtor foi Dominguinhos e a sua “Olha isso aqui tá muito bom”, com a participação de Chico Buarque de Holanda. Também temos nessa lista Genival Lacerda com “Severina Xique Xique”, Luiz Vieira, Jorge de Altinho, Alcimar Monteiro, Trio Mossoró, Antônio Barros & Cecéu, Zito Borborema, Eliane, a Rainha do Forró, Sirano e Sirino, João Gonçalves, Bastinho Calixto, Jair Alves, Quinteto Violado, Grupo Carrapicho de Manaus, Pinduca, Manoel Serafim, Nordestinos do Ritmo, Hermelinda, Nonato do Cavaquinho, Teixeira de Manaus, André Amazonas e Nando Cordel, entre outros.

    Além do forró, Oséas Lopes também produziu diversos cantores românticos, como Cauby Peixoto, Nilton Cesar, Vanusa, Luiz Ayrão, Silvinho, Núbia Lafayete, Trio Yrakitan, Paulo Diniz, Lana Bittencourt, Orlando Dias, José Ribeiro, Balthazar, Fernando Mendes, Odair José, Waleska, Leonardo Sullivan, Anísio Silva, Bartô Galeno, Genival Santos, Roberto Muller, Adilson Ramos, Adelino Nascimento, Ivanildo Sax de Ouro, Messias Paraguai, Claudia Barroso, Valdirene, Abílio Farias, Banda Labaredas e Alípio Martins.

  • Papangusando com o cantor e poeta Genildo Costa

    Por Túlio Ratto

    Não teve como não recordar, em nossa estada em Tibau, neste período pós-réveillon, do cantor Bartô Galeno cantando a música que nos remetea uma aventura dos domingos na ‘praia dos mossoroenses’. “Hoje é domingo e lá vou eu todo contente, com saudade de rever aquela gente, largo tudo na cidade e vou pro mar, Areia Branca até que é um bom lugar… Praia de Tibau…” E chegamos à praia de Barra, município de Grossos, após enfrentar cerca de 20 quilômetros de uma tábua de pirulitos, a RN Dehon Caenga, para bater um papo com o poeta e cantor Genildo Costa. Nota-se a grande alegria do poeta em receber nossa comitiva, não relaxando nos cuidados necessários ao momento em que vivemos de pandemia. Distanciamento social, uso de máscaras, um tubo de álcool em gel a tiracolo, um grande talento à nossa frente, uma cerveja já sendo consumida, o aviso de que os siris estavam sendo preparados para a recepção, e a partir daí, um olhar emocionado em cada lembrança de sua trajetória.

    Genildo esteve até dezembro do ano de 2020 como secretário de Cultura do município de Grossos. Pergunto exatamente sobre como é estar nas duas pontas, como artista e como gestor. E se o artista realmente tem razão em reclamar cotidianamente. “De certa forma tem. Pela experiência vivida, acho que o artista também tem uma particularidade: o comodismo. Em não ser agente da sua própria história, de estar atento às coisas, nessa realidade complexa de hoje em dia. O radar tem que ficar ligado, afinal você tem que ser artista, microempreendedor, um indivíduo antenado com os editais”.

    Ele fala em comodismo, a gente comenta a vagabundagem que aconteceu em algumas cidades do RN, quando secretários de cultura devolveram o dinheiro da Lei Aldir Blanc por falta de projetos.

    Eu estive quatro anos à frente da cultura de Grossos, quatro anos de luta, de sonhos, de utopia. Jamais na minha vida eu poderia renunciar ao chamamento da minha cidade, da minha terra, a que me viu crescer, que me deu régua e compasso da forma mais bonita possível. Neste segundo momento, confesso que o aprendizado foi bem maior. A primeira vez foi entre os anos de 2001 e 2004, que era na gestão do prefeito João Dehon, do Partido dos Trabalhadores. Começamos aqui quando nem existia secretaria, era apenas um departamento de cultura. Conseguimos naquela época, através da Funarte, mesmo que timidamente, a formatação, digamos assim, da banda de música do município. Muita gente não sabe, mas todas as cidades do Brasil recebiam e ainda recebem kits para banda de música. E muitas delas não conseguem. Acho que naquele momento eu comecei a acreditar que podia fazer mais, podia fazer acontecer. Mas, o grande problema é que a cultura no Brasil sempre foi hostilizada, está sempre em décimo plano, tipo “se sobrar algo eles encaminham para a pasta da cultura”. Aqui, agora, não deixei voltar dinheiro, usamos tudo da Lei Aldir Blanc que veio para Grossos. Eu diria que quando deixam voltar dinheiro é por falta de espírito público associado à ausência de gestão pública. Porque todo ente, politicamente falando, as prefeituras do Brasil receberam ao todo dois bilhões de reais, uma quantia significativa, um orçamento significativo, que não caiu do céu. Foi uma luta travada no congresso para que chegássemos a dizer: “A cidade de Grossos, pela primeira vez, depois de 67 anos de emancipação política, nunca viveu um momento histórico tão importante, de ter orçamento com foco na cultura. Nunca teve. E eu estou apenas reproduzindo o que os artistas revelaram e confidenciaram a mim. A cidade sabe disso, nunca tivemos, muito pelo contrário, sempre vivemos sob o ciclo da piedade: “Vai lá no prefeito Túlio, que ele pode arranjar R$ 100 reais; vai lá no Sacolão, que ele pode arrumar R$ 50”.

    “Mas, o grande problema é que a cultura no Brasil sempre foi hostilizada, está sempre em décimo plano, tipo “se sobrar algo eles encaminham para a pasta da cultura”

    Poesia: O medo de ser poeta

    O poeta-gestor complementa enaltecendo seu trabalho como secretário: “Isso nos dá a certeza de que, primeiro, falta um elemento necessariamente possível, se você quer ser gestor público, eu diria que esse elemento seria comunicação. Eu tive duas alternativas, fiquei até temeroso, e pensei: “Meu Deus, são 93 mil reais? Acredito que é um orçamento razoável, mas também acho que eu tenho que ter o mínimo de atalhos possíveis para que esse dinheiro não volte, a gente não passe vergonha” e que a cidade futuramente, em um curto espaço de tempo, possa ficar inadimplente. Qual foi a minha primeira iniciativa? Ser igual àquele personagem de Chico Anysio que dizia “se sei digo que sei, se não sei digo que não sei e pronto”. Ter humildade. E eu tive o privilégio de ter uma criatura como o meu amigo de estrada, do teatro, de música, o teatrólogo Berg Bezerra, diretor da Companhia Cidade do Rio de Teatro, de Janduís. Ele não mediu esforços para nos ajudar. Veio para nossa cidade e criou todos os caminhos da legalidade, todos os mecanismos foram criados. E quando as pessoas vieram entender que aquilo tudo era real, muitos perderam, pois achavam que era apenas discurso. As portas estavam abertas, todas as reuniões que fizemos eu achava até que era impossível de fazer. Eu me perguntava: “Como é que você é um gestor e não se comunica?” Por intermédio de alguns meios de comunicação aqui de Grossos, conseguimos chegar ao artista. Eu queria chegar a todos. Mas, infelizmente, ainda tive o desprazer de contar muitas vezes com a indiferença deles. Convidava e eles não compareciam. Não fui nenhum arauto de uma coisa que não era minha, eu estava apenas tratando de uma coisa que era de todos. Se não quis vir, desculpe. Incomodei várias vezes o pessoal da rádio, enviava áudio, falava ao vivo sobre as pautas…

    Quais os principais projetos aprovados pela Lei Aldir aqui em Grossos?

    Nós publicamos dois editais, o de prêmios e o de subsídios. Com um grande problema, a cidade estava inadimplente. A cidade é um espaço de visionários, a cidade não tem parâmetros de funcionalidade. Se tem uma associação, é ilegal, se tem um grupo um empreendedor é ilegal. E se tem, não paga ao Sebrae; não tem condições. Hoje, por forças das circunstâncias, tem a Associação Cultural de Grossos, justamente onde o dinheiro foi depositado. Eu sei que existem outras associações, outros gargalos.

    Quem conhece Genildo sabe que ele se emociona facilmente. Quando perguntamos sobre o legado que ele deixa para a Cultura de Grossos, foi como se ele respondesse a pergunta cantando a música Meu Brasil de canto a canto tem suor de nordestino. “É tipo trabalhar como gigante e ganhar como menino. A classe artística está cansada. A coisa se tornou tão cansativa… E não é só em Grossos que isso acontece. Nós, queiramos ou não, temos que respeitar esse tempo de brevidade, tudo passa e a gente não é mais aquele menino de 20 anos, que pega o violão e sai para a estrada, viver aquela coisa de sonhos, da aventura, não tem mais espaço para isso. O que estamos querendo agora, em nossas manhãs, é o sossego. Sou convicto que procurei ser, acima de tudo, transparente. Foi uma página construída com tranquilidade. Fiz o possível para que pudesse corresponder minimamente a essa cidade que me deu tudo, me deu régua, compasso, me deu a hora de chegar, me deu a hora de sair, e se eu tenho essa percepção de dizer e de externar minha gratidão por ser filho de Grossos. É muito orgulho, é algo indescritível esse sentimento de ser filho de Grossos. Por onde andei e passei visitando espaços privilegiados desse país, não foi porque eu pude ir não, foi porque fui chamado. E todas as vezes que estive aqui para assumir esse desafio, esse compromisso como gestor, muitas vezes subestimei a minha própria capacidade de ser artista. E eu tive que optar, pois aqui seria dedicação exclusiva. E sentia essa força quando recebia artistas que a mim tinham a hombridade de realizar algo e não se preocupar com o cachê. Você sabe que é difícil, você é meu amigo e eu não posso passar a vida toda puxando pelo seu braço com essa marca do “zero oitocentos”. Queira ou não, a gente capitaliza as coisas porque sabe que quando você faz do jeito que você imagina, que eu imaginei ser possível, e foi possível, eu saio com a certeza do dever cumprido.

    “A cidade de grossos, pela primeira vez, depois de 67 anos de emancipação política, nunca viveu um momento histórico tão importante, de ter orçamento com foco na cultura”

    Quais são os planos agora, Genildo?

    Retomada da vida. Tenho outros horizontes, até porque fui de certa forma particularmente ingrato com o que eu construí. Chegou um momento que as pessoas até achavam que eu era simplesmente um visionário, um sonhador, utópico. Mas eu tenho hoje um acervo na minha casa, que eu construí com a minha família e criei meus filhos, em Mossoró. Tenho uma biblioteca e muita vontade de realizar agora um antigo sonho, que é doar essa biblioteca. Mas sempre tive receio de doar à pessoa errada. Tem que ser para alguém que tenha responsabilidade e seja minimamente cuidadoso. Cuidado de saber que por mais que subestimem os livros, a gente precisa ter aquela sensatez do Monteiro Lobato que dizia “não se constrói um país sem livros”. Vou levar para minha sepultura essa expressão tão rica. Estamos iniciando o projeto de uma página no YouTube, a “Quarta Alternativa”. Retomaremos alguns projetos na minha casa mesmo. Volto a dizer, as pessoas até não acreditavam que tudo que era real e quando caiu a ficha já não havia mais tempo para fazer o cadastro para participação no edital. Quando viram que o dinheiro já estava na conta de fulano, que 12 mil já estava disponível para o proponente, aí houve o choque. “Mas por que já recebeu? Ah, foi porque fulano procurou, estava atento. Ele estava com o grupo dele de capoeira com CNPJ, tudo arrumadinho”. Eu fiz muito esse discurso, até repetitivo, quando chamava as pessoas para a Casa de Cultura. Quando eu falava que o Plano Municipal de Cultura era uma política de Estado e não uma política de governo, e que a gente brigou para isso, mas me viam com incredulidade. Enfim, o plano foi aprovado. Se você andar de Porto do Mangue, nessa Costa Branca, até Icapuí, você pode perguntar: “Me diga, Porto do Mangue, você tem um plano de cultura?” Tem, não. E por que não tem? Primeiro, por ausência de espírito público, porque dá trabalho construir um plano cultural. Assessoria jurídica de prefeitura não quer ter trabalho. Falta interesse. Infelizmente. Chegamos ao ponto de Crispiniano Neto, presidente da Fundação José Augusto, em uma entrevista de rádio, dizer que “Genildo Costa estava cavando com as unhas”. Então eu sou um peba [risadas].

  • Em Cartaz: O Bem Galado

    SINOPSE

    É uma série brasileira sobre o proprietário de uma fazenda produtora de azeite de dendê, que era neto de Osmundo Paraguaçu e filho do coronel Robinson Paraguaçu. Candidato a galã da cidade fictícia de Sucupira, elegeu-se com a promessa de construir uma antena na cidade.

    Apesar de amostrado e extremamente demagogo, era adorado pelos eleitores e exercia fascínio sobre as mulheres.

    Possuidor de uma retórica vazia, gostava de citar filósofos e políticos, como Silvio Santos e Olavo de Carvalho, ou inventava frases que atribuía a personalidades do Show do Milhão.

    O problema de Fábiorico é que, após a inauguração da antena, ninguém mais conseguiu se conectar. Desesperado com a situação, tomou iniciativas macabras para concretizar sua promessa, provocando situações cômicas.

  • 3×4: Kelly Lira

    Dificilmente encontraremos um fã das músicas dos barzinhos nas noites mossoroenses que não tenha curtido uma MPB na voz da talentosa Kelly Lira. Natural de Pau dos Ferros, Kelly bateu um papo conosco, na semana passada, na pousada Beijo Mar, em Tibau, onde realizava um trabalho em outra área em que se descobriu recentemente: a pintura. Nossa artista-cantora-pintora fala sobre os desafios que enfrentou durante a pandemia e dos projetos que estão no forno para esta temporada 2021.

    Kelly Lira, conte-nos um pouco sobre suas origens…

    Sou pau-ferrense de nascimento. Meus pais, duas pessoas simples, humildes, sertanejas, e família grande. Cresci em um universo religioso, meus pais evangélicos. Nossa família, na verdade, sempre se interessou por essa coisa da pintura, artesanato, música. Desde cedo que a música me acompanha. Comecei cantando na igreja, desde muito pequena, cantando nos corais da igreja, mas nunca imaginei isso profissionalmente, trabalhar com isso de verdade.

    Quando foi sua primeira vez cantando profissionalmente?

    Fui morar em Mossoró no ano de 2006 para cursar História, na Uern. Nida Lira, minha irmã, já estava lá, cantando na noite. Daí surgiu minha oportunidade para cantar na noite também. A primeira vez que fui convidada para fazer um trabalho, assim de música, profissionalmente, foi por intermédio de Paulo Neto, que à época era casado com ela e trabalhava com Thábata Mendes. Ele perguntou se eu queria fazer backing vocal — aqueles vocais de apoio ao cantor principal. Topei, mas não sabia de nada. Ele tinha um estúdio e a gente chegou a fazer algumas gravações bem caseiras. Então já me conhecia cantando. Essa foi a primeira vez. Em seguida eu fiquei dois anos nessa banda fazendo vocal e depois disso aí eu conheci o pessoal de Mossoró, os cantores, artistas, quando decidi começar a fazer um trabalho na noite também cantando MPB, em barzinhos. Montei um repertório e comecei a cantar na noite, em meados de 2008, 2009.

    Qual a grande dificuldade do músico em Mossoró?

    Não só em Mossoró, mas a dificuldade é geral. O artista local, do artista independente, a falta de valorização, de incentivo público e privado também.  Não temos muitos projetos que nos deem suporte para desenvolver o nosso trabalho, progredir, fazer um trabalho autoral. Shows que nos façam crescer como artista, a gente não tem um festival de música em Mossoró. Quando o artista começa na música em Mossoró, assim como nos outros lugares, de fazer esse caminho do barzinho, que é muito bom, mas às vezes é um ciclo que não evolui, não passa disso, fica em um oito. A gente fica na mesma realidade, na mesma cadeia, assim de desvalorização, seguindo nesse caminho, que até desestimula. E isso é muito triste.

    Na pandemia, a sua área foi uma das mais afetadas, com bares fechados, shows e eventos proibidos… Conte-nos como tem sido para você.

    Foi desesperador. Logo que surgiu o lockdown, e tudo fechou, os bares fecharam, acabou o show, eu fiquei desesperada. Eu me perguntava: “E  agora, como é que vai ser, já que está tudo parado?…” Ficava ainda naquela ilusão: “Será que isso vai durar três meses?” E já estamos há um ano, hein? Uma coisa que deu alívio foi a questão de eu estar junto com o Marcelo, meu marido (Marcelo Amarelo é um escultor famoso, com vários trabalhos em exposição pelo estado), que acabei auxiliando no trabalho dele, assim como ele dá força no que eu faço. Ele foi convidado pela prefeitura da minha cidade natal para fazer um trabalho. De lá fomos para Martins, onde ficamos mais de um mês. Fiquei muito sufocada com essa instabilidade do trabalho, de não saber quando as coisas voltariam ao normal. Ao mesmo tempo, esse lance de Marcelo nos ajudou a não ficar em casa parados, tendo como trabalhar de alguma forma.

    Então a pintura surgiu com força na quarentena?

    Foi, sim. Eu achei que durante esse tempo eu poderia desenvolver melhor essa outra questão das artes plásticas, porque eu sempre me interessei por essa área, e estando com o Marcelo, que é artista há muito tempo, e sempre conversamos sobre a arte urbana e artes visuais. Enfim, eu sempre gostei dos assuntos que tratavam a arte, tenho irmãos artistas plásticos também, que moram em São Paulo. Até fiz alguns trabalhos aleatórios, como desenhos, pinturas, mas não entendia que eu poderia ser artista plástico, eu não me compreendia.


    O pescador solitário — Acrílica s/ Canvas

    E você vai expor esse trabalho feito na quarentena?

    No momento eu não tenho um acervo grande para uma exposição, mas vou ter que produzir, até porque farei uma pela Lei Aldir Blanc, que se chama Cenas Brasileiras, que retrata imagens do cotidiano, algo de que gosto muito, das pessoas, da vida, do Sertão, do Nordeste, nada segmentado, é livre.

    Você já desenhava pessoas?

    Sempre gostei de desenhar. Só que ainda é uma relação na qual estou me descobrindo. Na verdade, é porque eu gosto de retratar, eu gosto de arte figurativa, mas ao mesmo tempo fico impaciente, quero ver como eu vou encaixar melhor. Diferente da música, de todo o processo. A pintura ainda me causa muito estresse. Há momentos em que tudo vai fluindo muito bem, mas tem horas que me dá um estresse, que dá até vontade de acabar com tudo que eu fiz.

    Você teve também um projeto musical aprovado pela Lei Aldir Blanc?

    Sim. O nome do CD é “Porta-retratos”, com músicas autorais. Deveríamos fazer tudo neste primeiro semestre. Mas o cronograma foi modificado com a prorrogação nos prazos de execução. Então faremos com mais calma. Já na lei estadual conseguimos aprovar um vídeoclip. Uma dessas músicas do CD será o vídeoclip.

    A música pode ajudá-la na hora do estresse da pintura, né?

    (Risos) Eu gosto muito de música, para tudo que a gente faz, eu gosto muito de estar sempre ouvindo música para fazer as coisas.

    Estudo – Pescadores
    Acrílica sobre tela
    1,50 x 0,55

    Quando você pinta, você faz música?

    Não viajei nesse processo ainda. Mas acho que tudo é um exercício [Risadas]. Minha mente pode até viajar, mas não consigo desconcentrar do que estou fazendo.

    O que você acha da Lei Aldir Blanc? Dá para o artista tomar fôlego?

    A Lei em si é maravilhosa, muito importante para o setor cultural. A crítica que faço é quanto à política de editais. Foi a primeira vez que participei de um edital, e que bom que deu certo. Mas não é fácil, não é todo mundo que tem esse know-how, de ler e conseguir destrinchar, saber o que está pedindo. Por mais simples que seja, há questões que você fica tipo: “Como assim, gente? Como é que responde isso?” A gente se sente meio que ridículos até. Muitos artistas do interior ficaram de fora exatamente por isso. Infelizmente, essa política cultural ainda não consegue chegar até eles.

    E o que mais podemos esperar de você este ano?

    Olha, não quero abandonar a música. Mas as dificuldades estão cada vez mais latentes. O fazer música em Mossoró, até para você ficar no barzinho, que é um ciclo cansativo e desgastante, desvalorizado, até isso está acabando. Os bares que tocam repertório de MPB em Mossoró são poucos, posso contar nos dedos de uma mão. Nada contra pagode ou sertanejo, porque sei que é um mercado. Mas, para o nosso repertório, a nossa proposta, está difícil mesmo.

  • Papangusando com o poeta Antônio Francisco

    Nove horas da manhã, o sol já acompanhava nosso périplo pelas ruas de Mossoró, as réstias se contorciam empurradas pela brisa quente nas algarobas até se perderem no chão de paralelepípedos escuros. Nosso destino era o bairro Lagoa do Mato, torrão de esplendor poético, do saudoso Luiz Campos, e do talentoso Antônio Francisco Teixeira de Melo, ocupante da cadeira de número 15, cujo patrono é o poeta cearense Patativa do Assaré, da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC).

    Naquele momento podíamos ver o desbancar dos 30 graus, o suor reluzir na testa. O interessante é que não era a mesma sensação que sentíamos no quintal do poeta.  Lá, parecia ainda cedo, clima agradável, onde os pés de seriguela e de azeitonas pretas vestiram durante a noite o chão com seus frutos. Para nós, uma linda visão, um cenário que pintava prosperidade, com tons fortes, de cheiro bom, de encher a boca d’água. Talvez não fosse o sentimento de quem estava naquele momento fazendo a limpeza, varrendo e recolhendo folhas e frutas murchas.

    Ao fundo da área, um lago. Neste, apesar de Antônio dizer que tem peixe graúdo, não vimos sequer piaba. De cara, antes de Ana Cadengue captar as primeiras imagens, perguntei sobre a grande parada que a cultura sofreu com a pandemia. Principalmente a dos poetas. “Como você avalia este momento?

    Parou no fim, né? Mas, pela primeira vez, eu vi a pessoa se preocupar, em Mossoró, com os artistas, aprovar projetos (o poeta se refere ao incentivo da Lei Aldir Blanc). Agora, eu acredito que pra gente foi muito ruim, porque a gente não vive só do cachê, a gente vive também do público, do povo. E logo eu que sou acostumado a viver viajando, tendo esse contato com o público. Ficou meio pesado. Mas eu tenho uma vantagem, a de gostar de ler, de escrever, e assistir a filmes. Então, estou escapando. Mas sou consciente. Sou igual ao rio quando encontro obstáculos, eu “arrodeio”, reflete.

    Antônio Francisco sempre foi bastante requisitado para se apresentar em shows, seminários, feiras de livros, e até participamos de muitos eventos que contaram com sua presença. Pelo menos antes da pandemia era difícil encontrá-lo em casa. Como agora, ao entrar na sala que estava com a porta sem “passar” a chave; vestimenta simples, sem a famosa bermuda jeans, a sandália e o bornal de couro. Desnudo, diriam, pois é traje típico de sua simplicidade. Entretanto, a emoção no que conta continua a mesma, talvez até mais aguçada. Seus olhos marejam ao responder sobre o que lhe faz mais falta nesta quarentena. “De gente. De abraçar, conversar, contar piada… de risos, do brilho dos olhos das pessoas. É diferente você estar em contato com as pessoas, né? Uma live é bom de se fazer — às vezes a pessoa até ganha pra fazer isso —, mas é muito diferente”.

    Antônio Francisco tem 71 anos de idade e tomou gosto pela poesia somente depois dos 40. O autor de “A casa onde a fome mora” diz que se divertiu fazendo “experimentos” durante a pandemia e riu ao dizer que o bom disso tudo é ser o seu primeiro leitor. “Escrevi umas trovas, gostei dos versos. E por mais que eu quisesse escrever sobre outra coisa, tudo o que eu fiz era relacionado à pandemia. No fim, escrevi muito pouco. Mas, gostei do que fiz”.

    “Isso só passa quando acabar o ser humano na terra; o vírus é nós!” — Diz cético, sobre o possível retorno ao nosso “verdadeiro” normal. E que seus parceiros de poesia já vivem em uma pandemia há muito tempo, que corrói e mata, tamanha as dificuldades que passam.

    Antônio Francisco quer lançar um livro de trovas após a quarentena.

    “Eu nunca escrevi trovas, e durante a quarentena eu achei o rumo. Tenho um verso que diz:

    Minha casa era pequena,
    alegre, mas ficou chata
    depois dessa pandemia
    só Nira, eu e a gata.

    Era eu, Nira e a gata
    mas ontem a gata morreu
    a casa ficou mais chata
    agora só Nira e eu.

    Tem outro que digo assim:

    A pandemia deixou
    um mundo de pé descalço,
    mas em troca ela acabou
    com muitos abraços falsos,
    ontem eu vi pela janela
    uma cadela o capítulo

    Deus tirando a máscara dela
    para ela brincar no lixo
    o mundo que a gente mora
    nunca fora governado
    se fosse estaria agora
    todo mundo mascarado…

    (É por aí)…

    Fale uma de esperança!

    Todas a(as) poesias que faço têm esperança no meio:

    Ontem eu fui dormir pensando
    quando este vírus passar
    será que o homem aprendeu
    ou se vai continuar
    guiando bala perdida,
    fabricando ‘plasticida’,
    jogando lixo do mar?

    Quebrando os espelhos d’água,
    tingindo o céu de fumaça
    se afastando de Deus,
    plantando óleo na praça
    pra colher mais fome e guerra
    deixando a vida na Terra
    sem cor, sem pão e sem graça

    Ou se ele pressentiu
    que a terra estremeceu
    e aprendeu com o vírus,
    que o mundo não é seu
    que ele viu com certeza
    a dor da mãe natureza
    no grito que a terra deu.

    E pensando eu mergulhei
    num sono longo e profundo
    sonhei que eu transformava
    num caldeirão largo e fundo
    um pouco de gratidão,
    uma bola de sabão
    pra lavar as mãos do Mundo.

    Depois fazia uma máscara
    do pano da igualdade
    cobria o rosto do mundo
    com as mãos da caridade
    pra não entrar o cinismo,
    do vírus do egoísmo
    na alma da humanidade.

    Eu vi os olhos do mundo
    por trás da máscara brilhando
    eu corri para lhe abraçar
    e quando eu ia abraçando
    Nira, minha mulher,
    bateu na corda da rede dizendo
    acorda que a caixa está sangrando.

    Fechei a caixa e voltei,
    peguei minha caneta
    desenhei uma máscara,
    guardei numa gaveta
    pra quando o vírus passar,
    eu tirar e colocar
    no rosto do meu planeta.

    A emoção do poeta está às escâncaras. O medo também. “Poesia é sensibilidade. Eu quase não ligo mais a televisão por medo. Porque você vê países organizados como Suécia, Suíça, Inglaterra, França, todos fechando as portas, se dobrando ao peso do vírus, quanto dirá nós, um país ainda agrícola, estamos lutando ainda para fazer alguma coisa. Acho que o homem se comporta melhor se tiver sensibilidade. E como eu disse no poema, “o mundo não é seu”.

    O poeta vagueia. “Enquanto não aprendermos a conviver com a Terra”…

    O novo vírus deixou
    O Mundo inteiro virado
    cheio de canhões de guerra
    feito de óleo forjado
    mas para este vírus forte
    o mundo está desarmado.

    É tanto que começou
    pelas grandes capitais
    Milão, Pequim e Paris,
    Nova York e outras mais
    mostrando para que ele veio
    e do que ele é capaz.

    Matou um montão de gente
    só num final de semana
    fechou igreja, escola
    com uma fúria tirana
    matando gente e zombando
    da Inteligência humana.

    Mas vamos frear o vírus
    não com bala de canhão
    mas com pequenas medidas
    mas de grande precisão
    lavar as mãos bem lavadas
    com água limpa e sabão.

    Evitar sair de casa
    mesmo para padaria
    pegar o pincel da arte
    pincelar seu dia a dia
    e reler aquele livro
    de contos que você lia.

    Deixar de lado o abraço
    E o aperto de mão
    é ruim, mas é preciso
    dessa estranha comunhão
    ficar distante dos olhos
    e perto do coração.

    Quando o vírus passar
    e que Ratto gritar: “passou!”
    vamos plantar esperança
    no rastro que ele deixou
    para o amor germinar
    e Deus do céu se orgulhar
    do homem que ele criou.

    Para finalizar, o poeta Antônio falou da alegria de seu projeto ser contemplado pela Lei Aldir Blanc. “Eu não acreditava que alguém se lembrasse dos artistas e que isso saísse tão ligeiro. Porque o que tinha de poetas precisando desse apoio… Pelo menos pelo lado do cordel. Fomos contemplados e faremos um filme. Será bem interessante. Aliás, vamos fazer muita coisa além de gastar o dinheiro — finalizou aos risos.

    BÔNUS