Dificilmente encontraremos um fã das músicas dos barzinhos nas noites mossoroenses que não tenha curtido uma MPB na voz da talentosa Kelly Lira. Natural de Pau dos Ferros, Kelly bateu um papo conosco, na semana passada, na pousada Beijo Mar, em Tibau, onde realizava um trabalho em outra área em que se descobriu recentemente: a pintura. Nossa artista-cantora-pintora fala sobre os desafios que enfrentou durante a pandemia e dos projetos que estão no forno para esta temporada 2021.
Kelly Lira, conte-nos um pouco sobre suas origens…
Sou pau-ferrense de nascimento. Meus pais, duas pessoas simples, humildes, sertanejas, e família grande. Cresci em um universo religioso, meus pais evangélicos. Nossa família, na verdade, sempre se interessou por essa coisa da pintura, artesanato, música. Desde cedo que a música me acompanha. Comecei cantando na igreja, desde muito pequena, cantando nos corais da igreja, mas nunca imaginei isso profissionalmente, trabalhar com isso de verdade.
Quando foi sua primeira vez cantando profissionalmente?
Fui morar em Mossoró no ano de 2006 para cursar História, na Uern. Nida Lira, minha irmã, já estava lá, cantando na noite. Daí surgiu minha oportunidade para cantar na noite também. A primeira vez que fui convidada para fazer um trabalho, assim de música, profissionalmente, foi por intermédio de Paulo Neto, que à época era casado com ela e trabalhava com Thábata Mendes. Ele perguntou se eu queria fazer backing vocal — aqueles vocais de apoio ao cantor principal. Topei, mas não sabia de nada. Ele tinha um estúdio e a gente chegou a fazer algumas gravações bem caseiras. Então já me conhecia cantando. Essa foi a primeira vez. Em seguida eu fiquei dois anos nessa banda fazendo vocal e depois disso aí eu conheci o pessoal de Mossoró, os cantores, artistas, quando decidi começar a fazer um trabalho na noite também cantando MPB, em barzinhos. Montei um repertório e comecei a cantar na noite, em meados de 2008, 2009.
Qual a grande dificuldade do músico em Mossoró?
Não só em Mossoró, mas a dificuldade é geral. O artista local, do artista independente, a falta de valorização, de incentivo público e privado também. Não temos muitos projetos que nos deem suporte para desenvolver o nosso trabalho, progredir, fazer um trabalho autoral. Shows que nos façam crescer como artista, a gente não tem um festival de música em Mossoró. Quando o artista começa na música em Mossoró, assim como nos outros lugares, de fazer esse caminho do barzinho, que é muito bom, mas às vezes é um ciclo que não evolui, não passa disso, fica em um oito. A gente fica na mesma realidade, na mesma cadeia, assim de desvalorização, seguindo nesse caminho, que até desestimula. E isso é muito triste.
Na pandemia, a sua área foi uma das mais afetadas, com bares fechados, shows e eventos proibidos… Conte-nos como tem sido para você.
Foi desesperador. Logo que surgiu o lockdown, e tudo fechou, os bares fecharam, acabou o show, eu fiquei desesperada. Eu me perguntava: “E agora, como é que vai ser, já que está tudo parado?…” Ficava ainda naquela ilusão: “Será que isso vai durar três meses?” E já estamos há um ano, hein? Uma coisa que deu alívio foi a questão de eu estar junto com o Marcelo, meu marido (Marcelo Amarelo é um escultor famoso, com vários trabalhos em exposição pelo estado), que acabei auxiliando no trabalho dele, assim como ele dá força no que eu faço. Ele foi convidado pela prefeitura da minha cidade natal para fazer um trabalho. De lá fomos para Martins, onde ficamos mais de um mês. Fiquei muito sufocada com essa instabilidade do trabalho, de não saber quando as coisas voltariam ao normal. Ao mesmo tempo, esse lance de Marcelo nos ajudou a não ficar em casa parados, tendo como trabalhar de alguma forma.
Então a pintura surgiu com força na quarentena?
Foi, sim. Eu achei que durante esse tempo eu poderia desenvolver melhor essa outra questão das artes plásticas, porque eu sempre me interessei por essa área, e estando com o Marcelo, que é artista há muito tempo, e sempre conversamos sobre a arte urbana e artes visuais. Enfim, eu sempre gostei dos assuntos que tratavam a arte, tenho irmãos artistas plásticos também, que moram em São Paulo. Até fiz alguns trabalhos aleatórios, como desenhos, pinturas, mas não entendia que eu poderia ser artista plástico, eu não me compreendia.
E você vai expor esse trabalho feito na quarentena?
No momento eu não tenho um acervo grande para uma exposição, mas vou ter que produzir, até porque farei uma pela Lei Aldir Blanc, que se chama Cenas Brasileiras, que retrata imagens do cotidiano, algo de que gosto muito, das pessoas, da vida, do Sertão, do Nordeste, nada segmentado, é livre.
Você já desenhava pessoas?
Sempre gostei de desenhar. Só que ainda é uma relação na qual estou me descobrindo. Na verdade, é porque eu gosto de retratar, eu gosto de arte figurativa, mas ao mesmo tempo fico impaciente, quero ver como eu vou encaixar melhor. Diferente da música, de todo o processo. A pintura ainda me causa muito estresse. Há momentos em que tudo vai fluindo muito bem, mas tem horas que me dá um estresse, que dá até vontade de acabar com tudo que eu fiz.
Você teve também um projeto musical aprovado pela Lei Aldir Blanc?
Sim. O nome do CD é “Porta-retratos”, com músicas autorais. Deveríamos fazer tudo neste primeiro semestre. Mas o cronograma foi modificado com a prorrogação nos prazos de execução. Então faremos com mais calma. Já na lei estadual conseguimos aprovar um vídeoclip. Uma dessas músicas do CD será o vídeoclip.
A música pode ajudá-la na hora do estresse da pintura, né?
(Risos) Eu gosto muito de música, para tudo que a gente faz, eu gosto muito de estar sempre ouvindo música para fazer as coisas.
Quando você pinta, você faz música?
Não viajei nesse processo ainda. Mas acho que tudo é um exercício [Risadas]. Minha mente pode até viajar, mas não consigo desconcentrar do que estou fazendo.
O que você acha da Lei Aldir Blanc? Dá para o artista tomar fôlego?
A Lei em si é maravilhosa, muito importante para o setor cultural. A crítica que faço é quanto à política de editais. Foi a primeira vez que participei de um edital, e que bom que deu certo. Mas não é fácil, não é todo mundo que tem esse know-how, de ler e conseguir destrinchar, saber o que está pedindo. Por mais simples que seja, há questões que você fica tipo: “Como assim, gente? Como é que responde isso?” A gente se sente meio que ridículos até. Muitos artistas do interior ficaram de fora exatamente por isso. Infelizmente, essa política cultural ainda não consegue chegar até eles.
E o que mais podemos esperar de você este ano?
Olha, não quero abandonar a música. Mas as dificuldades estão cada vez mais latentes. O fazer música em Mossoró, até para você ficar no barzinho, que é um ciclo cansativo e desgastante, desvalorizado, até isso está acabando. Os bares que tocam repertório de MPB em Mossoró são poucos, posso contar nos dedos de uma mão. Nada contra pagode ou sertanejo, porque sei que é um mercado. Mas, para o nosso repertório, a nossa proposta, está difícil mesmo.
Comentários
Carregando...