“BICHOS GRILOS”
Dois bichos grilos puxavam um fumo à beira de um rio, com os pés dentro d’água, quando de repente um deles se vira para o outro e diz:
– Ih, cara! Olha só… Um jacaré comeu o meu pé!
– Qual?
– Sei lá meu! Jacaré é tudo igual!
Acho essa piada genial. É muita criatividade reunida em um texto tão curto. A conversa entre os dois “bichos grilos” me remete às memoráveis jornadas etílicas em Mossoró, no Início dos anos 1980. A turma era quase sempre a mesma. Primos, amigos, irmãos.
Algumas vezes, encerrávamos a farra tomando a saideira na “Bodega de Genésio” de Genésio Xavier, que ficava próxima a Barragem do Sítio Saco construída num trecho do rio entre os bairros do Alto da Conceição e Bom Jesus. Essa barragem acabou ficando conhecida como a Barragem de Genésio. Nessas ocasiões, íamos para a margem do rio, ficávamos descalços, sentados ou deitados naquela areia molhada e fresquinha das primeiras horas da manhã, com os pés dentro d´água, tentando atenuar a bebedeira e recuperar as energias antes de voltar pra casa. Felizmente nunca surgiu um jacaré ou qualquer outro monstro do rio para comer o pé de algum incauto. No máximo algumas piabinhas que ficavam bicando as pontas dos nossos dedos, o que só aumentava a sensação de relaxamento.
Haviam sim, alguns “bichos grilos” naquela turma da beira do Rio Mossoró. Gente da melhor espécie. Não cabe aqui citar nomes.
Por andar sempre com essa turma maravilhosa, cheia de histórias e presepadas de farras para contar e por exibir o cabelo encaracolado característico dos puxadores de fumo, como apregoavam os arautos da tradição, família e propriedade da época, acabei sendo tachado de maconheiro sem nunca ter fumado nem um Continental sem filtro na vida. Quanto a isso preciso contar sobre a minha conturbada relação com o fumo, seja ele de qualquer natureza. Sentem, que lá vem história.
Quando eu tinha uns 10, 11 anos (por volta de 1971, 72), acompanhei meu pai Chicoliveira, que era contador, em uma viagem pela região oeste do RN para visitar alguns clientes. O motorista de aluguel, o amigo Antonio de Júlia em seu “jipe”, veio de Martins para Mossoró logo cedo. E fizemos a viagem de retorno para Martins passando em cada cidade onde existia um cliente. A maioria eram as prefeituras de pequenas cidades. Dormimos em Martins, pela manhã papai fez mais algumas visitas e começamos a viagem de volta para Mossoró passando por Umarizal, onde morava o meu avô.
Chegamos em Umarizal para o almoço. À tarde, um irmão de papai, filho do segundo casamento do meu avô, que devia ter uns 15 anos à época, chegou pra mim munido de um pedaço de fumo de rolo – que com certeza pegou escondido do pai – e quando todos estavam no tradicional cochilo pós almoço, me chamou para dar um passeio pelo sítio. Paramos debaixo de uma mangueira e ele começou a enrolar uns cigarros e fomos fumando um atrás do outro até acabar todo o fumo. Nunca havia colocado um troço daqueles na boca. Fiquei completamente zonzo do juízo e bateu uma larica desgraçada. Para passar essa sensação, meu tio sugeriu que era bom chupar umas mangas. Fiz isso. Chupei umas três e acabei melhorando um pouco. Voltamos pra casa – eu ainda meio lesado – quase na hora da janta. Jantei, só Deus sabe como e fui logo me deitar. Papai ainda me disse: “É bom ir dormir cedo mesmo. Amanhã saímos de 4 horas”.
Quatro horas em ponto, embarcamos no “jipe” de Antonio de Júlia para a viagem de volta a Mossoró. Eu, sentado entre o motorista e papai. Quando o “jipe” começou a chacoalhar o estômago começou a chacoalhar junto. Não deu meia hora de viagem e eu só faltei botar os bofes (se é que não botei) pra fora. Era uma mistura de manga com a comida da janta e uma catinga desgraçada de fumo azedo. Uma calamidade! Aquela coisa “gasturenta” ficou toda espalhada em cima de mim, respingou um pouco na calça de papai e na de Antonio de Júlia e ainda melecou boa parte do piso do “jipe”. O caridoso Antonio de Júlia ainda falou: “Chico, vamos parar pro menino se limpar?”. Papai, com cara de poucos amigos (ou de poucos pais) respondeu: “Não. Vamos parar em Caraúbas para comer alguma coisa e ele se lava”. Nem preciso dizer que a viagem até Caraúbas, em meio aquela fedentina, foi um tormento. Banho tomado, roupa trocada, carro lavado e seguimos viagem de volta para Mossoró. Aqui e acolá o estômago ameaçava um novo revertério, mas consegui me segurar até chegar em casa. Por medida de segurança, fiz a viagem Caraúbas/Mossoró na porta do “jipe”. E assim aconteceu e assim começou o meu trauma com a nicotiana tabacum. O incrível é que nunca deixei de gostar de manga por causa desse episódio.
A partir daí, eu não conseguia mais nem sentir o cheiro de fumaça de cigarro. Se estivesse em casa e meu pai (fumante inveterado) acendesse um, eu corria para o banheiro. E assim, adentrei à juventude com essa ojeriza ao fumo e suas variações. Para completar, aos 18 anos tive tuberculose. Quando o médico viu a “chapa” do meu pulmão, avisou logo: “Se um dia você fumar, morre!”. Até hoje, cigarro me incomoda.
Porém, os amigos “bichos grilos” nunca me incomodaram. Sempre respeitaram a minha situação e procuravam fumar os seus “beques” afastados de mim. Interessante é que quando aqueles odores “canabiais” chegavam, ainda que de leve, até o meu nariz, não incomodavam tanto quanto os odores emanados pelos cigarros convencionais.
Até quando morei em Mossoró em 1997, mantive relações com essa minha turma de “bichos grilos”. E nos anos subsequentes, sempre que fui a Mossoró me encontrei com um ou outro. Acho que estão todos bem. A maioria “sessentões” que nem que eu.
E tem mais uma história. Conheci o termo “beque” há uns quatro anos, quando cursava Jornalismo na UFRN. Nos meus tempos idos era bagana ou baseado. Não vou citar nomes, mas se as envolvidas lerem esse texto irão se identificar.
Certa noite de segunda-feira, saíamos do Departamento de Comunicação em direção ao Setor de Aulas II no Campus da UFRN, eu e duas amigas de curso. Conversa vai, conversa vem e uma delas me perguntou: “Marco Túlio, você fuma?”. E eu: “Não. Nunca fumei. Detesto cigarro”. E ela se assustou: “Vixe, como você é careta! Nem parece. Nunca? Nem um ‘bequizinho’”? Aí, a ficha começou a cair. “Ah! É disso que vocês estão falando? Um ‘bequizinho’ é legal”, respondi todo entendido no assunto. E elas foram logo fazendo o convite: “Marco, estamos recebendo uns ‘beques’ dos bons. Vamos marcar pra quinta-feira, às 19 horas? Depois combinamos o lugar”. Lugar combinado, na quinta-feira nem fui a aula. Levei bronca, inventei desculpas esfarrapadas, elas desconfiaram que o meu grau de relacionamento com o “beque” era zero, não se fala mais nisso e vida que segue.
E vida longa aos meus queridos e queridas, amigos e amigas “bicho grilos”!