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Culpa – Capítulo III

O vento na mata e o cheiro de café coado me despertaram. Corri os olhos e, de início, me assustei. “Onde estou?… Não será risco… ficar aqui?…”

Nesse instante um jovem entrou naquela espécie de dormitório e me saudou:

— Como está, seu Batista?

Quis me levantar, mas ele me passou uma caneca, dizendo-me:

— Café. Continue descansando, é preciso. Vou sair para capinar o meu roçado, é logo aqui perto. Voltarei antes do meio-dia para almoçarmos. Já deixei tudo pronto nas panelas de barro sobre o fogão a lenha. Se sentir fome, pode se servir, não precisa me esperar.

Pôs-me aquele olhar de bondade. Sentei-me e engoli o café com sofreguidão, apesar de quente.

— Aceita um pedaço de cuscuz?

Sem esperar por minha resposta, saiu e retornou com um prato de ágata contendo um pedaço da iguaria de milho.

Deixou o prato ao meu lado, no chão junto à esteira em que eu dormira. Dando-me as costas, foi em direção ao canto do aposento de taipa, pegou o bisaco, a enxada, o chapéu de palha e ganhou a mata.

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Fiquei sozinho. Os pensamentos em revoada, numa mistura de lembrança do vivido e de fantasmas em alvoroço dentro da minha cabeça, ainda zonza com o que me acontecera.

Depois de devorar o cuscuz com o café preto, levantei-me e andei por dentro do casebre. Simples, porém com tudo no seu lugar; via-se que o morador — lembrei-me do nome dele: Lourenço de Maria — era zeloso com suas coisas: o pote com um pano a envolver a rodilha, as panelas de ágata areadas, o fogão organizado com a boia já pronta em duas panelas de barro, o chão de terra varrido, as telhas vãs bem alinhadas… E uma rede enrolada, dependurada numa corda, e esta presa a um caibro mais grosso no fundo do recinto.

“Eu não presto. Não sirvo mais para nada, sou um condenado…”

Minha mente num rodopio só, a cabeça toldada pela lembrança da fuga, o desespero dentro de mim, cobrando-me pelas faltas, pelos meus crimes.

— Deus, me leve logo! — gritei.

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Caí num choro convulso e, de repente, ajoelhado no chão, observei a corda que segurava a rede daquele bom moço.

“Que o meu corpo sirva de festa para os urubus… Eu… um desgraçado. Não presto…”

Desarmei a rede, retirei a corda e saí para o alpendre. Logo à frente, uma oiticica frondosa. Amarrei a corda num galho, testei meu nó de forca e cuidei de buscar um tamborete.

Quando coloquei a laçada no pescoço, ajustando-a bem, subi no tamborete e…

“Pai e filho, meu Deus!”

No momento as minhas oiças viram-se invadidas por um padre-nosso desengonçado — nunca fora homem de reza —, decidi empurrar o tamborete com os pés. O laço apertou forte a minha garganta. “Não, não! Não tive culpa. Não tive…”

O bulício do passaredo invadiu os ares; e eu, a estrebuchar pendurado na oiticica, encomendei a minha alma ao Diabo.

Escrito por Clauder Arcanjo

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