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  • O QUE E QUEM É O MERCADO

    O mercado é volátil e volúvel. O mercado é sensível, sugestionável, melindroso, suscetível, vulnerável, impressionável, magoável… Será que é isso mesmo?

    Não! Não é nada disso. Esses adjetivos são muito prosaicos para definir como opera de modo quase imperceptível, essa entidade etérea, escorchante e maligna que paira soberana sobre nossas cabeças e que está sempre especulando moldar ações governamentais que reflitam os seus interesses espúrios.

    O mercado é um bicho escroto gerado nas entranhas fétidas do capitalismo nefasto, que busca incessantemente o lucro extorsivo, o acúmulo de capitais, a exploração econômica do proletariado e a degradação do meio ambiente.  

    O mercado é chantagista, usurpador, imoral, inescrupuloso. É arrogante, cínico, desumano, genocida e sem vergonha. O mercado é o pai das reformas trabalhista e da previdência, que sempre visaram espoliar direitos adquiridos dos trabalhadores e aposentados.

    O mercado age e reage ao seu bel-prazer. O mercado reagiu negativamente quando o presidente Lula propôs e conseguiu aprovar um “furo” no teto de gastos do governo, com o intuito de cumprir metas e programas sociais.

    No dia 02/01, Fernando Haddad tomou posse como Ministro da Fazenda e como resultado imediato do mercado, o Ibovespa caiu 3,06%, o dólar subiu 1,51%, o euro 1,37% e as ações da Petrobras tiveram uma queda de 6,67%. O receio está relacionado ao risco fiscal do país e de intervenções muito bruscas na economia, afirmam os especialistas. Vão se “reiar” o mercado e seus especialistas.

     O mercado também foi ágil e diligente ao repercutir negativamente a fala do presidente Lula na Argentina (24/01), quando ele anunciou a ajuda do BNDES para financiar a construção de um gasoduto argentino.

    O mercado reagiu com indiferença quando terroristas bolsonaristas invadiram a Praça dos Três Poderes clamando por um golpe de estado e promoveram a maior depredação e destruição de bens e imóveis públicos da história.

    O mercado também se mostra indiferente ao genocídio na reserva yanomami em Roraima. Isso é deplorável, infame, mesquinho. Nenhum manifesto solidário, nenhum ato de indignação, nenhuma ação humanitária partiu dos senhores do mercado.

    Enquanto os povos indígenas yanomamis morrem doentes e desnutridos vítimas das políticas genocidas do genocida fugitivo, o Valor Econômico (Grupo Globo) informa que “o mercado aguarda também a reabertura dos mercados da China e Hong Kong, que seguem paralisados devido ao feriado de Ano Novo Lunar”.  

    E quem é o mercado? Qual é a cara do “deus” mercado, aquele que tudo quer e acha que tudo pode? A imagem que melhor simboliza a “cara” atual do mercado é a que ilustra esse texto. Trata-se da capa do livro “Sonho Grande (2015)” de autoria da jornalista Cristiane Correa, no qual ela narra a trajetória vitoriosa dos sorridentes e triunfantes empresários Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Hermann Telles. Os três estão entre os quatro homens mais ricos do Brasil (4º, 1º e 3º pela ordem). Quem estiver interessado em mais detalhes, acesse a lista da Revista Forbes.

    Em 2012, outro ícone do mercado financeiro brasileiro entrava para a famosa lista e para a história do empreendedorismo nacional: Eike Batista. Lembram dele? Ostentando uma fortuna de US$ 30 bilhões (TRINTA BILHÕES DE DÓLARES!), o jovem empresário figurou como o sétimo homem mais rico do MUNDO! É mole?! Que orgulho, brasileiros e brasileiras! À época, o bilionário em dólares declarou: “É uma honra representar o país mais uma vez no ranking da Forbes. Contente por investir, gerar riquezas e empregos no país”. Que lindo esse mercado meritocrático! Se vocês quiserem saber mais detalhes sobre como acabou essa sórdida e escabrosa história de “sucesso”, pesquisem no Google. Eike Batista também já foi a “cara” do mercado.

    Mas voltemos aos radiantes e bilionários “setentões” (Sicupira e Telles) e ao “oitentão” (Lemann). São eles, os responsáveis por uma fraude fiscal e contábil de mais de R$ 40 bilhões envolvendo as Lojas Americanas, uma das várias empresas das quais são controladores.

    Os ídolos do jornalismo econômico brasileiro, heróis do capitalismo tupiniquim e personagens de livros, reportagens e documentários apologéticos, agora devem enfrentar uma onda de processos judiciais, tanto de acionistas e instituições financeiras lesadas, como do Ministério Público.

    E como reagiu o mercado ao escândalo das Lojas Americanas? Ora bolas! Com a naturalidade que lhe é peculiar, quando a turbulência envolve parceiros de longas datas.

    Assim declarou Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, em entrevista (16/01) à correspondente internacional de economia da CNN, Priscila Yasbek, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça: “O escândalo contábil das Americanas, que hoje reporta dívida de R$ 40 bilhões, foi imprevisto para o mercado e de efeitos muito desagradáveis. O mercado está dialogando. O bom senso é uma régua fundamental para que possamos superar isso e chegar a um acordo que não gere ainda mais prejuízo”. Não é nada, não é nada, não é nada mesmo. Perceberam ou precisa desenhar? Está tudo tranquilo com o mercado em relação a esse assunto.

    Daqui a algumas semanas esse embaraçoso deslize engendrado involuntariamente (é o que eles juram de pés juntos) pelo trio parada dura (Lemann, Telles e Sicupira) e que chegou a melindrar apenas “levemente” os senhores do mercado, será esquecido e a pilhagem capitalista seguirá o seu curso normal.

    Pelo visto e pelo dito, o único imprevisto capaz de atrapalhar a normalidade do mercado é o retorno de Lula presidente, com essa sua política econômica “socialista” e inclusiva.

    Uma política econômica “comunista” que tem o desplante de buscar garantir que cada brasileiro tenha direito a café da manhã, almoço e janta diários; de lutar com todas as forças, mais uma vez, para riscar o nome do Brasil do mapa da fome; de tentar com unhas e dentes devolver ao povo brasileiro o direito ao estudo e a um trabalho digno.

    Uma política econômica que prioriza os mais pobres, excluídos, desassistidos e vítimas de preconceitos, independente do estrebuchar apoplético do mercado.

  • A CARTA ABERTA DE NEYMAR PARA TITE – Comentada

    No rastro de mais um desastre de proporções “titescas” ou “titeânicas” em uma Copa do Mundo, eis que o pré-adolescente Neymar resolveu escrever uma carta aberta ao treinador Tite. Uma babaquice sem tamanho. Bem ao estilo “Deus acima de tudo, Neymar acima de todos”.

    Me lembrou a carta/e-mail que Dona Lúcia enviou para Felipão e que foi lida por Parreira em rede nacional, logo após os 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa de 2014. A carta (leia a íntegra aqui) virou motivo de chacota e só aumentou o constrangimento da comissão técnica em relação ao vexame histórico. Na época chegou-se a duvidar de sua autenticidade e da existência de Dona Lúcia.

    Em dezembro do mesmo ano, durante o “Bem Amigos” do Sportv, Parreira voltou a falar sobre a carta e admitiu um certo arrependimento por ter lido a mensagem durante a coletiva: “A carta não fui eu que tornei pública. Foi comentada, falada pelo Rodrigo Paiva, acho que Felipão também comentou. No finalzinho, talvez eu tenha me arrependido, sim. Foi no impulso, ali. O Rodrigo disse: ‘Lê, porque estão falando tanto. Uma pessoa escreveu uma coisa bonita, ela é real, ela é verdadeira, a carta’. Naquela coisa que você decide na hora, fui, falei, li, até pra preservar um pouco a comissão técnica do Felipão que estava sendo muito batido. Estavam falando mal dele, claro, a seleção perdeu de 7 a 1 e não poderia ser diferente. Aquilo foi pra tentar amenizar um pouco e mostrar que tinha os dois lados da moeda. Alguém que criticava, metia o pau e alguém que apoiava. Ela escreveu uma carta muito bonita, por isso que ela foi lida”.

    Dito isso, voltemos à “neymarística” missiva. Apesar da pieguice, a dita cuja está razoavelmente bem escrita. As escorregadias reticências (os famosos três pontinhos) foram bem empregadas, apesar de em uma oportunidade – provavelmente por erro de digitação – terem sido utilizados quatro pontinhos. Há um certo exagero na grafia de palavras em caixa alta, mas nada que comprometa o sentido das frases. Vírgulas de mais ou de menos, interrogações ou exclamações desnecessárias, algumas confusões com os pronomes tu e você, mas repito: nada comprometedor.

    E são essas observações que me levam a duvidar que essa carta seja da lavra exclusiva do mais bajulado e contestado jogador do futebol brasileiro. Neymar não tem a mínima capacidade cognitiva de desenvolver um raciocínio lógico em seis parágrafos e uma saudação, tendo como suporte um gênero textual público, de caráter argumentativo, cuja função principal é se posicionar sobre um tema. Alguém de sua assessoria de comunicação na tentativa de amenizar um pouco as críticas à seleção da CBF (comissão técnica e jogadores), teve a brilhante ideia de escrever e divulgar a tal carta aberta.

     Porém, como canta o poeta Belchior, “deixando a profundidade de lado” vamos à frivolidade da carta aberta com os devidos comentários:

    1. “Antes de nos conhecermos pessoalmente, jogamos muitas vezes contra e posso te falar? Eu te achava muito chato! Porque você montava um time pra me marcar, fazia de tudo pra ganhar de mim e ainda falou mal da minha pessoa. Mas o destino é engraçado, né? Colocou você como treinador e eu como seu número 10”.

    Comentário: Tite é realmente muito chato! Mas nunca foi ou será o único a falar mal da pessoa de Neymar. Afinal, quem fala bem da pessoa de Neymar?

    • 2. “Eu te conhecia como treinador e já sabia que era muito bom mas como pessoa você é MUITO MELHOR! Você me conheceu e sabe quem eu sou, e isso é o que importa pra mim….”.

    Comentário: Se Tite fosse MUITO MELHOR como treinador do que é como pessoa, seria o “cão chupando manga” de ruim. E que bom que depois de seis anos trabalhando juntos, ele finalmente conheceu o pré-adolescente Ney.

    • 3. “Venho aqui abertamente te agradecer por tudo, todos os ensinamentos que o senhor nos deu… e foram tantos”.

    Comentário: Se Neymar fizer uso de todos os ensinamentos que lhe foram transmitidos por Tite (… e foram tantos) ele vai acabar na reserva do PSG.

    • 4. “Você sempre será um dos melhores treinadores que eu já tive ou terei, sempre irei te exaltar. Tivemos momentos lindos, mas também tivemos momentos que nos machucaram muito e esse último vai nos machucar por muito tempo”.

    Comentário: Muita exaltação para pouco futebol. E parece que os machucados não foram assim tão profundos e duradouros. A primeira grande e nababesca festa ao lado dos “parças” de sempre aconteceu cinco dias após a eliminação do Brasil para a medíocre Croácia.

    • 5. “Você merecia ser coroado com essa Copa, todos nós merecíamos por tudo que fizemos e por tudo que abrimos mão pra tentar alcançar o nosso maior sonho. Mas Deus não quis assim, paciência. Deus nos deu TUDO!
    • Comentário: Deixe Deus fora dessa, Neymar! Pelo amor d´Ele!
    • 6. “Obrigado, professor Tite, por todo aprendizado… e se tem uma frase que jamais esquecerei é ‘MENTALMENTE FORTE’ e teremos que ser MUITO nesse momento!”.

    Comentário: Vai ter que ser MUITO MENTALMENTE FORTE para aguentar a zoação de Mbappé e Messi na reapresentação ao Paris Saint Germain, que deve acontecer como em um meme que rolou nas redes sociais logo depois da final da copa: “Mbappé vai se reapresentar ao PSG com o prêmio de artilheiro, Messi com o de campeão e melhor jogador da copa e Neymar com um corte de cabelo novo”.

    • 7. “Um grande abraço e OBRIGADO.”.

    Comentário: Por nada. Por nada mesmo!

    Notas do autor:

    – Correção do texto da última edição: o número da camisa de Richarlisson é 9 e não 13.

    – Para o meu regozijo, errei na minha previsão sobre a Copa e o Brasil não foi campeão.

  • AFINAL, QUEM GOSTA DE NEYMAR?

    Neymar é o centro das atenções na Seleção da CBF desde 2010. Isso mesmo. Até quando não foi convocado por Dunga, ele causou polêmica. A imprensa especializada garante que faltou Neymar – à época com 18 anos – no banco de reservas (paupérrimo de talentos, é bom que se diga) para que o Brasil evitasse o vexame de tomar aquela virada contra a Holanda, em um jogo que dominou por completo no primeiro tempo e no segundo se “despinguelou” de vez depois da expulsão do troglodita do Felipe Melo.

    Naquele longínquo 2010, Neymar ainda era o garoto “sunguelo” e extrovertido que surgiu no Santos formando uma dupla genial com Paulo Henrique Ganso (muitos queriam os dois na seleção), em mais uma versão dos “Meninos da Vila” e que levou o “Peixe” a conquistar o Tri Campeonato Paulista (2010, 2011 e 2012), Copa do Brasil (2010) e a Libertadores (2011).

    Ainda em 2010, no dia 15 de setembro, após a vitória do Santos sobre o Alético Goianiense por 4 a 2, ao criticar o comportamento de Neymar durante a partida, o misto de treinador, preparador físico, psicólogo, antropólogo, sociólogo, filósofo e comentarista esportivo Renê Simões, proferiu a célebre frase que mudaria para sempre os rumos do futebol mundial: “Estamos criando um monstro no futebol brasileiro”. Será que a profecia de Renê Simões se concretizou e não demos conta?

                Após as conquistas pelo Santos e por atuações e gols cada vez mais espetaculares, o craque da Vila Belmiro, se transformava assim na principal esperança de conquista do hexa campeonato mundial, em uma Copa que seria disputada dali a quatro anos no Brasil.

    Nesse ínterim, em 2013, aconteceu a polêmica transferência para o Barcelona que acabou acarretando problemas com o fisco espanhol em um processo no qual o jogador foi absolvido no último dia 28 de outubro por “falta de indícios suficientes para caracterizar crime fiscal”, de acordo com a Promotoria Espanhola. No entanto, o processo movido pela empresa DIS, intermediária na transação de Neymar para o Barcelona e que se sente lesada em relação aos valores envolvidos na negociação, ainda segue em aberto.

    É também em 2013 que Neymar começa a se enveredar pelo mundo das celebridades ao engatar um namoro com a emergente atriz global Bruna Marquezine, que entre idas e vindas durou até 2018. Coincidentemente, quando o jogador começou a demonstrar publicamente o seu viés político de extrema direita.

    Em 2014 sob o comando do enérgico paizão Felipão, jogando em casa com um elenco de estrelas que brilhavam no futebol europeu (embora o goleiro Júlio César – à meia boca – fosse reserva no Toronto FC, da Liga Americana) e com o “menino” Neymar no auge da forma aos 22 anos, o Brasil tinha tudo para finalmente conquistar o hexa. Deu no que deu: “7 a 1”, um placar que virou substantivo como significado para “ato vexatório, que humilha, desonra; humilhação: perder assim é uma vergonha”.  

    No entanto, seria injusto jogar qualquer responsabilidade sobre o “menino” pelo fiasco e maior vexame do futebol brasileiro desde que Charles Miller desembarcou por aqui vindo da Inglaterra em 18 de fevereiro de 1894, trazendo na bagagem duas bolas feitas de couro curtido e bexiga de boi, se transformando assim no “pai do futebol brasileiro”.

     Até aquela joelhada insana desferida pelo colombiano Zúñiga, que lhe acertou em cheio o “osso do mucumbu”, Neymar era um dos destaques da Copa, embora já surgissem críticas ao seu irritante “cai cai” e reclamações com os juízes.

    Em 03 de agosto de 2017, outra transferência polêmica ao comprar briga para sair do Barcelona para o multibilionário Paris Saint Germain. As atitudes pouco profissionais de Neymar dentro e fora de campo já vinham lhe angariando antipatia, não só entre atletas do mundo todo, mas entre a imprensa e pessoas de diversas camadas que não concordavam com o seu comportamento.

     Na Copa de 2018, sob o pragmatismo de Tite, mais uma vez as esperanças da conquista do hexa pelo Brasil recaíam sobre o controverso Neymar. Em uma copa que ficou marcada pelo último lugar da Alemanha (campeã em 2014) em seu grupo, quando perdeu para o México por 1 a 0, venceu a Suécia por 2 a 1 e perdeu para a Coréia do Sul por 2 a 0, Neymar acabou se transformando em um dos “memes” mais reproduzidos no mundo, desde que essa forma de crítica e ironia surgiu nos meios digitais. Ou seja, o milionário e midiático supercraque havia se transformado em motivo de chacota, virado piada mundial.

    Após mais um fiasco do Brasil em uma Copa do Mundo na qual chegou como grande favorito e apesar de todas as críticas à sua performance pífia, aos 26 anos o “menino” Neymar, tão contestado, tão injustiçado pela imprensa e pelo torcedor brasileiro, seguia como o único craque capaz de comandar a seleção brasileira rumo à conquista do sexto título, dessa vez na estranha copa do Catar a ser disputada entre novembro e dezembro de 2022.

     Aqui, uma pequena pausa nessa “neymarística” retrospectiva: esse escrevinhador não torce pela seleção da CBF desde 1986 e não nutre qualquer simpatia por Neymar desde sempre.

    O “menino” saiu da puberdade e alcançou a adolescência. De repente 30! Chegamos à Copa do Mundo de 2022. Um ano marcado por uma eleição presidencial acirrada e virulenta em que as principais forças progressistas (ou nem tanto) se uniram para pôr um fim ao projeto neofacista encampado pelo presidente ainda em exercício.

    Neymar, que já se mostrava simpático a Jair Bolsonaro desde a eleição de 2018, resolve às vésperas do primeiro turno, explicitar o seu apoio ao presidente de extrema direita por meio de vídeo nas redes sociais e participação em uma “live” do então candidato à reeleição. E ainda prometeu homenagear o seu “parça” fazendo um 22 quando marcasse o primeiro gol na copa.

    E mais uma vez o Brasil estreou em uma Copa do Mundo com o seu principal jogador envolto em polêmicas.

    Durante e após a estreia, as reações entre a torcida brasileira foram diversas. A esquerda comemorou quando Neymar se machucou contra a Sérvia e o Brasil venceu com dois gols do progressista Richarlison, que veste a camisa 13. Que máximo! A extrema direita vaiou os gols, mas ainda não ficou claro se foi porque o autor foi o camisa 13 e não o bolsonarista Neymar.

    Após a magra vitória de 1 a 0 sobre a Suíça, quando ficou caracterizado o fraco desempenho do ataque da seleção de Tite (o gol foi do volante Casemiro), até o esquerdista que torce pela conquista do hexa sem precisar do maior craque brasileiro na atualidade em campo, foi taxativo: “sem Neymar, não dá”. Como é? Dá ou não dá? Querem ou não querem Neymar?

    E os patriotas, que enfrentam sol, chuva e sereno durante suas manifestações por intervenção militar e alienígena vestindo a camisa amarela da CBF, estão desorientados. Torcer ou não torcer, eis a questão. O futebol está acima do patriotismo? Em algumas manifestações “patriotárias”, se o sujeito sair para assistir o jogo do Brasil não é mais aceito de volta. E se o extremista de direita Neymar, se recuperar da contusão, voltar arrebentando e levar o Brasil ao título, vão comemorar ou não?

    PS. Esse texto foi escrito logo após o 1 a 0 do Brasil em cima da Suíça. E apesar da minha torcida contra, o Brasil vai ser hexa. É muita seleção ruim e treinador burro nessa Copa do Mundo.

  • “DE PSICÓLOGO E LOUCO TODO MUNDO TEM UM POUCO”

    A versão mais conhecida dessa expressão é: “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Nas minhas pesquisas me deparei com outras variações sobre o tema. Em um site de provérbios populares encontrei: “De poeta, médico e louco cada um tem um pouco”. Já o psiquiatra, professor e escritor de livros de psicologia aplicada, Augusto Cury, tem um livro intitulado “De gênio e louco todo mundo tem um pouco”. As duas derivações não fogem ao contexto original.

    No Brasil, os criativos tradutores de títulos de filmes transformaram “The Dream Team” (O time dos sonhos) comédia americana de 1989 estrelada por Peter Boyle, Michael Keaton, Stephen Furst e Cristopher Lloyd em “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Faz muito mais sentido do que a tradução literal do título, já que o filme tem como pano de fundo um hospital psiquiátrico.

    Esse provérbio português também está associado ao gênio e maior nome da literatura brasileira em todos os tempos, Machado de Assis, e ao seu magnífico conto O Alienista, uma sátira acerca da inviabilidade de se definir a esfera da loucura, sob o risco de incorrer em uma generalização.

    Em O Alienista, Machado narra a história do Dr. Simão Bacamarte, um médico obcecado por detectar enfermidades psíquicas, que passa a recolher os supostos enfermos num asilo por ele criado – a chamada “Casa Verde” – com o intuito de tratá-los e ao mesmo tempo desenvolver suas teorias psico-científicas. A partir daí, Bacamarte interna em seu hospício todas as pessoas que agem de modo não racional – segundo seus próprios critérios – evidenciando os excessos da sua ciência. O resto é spoiler. Em tradução livre, estraga-prazeres. Recomendo o livro.

    Em qualquer debate sobre a definição de normalidade ou anormalidade, são ou louco, torna-se necessário tentar definir os dois lados. É nesse ponto que nos deparamos com o paradoxo de Simão Bacamarte e suas teorias baseadas em critérios próprios e chegamos ao primordial questionamento em relação à loucura: de que lado nós estamos?

    Senso Comum e Psicologia Científica

    As pessoas no geral, têm um domínio superficial do conhecimento acumulado pela psicologia. E esse pequeno conhecimento lhes permite compreender o que acontece ao seu redor a partir de um ponto de vista psicológico, ainda que sem qualquer respaldo científico.

    Quaisquer formas de persuasão, de irritação, de violência, de demonstração de prepotência fazem parte do imaginário da psicologia popular ou psicologia do senso comum. E se o cotidiano do senso comum – onde tudo parece previsível – nos apresenta a realidade nua e crua do dia a dia, a ciência procura compreender, elucidar e alterar esse cotidiano a partir de seu estudo sistemático. Nesse contexto, a ciência afasta-se da realidade para transformá-la em objeto de estudo, o que permite a construção do conhecimento humano.

    Apesar desse distanciamento da realidade, algumas vezes os cientistas involuntariamente se submetem a certas prerrogativas do senso comum, do cotidiano. Exemplo: ao sair do seu laboratório de pesquisas e tentar atravessar uma rua movimentada, o cientista não vai se envolver com cálculos físicos e matemáticos para descobrir qual velocidade deve imprimir para conseguir atravessar essa rua sem ser atropelado. A intuição lhe indicará o momento presumivelmente perfeito para atravessar sem ser atropelado, embora o mais indicado seja obedecer à prudência e procurar um faixa de pedestres ou uma passarela.

    O senso comum é capaz de absorver termos definidos pela psicologia científica que de certa maneira integram o conhecimento humano. Qualquer pessoa se sente capaz de reconhecer e identificar uma pessoa neurótica, histérica, complexada ou com o “psicológico alterado”, mesmo que o seu “diagnóstico” esteja completamente equivocado. Não é exagero afirmar, que a psicologia do senso comum “tenta explicar” tudo o que acontece ao nosso redor, nesse mundo conturbado em que vivemos.

    E o “psicológico abalado ou alterado” explica tudo. No futebol, se um jogador está fazendo uma partida horrorosa, em que nada dá certo, não é raro ouvir um comentarista esportivo do alto dos seus profundos conhecimentos sobre psicologia, afirmar com toda convicção: “esse jogador está psicologicamente abalado” ou “alguma coisa alterou o psicológico desse jogador”.

    E o torcedor, que não deixa de ser um “psicólogo de arquibancada ou de sofá”, compreende e assimila perfeitamente esse comentário psico-ludopédico. Afinal: “DE PSICÓLOGO E LOUCO TODO MUNDO TEM UM POUCO”.

                   Essa conversa me fez lembrar de Téta, uma senhorinha que trabalhou na casa de minha irmã Stela até a aposentadoria por tempo de serviço. Quando a barulhenta “reca” de irmãos chegava para um tradicional almoço que acontecia sempre às sextas-feiras e ela estava meio “apoquentada do juízo” ia logo avisando: “vocês não venham me aperrear que hoje eu tô com o sistema muito nervoso”.

    Filosofia e Psicologia

    Na antiguidade (e tudo vem da antiguidade) os gregos já se preocupavam com a origem e com o significado da existência humana. As especulações em torno desse tema formaram um corpo de conhecimentos denominado filosofia. Alguns filósofos que seguiam uma linha mais “porra lôca”, passaram a perceber influências de alguns princípios científicos ou filosóficos, nas atitudes não muito convencionais dos seres humanos. Daí surgiu a psicologia. Simples assim.

    E da mesma forma que temos a psicologia do senso comum com os seus psicólogos de plantão, temos também os filósofos do senso comum.

    Como não pretendo me aprofundar em questões filosóficas, finalizo com alguns clássicos da Filosofia do senso comum ou de botequim. Um jeito etílico de aprender um pouco sobre filosofia.

    1. “Quem dá aos pobres e empresta, adeus”. Variante: “Quem dá aos pobres, tem que pagar o motel”.
    2. “A vida é para quem topa qualquer parada e não para quem para em qualquer topada”.
    3. “Por maior que seja o buraco em que você se encontra, pense que por enquanto ainda há terra em cima”.
    4. “Eu cavo, tu cavas, ele cava. Nós cavamos, vós cavais, eles cavam. Não é bonito, mas é profundo”.
    5. “A fé remove montanhas. Mas com dinamite é mais rápido”.
    6. “Na vida tudo é passageiro, exceto o cobrador e o motorista”.
    7. “Não deixe nada te desaminar, pois até um chute na bunda te empurra pra frente”.
    8. “Se um dia sentir um enorme vazio dentro de você, vá comer! Pode ser fome”.
    9. “Roubar as ideias de uma pessoa é plágio. De muitas, pesquisa”.
    10. “Para aqueles que bebem para esquecer: favor pagar a conta antes”.

    “Estes são meus princípios. Se você não gosta deles, tenho outros!” (Groucho Marx)

  • AGOSTO ACABOU?* ESTÃO TODOS AÍ?

    Para começar bem o “ano de agosto”, já no dia 1º, Joe Biden anunciava que em uma operação super bem-sucedida com a utilização de drones, os Estados Unidos haviam matado no Afeganistão o líder da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, no maior golpe sofrido pela organização terrorista desde que seu fundador Osama Bin Laden foi morto em 2011. Em seu pronunciamento, o presidente americano falou que “tudo foi organizado de maneira meticulosa para que apenas atingisse o alvo”, acrescentando que “não foram atingidos civis ou pessoas inocentes”. A organização jurou vingança.

    Nos EUA é assim: quando um presidente está com a popularidade em baixa, manda explodir um terrorista líder da Al Qaeda. Em fevereiro de 2020, Donald Trump, em viés de baixa, também já havia mandado matar no Iêmen, o chefe da Al Qaeda, Qassim al-Rimi, também com a utilização de drones e sem vítimas civis e inocentes e também no maior golpe sofrido pela organização terrorista desde que seu fundador Osama Bin Laden foi morto em 2011. Lembrando que Bin Laden foi morto em 02 de maio de 2011, sob às ordens do presidente democrata Barack Obama, reeleito em novembro de 2012.

    Ainda no dia 1º e em meio a conflitos bélicos deflagrados ou a deflagrar, na abertura da 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres advertia que “a humanidade está a um mal-entendido, a um erro de cálculo da aniquilação nuclear”. E completou: “tivemos uma sorte extraordinária até aqui. Mas sorte não é estratégia nem escudo para impedir que as tensões geopolíticas degenerem em um conflito nuclear”.

    Seguindo. No dia 2, uma visita a Taiwan da deputada do Partido Democrata e presidente da câmara dos deputados americana, Nancy Pelosi, provocou um incidente diplomático entre os governos dos Estados Unidos e da China e a tensão entre as duas maiores potências comerciais e bélicas do planeta assumiu contornos beligerantes.

    A China não reconhece o território de 24 milhões de habitantes como um estado e sim como sua própria província a ser reincorporada um dia e busca meios de ampliar a sua influência e até mesmo tomar o seu controle, pela força se necessário. Os Estados Unidos, embora também não reconheçam Taiwan como um estado, mantém relações comerciais com a ilha.

    O governo chinês já havia afirmado, antes mesmo do início da viagem, que a visita de Nancy Pelosi – que possui um longo histórico de oposição à China – era considerada uma provocação e prometeu ações militares seletivas de represália contra Taiwan.

    Enquanto a deputada americana esticava sua turnê até o Japão, no dia 5 de agosto a China comunicou ao mundo que havia disparado mísseis sobre Taiwan pela primeira vez, aumentando as tensões na região. Líderes japoneses protestaram contra Pequim, depois que cinco projéteis caíram perto das ilhas japonesas. Três dias depois, no dia 8, Taiwan iniciou exercícios de defesa da ilha com artilharia real, se preparando para uma possível invasão chinesa.

    A notícia do dia 17 é que de acordo com uma fonte militar sul-coreana, a Coréia do Norte disparou dois mísseis de cruzeiro a partir da cidade de Onchon. Os projéteis foram atirados em direção ao mar ao longo de sua costa oeste. Os lançamentos aconteceram um dia após a Coréia do Sul e os Estados Unidos iniciarem uma temporada de exercícios militares conjuntos preliminares. Esses exercícios vêm se intensificando e no dia 22 alcançaram o seu nível máximo (o mais alto desde 2018). Conhecidas como Ulchi Freedom Shield (Escudo da Liberdade Ulchi), as manobras estão previstas para durar até 1º de setembro e deve envolver milhares de militares. Os detalhes não foram divulgados, mas normalmente incluem exercícios de campo envolvendo aviões, navios de guerra e tanques.

    No dia 24 de agosto, dia da independência da Ucrânia, o conflito com a Rússia completou seis meses. O mundo está diante de uma guerra que não se restringiu a querelas diplomáticas ou comerciais e tem provocado morte e destruição entre as duas nações fronteiriças.

    Desde fevereiro, a União Europeia com o apoio dos Estados Unidos vem impondo vários pacotes de sanções contra a Rússia de Vladimir Putin, incluindo medidas restritivas de caráter econômico e diplomático. Definitivamente essas sanções não surtiram o efeito almejado e a guerra persiste sem qualquer perspectiva de solução e mantendo a humanidade em permanente suspense.

    Sem nenhuma pretensão de me aprofundar nas questiúnculas geopolíticas da região, é inequívoco que os interesses comerciais e territoriais dos Estados Unidos e seus parceiros europeus, potencializados pela avidez expansionista do presidente russo, serviram de estopim para a eclosão do conflito bélico entre Rússia e Ucrânia.

    Em um contexto de palavras e ações belicosas de Vladimir Putin sobre a Ucrânia, da política de retaliações americana – apoiada por seus sócios europeus – promovida por seu questionado e desprestigiado presidente, Joe Biden, da retórica e ações nucleares em andamento de Kim Jong Un, líder supremo da Coréia do Norte, na Ásia, e das questões atômicas no Oriente Médio, em referência ao Irâ, vale destacar outro trecho da “advertência” do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, no “longínquo” 1º de agosto, na abertura da 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares: “a conferência deste ano ocorre em um momento de perigo nuclear não visto desde o auge da Guerra Fria”. “Acrescentando a ameaça de armas nucleares a esses conflitos, essas regiões estão caminhando para uma catástrofe”. Não apenas essas regiões, mas o mundo inteiro, diria esse que vos escreveu.

    Só sei que a “peia tá bem rasinha”. Agora não tome uma!

    * Texto finalizado em 25/08/2022.

  • A GREVE BANCÁRIA DE 1987 EM MOSSORÓ

    Em março de 1987, não se falava em greve de bancos privados no meio bancário mossoroense. O simples fato de comparecer a uma assembleia servia como motivo de advertência ou até demissão. Após cinco anos como escriturário no Banorte (hoje Banco Itaú), eu acabara de ser promovido a Chefe de Setor. Era responsável pelo setor administrativo/contábil da agência, que inclua a compensação de cheques (o grande nó do serviço bancário à época), fechamento contábil, cobrança e parte do atendimento. Já casado, minha filha mais velha, Isadora, tinha 8 meses.

    A categoria dos bancários já vinha de algumas greves bem sucedidas nos anos 80, porém, os movimentos se restringiam às principais capitais e algumas grandes cidades do país, onde a categoria era forte e tinha maior poder de mobilização. Em uma cidade como Mossoró, estava completamente fora de cogitação se pensar em fechar alguma agência de banco privado por motivo de greve.

    Mas algo aconteceu naquele longínquo 1987. Com a aceleração da inflação, os bancários viram o seu poder aquisitivo despencar. O resultado foi a primeira grande greve nacional fora da Campanha Salarial, que acontece em setembro. Conhecida como “Bola de Neve”, devido ao crescimento diário de adesões, a paralisação atingiu 80% da categoria.

    A greve foi decidida no dia 14 de março de 1987 no Encontro Nacional dos Bancários, em Campinas/SP e a partir daí as assembleias locais se sucederam. A participação de bancários do setor privado nessas assembleias em Mossoró, começou muito tímida. Mas embora sofrendo a pressão dos gerentes das agências (gerente de banco privado nunca se acha funcionário igual aos outros, até o dia em que é demitido), aos poucos essa participação foi crescendo.

    No dia 24 a greve foi aprovada e marcada para começar no dia seguinte. A pergunta: “quem vai fechar amanhã?” marcou o encerramento da assembleia. Os representantes do Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica e Bandern (banco estadual) garantiram fechar as agências espontaneamente, sem necessidade de grandes piquetes. Então chegou a vez dos bancos privados. Bradesco e Itaú, como sempre, não tinham representantes. Quando perguntaram sobre o Banorte, eu respondi: “nós fechamos”. Todos me olharam com cara de espanto. Os meus colegas de banco presentes questionaram: “mas Túlio, como é que você garante que fecha? Como é que a gente vai fazer isso?”. “Terminar aqui a gente decide”, respondi. Os representantes do Banco Econômico e do Banco de Mossoró também se manifestaram: “talvez a gente precise de piquete pra fechar”.  Ficou acertado que os funcionários de um banco fariam piquete em outro. A turma do Banco do Brasil encarregou-se de ir para o Banorte.

    Após a assembleia, nos reunimos (eu e mais uns dez “banortistas”) e decidimos que quem não quisesse participar dos piquetes deveria ficar em casa. E após muita insistência, ainda conseguimos convencer – indo na residência ou por telefone – mais alguns que não participavam das assembleias a não ir trabalhar no dia seguinte. A nossa estratégia seria não permitir o acesso de qualquer pessoa a agência. Funcionário ou cliente. Os funcionários começavam a chegar por volta das oito horas e a agência abria ao público a partir das dez. Seis horas, ainda quase sem movimento na rua, eu e mais uns três companheiros chegamos na agência e entupimos a fechadura, os ferrolhos e as dobradiças da porta principal com superbond.

    Quando os funcionários que não aderiram à greve começaram a chegar para trabalhar, não conseguiram entrar porque a porta não abria. Os “piqueteiros” conseguiram convencer alguns a voltar para casa explicando que a greve era nacional e irreversível. Quando o quadro gerencial começou a chegar, a movimentação do lado de fora da agência já era grande. Mas com o passar do tempo a maioria dos clientes e curiosos que se aglomerava à espera da abertura do banco começou a se dispersar. Só conseguiram abrir a porta depois das 11 horas e a agência ainda conseguiu funcionar precariamente nesse dia e nos seguintes. Os gerentes e alguns chefes de seção fura-greves, passaram a receber dos grandes clientes, depósitos e pagamentos em dinheiro e em cheques sem nenhum registro nos caixas e na tesouraria. O pós-greve no Banorte Mossoró foi um verdadeiro caos contábil. Mas isso já é outra história.

    Final do expediente bancário, era a hora de nos dirigirmos a AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) para a primeira assembleia de avaliação do movimento. O saldo, apesar de alguns pequenos tumultos, foi positivo. As agências dos bancos estatais fecharam sem problema, o Banco Econômico e o Banco de Mossoró aderiram à greve sem maiores contratempos e os grevistas do Banorte mereceram aplausos por sua ousada tática grevista. Como já era de se esperar, Bradesco e Banco Itaú abriram as suas agências normalmente. Foi assim em quase todo o Brasil. A estratégia para os dias seguintes, portanto, seria concentrar todos os piquetes nessas duas agências. Nós, os grevistas do Banorte de Mossoró, já havíamos feito a nossa parte. A ordem agora era participar dos outros piquetes.

    Por morar próximo ao Itaú, fiquei no comando desse piquete. Na época, eu e alguns amigos tínhamos uma charanga (ou batucada) e os instrumentos de percussão ficavam guardados em minha casa. Surdo, tarol, tamborim, reco-reco, ganzá e outros badulaques mais, que bem tocados ou não faziam um barulho desgraçado. No dia seguinte, logo cedo, lá estávamos nós, os “piqueteiros do samba”, na calçada do Itaú “armados” com os nossos instrumentos, formando uma espécie de corredor polonês e batucando no “pé do ouvido” de quem passava pela porta. Não conseguimos impedir o acesso dos funcionários ou fechar a agência, mas fizemos uma balbúrdia da “mulesta” durante todo o período do expediente. Quando já estava indo embora, o gerente da agência (amigo de cerveja nos fins de semana) veio falar comigo: “Túlio, rapaz. Isso não é greve. É baderna. Amanhã tem de novo?”. “Tem. Até vocês fecharem”, respondi. E assim o Itaú seguiu funcionando com muito batuque na moleira dos envolvidos.

    Ao chegar em casa por volta das 21 horas, após a assembleia na AABB, recebi a desagradável visita de um gerente do Banorte. Minha esposa, Maria José, com o nosso bebê nos braços, assim que abriu a porta falou logo assustada e preocupada: “Pronto Mô! Vai ser agora que você vai perder o emprego. Que é que a gente vai fazer?”. O sujeito, também amigo de cerveja nos fins de semana, foi logo falando: “Túlio, já vou avisando. A história que você é um dos líderes da greve, já chegou na gerência regional (em Natal). Você acabou de ser promovido e se não voltar ao trabalho amanhã vai ser demitido”. Eu, doido para tomar um banho e relaxar depois de um dia agitadíssimo, fui curto e grosso: “Volto não. Façam o que quiser. Mas lembre-se que você também será beneficiado com tudo o que a gente conquistar com a greve”. E o movimento que agitou a cidade de Mossoró naqueles dias de março e abril de 1987, prosseguiu em meio a protestos dos que se sentiam prejudicados e adesões dos que viam legitimidade nas reivindicações dos bancários.

    Com nove dias de greve, os funcionários do Banco do Brasil conquistaram um reajuste de 30%, fecharam o acordo com o banco e resolveram abandonar a paralisação. Na mesma assembleia em que foi feito esse anúncio, ficou decidido o fim da greve dos bancários em Mossoró. No dia 02 de abril os bancários grevistas de Mossoró voltaram ao trabalho. A greve nacional nos bancos privados, que começou com adesão parcial da categoria e sustentou-se com o apoio dos piquetes dos funcionários dos bancos estatais e estaduais, foi suspensa definitivamente no dia 06 de abril de 1987 sem nenhuma conquista efetiva. Os bancários dos bancos estaduais e privados saíram da greve com a sensação de terem sido traídos pelos bancários do Banco do Brasil. Mas essa também é outra história.

    Relatos de uma greve

    1. Fim do expediente, os grevistas se reuniam na Praça do Pax e caminhavam para a assembleia na AABB (no início do Alto de São Manoel) atrás de um carro de som que tocava sem interrupções a música “Gritos de Guerra” sucesso do Chiclete com Banana: Vou caminhando entre flores e guerras/Vou deslizando entre o bem e o mal/Um pouco louco entre monstros e feras/Sou cavaleiro do juízo final…. Até hoje o “grito de guerra”, Ê ô ê ô aiaiaiaiai/Ê ô ê ô aiaiaiaiai/Ê ô ê ô aiaiaiaiai ôôô martela na minha cabeça.
    2. Os piquetes no Bradesco foram tensos. Nos dois primeiros dias, alguns grevistas disfarçados entravam na agência e jogavam cigarros “temperados” com os terríveis “peidos-alemães” nas caixas de areia onde as pessoas escarravam (eca!) e jogavam pontas de cigarros (acreditem, nos anos 80 essa coisa gasturenta ainda existia). Quando os cigarros começavam a queimar, a fedentina tomava conta do ambiente e alguns funcionários de narizes mais sensíveis eram forçados a sair da agência. Quando os gerentes perceberam a artimanha, passaram a proibir a entrada de qualquer pessoa que não fosse identificada como cliente ou funcionário e a polícia foi chamada para formar um cordão de isolamento na porta do banco.
    3. Durante os nove dias de greve não tirei a barba. Fiquei parecendo Che Guevara de cabelos encaracolados. Quando cheguei em casa após a assembleia que decidiu pelo fim da greve, a primeira providência foi ficar de cara lisa e no dia seguinte fui trabalhar com a cara mais lisa ainda.
    4. No final da assembleia fatídica pedi a palavra e fiz um discurso baixando a lenha nos funcionários do Banco do Brasil. Nenhum deles presentes no local teve coragem de retrucar. Acabei chorando e fiz mais um “bocado” de bancários chorar também.
    5. Após as assembleias sempre rolava uma cervejinha, que ninguém é de ferro. Certa noite, munidos dos instrumentos de percussão, fomos para um barzinho e começou a rolar um sambinha (Vai passar nessa avenida um samba popular…, Eu fico com a pureza da resposta das crianças…, Apesar de você amanhã há de ser outro dia…) cantado às alturas. O tempo foi passando e o dono do bar (nosso amigo) começou a se incomodar e pedir, sem sucesso, para a gente parar com a “zuada”. Alguém chamou a polícia. O nosso amigo dono do bar até hoje jura de pés juntos que não foi ele. Chegaram cinco policiais. Os cinco estavam no cordão de isolamento na agência do Bradesco. Quando nos viram, um deles não se conteve: “Vocês de novo?!” e começou a rir. “Vieram no cheiro, só pode!” comentei. Era a hora de encerrar os trabalhos etílicos e ir cada um para a sua casa.
    6. Certo dia no piquete do Banco Itaú, dois funcionários fura-greves do Banorte vieram falar comigo. Um deles era recém-contratado e estava em treinamento no setor de cobrança. Foi o novato quem falou: “Túlio, o gerente resolveu lhe dar mais uma chance. Se você for trabalhar agora, não será demitido”. Eu respondi: “eu não vou ser demitido e quando eu voltar você será meu subordinado. Aí é você que vai ser demitido”. Ele se assustou e foi embora. O outro, eu consegui convencer a aderir à greve. Por incrível que pareça, quase 30 anos depois eu encontrei o tal novato como caixa na agência da Prudente de Morais (em Natal) do Banco Itaú. Nos reconhecemos, nos cumprimentamos, conversamos um pouco sobre a vida, mas eu não resisti: “e você, ainda continua muito ´babão` de gerente?”. Ninguém conteve o riso na bateria de caixas.
    7. Ah! Nenhum dos grevistas do Banorte foi demitido ou punido. Esse “milagre” está relacionado ao pós-greve do Banorte e o “caos contábil” citado anteriormente. A condição para virarmos a noite trabalhando (sem receber hora extra) para colocar ordem na contabilidade da agência, foi o compromisso assumido por escrito pela gerência regional do banco de não punir ninguém. Em 1989 surgiu uma oportunidade melhor de trabalho e eu propus ao banco uma demissão por acordo para não ficar com o FGTS de quase dez anos bloqueado. Não aceitaram e acabei pedindo demissão.
    8. Não citei o nome de nenhum personagem envolvido nessa narrativa (exceto o de minha esposa e minha filha), para não ferir suscetibilidades.
    9. Se alguém entre os meus milhões de leitores vivenciou o evento aqui narrado e percebeu alguma divergência ou deseja acrescentar algum fato novo, por favor se manifeste.
    10. Setembro de 1987, data base de negociação da categoria dos bancários passou em branco em Mossoró. Pelo menos entre os bancários dos bancos privados. Mas enfim! 1987 foi um ano muito “fodástico”. Foda + fantástico.
  • HISTÓRIAS VERÍDICAS DE FUTEBOL

    Que decepção!!!

    Certa vez, aí por volta de 1974, 75, quando ainda morava em Martins, fui passar uns dias de férias em Mossoró e fiquei hospedado na casa do meu tio Flávio Costa, vascaíno roxo e chato de doer. Eu tinha uns 13 ou 14 anos.

                Um final de tarde, quando ele ia chegando do trabalho me falou: “Aí Túlio, mas tarde nós vamos pro futebol”. Eu fiquei tão animado e ansioso que nem perguntei quem iria jogar.

                Bem antes das nove horas, que habitualmente era o horário dos jogos noturnos naquela época, eu já estava pronto para a noitada. Foi chegando a hora do jogo e o meu tio nem se mexia. Eu, com vergonha de perguntar alguma coisa, imaginava que a gente perderia o começo da partida ou não iríamos mais. Afinal o estádio Nogueirão ficava um pouco distante da nossa casa, localizada no início do Alto da Conceição, próxima à linha do trem.

                Quando faltavam uns dez minutos para as nove, tio Flávio se levantou da cadeira, pegou o rádio Transglobe Philco 9 faixas (o top dos tops dos rádios) recém adquirido em 12 suaves prestações, se despediu de Tia Lenira, e falou: “V´ambora Túlio”. Eu saí e fiquei na calçada esperando que ele tirasse a lambreta, o seu meio de transporte na época e que era guardada num “bequinho” ao lado da casa.

                Que nada. Ele me pegou pelo braço e falou: “Vamos indo rapaz”.

                E saímos andando em direção a linha do trem. E eu sem entender nada.

                Atravessamos a linha do trem e seguimos rumo ao Bairro Boa Vista até chegarmos a uma casa com uma calçada bem alta e que parecia abandonada, pois estava com as portas fechadas e não percebíamos movimento algum no seu interior. Quando lá chegamos, já estavam nessa calçada uns dez caras, amigos do meu tio e que pelo modo como se saudaram, também deviam ser vascaínos. Todo mundo se cumprimentou, colocaram o rádio no meio da calçada e ficamos lá, sentados naquela calçada alta, ouvindo o jogo que estava sendo transmitido. Pasmem! Flamengo e Olaria. Aí foi que eu fiquei sem entender nada mesmo. Como é que se reúne um bando de vascaínos em cima de uma calçada, para ouvir um jogo do Flamengo?

                A essa altura, visivelmente decepcionado, eu já havia percebido para qual futebol tio Flávio havia prometido me levar.

                E pra completar a decepção, o Flamengo perdeu de 2 a 1.

                Na volta, ainda tendo que aguentar as gozações daquele vascaíno enjoado, eu perguntei: “Tio, por que é que a gente teve que ir parar naquela calçada para ouvir um jogo pelo rádio?”. E ele respondeu: “É porque é naquela calçada que se sintoniza melhor a Rádio Globo em Mossoró”. Ainda insisti: “E por que um bando de vascaíno se reúne numa quarta-feira à noite pra ouvir jogo do Flamengo?”. E ele: “Já é combinado. Toda quarta a gente se reúne naquela calçada pra ouvir qualquer jogo que a Globo transmitir. É pra aproveitar o rádio novo”.

                Durma-se com uma dessas!!!

    A cabeleireira e o futebol

    Houve uma época, final dos anos 1990 e início dos 2000, quando saí de Mossoró para vir morar em Natal, que em qualquer jogo do Flamengo com transmissão na TV (ainda não havia essa “ruma” de canais esportivos pagos), a turma se reunia lá em casa, no conjunto Mirassol, para assistir.

                Podia ser qualquer jogo (Copa do Brasil, Brasileirão, Carioca, Libertadores, Copa dos Campeões, Mercosul, etc.) e em qualquer dia ou horário, estávamos lá acompanhados de muita cerveja gelada e do tradicional churrasco para torcer pelo Mengão.

                A “zuada” era grande durante o jogo e muito maior depois, quando começavam as acaloradas discussões entre os assistentes já tradicionais: eu, Túlio Filho, meus irmãos Caio e Deppe e os primos Gildo, Caio César e Neto Falcão. Esse o mais exaltado e mais barulhento de todos. Quando o Flamengo perdia, então…

                Um certo dia, minha esposa Maria José foi com Túlio Filho a uma cabeleireira, cujo salão ficava em uma casa na rua por trás da nossa.

                Túlio Filho lá cortando o cabelo e a cabeleireira começou a puxar conversa com Maria:

                – Mulher, você mora em qual rua aqui em Mirassol?

                E Maria:

                – Na rua ao lado. Na Rua das Orquídeas.

                E a cabeleireira:

                – Mulher, pois tem um pessoal nessa sua rua que faz tanto barulho em dia de jogo do Flamengo, que às vezes eu penso até em chamar a polícia. Eles ficam até de madrugada discutindo e gritando e não tem quem consiga dormir.

                Com essa Maria ficou calada, mas Túlio Filho que estava só ouvindo a história, não se conteve:

                – É lá em casa.

                E a cabeleireira totalmente desconcertada para uma Maria ainda mais sem jeito:

                – Pois é mulher, mas até que eu gosto de futebol!!!

                Depois dessa ninguém falou mais nada até terminar o corte de cabelo.

                Quando voltou pra casa, Maria veio me contar da vergonha que havia passado e deu o ultimato: “Ou diminuiu o barulho e a duração da bebedeira ou não tem mais jogo aqui”.

    Falei com os “zuadentos” e todos concordaram em maneirar na balbúrdia etílico-ludopédica. Durante algum tempo o comportamento foi exemplar. Fim de jogo cada um para sua casa, nada de discussão ou saideira. Mas, após uns quatro jogos tudo voltou ao “normal”.

                Ah! E a vizinha perdeu uma cliente.

  • O FIM DO SONHO AMERICANO

    Noam Chomsky e os “10 princípios da concentração de riqueza e poder”

    Noam Chomsky, 93 anos, é o mais importante intelectual dos tempos modernos. Linguista, filósofo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano. No documentário O Fim do Sonho Americano (2015 – EUA), ele detalha de forma bastante didática os seus 10 princípios da concentração de riqueza e poder nos EUA.

    Apesar de baseados na história americana, esses princípios podem ser aplicados a qualquer país que adota políticas econômicas protecionistas e neoliberais. Nada mais identificado com o que vem ocorrendo no Brasil e a sua república neo-pentecostal nacionalista cívico-militarista miliciana.

    1 – Reduzir a Democracia: Confronto entre a pressão por mais liberdade e democracia vindos de baixo e esforços por controle e dominação pela elite vindos de cima. O “excesso” de democracia poderia prejudicar os interesses dos mais ricos.

    2 – Moldar a Ideologia: Reação às lutas das minorias por igualdada social. Ofensiva empresarial para tentar reduzir os esforços de igualdade.

    3 – Redesenhar a Economia: Potencializar o papel das instituições financeiras, com o aumento nos fluxos de capital especulativo. Os trabalhadores e o trabalho não podem se mover, mas o capital pode.

    4 – Deslocar o Fardo: O trabalhador deixa de ser consumidor do que produz. A internacionalização da economia aumenta a concentração de renda. Diminui a tributação para as grandes empresas e o “fardo dos impostos” é deslocado para o resto da população, sob o pretexto de que isso aumenta os investimentos e o emprego.

    5 – Atacar a Solidariedade: A solidariedade é muito perigosa e onerosa. O indivíduo tem que pensar apenas em si. Isso não é problema para os ricos e poderosos, mas é devastador para o restante da população. Há um grande esforço para retirar essas emoções humanas da cabeça das pessoas. Vemos isso nos fortes ataques a Seguridade Social e a Escola Pública.

    6 – Controlar os Reguladores: A partir dos anos 1970, os órgãos governamentais reguladores da economia são “engolidos” pelo lobby das grandes corporações, que passam a controlar a legislação. O governo passa a ser financiador dessas corporações, para evitar colapsos financeiros. Mais uma vez, o contribuinte paga a conta.

    7 – Controlar as Eleições: A concentração de riqueza gera concentração de poder político. Partidos políticos passam a ser controlados pelas grandes empresas. É um golpe nos últimos resquícios da democracia plena.

    8 – Manter a Ralé na Linha: As organizações trabalhistas (sindicatos e movimentos trabalhistas) são uma barreira para a tirania corporativista. O “poder das massas” tinha que ser reprimido.

    9 – Consentimento na Produção: A indústria da publicidade surge com toda força, com o papel de “fabricar consumidores”. É necessário domar a população mais pobre e criar consumidores desinformados que farão escolhas irracionais, através do controle de suas crenças e atitudes. Isso também funciona nas eleições. Daí o poder das grandes empresas de publicidade nos processos eleitorais em grande parte do mundo.

    10 – Marginalizar a População: A maioria da população (70%) não tem como influenciar a política. A concentração de riqueza e poder acaba originando uma população raivosa, frustrada, que odeia as instituições, mas que não consegue agir construtivamente para reagir a isso. A tendência é uma sociedade individualista e com as relações sociais corroídas: “Tudo para mim, nada para os outros”.

                   Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo em 07/01/2018, Noam Chomsky discorre sobre vários assuntos. Merecem destaque, dois pontos em que ele fala sobre redes sociais e fake news, talvez os mais poderosos instrumentos de fabricação de consenso da atualidade e que podem perfeitamente servir como complemento aos seus “10 princípios da concentração de riqueza e poder”:

    – O uso das redes sociais por políticos (ele cita o exemplo de Donald Trump): “Os políticos as usam para o bem e para o mal. A técnica foi concebida para vários fins. Primeiro, se desviar de qualquer questionamento ou debate sério. Segundo, controlar sua base eleitoral, que o venera. E por último, manter a atenção da mídia focada nele e em suas extravagâncias diárias”.

    – A intenção por trás da produção das fake news: “A intenção é bastante clara: enganar, induzir ao erro e controlar. As fake news são populares, porque as pessoas percebem o poder estabelecido como hostil… Elas desconfiam do que vem das fontes da elite e procuram por algo que possam interpretar como favorável aos seus interesses e atitudes”.

    Chomsky costuma afirmar que escreve para o cidadão comum e que só ele pode vencer o isolamento: “Se as pessoas com um poder limitado querem fazer algo, seja vencer o sistema de propaganda ou simplesmente adquirir algum controle sobre suas vidas, têm que criar organizações que lhes proporcionem uma força para contrapor aos principais centros do poder e quem sabe expandir essa força em outras direções”.

    Nessa entrevista a’O Estado de São Paulo, o linguista e filósofo reafirma a sua convicção – ou esperança, quem sabe – no poder reativo do cidadão comum: “As técnicas que agora são usadas para influenciar as escolhas do consumidor e as preferências dos eleitores provavelmente vão se desenvolver ainda mais, a menos que o ativismo popular possa restringi-las. Uma tarefa grande e significativa”.

    Como um bom ativista, mesmo aos 93 anos, Chomsky ainda não perdeu a sua capacidade de sonhar.

  • BREGA: SER OU NÃO SER. EIS A QUESTÃO

    Em seu artigo, O ébrio louco e a música brega, para a edição de março desta Papangu, o confrade Damião Nobre questiona: “Mas, afinal, o que é música brega?”. A partir de matéria que produzi para o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da UFRN (A música brega como identidade musical do RN, que contou inclusive, com a gentil colaboração do próprio Damião), resolvi fazer um recorte visando aprofundar um pouco mais essa questão.

    Mas afinal, o que é “brega”?

    O Grande Dicionário Houaiss traz essa significação para “brega”: que ou quem não tem finura de maneiras; cafona, de mau gosto, sem refinamento, segundo o ponto de vista de quem julga; de qualidade reles, inferior; zona de meretrício; música de apelo popular, cujo público originalmente foram as classes economicamente menos favorecidas e que frequentemente apela para clichês, falando de trivialidades de cunho sentimental, entre outros temas. Definições nada agradáveis e suficientes para manter qualquer pessoa, artista ou não, longe do risco de ser considerada “brega”.

    Não é o caso do compositor, cantor, apresentador e produtor musical Fernando Luiz, que se orgulha de ser “brega” e tem um ponto de vista muito interessante em relação a esses conceitos negativos: “Se você vai no dicionário, brega é só sinônimo de coisa ruim. É fora de moda, cafona, pejorativo, sem qualidade. É terrível a definição. Eu acho que em termos de música, deveria ser criado um verbete para definir que a música brega é uma música simples, sem pretensões. Nunca afirmar que tudo que é brega não presta”.

    Um estilo

    A ideia do “brega” relacionado a um estilo é recorrente em nossa sociedade. O estilo “brega” está presente no modo como a pessoa se veste ou age, no modo de falar, de caminhar, no gosto musical (independente se é fã do “brega” ou não), nos lugares que frequenta e outras situações cotidianas. No final das contas, a pessoa pode ser “brega” no estilo e não ser “brega” no gosto musical.

    A origem

    Quanto à origem da palavra “brega”, encontramos, na literatura sobre o assunto, algumas definições, que no entanto, carecem de comprovação oficial.

    No seu livro “Verdade Tropical”, Caetano Veloso (1997), traz uma versão que, se não possui caráter oficial, não deixa de ser interessante para reflexão: “Nos anos 50 os brasileiros tinham como música comercial, sobretudo aquele tipo de canção sentimental barata que, depois de anos de bossa nova, rock americano, neo rock ‘n’ roll inglês, tropicalismo e rock brasileiro (BRock), voltou a dominar o mercado no final dos anos 80 e início dos 90, qualificada como ‘brega’ (palavra da gíria baiana, hoje usada como adjetivo, mas na origem um substantivo chulo que significava ‘puteiro’ dizem que, a partir do nome Padre Manuel da Nóbrega de uma rua de zona de prostituição em Salvador ou Cachoeira, sobre cuja placa quebrada restavam apenas as duas últimas sílabas do nome do sacerdote)”.

    Altair J. Aranha (2002) em seu “Dicionário Brasileiro de Insultos”, também reproduz essa versão não oficial: “Brega: de mau gosto, de baixo nível. Consta que a palavra teve origem em Salvador, mais propriamente numa área urbana de baixo meretrício onde uma placa indicando a rua Padre Manuel da Nóbrega teve gasto o letreiro, sobrando apenas as duas últimas sílabas. Aplica-se a pessoas que se mostram sem elegância, que exibem mau gosto”.

    Dentro desse contexto altamente negativo e pré-estabelecido em relação ao “brega”, muitos artistas não se sentiam à vontade em fazer parte desse universo musical, embora entre os maiores vendedores de discos do Brasil no início dos anos 1970, estivesse um representante do gênero: Evaldo Braga.

    Em “O homem da feiticeira: a história de Carlos Alexandre”, o jornalista Rafael Duarte destaca a ascensão do cantor de Campos dos Goitacazes, Rio de Janeiro: “O disco levou Evaldo ao topo em 1971, especialmente junto a uma faixa da população que se identificou com músicas que dispensavam metáforas e falavam abertamente de desilusões amorosas, traições e outros temas ligados ao relacionamento humano. ‘A cruz que carrego’ foi uma das músicas mais tocadas do LP. O rápido sucesso não deixou alternativa à gravadora senão lançar em seguida ‘O ídolo negro – Volume 2’. Se a estreia já tinha sido promissora, em 1972 Evaldo Braga confirmou as expectativas. A canção ‘Sorria, Sorria’ virou um clássico do gênero e sacramentou a condição do cantor como ídolo na periferia brasileira”.

    Ainda de acordo com Rafael Duarte, “o gênero romântico já vinha recebendo críticas da elite. Setores da classe média tacharam de brega e cafona a música abraçada e difundida pela periferia que, além de Evaldo Braga, descobriu Márcio Greyck, Fernando Mendes, Marcelo Reis, Carlos André, Bartô Galeno, Wando, Amado Batista, Sidney Magal e já tinha como referência cantores populares há um certo tempo na estrada a exemplo de Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Carlos Alberto, Lindomar Castilho e Waldick Soriano”.

    Sobre artistas que nunca aceitaram o rótulo de “brega” o jornalista cita em seu livro, Agnaldo Timóteo: “Agnaldo Timóteo nunca aceitou o rótulo de brega. O cantor romântico põe na conta do preconceito a divisão imposta pela elite na MPB”. E cita depoimento do ídolo no documentário “Vou rifar meu coração” de Ana Rieper (2011): “A mim não chamam nunca de brega. Porque quando eu pego o microfone eu viro um monstro. Quando Nelson Gonçalves gravou ‘Negue’ era cafona. A Maria Bethânia gravou virou luxo. É o preconceito que é inserido, divulgado, programado e multiplicado contra nós, cantores românticos de origem modesta”.

    Em 01/11/1998 em entrevista ao jornal Notícias Populares, Reginaldo Rossi respondeu a uma pergunta sobre como se definia musicalmente e se ser chamado de “brega” o incomodava: “Sou um cantor. Não incomoda o brega, eu progredi. Na época eu vinha de uma escola de engenharia e cantava iê-iê-iê com cuidado. Voltei para Recife porque tinha uma coisa de o cara cantar ou só no AM ou só no FM. O cantor era de classe A ou brega. Como eu cantava tudo fiquei sem saber o que fazer. Se falarem que é brega, quero que falem que sou brega ao quadrado. Assim vendo mais”.

    Desde maio de 2017, a música “brega” está incluída como uma das expressões artísticas genuinamente pernambucanas. A “lei do brega” começou a tramitar em 14 de fevereiro, data escolhida por ser o dia do nascimento dele, Reginaldo Rossi, um dos grandes expoentes da música “brega”, nascido e consagrado em Recife, falecido em 20 de dezembro de 2013.

    Em entrevista ao programa #Provoca da TV Cultura, em 11/05/2021 o cantor e compositor Odair José, revelou ao entrevistador Marcelo Tás que não gosta de ser chamado de “brega”: “Sobre o negócio do ‘brega’, eu não gosto. Eu sei que no Brasil existe uma cultura de achar que isso já é um estilo. Tudo bem, eu não me importo, quem quer chamar, chama. Mas o negócio do ‘brega’, eu acho que é diminuir a coisa. Pode inventar várias definições, mas a definição que eu conheço de ‘brega’ é ‘coisa de mau gosto’. Eu acho meio desagradável chegar para o cara e dizer: ‘O seu trabalho é brega, você está brega’. Eu, pessoalmente, não gosto”.

    É essa conotação negativa, que sempre relaciona o “brega” a mau gosto, baixo nível, algo deselegante e sem refinamento, que acaba por vezes fazendo com que o artista, ainda que inconscientemente, tente se desligar desse rótulo. O que não deixa de ser uma grande contradição. Se o cantor ou compositor consolidou a sua carreira a partir da produção de um tipo de música para o consumo do povão, sem grandes refinamentos estéticos, porque ele mesmo alimentar esse tipo de preconceito em relação ao “brega”?

    Portanto, chega de preconceito e vamos ser feliz no “BREGA”.

  • O HOMEM QUE VIROU PAUTA

    Nesse fevereiro, concluí oficialmente o curso de jornalismo na UFRN. Foi uma aventura e tanto. Acabei me atrasando em um semestre ou dois – nem sei direito – por causa da pandemia e o início do ensino remoto. Aquela confusão toda me deixou completamente desarvorado e acabei esquecendo de me matricular na época devida, no estágio obrigatório e no trabalho de conclusão de curso (TCC).

    O período de ensino presencial foi realmente fantástico. Voltar a uma sala de aula depois de mais de trinta anos e conviver com aquele bando de jovens que me acolheu como um dos “seus”, sem me dispensar qualquer tratamento diferenciado por causa da minha idade (55 anos quando entrei na faculdade em 2016), foi uma experiência que transformou a minha vida. Para sempre e para muito melhor.

    Confesso que no início foi um pouco assustador. Porém, o medo de ser “escanteado” por ser o mais velho da turma foi sendo superado aos poucos. Para isso recorri ao meu costumeiro bom humor e aos relatos de burlescas histórias e experiências de vida durante as conversas entre colegas de turma nos intervalos das aulas.

    Nunca vou esquecer dos servidores e terceirizados locados no Departamento de Comunicação que habitualmente me tratavam muito bem e insistiam em me chamar de “professor”, ainda que eu retrucasse sempre, que era aluno. Acho que eles nunca acreditaram no que eu dizia.

    A tradicional apresentação dos alunos a cada primeira aula de uma disciplina, demorava mais quando chegava a minha vez. Além do professor, sempre havia um ou outro aluno curioso em conhecer um pouco mais sobre aquele senhor grisalho, que parecia fora do contexto. A minha apresentação sempre começava assim: sou Marco Túlio, esquerdista desde o nascimento já que sou canhoto e petista antes mesmo do PT existir.

    A cultura geral acumulada em anos de leitura na busca por informações e conhecimentos, ajudaram muito durante as aulas. Em geral, quando um professor citava algum fato acontecido entre os anos 1970 e 2000, já vinha acompanhado do rotineiro: “Marco Túlio, você deve se lembrar. É do seu tempo”.

    Por volta do segundo período, já completamente entrosado com colegas e professores e também por causa dos meus bem vividos 56 anos, porém, com rostinho e corpinho de… 56, acabei virando pauta de reportagem no curso.

    Como sou uma pessoa muito fácil ou acessível (soa melhor) e diariamente estava transitando nos corredores do Departamento de Comunicação, era sempre procurado por alunos de outros períodos que estavam escrevendo matérias do tipo: “Pessoas com mais de 40 anos que voltaram a estudar”. Muitos nem me conheciam, mas os próprios professores me indicavam para ser entrevistado. E eles chegavam: “O senhor é o Sr. Marco Túlio?”. E eu respondia: – Ele mesmo. Mas se me chamar de senhor outra vez, não dou a entrevista.

    Não recusava nenhuma matéria. Fui fotografado e entrevistado umas dez vezes em quase cinco anos de convivência no departamento. Quem chegasse primeiro, levava. A matéria.

    Um pouco antes da suspensão das aulas por causa da pandemia, Cecília, uma colega de “corredor do Decom”, me procurou para gravar um vídeo contando minha experiência universitária. O dia marcado para a gravação foi o primeiro dia da suspensão das aulas presenciais na UFRN. Nunca mais nos vimos. Ela me mandou uma mensagem perguntando se eu poderia enviar um depoimento por escrito para o seu trabalho. É claro que respondi que sim e escrevi um pequeno texto em resposta à pergunta “O que o motivou a voltar a estudar?”. Eis a resposta:

    Não foi uma coisa muito pensada. Pra falar a verdade, foi quase como um desafio, uma brincadeira.  

    Eu tenho uma sobrinha, Andréia, que reclamava muito da dificuldade em passar no Enem. Sempre que nos encontrávamos ouvia essa reclamação. Certa vez eu disse: “Pois eu vou fazer o Enem e vou passar”. E ela: “Ah! Eu quero ver, tio”. E eu fiz minha inscrição no último dia do prazo. 

    O tempo passou e de repente chegou o fim de semana das provas. Na sexta-feira, eu estava em casa, tomando a tradicional cervejinha com minha esposa Maria e alguns amigos e fazendo um churrasquinho de leve, quando chegou minha irmã Stela, que é professora da UFRN, já me dando a maior bronca: “É bom maneirar na cerveja e ir dormir cedo, que amanhã tem prova”. E eu: “Puta merda! Tava nem me tocando”. Mas, para acalmá-la, falei que iria dormir cedo. Que nada! Fui dormir ou tentar dormir, quase às 3 da manhã. Acordei no sábado com uma ressaca desgraçada.  

    Logo cedo Stela me ligou dizendo que iria deixar Andréia no local da prova e que me levaria também. Fez realmente marcação cerrada. Fui fazer a prova, só Deus sabe como. Depois de mais de 30 anos, voltei a entrar em uma sala de aula e a me sentar numa cadeira escolar. Apesar da ressaca, consegui fazer a prova sem muitas dificuldades.  

    Quando entrei no ônibus pra voltar pra casa, encontrei duas amigas de minha filha Débora e perguntei: “Vão pra onde suas ‘tontas’?”. E elas responderam: “Lá pra sua casa. Debinha tá fazendo um churrasco pra turma”. Não deu outra. No domingo repetiu-se o “duo” ressaca-prova, só que com uma ressaca redobrada. Mas consegui chegar ao fim. 

    Para não encompridar muito a história, quando foi na época de sair o resultado do Enem, eu estava de férias com minha família em Tibau, uma cidade/praia próxima a Mossoró.

    Estava na varanda da casa, deitado numa rede e brincando com minha neta Beatriz, quando Andréia me ligou aos berros: “Tio Túlio! Você passou!”. Eu dei um pinote da rede que quase derrubo o bebê: “Caralho! Acredito não. E você passou?”. E ela: “Passei não tio. Mas esquece.  feliz demais por você”. Mas aí, tinha uma história de ficar acompanhando um “troço” lá pelo site e eu não podia interromper minhas férias. Então passei meu login e senha e disse que ela cuidasse de tudo e fui pra uma barraca na praia tomar umas pra comemorar. 

    Localizar o histórico no Colégio Estadual de Mossoró, onde concluí o segundo grau em 1978, para fazer a matrícula na UFRN foi outra saga. Essa depois eu conto. 

    É isso. Quando cheguei para a primeira aula – no longínquo 2016.2 -, mais nervoso que gato em dia de faxina, pensei: “Vou passar um mês ou dois por aqui, e depois desisto dessa aventura”. Mas, fui contagiado e termino o curso de Jornalismo em 2021. E devo isso a vocês, meus queridos colegas de curso, que sempre me trataram com tanto carinho. 

    PS. Iniciei e não concluí duas graduações: Agronomia e História. Em Mossoró.