Em seu artigo, O ébrio louco e a música brega, para a edição de março desta Papangu, o confrade Damião Nobre questiona: “Mas, afinal, o que é música brega?”. A partir de matéria que produzi para o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da UFRN (A música brega como identidade musical do RN, que contou inclusive, com a gentil colaboração do próprio Damião), resolvi fazer um recorte visando aprofundar um pouco mais essa questão.
Mas afinal, o que é “brega”?
O Grande Dicionário Houaiss traz essa significação para “brega”: que ou quem não tem finura de maneiras; cafona, de mau gosto, sem refinamento, segundo o ponto de vista de quem julga; de qualidade reles, inferior; zona de meretrício; música de apelo popular, cujo público originalmente foram as classes economicamente menos favorecidas e que frequentemente apela para clichês, falando de trivialidades de cunho sentimental, entre outros temas. Definições nada agradáveis e suficientes para manter qualquer pessoa, artista ou não, longe do risco de ser considerada “brega”.
Não é o caso do compositor, cantor, apresentador e produtor musical Fernando Luiz, que se orgulha de ser “brega” e tem um ponto de vista muito interessante em relação a esses conceitos negativos: “Se você vai no dicionário, brega é só sinônimo de coisa ruim. É fora de moda, cafona, pejorativo, sem qualidade. É terrível a definição. Eu acho que em termos de música, deveria ser criado um verbete para definir que a música brega é uma música simples, sem pretensões. Nunca afirmar que tudo que é brega não presta”.
Um estilo
A ideia do “brega” relacionado a um estilo é recorrente em nossa sociedade. O estilo “brega” está presente no modo como a pessoa se veste ou age, no modo de falar, de caminhar, no gosto musical (independente se é fã do “brega” ou não), nos lugares que frequenta e outras situações cotidianas. No final das contas, a pessoa pode ser “brega” no estilo e não ser “brega” no gosto musical.
A origem
Quanto à origem da palavra “brega”, encontramos, na literatura sobre o assunto, algumas definições, que no entanto, carecem de comprovação oficial.
No seu livro “Verdade Tropical”, Caetano Veloso (1997), traz uma versão que, se não possui caráter oficial, não deixa de ser interessante para reflexão: “Nos anos 50 os brasileiros tinham como música comercial, sobretudo aquele tipo de canção sentimental barata que, depois de anos de bossa nova, rock americano, neo rock ‘n’ roll inglês, tropicalismo e rock brasileiro (BRock), voltou a dominar o mercado no final dos anos 80 e início dos 90, qualificada como ‘brega’ (palavra da gíria baiana, hoje usada como adjetivo, mas na origem um substantivo chulo que significava ‘puteiro’ dizem que, a partir do nome Padre Manuel da Nóbrega de uma rua de zona de prostituição em Salvador ou Cachoeira, sobre cuja placa quebrada restavam apenas as duas últimas sílabas do nome do sacerdote)”.
Altair J. Aranha (2002) em seu “Dicionário Brasileiro de Insultos”, também reproduz essa versão não oficial: “Brega: de mau gosto, de baixo nível. Consta que a palavra teve origem em Salvador, mais propriamente numa área urbana de baixo meretrício onde uma placa indicando a rua Padre Manuel da Nóbrega teve gasto o letreiro, sobrando apenas as duas últimas sílabas. Aplica-se a pessoas que se mostram sem elegância, que exibem mau gosto”.
Dentro desse contexto altamente negativo e pré-estabelecido em relação ao “brega”, muitos artistas não se sentiam à vontade em fazer parte desse universo musical, embora entre os maiores vendedores de discos do Brasil no início dos anos 1970, estivesse um representante do gênero: Evaldo Braga.
Em “O homem da feiticeira: a história de Carlos Alexandre”, o jornalista Rafael Duarte destaca a ascensão do cantor de Campos dos Goitacazes, Rio de Janeiro: “O disco levou Evaldo ao topo em 1971, especialmente junto a uma faixa da população que se identificou com músicas que dispensavam metáforas e falavam abertamente de desilusões amorosas, traições e outros temas ligados ao relacionamento humano. ‘A cruz que carrego’ foi uma das músicas mais tocadas do LP. O rápido sucesso não deixou alternativa à gravadora senão lançar em seguida ‘O ídolo negro – Volume 2’. Se a estreia já tinha sido promissora, em 1972 Evaldo Braga confirmou as expectativas. A canção ‘Sorria, Sorria’ virou um clássico do gênero e sacramentou a condição do cantor como ídolo na periferia brasileira”.
Ainda de acordo com Rafael Duarte, “o gênero romântico já vinha recebendo críticas da elite. Setores da classe média tacharam de brega e cafona a música abraçada e difundida pela periferia que, além de Evaldo Braga, descobriu Márcio Greyck, Fernando Mendes, Marcelo Reis, Carlos André, Bartô Galeno, Wando, Amado Batista, Sidney Magal e já tinha como referência cantores populares há um certo tempo na estrada a exemplo de Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Carlos Alberto, Lindomar Castilho e Waldick Soriano”.
Sobre artistas que nunca aceitaram o rótulo de “brega” o jornalista cita em seu livro, Agnaldo Timóteo: “Agnaldo Timóteo nunca aceitou o rótulo de brega. O cantor romântico põe na conta do preconceito a divisão imposta pela elite na MPB”. E cita depoimento do ídolo no documentário “Vou rifar meu coração” de Ana Rieper (2011): “A mim não chamam nunca de brega. Porque quando eu pego o microfone eu viro um monstro. Quando Nelson Gonçalves gravou ‘Negue’ era cafona. A Maria Bethânia gravou virou luxo. É o preconceito que é inserido, divulgado, programado e multiplicado contra nós, cantores românticos de origem modesta”.
Em 01/11/1998 em entrevista ao jornal Notícias Populares, Reginaldo Rossi respondeu a uma pergunta sobre como se definia musicalmente e se ser chamado de “brega” o incomodava: “Sou um cantor. Não incomoda o brega, eu progredi. Na época eu vinha de uma escola de engenharia e cantava iê-iê-iê com cuidado. Voltei para Recife porque tinha uma coisa de o cara cantar ou só no AM ou só no FM. O cantor era de classe A ou brega. Como eu cantava tudo fiquei sem saber o que fazer. Se falarem que é brega, quero que falem que sou brega ao quadrado. Assim vendo mais”.
Desde maio de 2017, a música “brega” está incluída como uma das expressões artísticas genuinamente pernambucanas. A “lei do brega” começou a tramitar em 14 de fevereiro, data escolhida por ser o dia do nascimento dele, Reginaldo Rossi, um dos grandes expoentes da música “brega”, nascido e consagrado em Recife, falecido em 20 de dezembro de 2013.
Em entrevista ao programa #Provoca da TV Cultura, em 11/05/2021 o cantor e compositor Odair José, revelou ao entrevistador Marcelo Tás que não gosta de ser chamado de “brega”: “Sobre o negócio do ‘brega’, eu não gosto. Eu sei que no Brasil existe uma cultura de achar que isso já é um estilo. Tudo bem, eu não me importo, quem quer chamar, chama. Mas o negócio do ‘brega’, eu acho que é diminuir a coisa. Pode inventar várias definições, mas a definição que eu conheço de ‘brega’ é ‘coisa de mau gosto’. Eu acho meio desagradável chegar para o cara e dizer: ‘O seu trabalho é brega, você está brega’. Eu, pessoalmente, não gosto”.
É essa conotação negativa, que sempre relaciona o “brega” a mau gosto, baixo nível, algo deselegante e sem refinamento, que acaba por vezes fazendo com que o artista, ainda que inconscientemente, tente se desligar desse rótulo. O que não deixa de ser uma grande contradição. Se o cantor ou compositor consolidou a sua carreira a partir da produção de um tipo de música para o consumo do povão, sem grandes refinamentos estéticos, porque ele mesmo alimentar esse tipo de preconceito em relação ao “brega”?
Portanto, chega de preconceito e vamos ser feliz no “BREGA”.
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