Sobre

SONHOS E PESADELOS

Várias são as vezes em que me deito com os olhos pesados, piongos de sono devido a remédios. Eles não tardam a me jogar num tatame de sonhos confusos e, não raro, reincidentes. Imagino, por exemplo, que sou alguém de relevo nesta sociedade fria e insensível quanto uma laje tumular. Nos meus sonhos, entre outros perigos psicológicos, existe um leão bestial, terrificante, que me persegue de modo implacável entre as sendas do meu pensamento. Em certas ocasiões tenho receio dessa fera até mesmo quando estou acordado, escrevendo uma crônica onírica feito esta.

Há outros momentos mais insólitos, até bizarros, quando adquiro o poder de voar, no entanto nunca esses voos possuem coordenação nem obedecem à minha vontade. São decolagens fora de meu controle. Noutras oportunidades, diferentemente de minha força desordenada de voar, me vejo despencando de grandes alturas, caindo por um longo tempo numa espécie de abismo ou poço sem fundo.

Mas nem todos os meus sonhos são repletos de turbulências e animais ferozes, como aquele mencionado há pouco. Não. Há horas em que adormeço e me vejo entre amigos, trocando ideias animadas sobre autores e obras os mais diversos. De repente, então, alguém do grupo toma a palavra e diz olhando para mim e para os demais integrantes do círculo literário: “Você precisa acreditar mais no seu próprio talento, meu amigo. Não se contente com a mera condição de escrevinhador deste fim de mundo. Pois este país precisa conhecer você e sua escrita”. Aí suspiro cheio de orgulho e vaidade. Imaginem só uma coisa dessas, um borra-tintas do meu naipe.

No dia seguinte, ao despertar, alguns devaneios ainda seguem mexendo com meu ego. Tomo um banho rápido, preparo o velho moca de todas as manhãs e me coloco diante deste computador já caduco e começo a registrar, transformar em literatura (quiçá de má qualidade) algo de que o leitor menos exigente talvez se agrade. Assim, bebericando a rubiácea de quando em vez, recordo aquele elogio da noite passada e ora lhes exponho meus pensamentos, minha concepção de arte literária.

Não descambemos, todavia, para a velha receita de falar sobre o ofício literário, sobre as venturas e desventuras de nossa própria relação com as letras. Aqui, por meio de um monólogo sonolento, arrastado, pretendo relatar coisas que frequentemente me acontecem quando estou dormindo. É sobre meus sonhos tresloucados que almejo palestrar. São ocorrências que têm mil e uma naturezas. Algumas vezes me encontro de espírito leve, em condições amenas como se estivesse dirigindo um carro bonito na orla marítima (muito embora eu não saiba dirigir). Desvarios dessa ordem me sucedem aqui e acolá. Pois nem só de pesadelos são minhas madrugadas.

Em meio a essa miríade de ocorrências soníferas, eis que novamente me sinto na iminência de adquirir projeção nacional com estas minhas páginas suaves em certas ocasiões e sangrentas vez por outra. Tais oscilações se encontram, na maior parte dos casos, em gêneros distintos, a exemplo de crônicas, poemas, contos e até romances. São modalidades em que me exercito neste município tão obscuro quanto eu. Dormindo, no entanto, consigo me livrar da indiferença e do anonimato.

Nesta ocasião, como percebem, decidi expor (publicar) parte de minhas ocorrências noturnas, variações que geralmente costumamos denominar de sonhos ou pesadelos. No meu caso, não sei se devido aos psicotrópicos, me ocorrem mais pesadelos do que sonhos. Sobretudo quando certo leão entra em cena.

Escrito por Marcos Ferreira

CULPA | Capítulo VIII

Vaca Profana