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CULPA | Capítulo VIII

Acordei com um aroma de jasmim a invadir o ambiente. Mal o dia raiara, encontrei-a frente ao pequeno espelho, aspergia água-de-colônia no pescoço e nos braços roliços.

Quando deu pela minha presença, fingiu-se de ocupada com os afazeres domésticos.

— Vou preparar um café para nós dois.

Tomado pela beleza que flagrara, eu me pus de pé e fui ao seu encontro.

— Creuza, você sabia que…

A proximidade com ela calou a minha voz. Nem me lembrava há quanto tempo estivera assim tão perto de uma dama.

Sua timidez a mexer comigo, tornando-a ainda mais encantadora. O perfume do jasmim a me levar para longe, como se ele me deixasse ser conduzido por Creuza. Haveria um mundo diferente? O meu destino poderia ser refeito?

De repente ela me indagou:

— O senhor… está melhor? Precisa de…

Peguei nas suas mãos e fiquei silente a olhar para os seus dedos, pensando longe. Como se a querer me transportar para uma terra distante, recomeçar, refazer tudo outra vez. Isso poderia acontecer? O mundo e os Céus permitiriam?

— Preciso de… nada não, Creuza. Sua presença me basta.

Creuza ficou ainda mais constrangida: tirou suas mãos das minhas, dando-me as costas. Notei que os seus ombros tremiam. Teria sido deselegante com ela?

— Creuza, me desculpe, não tenho direito. Eu sou um bronco. Não serei digno de…

Creuza se voltou na minha direção. Uma lágrima pendurada naquele rosto tão delicado, a expressar algo que eu não sabia traduzir. Ela passou a palma das mãos pelo vestido de chita, como se não soubesse o que fazer com elas; e, desajeitada, rumou em direção ao fogão.

Mexeu nas panelas com uma falta de habilidade incomum. Ao preparar a massa para a tapioca, mais derramou no chão do que na frigideira. Quando uma colher caiu, fui ajudá-la. Nossas mãos se reencontraram, os olhares se cruzaram e, quando mais nos aproximamos, os lábios se fundiram; num beijo quente e caloroso.

— Creuza! Creuza!…

Alguém bateu lá fora.

— Creuza?! Vou entrando.

— Dona Das Dores — disse-me, sem largar as minhas mãos.

— Pensava sentir um cheirinho de café coado e o que encontro é um odor de jasmim?! — disse Das Dores, reparando nas nossas mãos dadas.

— E esse de queimado? Meu Deus do céu! A massa da tapioca! — Creuza atrapalhou-se com a ação a ser tomada. Afastei-a e tirei a frigideira da trempe.

Um silêncio se intrometeu entre nós. O tremor das mãos nos denunciava, sem mencionar o rubor da face de Creuza. Fomos salvos daquele mal-estar por Dona Das Dores:

— Pelo jeito, se eu não preparar esse café da manhã, os dois ficarão de jejum.

Descartou a massa queimada, providenciou uma nova, umedecendo-a com leite de coco. Botou o bule com água para ferver e, em instantes, o casebre cheirava a café novo com tapioca.

— Sirvam-se à vontade. Vou em casa e volto mais tarde.

Olhamo-nos, mas a nossa fome era outra. Demo-nos novamente as mãos, enquanto eu ficava a matutar. Minha vida poderia ser refeita? O destino permitiria?

Lá fora uma brisa varria as folhas do terreiro, trazendo um aviso de chuva. Percebi que Creuza se aproximara mais com o seu perfume de jasmim, colocando a sua cabeça sobre o meu ombro.

— Não sabia que o senhor também gostava… de mim.

Quis lhe dizer algo; não pude. Certas coisas não cabem nas palavras.

Escrito por Clauder Arcanjo

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