Por Clauder Arcanjo
Os sinos da Matriz badalaram, e Licânia amanheceu invadida pelo revoar festivo do passaredo.
— Seu Zequinha saiu do coma! Seu Zequinha saiu do coma!
A notícia, a ecoar entre o bulício das ruas, rivalizava com o trinado dos pássaros.
— Glória a Vós, Senhor!
— Jesus é grande.
— E maior ainda a Sua misericórdia.
— Viva Senhora Sant’Anna!
— Viva São José!
— Viva!…
A frente do hospital passou a reunir um grupo ainda maior do que nos dias anteriores. Feirantes, agricultores, pequenos comerciantes, mendigos… Todos tomados pela alegria devido à boa-nova.
Licânia parecia em dia de comício.
— Seu Zequinha, Seu Zequinha! — gritavam alguns.
— “Segura na mão de Deus, e vai…” — cantavam, em prece, as Filhas de Maria.
O padre Araquento já puxara vários terços; no entanto, com a informação de que o quadro clínico do paciente melhorava a cada boletim médico, a turba se abraçava, cantava e, com pouco mais, ninguém seguia os mistérios. Logo depois uma garrafa de pinga corria de mão em mão.
Foram enterrados todos os arroubos de vingança e, desde então, tudo levava a tinta da felicidade.
Companheiro Acácio, percebendo que o foco da multidão mudara do protesto para o êxtase, resolveu discursar:
— Licanienses, povo bravio das ribeiras do Acaraú, vamos aproveitar a oportunidade para nos rebelar contra a violência dos poderes constituídos. Temos que iniciar uma campanha de desarmamento em toda a nossa urbe, e…
— Cale a boca, Acácio! — reclamou o cabo Jacinto.
— Calma, calma! — resolveu ponderar Acácio, de olho no cacete de jucá que o cabo portava na cintura.
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A porta principal se abriu.
— Silêncio! — gritou Gazumba, já com a voz engrolada pela força da pinga.
Doutor Sávio solicitou um minuto de atenção aos presentes, afirmando em seguida:
— Estou aqui em nome de toda a equipe médica do hospital para avisá-los quanto ao quadro do meu pai. A situação…
— Seu Zequinha, Seu Zequinha!…
— Silêncio! Ordem, ordem! — esbravejou o cabo Jacinto Gamão.
— A situação… está estável, e o paciente se encontra lúcido. Deve ser liberado para a continuidade do tratamento no seu domicílio no final da tarde de hoje.
— Seu Zequinha, Seu Zequinha!…
— Glória a Vós, Senhor!
— Jesus é grande.
— E maior ainda a Sua misericórdia.
— Viva Senhora Sant’Anna!
— Viva São José!
— Viva!…
Nesse momento a emoção trouxe lágrimas de contentamento ao médico, sempre tão acostumado em manter o controle nessas situações:
— Minha mãe me pediu que eu agradecesse pelas orações de todos. Ela me disse que a medicina fez uma parte, mas que os doze apóstolos do Céu…
A voz falhou.
— Muito obrigado, de coração — concluiu.
O festejo voltou a imperar na frente do hospital. Licânia mergulhou na festa.
— Fica sempre um pouco de perfume/ nas mãos que oferecem rosas/ nas mãos que sabem ser generosas…
Os sinos da Matriz repicaram, e a noite demorou a chegar.