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Culpa | Capítulo XXI

Por Clauder Arcanjo

Quando o reforço policial chegou a Licânia, encontrou quase toda a população diante da delegacia.

Em meio ao tumulto, o padre Araquento, as pias Filhas de Maria, o sacristão e outros católicos, nem tão praticantes assim, puxavam o rosário em honra à Senhora Sant’Anna.

Companheiro Acácio cuidou de separar os diferentes grupos. A fim de evitar o encontro e possíveis rusgas entre o sacro e o profano, segundo argumentação acaciana, posicionou os fiéis na parte da frente da multidão, convidando a turma da pinga e do forró para ocupar a parte da retaguarda. No meio, uma legião de homens, mulheres e crianças movidos pela ideia de reparar tão flagrante injustiça.

Gordinho colocou o tamborete-palanque no alto da calçada da delegacia. Sobre ele, vários oradores e oradoras se revezavam, mantendo a multidão unida e mobilizada em torno da causa. Acácio, com algumas pingas a mais, renunciou ao cargo de porta-voz do levante; fez isso após a terceira queda.

— Ô pinga braba! — ouviu-se entre os presentes.

— Perdoem-me, cidadãs e cidadãos desta terra tão bravia, mas tenho fobia à altura. Nomeio ad hoc o companheiro João Américo para tão augusta missão, enquanto eu me juntarei ao grupo da logística — anunciou Acácio, mantendo-se em pé com muita dificuldade, zonzo devido aos eflúvios da carraspana.

João Américo aceitou a missão, mas a condicionou ao reforço no número de pessoas, quando da subida, bem como na sua manutenção no alto e na descida do tamborete. Iniciou o primeiro improviso mencionando As Catilinárias, de Cícero. A turba aplaudia-o com entusiasmo, mesmo sem entender de nada quando ele se empolgava com as citações em latim.

Em certo momento, dia alto, o comandante do regimento policial anunciou:

— Desafasta!

E foi entrando, abrindo espaço com bordoadas a torto e a direito. Quando ele atingiu a cabeça de uma jovem que se encontrava orando, o padre Araquento disparou:

— Enviado do Belzebu!

O comandante se voltou para o local em que se encontrava o pároco de Licânia e, tomado de fúria, rumou em sua direção.

— O que o senhor disse?

— Enviado do Belzebu! — repetiu padre Araquento.

O cassetete subiu, e seu Zequinha se interpôs entre o padre e o comandante. A pancada forte atingiu-o no alto da cabeça. O sangue escorreu em jorro, descendo pela testa. Um silêncio se fez, enquanto Zequinha cedia, ficando de joelhos.

— Meu Deus! — gritaram todos.

— Afastem-se, temos que levar depressa o seu Zequinha para a urgência médica — pediu o ex-delegado de Licânia.

Companheiro Acácio, João Américo, Gordinho e o cabo Jacinto tomaram-no pelos braços e conduziram-no às pressas. A multidão, respeitosa, abria caminho para a passagem do ferido.

— Cristo Jesus, São José e Senhora Sant’Anna, cuidai deste bom homem! — orava Creuza. Nesse instante o cego Julião das Queimadas, sentado no adro da Igreja Matriz, jurou, pela luz dos seus olhos, que os sinos repicaram em dobres fúnebres.

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