O som do tatibitate infantil, cantigas e risadas que entram pela janela mostram que as férias chegaram trazendo as netas dos vizinhos para uma temporada que parece estar sendo divertida. Sei que são duas meninas, uma com seus 3 anos e outra mais bebezinha. Do meu quarto, enquanto escrevo, acompanho as tão conhecidas brincadeiras de infância e inspiro fundo quando a memória chega com uma avalanche de lembranças e me levam à criança que ainda vive dentro de mim, mas que andava meio escondida nos últimos tempos.
Ninguém aqui está dizendo que a vida é fácil, mas – vamos combinar – que os últimos anos têm cobrado um preço altíssimo à saúde mental de todos. Bom, pelo menos àquela parcela da sociedade que se preocupa com o entorno, com o local em que vive, as pessoas ao redor. Sinceramente, não consigo ignorar a miséria que avança, desemprego, precarização, perdas de direitos, negacionismo.
A criança que ainda sou continua se entristecendo diante das desigualdades, se emocionando com a miséria, se indignando com descaso e casuísmos políticos. Sim, sempre fui solidária e tentei me colocar no lugar dos outros. Nunca fui indiferente à dor e sofrimentos alheios e costumo fazer o possível para de alguma forma ajudar, seja com um abraço, um auxílio financeiro, um prato de comida, uma roupa usada, um sapato, divulgando alguma iniciativa, fazendo uma vaquinha, lutando por direitos e contra abusos.
Quem pensa que as coisas caem do céu não tem a menor ideia de quantos caíram presos e mortos e machucados na luta por direitos hoje considerados até chatos, como a obrigação de votar e escolher os nossos representantes ao invés de aceitarmos a indicação de apaniguados da ditadura. Ou com a exigência de concurso público para cargos e funções públicas que antes só eram ocupados por parentes e amigos do rei.
Educação pública e gratuita, Sistema Único de Saúde, estabilidade do servidor público concursado, eleições diretas, direitos trabalhistas, salário mínimo com correção anual, regularização profissional, entre outras tantas coisas, são fruto da pressão de movimentos sindicais e populares. São conquistas e não dádivas. Que precisam melhorar, ser aperfeiçoadas, precisam. Arregacemos as mangas, a luta é constante.
Se menciono tudo isso é porque a criança que mora em mim sempre sonhou com a igualdade social. E continua sonhando. A voz do povo chileno cantando num vídeo que circula por aí me levou às lágrimas porque me reconheci no canto e na esperança. “De pie, luchar/Que vamos va a triunfar/Avanzan ya/Banderas de unidad/Y tú vendrás/Marchando junto a mí/Y así verás/Tu canto y tu bandera florecer…”.
O final do ano não é o final dos tempos, como diria o Drummond. Que seja, então, um começar de novo, onde, apesar dos que aí estão, há de ser outro dia. Um dia em que sonharemos juntos com um país melhor e mais justo. E o faremos assim.
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