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CADÊ A BOLA?

Quando eu morava em Martins, lá pelo ano de 1976, aconteceu um campeonato de bairros que prendeu a atenção de toda a cidade. A competição foi organizada pela secretaria de esportes do município, com o apoio das associações de bairros e eclesiásticas. Os principais bairros da cidade estavam lá representados: Centro, Prédios, Jacu, Canto, Levada e a temível Rua das Pedras.

            A Rua das Pedras era uma ruazinha um pouco afastada do centro e cujo solo era totalmente formado por pedras de vários formatos e tamanhos, ideais para lascar o quengo de algum sujeito desavisado e metido a besta. Os seus jogadores eram famosos por sua truculência dentro e fora de campo.

            O campeonato transcorria tranquilamente com rodadas no final de semana, até que se aproximou o dia do clássico Centro X Rua das Pedras, que decidiria o primeiro tuno do campeonato.

            Os jovens do Centro, filhos das famílias mais abastadas da cidade, nunca se deram muito bem com a turma da Rua das Pedras, de classe mais humilde. Sempre que se encontravam – em qualquer ocasião – pintava confusão.

            A semana do jogo foi muito tensa. O padre fez sermões durante as missas pedindo paz aos jogadores e torcedores e nos colégios os professores faziam o mesmo durante as aulas. O efetivo policial ficaria atento durante toda a partida para evitar qualquer confusão.

            Finalmente chegou o dia grande da decisão. Um domingo à tarde.

            Havia duas bolas para serem usadas durante a partida, que foi iniciada com a bola nova comprada especialmente para a ocasião. A reserva estava lá apenas por exigência do árbitro, mas não passava pela cabeça de ninguém que fosse necessária a sua utilização, até porque já se encontrava em estado bastante depauperado.

            Logo nos primeiros minutos de jogo, um zagueiro da Rua das Pedras acertou uma bomba em direção a um matagal que havia ao lado do campo e a bola sumiu. Todo mundo se embrenhou no meio do mato em busca da dita cuja, mas ninguém conseguiu encontrá-la. Depois de mais de 10 minutos de paralisação e procura inútil, o jogo recomeçou com a bola reserva, bem surrada e já com algumas costuras se desfazendo.

            A partida seguiu com muita intensidade e pancadaria dos dois lados e a coitada da bola cada vez mais maltratada, até que aos cinco minutos do segundo tempo, o Centro conseguiu fazer um gol. A essa altura, a pelota já se encontrava em péssimo estado, com a sua borracha interna começando a surgir por entre os gomos descosturados.

            Aos 25 minutos o juiz apitou uma falta para a Rua das Pedras, no meio do campo. O jogador encarregado da cobrança colocou a bola no chão com a parte descosturada em sua direção, tomou distância e acertou um bico na borracha exposta. Só se ouviu o estouro e as gargalhadas do espertinho com o pé enfiado na bola furada.

            Correu todo mundo de novo para o meio do mato, mas nada de achar a primeira bola que havia se perdido por lá. O juiz encerrou a partida por falta de bola e iluminação e deu a vitória ao Centro. Inconformados os jogadores da Rua das Pedras iniciaram uma pancadaria generalizada que só terminou com a intervenção da polícia.

            Diante do inusitado, os organizadores da competição resolveram marcar um novo jogo. Depois de muitas reuniões e apelos do padre, pastor, prefeito, diretores de escolas, juiz e delegado, pela sequência da competição, os representantes do Centro e Rua das Pedras não aceitaram a sugestão de uma nova partida, a coisa esfriou e o Campeonato de Bairros de Martins, primeiro e último, se encerrou ali mesmo, sem nenhum campeão declarado e com o prejuízo do desaparecimento de uma bola nova.

            Reza a lenda, que dias depois apareceu um moleque com uma bola bem novinha fazendo embaixadinhas lá pela Rua das Pedras.

Escrito por Marco Túlio

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