Por Clauder Arcanjo
Creuza entrou com passo lento. Sentou-se perto do fogão frio, pois a casa estivera fechada por muito tempo. Antes de acender o fogo, resolveu orar. A cabeça confusa, as lembranças a se meterem por entre as orações. Como não conseguia avançar sequer no pai-nosso, abriu os olhos e decidiu interromper as preces. Sua mãe lhe ensinara que Deus conversa melhor com a gente em silêncio.
— Creuza? Ó, Santa Maria!…
— Meu Deus!
Ao virar-se, deu com a presença do amado.
Abraçaram-se longamente. Os dois em lágrimas.
— Creuza, minha filha, como você sabia que eu estaria aqui?
Ela passa a mão pelos olhos lacrimejados, pigarreia e diz:
— Eu suspeitei de que, antes de você ganhar o mundo novamente, revisitaria o nosso… cantinho.
Percebendo que algo a afligia, perguntou:
— Você me parece angustiada. Alguma novidade, Creuza?
Ela afastou-se em direção à porta de entrada, como se ganhasse tempo. Virou-se para ele, segurou firme em suas mãos e, num jorro só, com receio de lhe faltar coragem, anunciou:
— O soldado Maguinho, meu filho, foi preso por ser o principal suspeito pela sua fuga.
& & &
Creuza voltou à casa do seu Zequinha na madrugada seguinte. A cidade dormia quando ela entrou pelos fundos, enfiando-se direto na cozinha. Sabia que dona Lídia já estava a preparar o café.
— Bom dia, dona Lídia!
— Que bom que você voltou, senhorita Creuza. Seu Zequinha e dona Maria estavam muito preocupados com o seu sumiço. Por onde você andou? Este sertão é muito perigoso para quem corre por ele desacompanhado.
Antes de sentar-se, Creuza ajudou Lídia a pôr a mesa. Com pouco respondeu:
— Fui cumprir com um compromisso de fé, amiga. Coisa inadiável e que não poderia aguardar. Espero que me entenda?
Lídia, a coar o café sobre o fogão, manteve-se calada. Há coisas que é melhor respeitá-las na condição de segredo.
— Sirva-se. Depois vá para o seu quarto, tome um banho e descanse um pouco. Na certa você vai querer conversar com seu Zequinha. Suas coisas estão tudo arrumadas. Há um lençol e uma toalha de banho limpinhos aguardando você.
Creuza, antes de se recolher, deu um beijo afetuoso na testa da amiga Lídia.
& & &
— Bom dia, seu Zequinha.
— Bom dia, Creuza. Já estava aguardando você. Sente-se.
Seu Zequinha afastou a agenda de anotações, que estava sobre a escrivaninha, sinalizando para Creuza que estava completamente atento à sua narrativa.
Creuza, um pouco cabisbaixa, não sabia bem por onde começar. Respeitava muito aquele homem e estava em dúvidas se as suas últimas ações seriam aprovadas por ele.
— Você esteve com ele, Creuza?
— Sim.
— Quando ele se apresentará? Temos que evitar a injustiça com a prisão do pobre soldado.
— Ele concorda, mas teme por sua vida — declarou Creuza.
Zequinha toma um bloco de notas, que se encontrava na primeira gaveta e escreve um bilhete em letras cursivas.
— Peça ao Marquinhos para levar este meu pedido ao advogado Mateus. Por enquanto, aguardemos.
Creuza encheu os olhos de emoção, levantou-se e seguiu em direção à porta do escritório, não sem antes se voltar, dizendo:
— Muito obrigada, nem sei como nós podemos agradecer tanto zelo que vocês têm conosco. Deus lhes pague.
— Vá, filha. Quanto mais cedo agirmos, melhor.
& & &
No dia seguinte, na delegacia de Licânia.
— Sim, comandante. O homem acabou de se entregar. Veio acompanhado do seu advogado.
Em frente à mesa, o advogado Mateus acompanhava aquela ligação, pois ainda restava uma missão a cumprir: ordem do seu avô.
O delegado, ao telefone, inquieto.
— Mas… Como?! Obedecerei. Bom dia.
Ao desligar, suspira irritado.
— Outro problema, delegado?
— O secretário de Segurança Pública exige que mantenhamos a prisão do Maguinho. Até termos certeza de que não houve, por parte dele, ajuda na fuga do seu cliente.
— Pois, então, serei também advogado da causa do soldado Maguinho. Posso ter um momento com o meu novo cliente?
O delegado levanta-se e chama por um dos seus:
— Sargento Palmiro, leve o doutor até a cela do soldado Maguinho.
Lá fora, uma multidão se formara diante da entrada do prédio. Parecia que a notícia se espalhara por todas as ruas da cidade. Ao saberem que o soldado Maguinho permanecia recolhido, apesar do fugitivo ter-se entregado, uma onda de protesto cresceu entre os presentes.
Gazumba e Acácio adiantaram-se e protestaram:
— Justiça! Justiça!…