Por Ana Cadengue
Parecia final da Copa do Mundo. Mas era o povo lutando pelo projeto de país que mais lhe representava. Enquanto os principais jogadores, vamos chamar assim, se resguardavam. As notícias davam conta de que o time da casa jogava sujo para impedir o populacho de fazer valer sua vontade.
Depois de um dia tenso, a concentração em frente a aparelhos de TV para acompanhar a apuração mais uma vez lembrava uma final da Copa do Mundo. Bandeiras desfraldadas, famílias e amigos reunidos à espera do resultado que iria definir que Brasil queríamos.
As primeiras parciais começaram a ser divulgadas às 17h02, quando Lula apontou na frente com quase 60% dos votos válidos e logo foi ultrapassado por Jair Bolsonaro. O nervosismo tomava conta de quem esperava os votos do Nordeste, de Minas Gerais e de parte da Região Amazônica entrarem em campo.
Às 18h44, Luís Inácio vira o jogo e a alegria explode. Gritos, música, choro, fogos de artifício, emoção.
Como o jogo só termina quando acaba, como muitos costumam dizer, o lance era aguardar o anúncio oficial do Tribunal Superior Eleitoral. Às 19h56 do domingo, 30 de outubro, com 98,91% das urnas apuradas, Lula foi considerado eleito após receber 59.563.912 votos (50,83% dos votos válidos), contra 57.675.427 votos (49,17% dos votos válidos) de Bolsonaro.
Aos 77 anos, o nordestino de Garanhuns, em Pernambuco, foi eleito para o seu terceiro mandato como Presidente da República pela coligação Brasil da Esperança (formada por FE Brasil (PT/PCdoB/PV)/Solidariedade/Federação PSOL-Rede/PSB/Agir/Avante/Pros) e o apoio de lideranças de outros partidos.
Após o resultado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que que a vitória é de todos que “amam a democracia” e “querem um país mais justo” e afirmou também que a eleição dele representa a derrota do “autoritarismo e do fascismo“.
“Olha, eu queria apenas dizer para vocês que essa não é uma vitória minha, não é uma vitória só do PT. Essa foi uma vitória de todas as mulheres e homens que amam a democracia, que querem liberdade, que querem um país mais justo. Essa foi a vitória das pessoas que querem mais cultura, que querem mais educação, que querem mais fraternidade, mais igualdade. Essa vitória é de todos os homens e mulheres que resolveram libertar esse país do autoritarismo”.
“E essa, de todas as histórias que eu tive, essa é vitória mais consagradora, porque nós derrotamos o autoritarismo e o fascismo desse país. A democracia está de volta no Brasil. A liberdade está de volta no Brasil. O povo vai poder sorrir outra vez. O povo vai poder ter acesso à cultura, porque a cultura vai voltar muito forte para esse país. A educação vai voltar muito forte para esse país e as pessoas que estão dormindo debaixo da ponte vão voltar a comer, vão voltar a ter moradia e vão voltar a ter emprego. Essa é uma das tarefas que vocês me deram e eu espero nunca, espero nunca cair o sonho que levou vocês a acreditarem que era possível reconstruir esse país”.
Dentre suas promessas, Lula fez questão de destacar no discurso da vitória que o seu principal compromisso é acabar com a fome dos mais de 33 milhões de brasileiros. “E eu volto a prometer pra vocês. Eu tenho muitos compromissos, muitas tarefas, mas a mais essencial é garantir que cada criança, que cada mulher, que cada adolescente, que cada homem, possam todo dia tomar café, almoçar e jantar as calorias e as proteínas necessárias”.
Passado um mês da eleição. Luís Inácio e Geraldo Alckmin reuniram centenas de pessoas em grupos de trabalho para montar estratégias e definir políticas públicas para o governo que em breve começa. O senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Orçamento, protocolou na última segunda-feira, 28, a primeira versão da PEC do Bolsa Família, que abre caminho para combater a fome, atender serviços sociais urgentes e realizar investimentos públicos.
A PEC cria as condições fiscais, entre 2023 e 2026, especialmente em relação ao teto de gastos, para o pagamento de R$ 600,00 às famílias em situação de pobreza e de benefício voltado a famílias com filhos até 06 anos de idade. O orçamento deixado pelo atual governo não fez previsão dos recursos necessários.
“Estima-se que seja necessária uma dotação orçamentária de até R$ 175 bilhões para o programa de transferência de renda, sendo R$ 70 bilhões adicionais ao previsto no projeto de orçamento encaminhado pelo Poder Executivo”, define a justificativa da PEC.
A PEC também prevê a possibilidade de realização extraordinária de investimentos públicos quando houver excesso de arrecadação de receitas correntes no exercício anterior, com limite estabelecido na proposta e estimula a captação de recursos em áreas estratégicas para projetos ambientais e recursos próprios de instituições federais de ensino.
Enquanto os olhares se voltam para Brasília e os preparativos para a posse do presidente que se comprometeu a reconstruir o país e tirar o Brasil desse clima de terra arrasada, ainda se observa o silêncio sepulcral do então presidente Jair Bolsonaro e seu séquito de ‘patriotas’ que não aceitam a derrota e aguardam algum tipo de intervenção.
A despeito de desejos individuais e interesses de pequenos grupos, a diplomação do presidente Lula está marcada para às 14h do dia 12 de dezembro. A entrega do diploma oficializa o resultado das urnas. É o último passo do processo eleitoral e, também, uma condição formal para a posse, marcada para 1º de janeiro.
“A partir de agora (2016), se me prenderem, eu viro herói. Se me matarem, viro mártir. E se me deixarem solto, viro presidente de novo”. É, bem que Luís Inácio falou. Luís Inácio avisou.
“Eu quase que fui enterrado vivo neste país. Eu considero o momento que estou vivendo quase uma ressurreição. Eu recuperei, eles pensavam que tinham me matado, eles pensavam que tinham acabado com a minha vida política, eles me destruíram contando mentiras ao meu respeito. E graças a Deus eu estou aqui firme e forte, amando outra vez e apaixonado pela minha mulher. E é ela que vai me dar forças para enfrentar todos os obstáculos. E eu quero dizer pra vocês que não há nada nesse mundo que vai me fazer esmorecer, não há nada nesse mundo que vai proibir de fazer o que tem que ser feito nesse país, esse povo tem que voltar a sorrir, esse povo tem que voltar a comer, esse povo tem que voltar a trabalhar, e eu vou outra vez recuperar o Brasil diante do mundo”.