Últimas histórias

  • AMENIDADES BADULAQUIANAS

    O mundo “despinguelou” de vez. São tantas coisas complexas e desconexas, que eu estou “preocupada mente” perplexo (escrevi “preocupadamente” e o corretor ortográfico do word me sugeriu assim – separado – e tem tudo a ver). Tenho a sensação de que estamos vivendo o “pós-fim do mundo”. Será que essa “bagaça” chegou ao fim e não nos demos conta? “Sendo assim”, como canta o fantástico Genival Santos (ouça aqui), resolvi que para este caótico e esbraseante mês de outubro, os badulaques serão dedicados a amenidades musicais. Licença, meu confrade Damião Nobre.

    ÁFRICA BRASIL: UM DIA JORGE BEN VOOU PARA TODA A GENTE VER

    Dia desses estava ouvindo na Rádio CBN uma entrevista com a jornalista Kamille Viola autora do livro “África Brasil: um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver” (ainda não li, mas vou ler) e me dei conta de o quanto Jorge Ben e o disco África Brasil (1976) em especial, influenciaram a minha juventude musical e a minha relação com a música brasileira dali em diante. Nesse disco, Jorge Ben trocou definitivamente o violão acústico pela guitarra elétrica, conta Kamille.

    “África Brasil” foi um dos primeiros long plays que ouvi de “cabo a rabo”, sem ter que pular alguma música em busca de outra melhor. Levantar a agulha da radiola só para mudar o lado do LP. Que swingada incrível e contagiante! O mundo ficou mais leve depois de “África Brasil”.

    E enquanto ouvia a entrevista, me veio à mente um show fantástico de Jorge Ben no Ginásio da ACDP (Associação Cultural e Desportiva Potiguar) no início dos anos 1980. Fui pesquisar no google em busca de alguma data, alguma notícia sobre esse show e descobri que já havia escrito sobre. Quando digitei “show de jorge ben na acdp em Mossoró rn” dei de cara com o meu antigo blog Marcotuliotudo(aqui) e um texto de 26/06/2015. Ei-lo:

    SHOW ARRETADO DE BOM DE JORGE BEN NO GINÁSIO DA ACDP

    Ano de 1981, 82, não tenho bem certeza, show de Jorge Ben no Ginásio da ACDP e lá vamos nós, a turma do Alto da Conceição, os inseparáveis: esse que vos escreve, Ricardo de Nininha, Medeiros e Gildo (meu primo “infiltrado” dos Paredões, mas que dormia lá em casa quando saíamos para a farra). É desnecessário dizer que o show foi uma das coisas mais espetaculares que eu já vi na minha vida.

    Fim do espetáculo, fomos para o clube tomar algumas boas saideiras. Saímos de lá com o garçom já colocando as cadeiras em cima das mesas. Hora de voltar para casa e a pé. E lá fomos nós, caminhando e comentando sobre o show na madrugada tranquila de Mossoró. Quando chegamos à ponte que dá acesso a ACDP avistamos duas pessoas caminhando a nossa frente. Um negro alto, sarado (como diríamos nos dias de hoje), camiseta, bermuda branca e tênis e outro um pouco mais baixo vestido no mesmo estilo ao seu lado.

    Eu disse logo: “rapaz, aquele é Jorge Ben”. E os outros: “cê tá doido? Jorge Ben andando por aqui uma hora dessas?!”. Para conferir aceleramos o passo e chegamos quase a emparelhar com os dois. Era ele mesmo. O outro devia ser o seu empresário. Quando perceberam nossa presença, se viraram, fizeram um sinal de ok, sorriram e seguiram na caminhada. E nós atrás sem dar um pio. E fomos assim até chegar ao Abolição Palace Hotel (antigo Esperança Palace Hotel) no centro da cidade, onde estavam hospedados. Deram boa noite aos quatro “babacas” e entraram no hotel.

    E nós seguimos nossa viagem até o Alto da Conceição completamente “embasbacados”!

    A SIMPLICIDADE E A EDUCAÇÃO DE PAULINHO DA VIOLA…

                Show de Paulinho da Viola na AABB, tipo voz e violão, também início dos anos 1980. Som horrível, público começando a se irritar, técnico de som em desespero e só quem conseguia manter a calma era o educado Paulo César Batista de Faria.

    Depois de mais de 20 minutos de tentativas infrutíferas de resolver o problema do som e quando surgiam os primeiros ensaios de algumas vaias e ameaças de abandono do local, Paulinho dirigiu-se ao público: “Pessoal, um momento por favor. Venham aqui pra frente do palco. Acomodem-se como puder. Vamos cantar assim mesmo, sem microfone”.

    E cantou todos os seus sucessos por quase duas horas de um show maravilhoso. Sabe aquele “rapaz do violão”, que reúne uma galera ao seu redor e canta e toca violão até fazer calo nos dedos? Paulinho da Viola. Pense num sujeito gente boa!

    … E O MAU HUMOR DE GONZAGUINHA

                Essa história aconteceu com meu amigo e parceiro de cervejadas em Mossoró, Toinho de Sônia, à época motorista das empresas do português José Patrício. Show de Gonzaguinha na Panizzaria Hut – final dos anos 1980 – e lá se foi Toinho, no carro de luxo do português, apanhar o artista no aeroporto de Fortaleza. Para essa viagem, Patrício providenciou a gravação de uma fita cassete com todos os sucessos do ilustre passageiro.

                Assim que Gonzaguinha entrou no carro, Toinho enfiou o K7 no toca fitas Road Star. Não deu nem tempo tocar os primeiros acordes da introdução da primeira música e um emburrado Gonzaguinha já foi dizendo: “Desligue isso aí. Quero silêncio até o fim da viagem”. E só acordou em Mossoró.

                Sempre que contava essa história, meu amigo Toinho começava ou concluía com um: “Pense num cabra enjoado”.

    BRINQUEDO DE PAPEL MACHÊ…

                Outro espaço espetacular que frequentei muito em Mossoró foi o Clube Imperial, que ficava em uma área enorme por trás do Posto Imperial, no começo do Alto de São Manoel. No local funcionava um bar/lanchonete na área do posto, uma boate e mais atrás uma área para grandes festas e shows e um drive-in (lá assisti “Kramer vs. Kramer” e chorei feito um abestado) onde também aconteciam shows mais intimistas.  

                E foi lá que assisti ao primeiro show de João Bosco. Em 1984. Já namorava com Maria e a música da história é desse ano.

                Som perfeito. Muito bem testado e bem “passado”, como se diz no jargão musical. Espaço lotado com todas as mesas ocupadas e mais outro tanto de gente em pé e assim que João Bosco atacou com o primeiro “badadinbedandábidou”, a multidão começou a gritar: “papel machê…! papel machê…! papel machê…!”. A coisa foi crescendo e ele teve que parar a música que estava cantando e se dirigiu ao público: “Gente! Por favor! Eu vim de tão longe para mostrar o meu repertório pra vocês… Não se preocupem que eu vou cantar Papel Machê”. O público se acalmou e ele finalmente pôde nos brindar com todo o seu magnífico repertório.

                Infelizmente ficou a sensação de que “Papel Machê” seria a última música. E a minha torcida era para que ele não a cantasse nunca. Mas não deu outra. Logo após “O Bêbado e a Equilibrista” vieram “Papel Machê” e o tradicional: “Boa noite, gente!”. E que noite, gente!

    O ESPORTE FEMININO E AS SUAS DIVINAS ATLETAS

    Uma de esportes para finalizar.

    Na disputa do solo no Mundial de Ginástica na Antuérpia, Bélgica, no domingo 08/10, a maior ginasta do mundo na atualidade, Simone Biles, teve uma atitude magnífica enquanto esperava para subir ao pódio e receber a medalha de ouro da categoria: fez o gesto de “passar a coroa” para a brasileira Rebeca Andrade, medalha de prata, que vem encantando o Brasil e o mundo com suas apresentações.

    No dia anterior, na etapa de Sydney, na Austrália, da Liga Mundial de Skate Street (SLS), Rayssa Leal conquistou a medalha de prata. A australiana Chloe Covell, de 13 anos, ficou com o título. Amigas, Rayssa e Chloe comemoraram juntas e a brasileira, atual campeã mundial, fez um gesto de “passar a coroa” para a skatista australiana.

    Será que Simone copiou Rayssa ou foi apenas uma coincidência? Não sei. Só sei que o esporte feminino é lindo e as suas atletas são divinas.

  • OS SLIDES DE TARCÍSIO DE FREITAS E A DESEDUCAÇÃO BOLSONARIANA

    O assunto é o bolsonarismo e a sua nocividade tóxica. Mas não irei aqui discorrer sobre terraplanismo, negacionismo, olavismo, golpismo, racismo, conservadorismo, fascismo, nazismo e outras idiossincrasias características de uma parcela considerável da população brasileira, que emergiu das profundezas da ignorância no rastro da influência maléfica de um ser humano – apenas na perspectiva biológica e antropológica – inquestionavelmente execrável. Esse fenômeno de ofuscamento social coletivo merece um tratado a ser devidamente esquadrinhado por estudiosos das Relações Humanas e das Ciências Sociais.

    Limitar-me-ei, portanto, ao novo modelo educacional implantado em São Paulo pelo secretário, Renato Feder (perfil no final do texto), principal articulador do projeto bolsonariano de deseducação. Essa aberração pedagógica escancara mais uma característica nefasta do bolsonarismo: o obscurantismo intelectual.

    Em julho, o governo de São Paulo, decidiu não aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), afirmando que as coleções didáticas oferecidas pela União seriam substituídas por materiais digitais no formato de slides “elaborados e distribuídos pela própria secretaria de educação”. O estapafúrdio material didático digital “elaborado e distribuído” pelo governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, expõe o grau de insipiência que atinge o bolsonarismo em todos os seus escalões e esferas.

    Os “slides de Tarcísio” ganharam publicidade a partir de uma série de reportagens do portal UOL, que apontam erros bizarros no material ofertado pelo governo paulista aos professores e alunos da rede pública.

    Em 15 de agosto, a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) elaborou a Nota Técnica Substituição de Livros do PNLD por Slides Digitais na Rede Estadual de São Paulo na qual afirma que o material fornecido pela secretaria de Educação de São Paulo, “contém problemas metodológicos, erros conceituais e fazem uma má contextualização das informações para os alunos”. A análise conclui que “caso o material fosse submetido ao processo de avaliação de qualidade usado pelo MEC na escolha dos livros didáticos, eles seriam reprovados”. Foram encontrados erros em todas as disciplinas e em todas as etapas de ensino.

    Em 09 de setembro, a Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (Abrale) publicou uma Análise Crítica do Material Didático do Estado de São Paulo onde identifica um “festival de erros” e enfatiza que esse material “é raso, superficial, enfadonho e prejudicial à formação da cidadania”.

    Após críticas da sociedade civil e uma decisão da Justiça, o governo de São Paulo voltou atrás e anunciou que vai aderir ao PNLD em 2024 e os estudantes paulistas voltarão a ter acesso ao conteúdo didático disponibilizado pelo Ministério da Educação.

    Em relação aos erros detectados no material digital, a secretaria informou em nota que afastou os servidores responsáveis e que “o conteúdo é editável e as informações já foram retificadas e atualizadas”. Será?  

    A seguir, algumas pérolas pinçadas dos slides de Tarcísio de Freitas e do seu secretário de educação Renato Feder:

    HISTÓRIA

    – “Em 1888, Dom Pedro II assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. No entanto, a insatisfação popular com a monarquia continuou a crescer”.

    Fato: O imperador não estava no Brasil em 13 de maio daquele ano e a Lei foi assinada por sua filha Isabel, que naquele momento estava na posição de Princesa Imperial Regente. Daí, que na história oficial do Brasil ela virou “A Princesa Redentora”. Há controvérsias. Mas aí é outra história.

    – “A proibição do uso de biquínis foi adotada por Jânio Quadros em 1961, quando ele era prefeito de São Paulo. Ele emitiu um decreto vetando o uso de biquínis nas praias da cidade”.

    Fato: Jânio realmente proibiu o biquíni em 1961, porém, quando era presidente e nas praias do Brasil, até porque a capital paulista não fica no litoral (os paulistanos bem que gostariam que ficasse). À guisa de informação: Jânio Quadros foi prefeito de São Paulo de 1953 a 1955 e de 1986 e 1989; governador do estado São Paulo de 1955 a 1959 e presidente da república de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961.

    FÍSICA

    Em outro erro factual, alunos do ensino médio apontaram erro sobre a morte do físico Jean Foucault. No material, o slide cita uma descoberta feita pelo físico e astrônomo francês Jean Foucault em 1985, mas ele morreu em 1868.

    Fato: Jean Bernard Léon Foucault (Paris, 18/09/1819 – Paris, 11/02/1868), físico e astrônomo francês é mais conhecido pela invenção do Pêndulo de Foucault, uma experiência concebida para demonstrar a rotação da terra em relação ao seu próprio eixo, cuja primeira demonstração data de 1851. Vai ver que essa confusão se deu porque os terraplanistas da deseducação bolsonariana acham o princípio do Pêndulo de Foucault um absurdo e coisa de esquerdista.

    MATEMÁTICA

    Em material direcionado para o 6º ano do Ensino Fundamental, foi encontrado erro em uma conta básica de divisão: ao invés de 36 dividido por 9 ser igual a 4, o resultado apontava 6.

    Fato: A divisão é uma operação básica da Matemática, assim como a multiplicação, adição e subtração. Multiplicação e divisão são operações inversas, por isso, a “prova real” da divisão é feita por meio de uma multiplicação: 4 x 9 = 36 e 6 x 9 = 54. Acertei?

    CULTURA

    Alunos do primeiro ano do ensino médio, receberam um slide em que a música “É Proibido Proibir”, de Caetano Veloso, um dos hinos contra a ditadura militar brasileira, aparece com uma foto e o nome de outro cantor da época, Geraldo Vandré, como autor.

    Fato: Geraldo Vandré é autor de “Pra não dizer que não falei das flores” ou “Caminhando e cantando e seguindo a canção” ou ainda “Vem vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Bando de comunistas!

    BIOLOGIA

    Um slide da disciplina de biologia direcionado a estudantes do 7º ano do ensino fundamental informa que “a água contaminada com mercúrio, agrotóxicos, remédios e produtos químicos pode provocar doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, além de problemas cognitivos, depressão e déficit de atenção”.

    Fato: Os médicos dizem não haver base científica para fazer essa associação. “As intoxicações por metais pesados podem desencadear vários tipos de doença, mas não essas duas que estão ali [Parkinson e Alzheimer]”, diz o infectologista Jamal Suleiman.

    Quem é Renato Feder

    Economista, administrador de empresas e empresário neoliberal foi secretário de educação do Paraná entre 2019 e 2022 no governo de Ratinho Júnior (PSD). É acionista e ex-CEO da Multilaser, gigante nacional do ramo de tecnologia e herdeiro do grupo Elgin, mega indústria do ramo de eletrodomésticos.

    Renato Feder está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo, por conflito de interesses em contratos firmados pela Secretaria de Educação de São Paulo com a empresa Multilaser.

    A empresa, da qual Feder foi CEO e mantém-se acionista, fechou contratos de 200 milhões de reais na compra de 97 mil laptops pelo governo paulista. A entrega, prevista em até dois meses, atrasou e só foram entregues 10% do estabelecido.

    Mas aí, já é outra história.

  • COBRA TENTAR DEVORAR PORCO-ESPINHO, NÃO CONSEGUE “CUSPIR” E AMBOS MORREM

    Uma cobra morreu após tentar devorar e devolver um porco-espinho em Shoham, em Israel.

    Aviad Bar, um ecologista de répteis da Nature and Parks Authority, identificou que a cobra estava tentando comer um porco-espinho comum. “A direção dos espinhos não permitia que a cobra cuspisse o porco-espinho. Ambos morreram no trágico encontro”, explicou. (Fonte: Uol – matéria completa aqui)

    Lendo essa matéria, a primeira lembrança que me veio foi de minha mãe. Que horror! Lembrar de Maria do Socorro, que sempre foi um amor de pessoa, perante uma fatalidade gastronômica estúpida e tão apavorante como essa?! Explico. É que minha mãe sempre dizia quando algum dos filhos(as) dava uma de guloso(a) diante de uma comida gostosa: “Menino(a), para de comer com os olhos!”. E quando alguém comia rápido demais na ânsia de repetir o prato, ela completava: “Menino(a), coma devagar pra não se engasgar. Quer morrer pela boca igual a peixe?”. Pois é. A cobra morreu pela boca. E pelo estômago e suas entranhas.

    “Comer com os olhos” (comer uma quantidade superior àquela necessária para passar a fome, comer além do limite, comer em excesso) e “Morrer pela boca igual a peixe” (usado para dizer que devemos tomar cuidado em abrir a boca para falar alguma coisa, assim como o peixe devia tomar cuidado em abrir a boca para morder uma isca), são dois ditos populares relacionados a atividades degustativas de seres vertebrados do reino animália.

    Instigado pelo inusitado da notícia e pela lembrança materna espontânea e estrambótica, resolvi pesquisar sobre outros adágios que possam trazer uma elucidação de viés socio-filosófico, fisiológico e zoológico aos diversos eventos que desencadearam nessa bizarra tragédia animal. A seguir alguns provérbios populares (fonte: https://rockcontent.com/br/talent-blog/ditados-populares/), seus significados e a devida análise epistemológica em relação ao fato:  

    1. “Nem tudo que reluz é ouro”: Mostra que nem sempre as aparências contam. É preciso conhecer melhor uma pessoa por dentro para saber qual é o seu caráter. Análise: Nesse caso, a cobra não conhecia a aparência de sua presa nem por dentro nem por fora.
    2. “A pressa é a inimiga da perfeição”: É necessário ter paciência e fazer as coisas devagar para alcançar os objetivos. Análise: Faltou paciência para analisar melhor a sua vítima e a cobra acabou se estrepando, isto é, se espinhando toda.
    3. “À noite todos os gatos são pardos”: Quer dizer que durante a noite a visão fica comprometida e todas as cores parecem iguais. Ou seja, é difícil fazer distinção. Análise: Pela luminosidade da imagem fica claro que a tragédia não aconteceu à noite. Mas pode ser que por algum problema de visão, a cobra não tenha conseguido distinguir entre um porco comum e um porco espinho.
    4. “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”: Aqui, o objetivo é simples: quando você faz algo negativo para alguém, sofrerá consequências no futuro. Análise: No nosso caso, causa e consequências foram imediatas: matou e morreu.
    5. “Um dia é da caça, outro do caçador”: Essa expressão representa que a vida oferece dias bons e ruins para todos. Análise: Dia péssimo para a caça e o caçador. Infelizmente.
    6. “O seguro morreu de velho”: Essa é uma mensagem de precaução. Pessoas que prezam pela segurança morrem de velhice, não por algum acidente. Análise: A precaução passou longe nesse triste episódio.
    7. “Não existe rosa sem espinho”: Esse ditado ressalta que até mesmo as coisas mais prazerosas da vida podem esconder alguns perigos. Análise: Não existe porco-espinho sem espinhos. Fica o alerta, animais da família elapidae.
    8. “As aparências enganam”: Significa que muitas vezes julgamos uma pessoa de um jeito, e ela mostra ser de outro. Por isso, ele nos ensina que a essência das pessoas é mais importante do que a aparência. Análise: Faltou a cobra uma análise mais acurada sobre a aparência do porco-espinho. Nesse caso, ela se ateve mais a essência. Deu no que deu.
    9. “Caiu na rede é peixe”: Devemos aproveitar tudo sem ficar escolhendo muito, pois qualquer coisa que tivermos será boa e servirá de conforto. Análise: Nem sempre, nem sempre.
    10. “A cavalo dado não se olham os dentes”: Nunca devemos criticar um presente ou algo que nos é dado, mesmo que não seja de nosso agrado. A ideia aqui é sempre agradecer em vez de ser crítico. Análise: Tudo bem que não se olhem os dentes do cavalo, mas tem que se olhar os espinhos do porco-espinho.
    11. “De grão em grão, a galinha enche o papo”: Essa expressão está relacionada com a paciência que devemos ter na vida para atingir determinado objetivo. Análise: De espinho em espinho, além de não encher o papo, a cobra morreu.
    12. “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”: Significa que pouco nos importa o sofrimento e o sentimento alheio, ou seja, não demonstramos compaixão pelo outro. Análise: A falta de compaixão da cobra nos remete a outro ditado: o castigo veio a cavalo.
    13. “O diabo não é tão feio quanto se pinta”: Sugere que devemos tentar ver as coisas sempre de forma positiva e, assim, não tornar as coisas ruins piores do que elas realmente são. Análise: Para a cobra, o que parecia feio ou ruim se mostrou pior.

    Moral da história: Nunca tente colocar algo na boca, se você não tem a certeza de que pode botar para fora depois.

  • EU, MINHAS COISAS E OUTRAS COISAS

    A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: “Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!”. Um clássico mineiro.

    Maria, minha companheira de mais de 38 anos, sempre diz que eu sou cheio de coisas. “Lá vem você com suas coisas” eu ouço desde que nos conhecemos. “São tantas coisas/Só nós sabemos o que envolve o sentimento”, diria Roberta Miranda.

    Não suporto alguém mastigando às minhas costas. Me dá logo uma “coisa ruim”. Essa coisa chama-se misofonia (leia aqui) e por causa dela, quase me “reio” logo no primeiro dia do Enem, em 2015. Quando abri a prova, alguém abriu um “chilito” na carteira de trás. Com um “farnizim” no juízo, travei geral. Esperei acabar o “crec, crec, nheco, nheco” para recomeçar. Estava quase recuperando a concentração, quando a pessoa abriu um pacote de biscoito recheado. O ruído daquela coisa se abrindo já me apoquentou novamente. Deu trabalho, mas consegui chegar ao fim da coisa toda. No dia seguinte escolhi um lugar lá no fundo da sala, em uma quina e encostado na parede.

    Tenho ojeriza a geladeira ou freezer bagunçado. Na minha casa ou dos outros. Certa vez ao visitar um amigo em Tibau, fui recebido com uma cerveja apenas fria e com um desabafo: “Não sei que coisa é essa. Em sua casa a cerveja tá sempre ´véu de noiva`”. Eu falei: “Posso dar uma olhada no seu freezer?”. Maria cochichou: “Mô! Vai mexer no freezer dos outros? Deixe de coisa!”. Dei nem cabimento. A coisa estava feia. “Coisa horrorosa!”, como dizia o professor de mitologia Aquiles Arquelau, personagem de Agildo Ribeiro. Sacolas com frutas, verduras, carnes, frios, polpas, restos de comidas, bacias com peixe, camarão, buchada. Tinha até um peba incrustado no gelo. Devia estar lá há uns cinco anos. E a cerveja… Coitada! Deitada, em pé, de cabeça pra baixo. Tinha que dar um jeito naquela coisa. Eliminei as sacolas, joguei fora um monte de coisas, separei o que sobrou por categoria e arrumei ocupando a metade do freezer. Na outra metade, as cervejas. Na vertical, encostadas nas laterais congeladas do freezer. Coisa de meia hora depois e elas estavam a coisa mais linda. Quando lá voltei semanas depois e encontrei o freezer outra vez esculhambado e a cerveja quente, inventei qualquer coisa e voltei para a minha “véu de noiva” e para o meu freezer mais arrumado que penteadeira de viúva.

    Por volta de 2009/10 (Lula 2) vigorava o programa de redução de IPI que barateava preços de eletros da “linha branca”. Um certo sábado de manhã, peguei uma garrafa vazia de cerveja de 600ml, coloquei numa sacola e falei pra Maria: “Vamos ali comprar uma coisa”. Ela perguntou: “E vai comprar só uma cerveja?”. “Não, vamos comprar uma geladeira duplex. A garrafa é pra medir a profundidade do congelador da geladeira”, respondi. E ela: “Acredito não! Nunca vi uma coisa dessas”. Com Maria fazendo de conta que não me conhecia e sob o riso dos vendedores(as) sem entender coisa alguma, saí de loja em loja “enfiando” a garrafa nos congeladores das geladeiras até encontrar um que coubesse uma cerveja de 600ml no sentido da profundidade.

    Outra coisa que deixa Maria encafifada é a minha obsessão em manter o carrinho de supermercado arrumado. Cada coisa em seu lugar. Tudo separado por categoria de produto e até os rótulos têm que permanecer voltados na mesma direção. Uma vez ao me atrasar no trabalho avisei: “Adiante aí as coisas que quando eu chegar a gente continua a fazer a feira”. Quando cheguei, lá estava ela com o carrinho todo bagunçado. Peguei outro e falei: “Vamos recomeçar que essa coisa tá muito desorganizada”. Dessa vez ela apelou: “Pois termine aí você sua feira, que eu vou embora. Isso só pode ser coisa de doido!”.

    Mas, deixemos as minhas coisas e cuidemos de outras coisas. COISA! Entre as várias definições que encontrei para essa palavra mágica e que a tudo nomeia, fico com esta que considero a mais lúdica: “Tudo o que existe ou que pode ter existência real ou abstrata”. A seguir um breve apanhado – uma coisinha de nada, que fique claro – com a palavra coisa na música brasileira:

    – Formosura

    Coisa mais bonita é você/Assim, justinho você” (Coisa mais linda: Carlos Lyra e Vinícius de Moraes)

    “Olha que coisa mais linda/Mais cheia de graça” (Garota de Ipanema: Tom Jobim e Vinícius de Moraes)

    “A coisa mais linda do mundo/Toda de amarelo” (A coisa mais linda do mundo: Wado/com: Fino Coletivo)

    Coisa linda/Coisa que eu adoro/A gotinha de tudo que eu choro” (Feche os olhos: Renato Barros/John Lennon – Paul MacCartney/com: Renato e seus Blue Caps)

    – Alegria

    “Que coisa linda é o amor que a gente tem/É a gente ficando velho e ele nem nem nem” (Coisa linda: Antonio Carlos e Cecéu/com: Dominguinhos)

    “Mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda/Que coisa louca…” (Chega de saudade: Tom Jobim e Vinícius de Moraes)

    – Papo cabeça ou “porralouquice”

    “Esse papo já tá qualquer coisa/Você já tá pra lá de Marrakesh/Mexe qualquer coisa dentro doida/Já qualquer coisa doida, dentro, mexe” (Qualquer coisa: Caetano Veloso)

    – Filosofia

    “Deixemos de coisas cuidemos da vida/Senão chega a morte ou coisa parecida/E nos arrasta moço sem ter visto a vida” (Na hora do almoço: Belchior)

    – Carinho

    “Agradeço a Deus porque lhe fez/Ô coisinha tão bonitinha do pai” (Coisinha do pai: Jorge Aragão, Almir Guineto e Luís Carlos/com: Beth Carvalho)

    – Protesto

    “Prepare seu coração/Pras coisas que eu vou contar” (Disparada: Geraldo Vandré)

    – Lúdico

    “Estava à toa na vida/O meu amor me chamou/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor” (A banda: Chico Buarque)

    Belas e saborosas canções. No entanto, não existe nada comparável ao surrealismo ou realismo fantástico de Minhas coisas de Rossini Pinto, com o genial Odair José:

    As minhas coisas de repente estão tristes

    Compreenderam que não existe/Nada mais entre nós

    Meu violão caiu de cima do armário

    Suas cordas arrebentaram/Dando adeus a minha voz

    O meu casaco com você se acostumou

    Sentiu tanto a sua falta e de tristeza desbotou

    Se eu soubesse que eu iria lhe perder

    Não teria acostumado minhas coisas com você (Repete)

    Até meu carro já não tem velocidade

    Pois ele sente saudade/De quando andava com você

    Meu telefone que sabia quase tudo

    De repente ficou mudo/E mais nada quer dizer

    O meu relógio sempre certo trabalhou

    Depois que ficou sabendo/Nada mais ele marcou

    Se eu soubesse que eu iria lhe perder

    Não teria acostumado minhas coisas com você (Repete)

    Coisa arretada da mulesta!

  • LULA, A GRANDE MÍDIA E A NARRRATIVA ANTI-VENEZUELA

    Durante encontro de líderes sul-americanos organizado pelo governo brasileiro no dia 29 de maio, Lula afirmou que “a Venezuela é vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”. Ao lado do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que visitava o Brasil após quase oito anos de isolamento, prosseguiu: “Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que as pessoas possam mudar de opinião. Está nas suas mãos, companheiro, construir a sua narrativa e virar esse jogo para que a gente possa vencer definitivamente e a Venezuela volte a ser um país soberano, onde somente o seu povo, através de votação livre, diga quem é que vai governar aquele país. É só isso que precisa ser feito e aí os nossos adversários vão ter que pedir desculpas pelo estrago que fizeram na Venezuela”.

    A repercussão negativa foi imediata. Os presidentes do Chile, Gabriel Boric, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, condenaram as falas do presidente alegando que a crise venezuelana não é “apenas uma narrativa”.

    A oposição ensandecida foi rápida no gatilho. Dentre os – até esse momento – oito pedidos de impeachment propostos contra o presidente, existe um que alega que Lula cometeu crime de responsabilidade ao receber o presidente venezuelano Nicolás Maduro no país e ao declarar que a Venezuela é vítima de “narrativas” construídas por opositores. É muita falta do que fazer.

    A imprensa conservadora não poupou críticas ao intempestivo discurso do anfitrião do encontro e não faltaram jornalistas de esquerda recriminando a inconveniência do discurso lulista naquela oportunidade. Muita calma nessa hora, meus caros! Lula está coberto de razão e tem autoridade suficiente para externar a sua opinião onde e quando quiser.

    É indiscutível que os grandes grupos de comunicação adotam uma narrativa integralmente desfavorável ao poder estabelecido democraticamente na Venezuela e que não têm o mínimo pudor em difundir notícias sem qualquer análise crítica, potencializadas criminosamente nos últimos anos pela propagação de fake news.

    O maniqueísmo da cobertura jornalística conduzida pela imprensa hegemônica, evidencia que existem interesses ideológicos por trás dessas concepções midiáticas que apresentam a Venezuela como uma nação governada por um ditador, dilacerada economicamente, sem eleições livres e respeito aos direitos humanos, onde toda a população se encontra faminta e que a única solução para o seu drama é a tomada do poder pela elite oposicionista com o apoio dos EUA.

    O “chavismo” é representado como a origem de todo o mal, ao passo que golpistas como Pedro Carmona e Juan Guaidó são apresentados – cada um à sua época – como defensores da democracia, salvadores da pátria e símbolos da modernidade. Pedro Carmona assumiu a presidência durante dois dias na tentativa de golpe contra o governo de Hugo Chávez em 2002 e Juan Guaidó, se autoproclamou presidente venezuelano na tresloucada e malsucedida empreitada de derrubar o presidente eleito Nicolás Maduro, no início de 2019.

    Para entendermos melhor a geopolítica do país vizinho, é necessário retornarmos à 1998, ano da primeira eleição de Hugo Chávez que governou a Venezuela de 1999 até 2013, ano de sua morte. No contexto da eleição de Chávez, o “chavismo” se transformou no maior movimento político da América Latina e a Venezuela em mais um dos grandes inimigos dos Estados Unidos.

    A Revolução Bolivariana promovida pelo presidente venezuelano foi responsável pela grande guinada à esquerda de algumas nações no continente. Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador e Brasil adotaram mudanças políticas, econômicas e sociais, que foram pessimamente recebidas pelos governos americanos (democratas ou republicanos), pelos setores mais conservadores das sociedades latino-americanas e, por conseguinte, pelos poderosos e conservadores conglomerados midiáticos mundiais.

    O bloqueio econômico e financeiro que persiste até hoje, surgiu com o compromisso de Hugo Chávez de redistribuir a renda gerada pelo petróleo, transformando-a em recursos para as reformas sociais sonhadas pelo povo venezuelano, a partir da nacionalização da Petróleos de Venezuela (PDVSA). A estatização do petróleo venezuelano promovida pelo governo Chávez, atingiu profundamente os interesses das elites. Não custa lembrar que a Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo e esse produto é a base de sua sobrevivência econômica.

    Foram esses interesses contrariados que promoveram a união entre o imperialismo ianque e as classes mais altas da Venezuela, com o intuito de fazer uma oposição sistemática ao governo. Nessa conjuntura, o papel da mídia privada revelou-se fundamental. Os protestos inconsequentemente convocados pela imprensa oposicionista culminaram nas violentas manifestações de abril de 2002, quando opositores e chavistas se enfrentaram em frente ao Palácio Miraflores, sede da Presidência na Venezuela.

    Hugo Chávez foi sequestrado e Pedro Carmona tomou o poder. Porém, dois dias depois, contando com o apoio da população e da guarda presidencial que se manteve fiel ao presidente eleito democraticamente, Chávez retornou à presidência.

    Esse episódio é retratado no filme “A Revolução Não Será Televisionada (2003)” dos cineastas irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’Briain, que se encontravam na Venezuela para produzir um documentário sobre Hugo Chavez para a TV irlandesa Rádio Telefis Éireann, e que ao perceberem a movimentação política do país registraram as manifestações prós e contras, que findaram na tentativa de golpe. Recomendo.

    No Brasil, os gigantes da comunicação (Grupo Folha, Globo, Veja, SBT, Record, Bandeirantes, CNN, Rede JP), apesar de divergências pontuais e de pouca relevância, mantém alguns acordos implícitos: apoiaram a reforma da previdência, são contra os direitos trabalhistas, abominam governos de esquerda e incentivam e justificam todo e qualquer ataque ao governo de Nicolás Maduro, sob o argumento de que ele é um ditador e um bandido corrupto e sanguinário.

    O simples fato de Lula receber oficialmente o presidente venezuelano e na ocasião mencionar uma manifesta narrativa anti-Venezuela e criticar com veemência as sanções econômicas impostas à Venezuela pelos Estados Unidos e seus aliados de ocasião, provocou um faniquito mundial. O vaticínio fatal era que o Lula 3 havia acabado antes de começar.

    E enquanto acompanhávamos esse indignado e tempestuoso chilique coletivo, o ex-presidente americano, Donald Trump – durante uma convenção do Partido Republicano na Carolina do Norte no dia 10 de junho –, esbravejava que se tivesse sido reeleito teria tomado a Venezuela e pegado todo o petróleo: “Quando eu saí, a Venezuela estava prestes a colapsar. Nós teríamos tomado o país e pegado todo aquele petróleo. Seria ótimo”.

    Essa fala, não é uma narrativa criada ou fomentada pela mídia. É um discurso oficial no qual são escancaradas ao mundo as ideias imperialistas e intervencionistas de um insano que governou a maior nação do planeta por quatro anos e que ameaça voltar nas eleições de 2024.

    São obscenidades ideológicas como essas, vomitadas da cavidade oral articulável de aberrações humanas da espécie de Donald Trump e seus seguidores, que alimentam a narrativa anti-Venezuela difundida com tanta naturalidade pelos meios de comunicação hegemônicos.  

    E Lula, dentre os grandes líderes mundiais, é o único que tem coragem de apontar, afrontar e confrontar essa narrativa.

    E Lula tá certo! Para desgosto de muitos.

  • O AJUDANTE DE ORDENS

    Tá no Michaelis: oficial às ordens de outro de patente mais elevada, ou de um ministro, ou de chefe de estado.

    O ajudante de ordens do presidente da república o acompanha em toda a sua agenda oficial, em reuniões reservadas e no automóvel presidencial. Ele tem acesso a informações pessoais sensíveis, tipo: telefone celular, correspondências oficiais ou não e às bagagens pessoais do chefe do Executivo.

    O militar Mauro César Barbosa Cid, oriundo da Academia Militar das Agulhas Negras assumiu esse cargo em janeiro de 2019 e no período em que esteve à serviço de Jair Bolsonaro deu um salto na carreira, passando de major a tenente-coronel.

    Na função de ajudante de ordens, atuou como o braço direito do presidente, convertendo-se no personagem de maior ascendência dentro do séquito bolsonarista, inclusive para assuntos de caráter pessoal.

    Com livre acesso ao gabinete presidencial, ao Palácio do Alvorada e até mesmo ao quarto ocupado pelo chefe nos hospitais após as inúmeras cirurgias de desobstruimentos intestinais, a atuação de Cid foi ganhando visibilidade junto à mídia a partir da confirmação do seu envolvimento em vários e variados conchavos palacianos.

    Foi Mauro Cid quem coordenou a tentativa de recuperar as joias que foram presenteadas a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pelo governo da Arábia Saudita e que foram apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. No cumprimento das ordens presidenciais, Cid assinou e enviou à Receita um ofício informando que um auxiliar do presidente iria até São Paulo para reavê-las, e, planejando agilizar a coisa toda, intercedeu junto à FAB e solicitou com urgência urgentíssima um avião e diárias para a ida do sargento Jairo Moreira da Silva a São Paulo, a fim de cumprir a espinhosa missão.

    As “joias da princesa”, ops, da então primeira-dama, foram inicialmente avaliadas em R$ 16,5 milhões. Porém, após nova avaliação da Polícia Federal esse valor caiu para R$ 5,6 milhões. Se valem R$ 5,6 milhões ou três vezes mais, não vem ao caso. O Tribunal de Contas da União (TCU) não considera pedras preciosas e joias como bens de “natureza personalíssima” ou de “consumo imediato”. Daí o imbróglio diplomático/alfandegário: as joias sauditas não poderiam ir parar nos cofres bolsonaristas. Esse episódio ocorrido ao apagar das luzes do desgoverno bolsonaro, segue sob investigação da PF.

    O ex-ajudante de ordens também é investigado, por ter supostamente operado um “caixa paralelo” no Palácio do Planalto por meio de saques nos cartões corporativos da presidência. A investigação sobre um esquema de desvio de recursos e “rachadinha”, identificou depósitos em espécie feitos para Michelle pelo poderoso “El Cid”.

    A polícia ainda investiga se é de sua responsabilidade a produção do material usado por Bolsonaro em uma live em outubro de 2021, onde ele associa falsamente a vacina contra a covid-19 ao vírus HIV.

                A atuação e prestígio do multifacetado Mauro Cid durante o governo bolsofascista foi tão marcante que chegou a “invadir” o governo Lula, quando se transformou no pivô da demissão do comandante do Exército, general Júlio César de Arruda no dia 20 de janeiro. O general foi demitido por não acatar a ordem do presidente Lula de revogar a efetivação do tenente-coronel bolsonarista, para chefiar o 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia. Ao receber a recomendação por intermédio do ministro da Defesa José Múcio, Arruda disparou: “Ninguém mexe com ele aqui”. É o fraco!

                Eis que, o mês de maio começa com a prisão preventiva do indefectível ex-ajudante de ordens, por suspeita de participação em um esquema de adulteração de dados nos sistemas do Ministério da Saúde, para fraudar comprovantes de vacinação contra a covid-19.

                Na busca e apreensão na residência do dito cujo, a Polícia Federal encontrou 35 mil dólares e 16 mil reais em espécie. Agora Mauro Cid também está sendo investigado por lavagem de dinheiro. A polícia segue os rastros da bufunfa e uma conta no exterior já foi localizada.

    O esquema de adulteração de dados do Ministério da Saúde forjou certificados de vacinação de Jair Bolsonaro e de sua filha Laura Bolsonaro, de Mauro Cid e sua família, e de mais uma “reca” de ex-subalternos que acompanharam o ex-presidente nas suas prolongadas férias nos Estados Unidos.

    Logo após a prisão, o então advogado de Cid, Rodrigo Roca garantiu que não haveria delação premiada: “Não há o que ser delatado. Não há algo que esteja sendo escondido que possa servir como moeda de troca. Eu não defendo delator”.

    Roca é um nome próximo à família Bolsonaro. Ele foi advogado do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas” e em 2022 foi indicado pelo ex-presidente ao cargo de Secretário Nacional do Consumidor.

    Pois bem. No dia 10/05 Mauro Cid mudou a sua equipe de defesa e trocou de advogado. Assumiu a sua defesa, o criminalista Bernardo Fenelon, especialista em crimes do colarinho branco e em… delação premiada.

    Em depoimento à PF em 16/05, Bolsonaro repetiu que não sabia de qualquer esquema para falsificar seu certificado de vacinação e que se o seu ex-ajudante de ordens arquitetou tudo, foi “à revelia e sem o seu conhecimento”.

    No dia 18 foi a vez de Cid depor na Polícia Federal e ele decidiu ficar em silêncio. No dia seguinte, Gabriela Cid confirmou em depoimento à polícia, que havia utilizado cartão de vacinação falsificado e que a responsabilidade pela fraude foi do seu marido, Mauro Cid. O furdunço está formado.

    Se no depoimento sobre a falsificação dos certificados de vacinação, Cid optou pelo silêncio, no do dia 22/05 sobre o caso das joias da ex-primeira-dama, ele respondeu a todas as perguntas feitas pela Polícia Federal. No entanto, até o presente instante não há informações sobre suas declarações no decorrer do interrogatório.

    No bojo da investigação sobre o envolvimento de Mauro Cid em transações financeiras com a ex-primeira-dama, a PF conseguiu identificar como eram feitos os pedidos para saques e repasses de dinheiro para Michelle. Em uma das mensagens de Giselle Carneiro (assessora de Madame Bolsonaro) para Cid, ela diz: “A dama pediu saques”. As petições sempre vinham acompanhadas com uma súplica por urgência:

    Giselle: “Cel a dama pediu 3.200 na conta dela o senhor consegue ainda hoje?”

    Cid: “consigo”

    Giselle: “Ufa! Obrigada”.

    Em outra oportunidade:

    Giselle: “Cel Conseguimos saque para hoje para a Dama?”, “Valor de 4.900 reais para transferir para a conta da Dama. Por favor coronel”

    Cid: “Putz…”

    Dizem as más línguas, que o tenente-coronel ficou conhecido nos intramuros palacianos como o “caixa-rápido da primeira-dama”.

    O advogado de Jair e Michelle Bolsonaro, Fábio Wajngarten afirma que os saques e repasses não foram feitos com dinheiro público: “A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro reitera que todos os pagamentos e custos de sua família de pequenos gastos/fornecedores informais tinham como origem recursos próprios”.

    E agora? Será que dessa vez Cidão vai permanecer calado ou vai escancarar a origem do dinheiro empregado nas retiradas da ex-primeira-dama?

    Aguardemos os próximos capítulos. E como diz um amigo meu: “eu num diguénada”.

    PS: Esse texto foi finalizado em 26/05 e, portanto, está sujeito a atualizações. Sabe-se lá o que o super, mega, hiper, ultra, extra, big ex-ajudante de ordens vai aprontar até o fim de maio, ou se não virá à tona mais uma de suas peripécias bolsonarianas?!

  • FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA, O “CAMONIZADO”

    Com quatro anos de atraso, finalmente Chico Buarque recebeu das mãos do Presidente Lula e do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, o seu Prêmio Camões, a maior honraria da literatura em língua portuguesa. Agora Chico está definitivamente “camonizado”.

                Em trecho do seu belíssimo discurso de agraciado, o gênio Chico fez uso do sarcasmo que lhe é peculiar, para manifestar a sua “enorme euforia” ao sentir-se liberto de tudo de detestável e sinistro que aconteceu no Brasil durante os nefastos quatro anos sob o desgoverno bolsofascista:

    “Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-Presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso Presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”.

    Chico Buarque também citou a Revolução dos Cravos, consumada em 25 de abril de 1974 e que pôs fim ao regime ditatorial salazarista que perdurava desde 1933:

    “Valeu a pena esperar por esta cerimônia marcada, não por acaso, para a véspera do dia em que os portugueses descem a avenida Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos”.

    Se o mês de abril é tão significativo para a democracia portuguesa, no Brasil ele marca o golpe de estado de 01 de abril de 1964 e o início da ditatura militar.

    Foi também em um abril, que essa sanguinária ditatura assassinou Zuleika de Souza Neto, ou Zuleika Angel Jones, ou Zuzu Angel (1921-1976).

    Zuzu Angel, se notabilizou internacionalmente não só por seu trabalho inovador como estilista de moda, mas também por sua procura incessante pelo filho Stuart Angel (1946-1971), impiedosamente torturado, assassinado e transformado em desaparecido político pelo estado brasileiro. Zuzu enfrentou abertamente as autoridades militares e escancarou aos olhos do mundo as sessões de tortura, os assassinatos e “desaparecimentos” ocorridos nos porões da ditadura militar do Brasil.

    Essa busca por explicações, por culpados e pelo corpo do filho só teve fim com sua morte em 14 de abril de 1976, em um acidente de carro na Estrada da Gávea (Rio de Janeiro), na saída do Túnel Dois Irmãos, hoje batizado com seu nome.

    Em 2007, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos incluiu em seu relatório final, os depoimentos de duas testemunhas oculares do acidente, nos quais afirmaram ter visto o carro de Zuzu Angel ter sido fechado por outro e jogado fora da pista, caindo de uma altura de cerca de cinco metros.

    Uma semana antes do suspeito acidente, Zuzu deixara na casa do amigo Chico Buarque um documento que deveria ser publicado caso algo lhe acontecesse, onde escreveu: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.

    Em 1981 no antológico LP “Almanaque”, Chico Buarque em parceria com Miltinho do MPB4 (autor da melodia), homenageou a amiga com a obra prima “Angélica”.

    Vale a pena lembrar esse brado contra a barbárie que assolou o país durante 21 anos, e que infelizmente voltou a pairar sobre às nossas cabeças a partir do surgimento do bolsofascismo:

    ANGÉLICA – Letra: Chico Buarque / Melodia: Miltinho

    Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho?

    Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar

    Quem é essa mulher / Que canta sempre esse lamento?

    Só queria lembrar o tormento / Que fez o meu filho suspirar

    Quem é essa mulher / Que canta sempre o mesmo arranjo?

    Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar

    Quem é essa mulher / Que canta como dobra um sino?

    Queria cantar por meu menino / Que ele já não pode mais cantar

    Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho?

    Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar

    UMA HOMENAGEM

    Nesse abril, em que se completou 47 anos do assassinato dessa mulher extraordinária, símbolo de resistência, resiliência e insubmissão na luta contra a ditadura militar no Brasil, uma homenagem a Zuzu Angel e seu filho Stuart Angel, a partir de uma releitura da letra de “Angélica”:

    Os homens maus levaram o seu filho, o pequeno e frágil Stuart. Ela o procurou em todos os lugares. Nunca na escuridão do mar.

    O que eles fizeram com o seu pequeno e frágil Stuart? Ela perguntou em todos os lugares.

    Ela perguntou aos carrascos. Ela perguntou ao mundo. Nunca aos habitantes da escuridão do mar.

    Ela tanto procurou e perguntou, que incomodou os homens maus que haviam levado o seu pequeno e frágil Stuart. E então ela deixou de perguntar e procurar.

    De lamentar o sumiço do seu pequeno e frágil Stuart.

    Os homens maus quebraram suas pernas. Cortaram a sua língua. Silenciaram o seu lamento.

    E ela parou de procurar. De perguntar. De lamentar. Partiu ao encontro do seu pequeno e frágil Stuart na escuridão do mar.

    E os homens maus continuaram praticando suas maldades. Agora sem um anjo para procurar e perguntar. E lamentar.

    Zuzu Angel, o filme – 2006

  • EMPRÉSTIMO NO CARTÃO. DINHEIRO NA HORA!

    A agiotagem institucionalizada

    Nenhum poste foi poupado no trajeto que faço diariamente entre Parnamirim e Natal. Ida e volta todos os postes, sem exceção, estão cobertos de anúncios oferecendo “dinheiro fácil”, “dinheiro na hora”. Outras estruturas também são utilizadas como suporte para a divulgação dessa modalidade de agiotagem institucionalizada e generalizada: tapumes de construções; passarelas de pedestres; muretas de proteção em viadutos, pontes e canteiros; muros e paredes de prédios abandonados; paradas de ônibus; caçambas de recolhimentos de entulhos ou qualquer outra superfície apta a receber uma broxada de cola caseira feita de goma de tapioca, o medieval “grude” (será que ainda usam isso?).

    Em sua maioria são folhetos simples, no formato A4, com o texto curto e direto e que podem ser produzidos em qualquer impressora a laser em preto e branco: EMPRÉSTIMO NO CARTÃO – DINHEIRO NA HORA – Valor do empréstimo – Quantidade e valor das parcelas – Telefone para contato. De uns tempos para cá, surgiram novos modelos de propaganda e com uma produção mais requintada: banners, cartazes em tamanhos maiores e em cores (alguns com imagens), faixas e até os suntuosos outdoors.

    O nível absurdo da poluição visual que margeia esse meu itinerário diário, sinaliza que tal fenômeno publicitário se reproduz em todas as ruas, avenidas, becos e vielas dessas duas cidades que se misturam e quiçá em todas as cidades da região, do estado, do país ou do planeta.

    Eu fico cá, em meus devaneios aleatórios, imaginando quantos milhões de pessoas vítimas dessa agiotagem desenfreada devem estar atoladas até o pescoço em dívidas com cartões de crédito, devendo a bunda e uma banda, sem quaisquer perspectivas de um dia vir a quitar essas dívidas.

    Em tempos de dinheiro e agiotagem digital, a figura clássica do agiota, trajando calça e sapato social, relojão dourado pesando no braço, camisa de volta ao mundo “ensacada” e aberta no peito para exibir o cordão de ouro e sempre acompanhado da indefectível bolsa tipo capanga – abarrotada de cheques pré-datados e promissórias – debaixo do “suvaco”, não existe mais. Entrou em extinção por volta do final do século passado. Essa imagem do agiota, também estava associada aos bicheiros e cafetões. Vai ver, era tudo a mesma coisa.

    A agiotagem é crime previsto em lei. A Lei 1521 de 1951 (a preocupação é antiga) dispõe sobre crimes contra a economia popular. Em seu artigo 4º, a norma prevê “o crime de usura pecuniária ou real” e descreve a conduta delituosa como sendo “o ato de cobrar juros e outros tipos de taxas ou descontos superiores aos limites legais ou realizar contrato abusando da situação de necessidade da outra parte para obter lucro excessivo”. A pena prevista é de 6 meses a 2 anos de detenção e multa.

    Usura e agiotagem (cobrança de ágios) são sinônimas. Porém…, a cobrança de ágios dentro dos limites legais não é considerada crime. É exatamente o que os bancos fazem quando emprestam dinheiro. Me engana que eu gosto. E eu sou testemunha dessa “cobrança dentro dos limites legais” (contém ironia): durante os anos 1980, trabalhei no banco privado Banorte (hoje Banco Itaú) na agência de Mossoró.

    Em 1989 saí para trabalhar em uma empresa de factoring ou fomento mercantil. Era a febre do momento entre os emprestadores de dinheiro mais discretos e que movimentavam grandes quantias a partir do caixa-dois de suas empresas. A atividade de factoring surgiu no Brasil em 1982 e serviu para, de certa forma, oficializar a atividade milenar de se emprestar dinheiro a juros sem a chancela das instituições de crédito legalmente estabelecidas e longe dos regimentos financeiros vigentes.

    De acordo com os princípios básicos da ANFAC – Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring, a atividade não é um empréstimo, mas uma “antecipação dos recebíveis” de uma empresa para ajudá-la a aumentar o capital de giro. Apesar da singela definição, a “antecipação dos recebíveis” tem todas as características da tradicional operação de desconto de duplicatas, tão rotineira nos bancos. Mas não vamos aqui nos aprofundar nas questões técnicas a respeito da atividade de factoring.

    Pois bem. No mesmo ano em que entrei para uma factoring, participei de um Encontro de Empresas de Factoring do Nordeste, em Recife. Durante três dias (quinta, sexta e sábado) foram realizadas várias palestras nas quais os conferencistas tentavam exaltar o aspecto fomentador do negócio, sempre destacando que não se tratava de uma atividade financeira e sim de incremento comercial. E tome lenga-lenga.

    Foi justamente no desenrolar desse encontro, que conversei pela última vez com um típico agiota. Ao final do primeiro dia de reuniões e palestras, eu e dois amigos de empresa fomos jantar e tomar umas cervejas. Quando estávamos no restaurante do hotel onde se realizava o encontro, aproximou-se de nossa mesa um sujeito com todas as características do agiota clássico. O cara já veio puxando conversa: “E aí?! Vocês são de onde?”. Nem esperou por nossa resposta e já foi falando que era de Juazeiro na Bahia. E prosseguiu: “Quê que vocês tão achando dessa conversa aí?”. E não deixava ninguém falar: “Isso é uma besteira muito grande. Eu só vim porque um amigo me convenceu que ia ser bom pros meus negócios. E eu vou lá fazer contrato pra emprestar dinheiro! E nem quero saber de duplicata. Eu quero é cheque pré-datado!”. E tome conversa: “Amanhã eu nem vou mais. Vou ficar até domingo porque já paguei o hotel”.

    Já enturmado e tomando cerveja conosco, continuamos falando sobre assuntos diversos, até que ele veio com esta: “Tem um jeito bom de emprestar dinheiro sem risco de ter prejuízo: cartão de crédito”. E tirou de dentro da capanga tamanho E de enorme, uma maquineta de passar cartão da idade da pedra, a famosa “trec-trec” ou “trac-trac” (por causa do barulho que fazia quando se passava o cartão): “Só ando com ela. Se alguém precisar é só falar. Passo R$ 1.000,00 e dou R$ 700,00 na hora”. “Eita” juros da “mulesta”!

    Rimos muito dessa história. E de fato, não vimos mais o baiano nas palestras. Vez por outra nos encontrávamos nos corredores do hotel e após os comes e bebes do encerramento do encontro no sábado à tarde, saímos para conhecer os botecos de Recife.

    Como um dos precursores do empréstimo no cartão de crédito, se ainda estiver vivo e operando no ramo do “dinheiro fácil e na hora”, o nosso amigo já deve ter se embarafustado nos subterrâneos sombrios da agiotagem digital e espalhado cartazes por todo o estado da Bahia e adjacências.

  • VIDA LONGA AOS “BICHOS GRILOS”!

    “BICHOS GRILOS”

    Dois bichos grilos puxavam um fumo à beira de um rio, com os pés dentro d’água, quando de repente um deles se vira para o outro e diz:

    – Ih, cara! Olha só… Um jacaré comeu o meu pé!

    – Qual?

    – Sei lá meu! Jacaré é tudo igual!

    Acho essa piada genial. É muita criatividade reunida em um texto tão curto. A conversa entre os dois “bichos grilos” me remete às memoráveis jornadas etílicas em Mossoró, no Início dos anos 1980. A turma era quase sempre a mesma. Primos, amigos, irmãos.

    Algumas vezes, encerrávamos a farra tomando a saideira na “Bodega de Genésio” de Genésio Xavier, que ficava próxima a Barragem do Sítio Saco construída num trecho do rio entre os bairros do Alto da Conceição e Bom Jesus. Essa barragem acabou ficando conhecida como a Barragem de Genésio. Nessas ocasiões, íamos para a margem do rio, ficávamos descalços, sentados ou deitados naquela areia molhada e fresquinha das primeiras horas da manhã, com os pés dentro d´água, tentando atenuar a bebedeira e recuperar as energias antes de voltar pra casa. Felizmente nunca surgiu um jacaré ou qualquer outro monstro do rio para comer o pé de algum incauto. No máximo algumas piabinhas que ficavam bicando as pontas dos nossos dedos, o que só aumentava a sensação de relaxamento.

    Haviam sim, alguns “bichos grilos” naquela turma da beira do Rio Mossoró. Gente da melhor espécie. Não cabe aqui citar nomes.

    Por andar sempre com essa turma maravilhosa, cheia de histórias e presepadas de farras para contar e por exibir o cabelo encaracolado característico dos puxadores de fumo, como apregoavam os arautos da tradição, família e propriedade da época, acabei sendo tachado de maconheiro sem nunca ter fumado nem um Continental sem filtro na vida. Quanto a isso preciso contar sobre a minha conturbada relação com o fumo, seja ele de qualquer natureza. Sentem, que lá vem história.

    Quando eu tinha uns 10, 11 anos (por volta de 1971, 72), acompanhei meu pai Chicoliveira, que era contador, em uma viagem pela região oeste do RN para visitar alguns clientes. O motorista de aluguel, o amigo Antonio de Júlia em seu “jipe”, veio de Martins para Mossoró logo cedo. E fizemos a viagem de retorno para Martins passando em cada cidade onde existia um cliente. A maioria eram as prefeituras de pequenas cidades. Dormimos em Martins, pela manhã papai fez mais algumas visitas e começamos a viagem de volta para Mossoró passando por Umarizal, onde morava o meu avô.

    Chegamos em Umarizal para o almoço. À tarde, um irmão de papai, filho do segundo casamento do meu avô, que devia ter uns 15 anos à época, chegou pra mim munido de um pedaço de fumo de rolo – que com certeza pegou escondido do pai – e quando todos estavam no tradicional cochilo pós almoço, me chamou para dar um passeio pelo sítio. Paramos debaixo de uma mangueira e ele começou a enrolar uns cigarros e fomos fumando um atrás do outro até acabar todo o fumo. Nunca havia colocado um troço daqueles na boca. Fiquei completamente zonzo do juízo e bateu uma larica desgraçada. Para passar essa sensação, meu tio sugeriu que era bom chupar umas mangas. Fiz isso. Chupei umas três e acabei melhorando um pouco. Voltamos pra casa – eu ainda meio lesado – quase na hora da janta. Jantei, só Deus sabe como e fui logo me deitar. Papai ainda me disse: “É bom ir dormir cedo mesmo. Amanhã saímos de 4 horas”.

    Quatro horas em ponto, embarcamos no “jipe” de Antonio de Júlia para a viagem de volta a Mossoró. Eu, sentado entre o motorista e papai. Quando o “jipe” começou a chacoalhar o estômago começou a chacoalhar junto. Não deu meia hora de viagem e eu só faltei botar os bofes (se é que não botei) pra fora. Era uma mistura de manga com a comida da janta e uma catinga desgraçada de fumo azedo. Uma calamidade! Aquela coisa “gasturenta” ficou toda espalhada em cima de mim, respingou um pouco na calça de papai e na de Antonio de Júlia e ainda melecou boa parte do piso do “jipe”. O caridoso Antonio de Júlia ainda falou: “Chico, vamos parar pro menino se limpar?”. Papai, com cara de poucos amigos (ou de poucos pais) respondeu: “Não. Vamos parar em Caraúbas para comer alguma coisa e ele se lava”. Nem preciso dizer que a viagem até Caraúbas, em meio aquela fedentina, foi um tormento. Banho tomado, roupa trocada, carro lavado e seguimos viagem de volta para Mossoró. Aqui e acolá o estômago ameaçava um novo revertério, mas consegui me segurar até chegar em casa. Por medida de segurança, fiz a viagem Caraúbas/Mossoró na porta do “jipe”. E assim aconteceu e assim começou o meu trauma com a nicotiana tabacum. O incrível é que nunca deixei de gostar de manga por causa desse episódio.

    A partir daí, eu não conseguia mais nem sentir o cheiro de fumaça de cigarro. Se estivesse em casa e meu pai (fumante inveterado) acendesse um, eu corria para o banheiro. E assim, adentrei à juventude com essa ojeriza ao fumo e suas variações. Para completar, aos 18 anos tive tuberculose. Quando o médico viu a “chapa” do meu pulmão, avisou logo: “Se um dia você fumar, morre!”. Até hoje, cigarro me incomoda.

    Porém, os amigos “bichos grilos” nunca me incomodaram. Sempre respeitaram a minha situação e procuravam fumar os seus “beques” afastados de mim. Interessante é que quando aqueles odores “canabiais” chegavam, ainda que de leve, até o meu nariz, não incomodavam tanto quanto os odores emanados pelos cigarros convencionais.

    Até quando morei em Mossoró em 1997, mantive relações com essa minha turma de “bichos grilos”. E nos anos subsequentes, sempre que fui a Mossoró me encontrei com um ou outro. Acho que estão todos bem. A maioria “sessentões” que nem que eu.

    E tem mais uma história. Conheci o termo “beque” há uns quatro anos, quando cursava Jornalismo na UFRN. Nos meus tempos idos era bagana ou baseado. Não vou citar nomes, mas se as envolvidas lerem esse texto irão se identificar.

    Certa noite de segunda-feira, saíamos do Departamento de Comunicação em direção ao Setor de Aulas II no Campus da UFRN, eu e duas amigas de curso. Conversa vai, conversa vem e uma delas me perguntou: “Marco Túlio, você fuma?”. E eu: “Não. Nunca fumei. Detesto cigarro”. E ela se assustou: “Vixe, como você é careta! Nem parece. Nunca? Nem um ‘bequizinho’”? Aí, a ficha começou a cair. “Ah! É disso que vocês estão falando? Um ‘bequizinho’ é legal”, respondi todo entendido no assunto. E elas foram logo fazendo o convite: “Marco, estamos recebendo uns ‘beques’ dos bons. Vamos marcar pra quinta-feira, às 19 horas? Depois combinamos o lugar”. Lugar combinado, na quinta-feira nem fui a aula. Levei bronca, inventei desculpas esfarrapadas, elas desconfiaram que o meu grau de relacionamento com o “beque” era zero, não se fala mais nisso e vida que segue.

    E vida longa aos meus queridos e queridas, amigos e amigas “bicho grilos”!

  • O QUE E QUEM É O MERCADO

    O mercado é volátil e volúvel. O mercado é sensível, sugestionável, melindroso, suscetível, vulnerável, impressionável, magoável… Será que é isso mesmo?

    Não! Não é nada disso. Esses adjetivos são muito prosaicos para definir como opera de modo quase imperceptível, essa entidade etérea, escorchante e maligna que paira soberana sobre nossas cabeças e que está sempre especulando moldar ações governamentais que reflitam os seus interesses espúrios.

    O mercado é um bicho escroto gerado nas entranhas fétidas do capitalismo nefasto, que busca incessantemente o lucro extorsivo, o acúmulo de capitais, a exploração econômica do proletariado e a degradação do meio ambiente.  

    O mercado é chantagista, usurpador, imoral, inescrupuloso. É arrogante, cínico, desumano, genocida e sem vergonha. O mercado é o pai das reformas trabalhista e da previdência, que sempre visaram espoliar direitos adquiridos dos trabalhadores e aposentados.

    O mercado age e reage ao seu bel-prazer. O mercado reagiu negativamente quando o presidente Lula propôs e conseguiu aprovar um “furo” no teto de gastos do governo, com o intuito de cumprir metas e programas sociais.

    No dia 02/01, Fernando Haddad tomou posse como Ministro da Fazenda e como resultado imediato do mercado, o Ibovespa caiu 3,06%, o dólar subiu 1,51%, o euro 1,37% e as ações da Petrobras tiveram uma queda de 6,67%. O receio está relacionado ao risco fiscal do país e de intervenções muito bruscas na economia, afirmam os especialistas. Vão se “reiar” o mercado e seus especialistas.

     O mercado também foi ágil e diligente ao repercutir negativamente a fala do presidente Lula na Argentina (24/01), quando ele anunciou a ajuda do BNDES para financiar a construção de um gasoduto argentino.

    O mercado reagiu com indiferença quando terroristas bolsonaristas invadiram a Praça dos Três Poderes clamando por um golpe de estado e promoveram a maior depredação e destruição de bens e imóveis públicos da história.

    O mercado também se mostra indiferente ao genocídio na reserva yanomami em Roraima. Isso é deplorável, infame, mesquinho. Nenhum manifesto solidário, nenhum ato de indignação, nenhuma ação humanitária partiu dos senhores do mercado.

    Enquanto os povos indígenas yanomamis morrem doentes e desnutridos vítimas das políticas genocidas do genocida fugitivo, o Valor Econômico (Grupo Globo) informa que “o mercado aguarda também a reabertura dos mercados da China e Hong Kong, que seguem paralisados devido ao feriado de Ano Novo Lunar”.  

    E quem é o mercado? Qual é a cara do “deus” mercado, aquele que tudo quer e acha que tudo pode? A imagem que melhor simboliza a “cara” atual do mercado é a que ilustra esse texto. Trata-se da capa do livro “Sonho Grande (2015)” de autoria da jornalista Cristiane Correa, no qual ela narra a trajetória vitoriosa dos sorridentes e triunfantes empresários Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Hermann Telles. Os três estão entre os quatro homens mais ricos do Brasil (4º, 1º e 3º pela ordem). Quem estiver interessado em mais detalhes, acesse a lista da Revista Forbes.

    Em 2012, outro ícone do mercado financeiro brasileiro entrava para a famosa lista e para a história do empreendedorismo nacional: Eike Batista. Lembram dele? Ostentando uma fortuna de US$ 30 bilhões (TRINTA BILHÕES DE DÓLARES!), o jovem empresário figurou como o sétimo homem mais rico do MUNDO! É mole?! Que orgulho, brasileiros e brasileiras! À época, o bilionário em dólares declarou: “É uma honra representar o país mais uma vez no ranking da Forbes. Contente por investir, gerar riquezas e empregos no país”. Que lindo esse mercado meritocrático! Se vocês quiserem saber mais detalhes sobre como acabou essa sórdida e escabrosa história de “sucesso”, pesquisem no Google. Eike Batista também já foi a “cara” do mercado.

    Mas voltemos aos radiantes e bilionários “setentões” (Sicupira e Telles) e ao “oitentão” (Lemann). São eles, os responsáveis por uma fraude fiscal e contábil de mais de R$ 40 bilhões envolvendo as Lojas Americanas, uma das várias empresas das quais são controladores.

    Os ídolos do jornalismo econômico brasileiro, heróis do capitalismo tupiniquim e personagens de livros, reportagens e documentários apologéticos, agora devem enfrentar uma onda de processos judiciais, tanto de acionistas e instituições financeiras lesadas, como do Ministério Público.

    E como reagiu o mercado ao escândalo das Lojas Americanas? Ora bolas! Com a naturalidade que lhe é peculiar, quando a turbulência envolve parceiros de longas datas.

    Assim declarou Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, em entrevista (16/01) à correspondente internacional de economia da CNN, Priscila Yasbek, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça: “O escândalo contábil das Americanas, que hoje reporta dívida de R$ 40 bilhões, foi imprevisto para o mercado e de efeitos muito desagradáveis. O mercado está dialogando. O bom senso é uma régua fundamental para que possamos superar isso e chegar a um acordo que não gere ainda mais prejuízo”. Não é nada, não é nada, não é nada mesmo. Perceberam ou precisa desenhar? Está tudo tranquilo com o mercado em relação a esse assunto.

    Daqui a algumas semanas esse embaraçoso deslize engendrado involuntariamente (é o que eles juram de pés juntos) pelo trio parada dura (Lemann, Telles e Sicupira) e que chegou a melindrar apenas “levemente” os senhores do mercado, será esquecido e a pilhagem capitalista seguirá o seu curso normal.

    Pelo visto e pelo dito, o único imprevisto capaz de atrapalhar a normalidade do mercado é o retorno de Lula presidente, com essa sua política econômica “socialista” e inclusiva.

    Uma política econômica “comunista” que tem o desplante de buscar garantir que cada brasileiro tenha direito a café da manhã, almoço e janta diários; de lutar com todas as forças, mais uma vez, para riscar o nome do Brasil do mapa da fome; de tentar com unhas e dentes devolver ao povo brasileiro o direito ao estudo e a um trabalho digno.

    Uma política econômica que prioriza os mais pobres, excluídos, desassistidos e vítimas de preconceitos, independente do estrebuchar apoplético do mercado.