O assunto é o bolsonarismo e a sua nocividade tóxica. Mas não irei aqui discorrer sobre terraplanismo, negacionismo, olavismo, golpismo, racismo, conservadorismo, fascismo, nazismo e outras idiossincrasias características de uma parcela considerável da população brasileira, que emergiu das profundezas da ignorância no rastro da influência maléfica de um ser humano – apenas na perspectiva biológica e antropológica – inquestionavelmente execrável. Esse fenômeno de ofuscamento social coletivo merece um tratado a ser devidamente esquadrinhado por estudiosos das Relações Humanas e das Ciências Sociais.
Limitar-me-ei, portanto, ao novo modelo educacional implantado em São Paulo pelo secretário, Renato Feder (perfil no final do texto), principal articulador do projeto bolsonariano de deseducação. Essa aberração pedagógica escancara mais uma característica nefasta do bolsonarismo: o obscurantismo intelectual.
Em julho, o governo de São Paulo, decidiu não aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), afirmando que as coleções didáticas oferecidas pela União seriam substituídas por materiais digitais no formato de slides “elaborados e distribuídos pela própria secretaria de educação”. O estapafúrdio material didático digital “elaborado e distribuído” pelo governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, expõe o grau de insipiência que atinge o bolsonarismo em todos os seus escalões e esferas.
Os “slides de Tarcísio” ganharam publicidade a partir de uma série de reportagens do portal UOL, que apontam erros bizarros no material ofertado pelo governo paulista aos professores e alunos da rede pública.
Em 15 de agosto, a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) elaborou a Nota Técnica Substituição de Livros do PNLD por Slides Digitais na Rede Estadual de São Paulo na qual afirma que o material fornecido pela secretaria de Educação de São Paulo, “contém problemas metodológicos, erros conceituais e fazem uma má contextualização das informações para os alunos”. A análise conclui que “caso o material fosse submetido ao processo de avaliação de qualidade usado pelo MEC na escolha dos livros didáticos, eles seriam reprovados”. Foram encontrados erros em todas as disciplinas e em todas as etapas de ensino.
Em 09 de setembro, a Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (Abrale) publicou uma Análise Crítica do Material Didático do Estado de São Paulo onde identifica um “festival de erros” e enfatiza que esse material “é raso, superficial, enfadonho e prejudicial à formação da cidadania”.
Após críticas da sociedade civil e uma decisão da Justiça, o governo de São Paulo voltou atrás e anunciou que vai aderir ao PNLD em 2024 e os estudantes paulistas voltarão a ter acesso ao conteúdo didático disponibilizado pelo Ministério da Educação.
Em relação aos erros detectados no material digital, a secretaria informou em nota que afastou os servidores responsáveis e que “o conteúdo é editável e as informações já foram retificadas e atualizadas”. Será?
A seguir, algumas pérolas pinçadas dos slides de Tarcísio de Freitas e do seu secretário de educação Renato Feder:
HISTÓRIA
– “Em 1888, Dom Pedro II assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. No entanto, a insatisfação popular com a monarquia continuou a crescer”.
Fato: O imperador não estava no Brasil em 13 de maio daquele ano e a Lei foi assinada por sua filha Isabel, que naquele momento estava na posição de Princesa Imperial Regente. Daí, que na história oficial do Brasil ela virou “A Princesa Redentora”. Há controvérsias. Mas aí é outra história.
– “A proibição do uso de biquínis foi adotada por Jânio Quadros em 1961, quando ele era prefeito de São Paulo. Ele emitiu um decreto vetando o uso de biquínis nas praias da cidade”.
Fato: Jânio realmente proibiu o biquíni em 1961, porém, quando era presidente e nas praias do Brasil, até porque a capital paulista não fica no litoral (os paulistanos bem que gostariam que ficasse). À guisa de informação: Jânio Quadros foi prefeito de São Paulo de 1953 a 1955 e de 1986 e 1989; governador do estado São Paulo de 1955 a 1959 e presidente da república de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961.
FÍSICA
Em outro erro factual, alunos do ensino médio apontaram erro sobre a morte do físico Jean Foucault. No material, o slide cita uma descoberta feita pelo físico e astrônomo francês Jean Foucault em 1985, mas ele morreu em 1868.
Fato: Jean Bernard Léon Foucault (Paris, 18/09/1819 – Paris, 11/02/1868), físico e astrônomo francês é mais conhecido pela invenção do Pêndulo de Foucault, uma experiência concebida para demonstrar a rotação da terra em relação ao seu próprio eixo, cuja primeira demonstração data de 1851. Vai ver que essa confusão se deu porque os terraplanistas da deseducação bolsonariana acham o princípio do Pêndulo de Foucault um absurdo e coisa de esquerdista.
MATEMÁTICA
Em material direcionado para o 6º ano do Ensino Fundamental, foi encontrado erro em uma conta básica de divisão: ao invés de 36 dividido por 9 ser igual a 4, o resultado apontava 6.
Fato: A divisão é uma operação básica da Matemática, assim como a multiplicação, adição e subtração. Multiplicação e divisão são operações inversas, por isso, a “prova real” da divisão é feita por meio de uma multiplicação: 4 x 9 = 36 e 6 x 9 = 54. Acertei?
CULTURA
Alunos do primeiro ano do ensino médio, receberam um slide em que a música “É Proibido Proibir”, de Caetano Veloso, um dos hinos contra a ditadura militar brasileira, aparece com uma foto e o nome de outro cantor da época, Geraldo Vandré, como autor.
Fato: Geraldo Vandré é autor de “Pra não dizer que não falei das flores” ou “Caminhando e cantando e seguindo a canção” ou ainda “Vem vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Bando de comunistas!
BIOLOGIA
Um slide da disciplina de biologia direcionado a estudantes do 7º ano do ensino fundamental informa que “a água contaminada com mercúrio, agrotóxicos, remédios e produtos químicos pode provocar doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, além de problemas cognitivos, depressão e déficit de atenção”.
Fato: Os médicos dizem não haver base científica para fazer essa associação. “As intoxicações por metais pesados podem desencadear vários tipos de doença, mas não essas duas que estão ali [Parkinson e Alzheimer]”, diz o infectologista Jamal Suleiman.
Quem é Renato Feder
Economista, administrador de empresas e empresário neoliberal foi secretário de educação do Paraná entre 2019 e 2022 no governo de Ratinho Júnior (PSD). É acionista e ex-CEO da Multilaser, gigante nacional do ramo de tecnologia e herdeiro do grupo Elgin, mega indústria do ramo de eletrodomésticos.
Renato Feder está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo, por conflito de interesses em contratos firmados pela Secretaria de Educação de São Paulo com a empresa Multilaser.
A empresa, da qual Feder foi CEO e mantém-se acionista, fechou contratos de 200 milhões de reais na compra de 97 mil laptops pelo governo paulista. A entrega, prevista em até dois meses, atrasou e só foram entregues 10% do estabelecido.
Mas aí, já é outra história.