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  • FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA, O “CAMONIZADO”

    Com quatro anos de atraso, finalmente Chico Buarque recebeu das mãos do Presidente Lula e do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, o seu Prêmio Camões, a maior honraria da literatura em língua portuguesa. Agora Chico está definitivamente “camonizado”.

                Em trecho do seu belíssimo discurso de agraciado, o gênio Chico fez uso do sarcasmo que lhe é peculiar, para manifestar a sua “enorme euforia” ao sentir-se liberto de tudo de detestável e sinistro que aconteceu no Brasil durante os nefastos quatro anos sob o desgoverno bolsofascista:

    “Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-Presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso Presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”.

    Chico Buarque também citou a Revolução dos Cravos, consumada em 25 de abril de 1974 e que pôs fim ao regime ditatorial salazarista que perdurava desde 1933:

    “Valeu a pena esperar por esta cerimônia marcada, não por acaso, para a véspera do dia em que os portugueses descem a avenida Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos”.

    Se o mês de abril é tão significativo para a democracia portuguesa, no Brasil ele marca o golpe de estado de 01 de abril de 1964 e o início da ditatura militar.

    Foi também em um abril, que essa sanguinária ditatura assassinou Zuleika de Souza Neto, ou Zuleika Angel Jones, ou Zuzu Angel (1921-1976).

    Zuzu Angel, se notabilizou internacionalmente não só por seu trabalho inovador como estilista de moda, mas também por sua procura incessante pelo filho Stuart Angel (1946-1971), impiedosamente torturado, assassinado e transformado em desaparecido político pelo estado brasileiro. Zuzu enfrentou abertamente as autoridades militares e escancarou aos olhos do mundo as sessões de tortura, os assassinatos e “desaparecimentos” ocorridos nos porões da ditadura militar do Brasil.

    Essa busca por explicações, por culpados e pelo corpo do filho só teve fim com sua morte em 14 de abril de 1976, em um acidente de carro na Estrada da Gávea (Rio de Janeiro), na saída do Túnel Dois Irmãos, hoje batizado com seu nome.

    Em 2007, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos incluiu em seu relatório final, os depoimentos de duas testemunhas oculares do acidente, nos quais afirmaram ter visto o carro de Zuzu Angel ter sido fechado por outro e jogado fora da pista, caindo de uma altura de cerca de cinco metros.

    Uma semana antes do suspeito acidente, Zuzu deixara na casa do amigo Chico Buarque um documento que deveria ser publicado caso algo lhe acontecesse, onde escreveu: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.

    Em 1981 no antológico LP “Almanaque”, Chico Buarque em parceria com Miltinho do MPB4 (autor da melodia), homenageou a amiga com a obra prima “Angélica”.

    Vale a pena lembrar esse brado contra a barbárie que assolou o país durante 21 anos, e que infelizmente voltou a pairar sobre às nossas cabeças a partir do surgimento do bolsofascismo:

    ANGÉLICA – Letra: Chico Buarque / Melodia: Miltinho

    Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho?

    Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar

    Quem é essa mulher / Que canta sempre esse lamento?

    Só queria lembrar o tormento / Que fez o meu filho suspirar

    Quem é essa mulher / Que canta sempre o mesmo arranjo?

    Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar

    Quem é essa mulher / Que canta como dobra um sino?

    Queria cantar por meu menino / Que ele já não pode mais cantar

    Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho?

    Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar

    UMA HOMENAGEM

    Nesse abril, em que se completou 47 anos do assassinato dessa mulher extraordinária, símbolo de resistência, resiliência e insubmissão na luta contra a ditadura militar no Brasil, uma homenagem a Zuzu Angel e seu filho Stuart Angel, a partir de uma releitura da letra de “Angélica”:

    Os homens maus levaram o seu filho, o pequeno e frágil Stuart. Ela o procurou em todos os lugares. Nunca na escuridão do mar.

    O que eles fizeram com o seu pequeno e frágil Stuart? Ela perguntou em todos os lugares.

    Ela perguntou aos carrascos. Ela perguntou ao mundo. Nunca aos habitantes da escuridão do mar.

    Ela tanto procurou e perguntou, que incomodou os homens maus que haviam levado o seu pequeno e frágil Stuart. E então ela deixou de perguntar e procurar.

    De lamentar o sumiço do seu pequeno e frágil Stuart.

    Os homens maus quebraram suas pernas. Cortaram a sua língua. Silenciaram o seu lamento.

    E ela parou de procurar. De perguntar. De lamentar. Partiu ao encontro do seu pequeno e frágil Stuart na escuridão do mar.

    E os homens maus continuaram praticando suas maldades. Agora sem um anjo para procurar e perguntar. E lamentar.

    Zuzu Angel, o filme – 2006

  • EMPRÉSTIMO NO CARTÃO. DINHEIRO NA HORA!

    A agiotagem institucionalizada

    Nenhum poste foi poupado no trajeto que faço diariamente entre Parnamirim e Natal. Ida e volta todos os postes, sem exceção, estão cobertos de anúncios oferecendo “dinheiro fácil”, “dinheiro na hora”. Outras estruturas também são utilizadas como suporte para a divulgação dessa modalidade de agiotagem institucionalizada e generalizada: tapumes de construções; passarelas de pedestres; muretas de proteção em viadutos, pontes e canteiros; muros e paredes de prédios abandonados; paradas de ônibus; caçambas de recolhimentos de entulhos ou qualquer outra superfície apta a receber uma broxada de cola caseira feita de goma de tapioca, o medieval “grude” (será que ainda usam isso?).

    Em sua maioria são folhetos simples, no formato A4, com o texto curto e direto e que podem ser produzidos em qualquer impressora a laser em preto e branco: EMPRÉSTIMO NO CARTÃO – DINHEIRO NA HORA – Valor do empréstimo – Quantidade e valor das parcelas – Telefone para contato. De uns tempos para cá, surgiram novos modelos de propaganda e com uma produção mais requintada: banners, cartazes em tamanhos maiores e em cores (alguns com imagens), faixas e até os suntuosos outdoors.

    O nível absurdo da poluição visual que margeia esse meu itinerário diário, sinaliza que tal fenômeno publicitário se reproduz em todas as ruas, avenidas, becos e vielas dessas duas cidades que se misturam e quiçá em todas as cidades da região, do estado, do país ou do planeta.

    Eu fico cá, em meus devaneios aleatórios, imaginando quantos milhões de pessoas vítimas dessa agiotagem desenfreada devem estar atoladas até o pescoço em dívidas com cartões de crédito, devendo a bunda e uma banda, sem quaisquer perspectivas de um dia vir a quitar essas dívidas.

    Em tempos de dinheiro e agiotagem digital, a figura clássica do agiota, trajando calça e sapato social, relojão dourado pesando no braço, camisa de volta ao mundo “ensacada” e aberta no peito para exibir o cordão de ouro e sempre acompanhado da indefectível bolsa tipo capanga – abarrotada de cheques pré-datados e promissórias – debaixo do “suvaco”, não existe mais. Entrou em extinção por volta do final do século passado. Essa imagem do agiota, também estava associada aos bicheiros e cafetões. Vai ver, era tudo a mesma coisa.

    A agiotagem é crime previsto em lei. A Lei 1521 de 1951 (a preocupação é antiga) dispõe sobre crimes contra a economia popular. Em seu artigo 4º, a norma prevê “o crime de usura pecuniária ou real” e descreve a conduta delituosa como sendo “o ato de cobrar juros e outros tipos de taxas ou descontos superiores aos limites legais ou realizar contrato abusando da situação de necessidade da outra parte para obter lucro excessivo”. A pena prevista é de 6 meses a 2 anos de detenção e multa.

    Usura e agiotagem (cobrança de ágios) são sinônimas. Porém…, a cobrança de ágios dentro dos limites legais não é considerada crime. É exatamente o que os bancos fazem quando emprestam dinheiro. Me engana que eu gosto. E eu sou testemunha dessa “cobrança dentro dos limites legais” (contém ironia): durante os anos 1980, trabalhei no banco privado Banorte (hoje Banco Itaú) na agência de Mossoró.

    Em 1989 saí para trabalhar em uma empresa de factoring ou fomento mercantil. Era a febre do momento entre os emprestadores de dinheiro mais discretos e que movimentavam grandes quantias a partir do caixa-dois de suas empresas. A atividade de factoring surgiu no Brasil em 1982 e serviu para, de certa forma, oficializar a atividade milenar de se emprestar dinheiro a juros sem a chancela das instituições de crédito legalmente estabelecidas e longe dos regimentos financeiros vigentes.

    De acordo com os princípios básicos da ANFAC – Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring, a atividade não é um empréstimo, mas uma “antecipação dos recebíveis” de uma empresa para ajudá-la a aumentar o capital de giro. Apesar da singela definição, a “antecipação dos recebíveis” tem todas as características da tradicional operação de desconto de duplicatas, tão rotineira nos bancos. Mas não vamos aqui nos aprofundar nas questões técnicas a respeito da atividade de factoring.

    Pois bem. No mesmo ano em que entrei para uma factoring, participei de um Encontro de Empresas de Factoring do Nordeste, em Recife. Durante três dias (quinta, sexta e sábado) foram realizadas várias palestras nas quais os conferencistas tentavam exaltar o aspecto fomentador do negócio, sempre destacando que não se tratava de uma atividade financeira e sim de incremento comercial. E tome lenga-lenga.

    Foi justamente no desenrolar desse encontro, que conversei pela última vez com um típico agiota. Ao final do primeiro dia de reuniões e palestras, eu e dois amigos de empresa fomos jantar e tomar umas cervejas. Quando estávamos no restaurante do hotel onde se realizava o encontro, aproximou-se de nossa mesa um sujeito com todas as características do agiota clássico. O cara já veio puxando conversa: “E aí?! Vocês são de onde?”. Nem esperou por nossa resposta e já foi falando que era de Juazeiro na Bahia. E prosseguiu: “Quê que vocês tão achando dessa conversa aí?”. E não deixava ninguém falar: “Isso é uma besteira muito grande. Eu só vim porque um amigo me convenceu que ia ser bom pros meus negócios. E eu vou lá fazer contrato pra emprestar dinheiro! E nem quero saber de duplicata. Eu quero é cheque pré-datado!”. E tome conversa: “Amanhã eu nem vou mais. Vou ficar até domingo porque já paguei o hotel”.

    Já enturmado e tomando cerveja conosco, continuamos falando sobre assuntos diversos, até que ele veio com esta: “Tem um jeito bom de emprestar dinheiro sem risco de ter prejuízo: cartão de crédito”. E tirou de dentro da capanga tamanho E de enorme, uma maquineta de passar cartão da idade da pedra, a famosa “trec-trec” ou “trac-trac” (por causa do barulho que fazia quando se passava o cartão): “Só ando com ela. Se alguém precisar é só falar. Passo R$ 1.000,00 e dou R$ 700,00 na hora”. “Eita” juros da “mulesta”!

    Rimos muito dessa história. E de fato, não vimos mais o baiano nas palestras. Vez por outra nos encontrávamos nos corredores do hotel e após os comes e bebes do encerramento do encontro no sábado à tarde, saímos para conhecer os botecos de Recife.

    Como um dos precursores do empréstimo no cartão de crédito, se ainda estiver vivo e operando no ramo do “dinheiro fácil e na hora”, o nosso amigo já deve ter se embarafustado nos subterrâneos sombrios da agiotagem digital e espalhado cartazes por todo o estado da Bahia e adjacências.

  • VIDA LONGA AOS “BICHOS GRILOS”!

    “BICHOS GRILOS”

    Dois bichos grilos puxavam um fumo à beira de um rio, com os pés dentro d’água, quando de repente um deles se vira para o outro e diz:

    – Ih, cara! Olha só… Um jacaré comeu o meu pé!

    – Qual?

    – Sei lá meu! Jacaré é tudo igual!

    Acho essa piada genial. É muita criatividade reunida em um texto tão curto. A conversa entre os dois “bichos grilos” me remete às memoráveis jornadas etílicas em Mossoró, no Início dos anos 1980. A turma era quase sempre a mesma. Primos, amigos, irmãos.

    Algumas vezes, encerrávamos a farra tomando a saideira na “Bodega de Genésio” de Genésio Xavier, que ficava próxima a Barragem do Sítio Saco construída num trecho do rio entre os bairros do Alto da Conceição e Bom Jesus. Essa barragem acabou ficando conhecida como a Barragem de Genésio. Nessas ocasiões, íamos para a margem do rio, ficávamos descalços, sentados ou deitados naquela areia molhada e fresquinha das primeiras horas da manhã, com os pés dentro d´água, tentando atenuar a bebedeira e recuperar as energias antes de voltar pra casa. Felizmente nunca surgiu um jacaré ou qualquer outro monstro do rio para comer o pé de algum incauto. No máximo algumas piabinhas que ficavam bicando as pontas dos nossos dedos, o que só aumentava a sensação de relaxamento.

    Haviam sim, alguns “bichos grilos” naquela turma da beira do Rio Mossoró. Gente da melhor espécie. Não cabe aqui citar nomes.

    Por andar sempre com essa turma maravilhosa, cheia de histórias e presepadas de farras para contar e por exibir o cabelo encaracolado característico dos puxadores de fumo, como apregoavam os arautos da tradição, família e propriedade da época, acabei sendo tachado de maconheiro sem nunca ter fumado nem um Continental sem filtro na vida. Quanto a isso preciso contar sobre a minha conturbada relação com o fumo, seja ele de qualquer natureza. Sentem, que lá vem história.

    Quando eu tinha uns 10, 11 anos (por volta de 1971, 72), acompanhei meu pai Chicoliveira, que era contador, em uma viagem pela região oeste do RN para visitar alguns clientes. O motorista de aluguel, o amigo Antonio de Júlia em seu “jipe”, veio de Martins para Mossoró logo cedo. E fizemos a viagem de retorno para Martins passando em cada cidade onde existia um cliente. A maioria eram as prefeituras de pequenas cidades. Dormimos em Martins, pela manhã papai fez mais algumas visitas e começamos a viagem de volta para Mossoró passando por Umarizal, onde morava o meu avô.

    Chegamos em Umarizal para o almoço. À tarde, um irmão de papai, filho do segundo casamento do meu avô, que devia ter uns 15 anos à época, chegou pra mim munido de um pedaço de fumo de rolo – que com certeza pegou escondido do pai – e quando todos estavam no tradicional cochilo pós almoço, me chamou para dar um passeio pelo sítio. Paramos debaixo de uma mangueira e ele começou a enrolar uns cigarros e fomos fumando um atrás do outro até acabar todo o fumo. Nunca havia colocado um troço daqueles na boca. Fiquei completamente zonzo do juízo e bateu uma larica desgraçada. Para passar essa sensação, meu tio sugeriu que era bom chupar umas mangas. Fiz isso. Chupei umas três e acabei melhorando um pouco. Voltamos pra casa – eu ainda meio lesado – quase na hora da janta. Jantei, só Deus sabe como e fui logo me deitar. Papai ainda me disse: “É bom ir dormir cedo mesmo. Amanhã saímos de 4 horas”.

    Quatro horas em ponto, embarcamos no “jipe” de Antonio de Júlia para a viagem de volta a Mossoró. Eu, sentado entre o motorista e papai. Quando o “jipe” começou a chacoalhar o estômago começou a chacoalhar junto. Não deu meia hora de viagem e eu só faltei botar os bofes (se é que não botei) pra fora. Era uma mistura de manga com a comida da janta e uma catinga desgraçada de fumo azedo. Uma calamidade! Aquela coisa “gasturenta” ficou toda espalhada em cima de mim, respingou um pouco na calça de papai e na de Antonio de Júlia e ainda melecou boa parte do piso do “jipe”. O caridoso Antonio de Júlia ainda falou: “Chico, vamos parar pro menino se limpar?”. Papai, com cara de poucos amigos (ou de poucos pais) respondeu: “Não. Vamos parar em Caraúbas para comer alguma coisa e ele se lava”. Nem preciso dizer que a viagem até Caraúbas, em meio aquela fedentina, foi um tormento. Banho tomado, roupa trocada, carro lavado e seguimos viagem de volta para Mossoró. Aqui e acolá o estômago ameaçava um novo revertério, mas consegui me segurar até chegar em casa. Por medida de segurança, fiz a viagem Caraúbas/Mossoró na porta do “jipe”. E assim aconteceu e assim começou o meu trauma com a nicotiana tabacum. O incrível é que nunca deixei de gostar de manga por causa desse episódio.

    A partir daí, eu não conseguia mais nem sentir o cheiro de fumaça de cigarro. Se estivesse em casa e meu pai (fumante inveterado) acendesse um, eu corria para o banheiro. E assim, adentrei à juventude com essa ojeriza ao fumo e suas variações. Para completar, aos 18 anos tive tuberculose. Quando o médico viu a “chapa” do meu pulmão, avisou logo: “Se um dia você fumar, morre!”. Até hoje, cigarro me incomoda.

    Porém, os amigos “bichos grilos” nunca me incomodaram. Sempre respeitaram a minha situação e procuravam fumar os seus “beques” afastados de mim. Interessante é que quando aqueles odores “canabiais” chegavam, ainda que de leve, até o meu nariz, não incomodavam tanto quanto os odores emanados pelos cigarros convencionais.

    Até quando morei em Mossoró em 1997, mantive relações com essa minha turma de “bichos grilos”. E nos anos subsequentes, sempre que fui a Mossoró me encontrei com um ou outro. Acho que estão todos bem. A maioria “sessentões” que nem que eu.

    E tem mais uma história. Conheci o termo “beque” há uns quatro anos, quando cursava Jornalismo na UFRN. Nos meus tempos idos era bagana ou baseado. Não vou citar nomes, mas se as envolvidas lerem esse texto irão se identificar.

    Certa noite de segunda-feira, saíamos do Departamento de Comunicação em direção ao Setor de Aulas II no Campus da UFRN, eu e duas amigas de curso. Conversa vai, conversa vem e uma delas me perguntou: “Marco Túlio, você fuma?”. E eu: “Não. Nunca fumei. Detesto cigarro”. E ela se assustou: “Vixe, como você é careta! Nem parece. Nunca? Nem um ‘bequizinho’”? Aí, a ficha começou a cair. “Ah! É disso que vocês estão falando? Um ‘bequizinho’ é legal”, respondi todo entendido no assunto. E elas foram logo fazendo o convite: “Marco, estamos recebendo uns ‘beques’ dos bons. Vamos marcar pra quinta-feira, às 19 horas? Depois combinamos o lugar”. Lugar combinado, na quinta-feira nem fui a aula. Levei bronca, inventei desculpas esfarrapadas, elas desconfiaram que o meu grau de relacionamento com o “beque” era zero, não se fala mais nisso e vida que segue.

    E vida longa aos meus queridos e queridas, amigos e amigas “bicho grilos”!

  • O QUE E QUEM É O MERCADO

    O mercado é volátil e volúvel. O mercado é sensível, sugestionável, melindroso, suscetível, vulnerável, impressionável, magoável… Será que é isso mesmo?

    Não! Não é nada disso. Esses adjetivos são muito prosaicos para definir como opera de modo quase imperceptível, essa entidade etérea, escorchante e maligna que paira soberana sobre nossas cabeças e que está sempre especulando moldar ações governamentais que reflitam os seus interesses espúrios.

    O mercado é um bicho escroto gerado nas entranhas fétidas do capitalismo nefasto, que busca incessantemente o lucro extorsivo, o acúmulo de capitais, a exploração econômica do proletariado e a degradação do meio ambiente.  

    O mercado é chantagista, usurpador, imoral, inescrupuloso. É arrogante, cínico, desumano, genocida e sem vergonha. O mercado é o pai das reformas trabalhista e da previdência, que sempre visaram espoliar direitos adquiridos dos trabalhadores e aposentados.

    O mercado age e reage ao seu bel-prazer. O mercado reagiu negativamente quando o presidente Lula propôs e conseguiu aprovar um “furo” no teto de gastos do governo, com o intuito de cumprir metas e programas sociais.

    No dia 02/01, Fernando Haddad tomou posse como Ministro da Fazenda e como resultado imediato do mercado, o Ibovespa caiu 3,06%, o dólar subiu 1,51%, o euro 1,37% e as ações da Petrobras tiveram uma queda de 6,67%. O receio está relacionado ao risco fiscal do país e de intervenções muito bruscas na economia, afirmam os especialistas. Vão se “reiar” o mercado e seus especialistas.

     O mercado também foi ágil e diligente ao repercutir negativamente a fala do presidente Lula na Argentina (24/01), quando ele anunciou a ajuda do BNDES para financiar a construção de um gasoduto argentino.

    O mercado reagiu com indiferença quando terroristas bolsonaristas invadiram a Praça dos Três Poderes clamando por um golpe de estado e promoveram a maior depredação e destruição de bens e imóveis públicos da história.

    O mercado também se mostra indiferente ao genocídio na reserva yanomami em Roraima. Isso é deplorável, infame, mesquinho. Nenhum manifesto solidário, nenhum ato de indignação, nenhuma ação humanitária partiu dos senhores do mercado.

    Enquanto os povos indígenas yanomamis morrem doentes e desnutridos vítimas das políticas genocidas do genocida fugitivo, o Valor Econômico (Grupo Globo) informa que “o mercado aguarda também a reabertura dos mercados da China e Hong Kong, que seguem paralisados devido ao feriado de Ano Novo Lunar”.  

    E quem é o mercado? Qual é a cara do “deus” mercado, aquele que tudo quer e acha que tudo pode? A imagem que melhor simboliza a “cara” atual do mercado é a que ilustra esse texto. Trata-se da capa do livro “Sonho Grande (2015)” de autoria da jornalista Cristiane Correa, no qual ela narra a trajetória vitoriosa dos sorridentes e triunfantes empresários Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Hermann Telles. Os três estão entre os quatro homens mais ricos do Brasil (4º, 1º e 3º pela ordem). Quem estiver interessado em mais detalhes, acesse a lista da Revista Forbes.

    Em 2012, outro ícone do mercado financeiro brasileiro entrava para a famosa lista e para a história do empreendedorismo nacional: Eike Batista. Lembram dele? Ostentando uma fortuna de US$ 30 bilhões (TRINTA BILHÕES DE DÓLARES!), o jovem empresário figurou como o sétimo homem mais rico do MUNDO! É mole?! Que orgulho, brasileiros e brasileiras! À época, o bilionário em dólares declarou: “É uma honra representar o país mais uma vez no ranking da Forbes. Contente por investir, gerar riquezas e empregos no país”. Que lindo esse mercado meritocrático! Se vocês quiserem saber mais detalhes sobre como acabou essa sórdida e escabrosa história de “sucesso”, pesquisem no Google. Eike Batista também já foi a “cara” do mercado.

    Mas voltemos aos radiantes e bilionários “setentões” (Sicupira e Telles) e ao “oitentão” (Lemann). São eles, os responsáveis por uma fraude fiscal e contábil de mais de R$ 40 bilhões envolvendo as Lojas Americanas, uma das várias empresas das quais são controladores.

    Os ídolos do jornalismo econômico brasileiro, heróis do capitalismo tupiniquim e personagens de livros, reportagens e documentários apologéticos, agora devem enfrentar uma onda de processos judiciais, tanto de acionistas e instituições financeiras lesadas, como do Ministério Público.

    E como reagiu o mercado ao escândalo das Lojas Americanas? Ora bolas! Com a naturalidade que lhe é peculiar, quando a turbulência envolve parceiros de longas datas.

    Assim declarou Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, em entrevista (16/01) à correspondente internacional de economia da CNN, Priscila Yasbek, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça: “O escândalo contábil das Americanas, que hoje reporta dívida de R$ 40 bilhões, foi imprevisto para o mercado e de efeitos muito desagradáveis. O mercado está dialogando. O bom senso é uma régua fundamental para que possamos superar isso e chegar a um acordo que não gere ainda mais prejuízo”. Não é nada, não é nada, não é nada mesmo. Perceberam ou precisa desenhar? Está tudo tranquilo com o mercado em relação a esse assunto.

    Daqui a algumas semanas esse embaraçoso deslize engendrado involuntariamente (é o que eles juram de pés juntos) pelo trio parada dura (Lemann, Telles e Sicupira) e que chegou a melindrar apenas “levemente” os senhores do mercado, será esquecido e a pilhagem capitalista seguirá o seu curso normal.

    Pelo visto e pelo dito, o único imprevisto capaz de atrapalhar a normalidade do mercado é o retorno de Lula presidente, com essa sua política econômica “socialista” e inclusiva.

    Uma política econômica “comunista” que tem o desplante de buscar garantir que cada brasileiro tenha direito a café da manhã, almoço e janta diários; de lutar com todas as forças, mais uma vez, para riscar o nome do Brasil do mapa da fome; de tentar com unhas e dentes devolver ao povo brasileiro o direito ao estudo e a um trabalho digno.

    Uma política econômica que prioriza os mais pobres, excluídos, desassistidos e vítimas de preconceitos, independente do estrebuchar apoplético do mercado.

  • A CARTA ABERTA DE NEYMAR PARA TITE – Comentada

    No rastro de mais um desastre de proporções “titescas” ou “titeânicas” em uma Copa do Mundo, eis que o pré-adolescente Neymar resolveu escrever uma carta aberta ao treinador Tite. Uma babaquice sem tamanho. Bem ao estilo “Deus acima de tudo, Neymar acima de todos”.

    Me lembrou a carta/e-mail que Dona Lúcia enviou para Felipão e que foi lida por Parreira em rede nacional, logo após os 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa de 2014. A carta (leia a íntegra aqui) virou motivo de chacota e só aumentou o constrangimento da comissão técnica em relação ao vexame histórico. Na época chegou-se a duvidar de sua autenticidade e da existência de Dona Lúcia.

    Em dezembro do mesmo ano, durante o “Bem Amigos” do Sportv, Parreira voltou a falar sobre a carta e admitiu um certo arrependimento por ter lido a mensagem durante a coletiva: “A carta não fui eu que tornei pública. Foi comentada, falada pelo Rodrigo Paiva, acho que Felipão também comentou. No finalzinho, talvez eu tenha me arrependido, sim. Foi no impulso, ali. O Rodrigo disse: ‘Lê, porque estão falando tanto. Uma pessoa escreveu uma coisa bonita, ela é real, ela é verdadeira, a carta’. Naquela coisa que você decide na hora, fui, falei, li, até pra preservar um pouco a comissão técnica do Felipão que estava sendo muito batido. Estavam falando mal dele, claro, a seleção perdeu de 7 a 1 e não poderia ser diferente. Aquilo foi pra tentar amenizar um pouco e mostrar que tinha os dois lados da moeda. Alguém que criticava, metia o pau e alguém que apoiava. Ela escreveu uma carta muito bonita, por isso que ela foi lida”.

    Dito isso, voltemos à “neymarística” missiva. Apesar da pieguice, a dita cuja está razoavelmente bem escrita. As escorregadias reticências (os famosos três pontinhos) foram bem empregadas, apesar de em uma oportunidade – provavelmente por erro de digitação – terem sido utilizados quatro pontinhos. Há um certo exagero na grafia de palavras em caixa alta, mas nada que comprometa o sentido das frases. Vírgulas de mais ou de menos, interrogações ou exclamações desnecessárias, algumas confusões com os pronomes tu e você, mas repito: nada comprometedor.

    E são essas observações que me levam a duvidar que essa carta seja da lavra exclusiva do mais bajulado e contestado jogador do futebol brasileiro. Neymar não tem a mínima capacidade cognitiva de desenvolver um raciocínio lógico em seis parágrafos e uma saudação, tendo como suporte um gênero textual público, de caráter argumentativo, cuja função principal é se posicionar sobre um tema. Alguém de sua assessoria de comunicação na tentativa de amenizar um pouco as críticas à seleção da CBF (comissão técnica e jogadores), teve a brilhante ideia de escrever e divulgar a tal carta aberta.

     Porém, como canta o poeta Belchior, “deixando a profundidade de lado” vamos à frivolidade da carta aberta com os devidos comentários:

    1. “Antes de nos conhecermos pessoalmente, jogamos muitas vezes contra e posso te falar? Eu te achava muito chato! Porque você montava um time pra me marcar, fazia de tudo pra ganhar de mim e ainda falou mal da minha pessoa. Mas o destino é engraçado, né? Colocou você como treinador e eu como seu número 10”.

    Comentário: Tite é realmente muito chato! Mas nunca foi ou será o único a falar mal da pessoa de Neymar. Afinal, quem fala bem da pessoa de Neymar?

    • 2. “Eu te conhecia como treinador e já sabia que era muito bom mas como pessoa você é MUITO MELHOR! Você me conheceu e sabe quem eu sou, e isso é o que importa pra mim….”.

    Comentário: Se Tite fosse MUITO MELHOR como treinador do que é como pessoa, seria o “cão chupando manga” de ruim. E que bom que depois de seis anos trabalhando juntos, ele finalmente conheceu o pré-adolescente Ney.

    • 3. “Venho aqui abertamente te agradecer por tudo, todos os ensinamentos que o senhor nos deu… e foram tantos”.

    Comentário: Se Neymar fizer uso de todos os ensinamentos que lhe foram transmitidos por Tite (… e foram tantos) ele vai acabar na reserva do PSG.

    • 4. “Você sempre será um dos melhores treinadores que eu já tive ou terei, sempre irei te exaltar. Tivemos momentos lindos, mas também tivemos momentos que nos machucaram muito e esse último vai nos machucar por muito tempo”.

    Comentário: Muita exaltação para pouco futebol. E parece que os machucados não foram assim tão profundos e duradouros. A primeira grande e nababesca festa ao lado dos “parças” de sempre aconteceu cinco dias após a eliminação do Brasil para a medíocre Croácia.

    • 5. “Você merecia ser coroado com essa Copa, todos nós merecíamos por tudo que fizemos e por tudo que abrimos mão pra tentar alcançar o nosso maior sonho. Mas Deus não quis assim, paciência. Deus nos deu TUDO!
    • Comentário: Deixe Deus fora dessa, Neymar! Pelo amor d´Ele!
    • 6. “Obrigado, professor Tite, por todo aprendizado… e se tem uma frase que jamais esquecerei é ‘MENTALMENTE FORTE’ e teremos que ser MUITO nesse momento!”.

    Comentário: Vai ter que ser MUITO MENTALMENTE FORTE para aguentar a zoação de Mbappé e Messi na reapresentação ao Paris Saint Germain, que deve acontecer como em um meme que rolou nas redes sociais logo depois da final da copa: “Mbappé vai se reapresentar ao PSG com o prêmio de artilheiro, Messi com o de campeão e melhor jogador da copa e Neymar com um corte de cabelo novo”.

    • 7. “Um grande abraço e OBRIGADO.”.

    Comentário: Por nada. Por nada mesmo!

    Notas do autor:

    – Correção do texto da última edição: o número da camisa de Richarlisson é 9 e não 13.

    – Para o meu regozijo, errei na minha previsão sobre a Copa e o Brasil não foi campeão.

  • AFINAL, QUEM GOSTA DE NEYMAR?

    Neymar é o centro das atenções na Seleção da CBF desde 2010. Isso mesmo. Até quando não foi convocado por Dunga, ele causou polêmica. A imprensa especializada garante que faltou Neymar – à época com 18 anos – no banco de reservas (paupérrimo de talentos, é bom que se diga) para que o Brasil evitasse o vexame de tomar aquela virada contra a Holanda, em um jogo que dominou por completo no primeiro tempo e no segundo se “despinguelou” de vez depois da expulsão do troglodita do Felipe Melo.

    Naquele longínquo 2010, Neymar ainda era o garoto “sunguelo” e extrovertido que surgiu no Santos formando uma dupla genial com Paulo Henrique Ganso (muitos queriam os dois na seleção), em mais uma versão dos “Meninos da Vila” e que levou o “Peixe” a conquistar o Tri Campeonato Paulista (2010, 2011 e 2012), Copa do Brasil (2010) e a Libertadores (2011).

    Ainda em 2010, no dia 15 de setembro, após a vitória do Santos sobre o Alético Goianiense por 4 a 2, ao criticar o comportamento de Neymar durante a partida, o misto de treinador, preparador físico, psicólogo, antropólogo, sociólogo, filósofo e comentarista esportivo Renê Simões, proferiu a célebre frase que mudaria para sempre os rumos do futebol mundial: “Estamos criando um monstro no futebol brasileiro”. Será que a profecia de Renê Simões se concretizou e não demos conta?

                Após as conquistas pelo Santos e por atuações e gols cada vez mais espetaculares, o craque da Vila Belmiro, se transformava assim na principal esperança de conquista do hexa campeonato mundial, em uma Copa que seria disputada dali a quatro anos no Brasil.

    Nesse ínterim, em 2013, aconteceu a polêmica transferência para o Barcelona que acabou acarretando problemas com o fisco espanhol em um processo no qual o jogador foi absolvido no último dia 28 de outubro por “falta de indícios suficientes para caracterizar crime fiscal”, de acordo com a Promotoria Espanhola. No entanto, o processo movido pela empresa DIS, intermediária na transação de Neymar para o Barcelona e que se sente lesada em relação aos valores envolvidos na negociação, ainda segue em aberto.

    É também em 2013 que Neymar começa a se enveredar pelo mundo das celebridades ao engatar um namoro com a emergente atriz global Bruna Marquezine, que entre idas e vindas durou até 2018. Coincidentemente, quando o jogador começou a demonstrar publicamente o seu viés político de extrema direita.

    Em 2014 sob o comando do enérgico paizão Felipão, jogando em casa com um elenco de estrelas que brilhavam no futebol europeu (embora o goleiro Júlio César – à meia boca – fosse reserva no Toronto FC, da Liga Americana) e com o “menino” Neymar no auge da forma aos 22 anos, o Brasil tinha tudo para finalmente conquistar o hexa. Deu no que deu: “7 a 1”, um placar que virou substantivo como significado para “ato vexatório, que humilha, desonra; humilhação: perder assim é uma vergonha”.  

    No entanto, seria injusto jogar qualquer responsabilidade sobre o “menino” pelo fiasco e maior vexame do futebol brasileiro desde que Charles Miller desembarcou por aqui vindo da Inglaterra em 18 de fevereiro de 1894, trazendo na bagagem duas bolas feitas de couro curtido e bexiga de boi, se transformando assim no “pai do futebol brasileiro”.

     Até aquela joelhada insana desferida pelo colombiano Zúñiga, que lhe acertou em cheio o “osso do mucumbu”, Neymar era um dos destaques da Copa, embora já surgissem críticas ao seu irritante “cai cai” e reclamações com os juízes.

    Em 03 de agosto de 2017, outra transferência polêmica ao comprar briga para sair do Barcelona para o multibilionário Paris Saint Germain. As atitudes pouco profissionais de Neymar dentro e fora de campo já vinham lhe angariando antipatia, não só entre atletas do mundo todo, mas entre a imprensa e pessoas de diversas camadas que não concordavam com o seu comportamento.

     Na Copa de 2018, sob o pragmatismo de Tite, mais uma vez as esperanças da conquista do hexa pelo Brasil recaíam sobre o controverso Neymar. Em uma copa que ficou marcada pelo último lugar da Alemanha (campeã em 2014) em seu grupo, quando perdeu para o México por 1 a 0, venceu a Suécia por 2 a 1 e perdeu para a Coréia do Sul por 2 a 0, Neymar acabou se transformando em um dos “memes” mais reproduzidos no mundo, desde que essa forma de crítica e ironia surgiu nos meios digitais. Ou seja, o milionário e midiático supercraque havia se transformado em motivo de chacota, virado piada mundial.

    Após mais um fiasco do Brasil em uma Copa do Mundo na qual chegou como grande favorito e apesar de todas as críticas à sua performance pífia, aos 26 anos o “menino” Neymar, tão contestado, tão injustiçado pela imprensa e pelo torcedor brasileiro, seguia como o único craque capaz de comandar a seleção brasileira rumo à conquista do sexto título, dessa vez na estranha copa do Catar a ser disputada entre novembro e dezembro de 2022.

     Aqui, uma pequena pausa nessa “neymarística” retrospectiva: esse escrevinhador não torce pela seleção da CBF desde 1986 e não nutre qualquer simpatia por Neymar desde sempre.

    O “menino” saiu da puberdade e alcançou a adolescência. De repente 30! Chegamos à Copa do Mundo de 2022. Um ano marcado por uma eleição presidencial acirrada e virulenta em que as principais forças progressistas (ou nem tanto) se uniram para pôr um fim ao projeto neofacista encampado pelo presidente ainda em exercício.

    Neymar, que já se mostrava simpático a Jair Bolsonaro desde a eleição de 2018, resolve às vésperas do primeiro turno, explicitar o seu apoio ao presidente de extrema direita por meio de vídeo nas redes sociais e participação em uma “live” do então candidato à reeleição. E ainda prometeu homenagear o seu “parça” fazendo um 22 quando marcasse o primeiro gol na copa.

    E mais uma vez o Brasil estreou em uma Copa do Mundo com o seu principal jogador envolto em polêmicas.

    Durante e após a estreia, as reações entre a torcida brasileira foram diversas. A esquerda comemorou quando Neymar se machucou contra a Sérvia e o Brasil venceu com dois gols do progressista Richarlison, que veste a camisa 13. Que máximo! A extrema direita vaiou os gols, mas ainda não ficou claro se foi porque o autor foi o camisa 13 e não o bolsonarista Neymar.

    Após a magra vitória de 1 a 0 sobre a Suíça, quando ficou caracterizado o fraco desempenho do ataque da seleção de Tite (o gol foi do volante Casemiro), até o esquerdista que torce pela conquista do hexa sem precisar do maior craque brasileiro na atualidade em campo, foi taxativo: “sem Neymar, não dá”. Como é? Dá ou não dá? Querem ou não querem Neymar?

    E os patriotas, que enfrentam sol, chuva e sereno durante suas manifestações por intervenção militar e alienígena vestindo a camisa amarela da CBF, estão desorientados. Torcer ou não torcer, eis a questão. O futebol está acima do patriotismo? Em algumas manifestações “patriotárias”, se o sujeito sair para assistir o jogo do Brasil não é mais aceito de volta. E se o extremista de direita Neymar, se recuperar da contusão, voltar arrebentando e levar o Brasil ao título, vão comemorar ou não?

    PS. Esse texto foi escrito logo após o 1 a 0 do Brasil em cima da Suíça. E apesar da minha torcida contra, o Brasil vai ser hexa. É muita seleção ruim e treinador burro nessa Copa do Mundo.

  • “DE PSICÓLOGO E LOUCO TODO MUNDO TEM UM POUCO”

    A versão mais conhecida dessa expressão é: “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Nas minhas pesquisas me deparei com outras variações sobre o tema. Em um site de provérbios populares encontrei: “De poeta, médico e louco cada um tem um pouco”. Já o psiquiatra, professor e escritor de livros de psicologia aplicada, Augusto Cury, tem um livro intitulado “De gênio e louco todo mundo tem um pouco”. As duas derivações não fogem ao contexto original.

    No Brasil, os criativos tradutores de títulos de filmes transformaram “The Dream Team” (O time dos sonhos) comédia americana de 1989 estrelada por Peter Boyle, Michael Keaton, Stephen Furst e Cristopher Lloyd em “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Faz muito mais sentido do que a tradução literal do título, já que o filme tem como pano de fundo um hospital psiquiátrico.

    Esse provérbio português também está associado ao gênio e maior nome da literatura brasileira em todos os tempos, Machado de Assis, e ao seu magnífico conto O Alienista, uma sátira acerca da inviabilidade de se definir a esfera da loucura, sob o risco de incorrer em uma generalização.

    Em O Alienista, Machado narra a história do Dr. Simão Bacamarte, um médico obcecado por detectar enfermidades psíquicas, que passa a recolher os supostos enfermos num asilo por ele criado – a chamada “Casa Verde” – com o intuito de tratá-los e ao mesmo tempo desenvolver suas teorias psico-científicas. A partir daí, Bacamarte interna em seu hospício todas as pessoas que agem de modo não racional – segundo seus próprios critérios – evidenciando os excessos da sua ciência. O resto é spoiler. Em tradução livre, estraga-prazeres. Recomendo o livro.

    Em qualquer debate sobre a definição de normalidade ou anormalidade, são ou louco, torna-se necessário tentar definir os dois lados. É nesse ponto que nos deparamos com o paradoxo de Simão Bacamarte e suas teorias baseadas em critérios próprios e chegamos ao primordial questionamento em relação à loucura: de que lado nós estamos?

    Senso Comum e Psicologia Científica

    As pessoas no geral, têm um domínio superficial do conhecimento acumulado pela psicologia. E esse pequeno conhecimento lhes permite compreender o que acontece ao seu redor a partir de um ponto de vista psicológico, ainda que sem qualquer respaldo científico.

    Quaisquer formas de persuasão, de irritação, de violência, de demonstração de prepotência fazem parte do imaginário da psicologia popular ou psicologia do senso comum. E se o cotidiano do senso comum – onde tudo parece previsível – nos apresenta a realidade nua e crua do dia a dia, a ciência procura compreender, elucidar e alterar esse cotidiano a partir de seu estudo sistemático. Nesse contexto, a ciência afasta-se da realidade para transformá-la em objeto de estudo, o que permite a construção do conhecimento humano.

    Apesar desse distanciamento da realidade, algumas vezes os cientistas involuntariamente se submetem a certas prerrogativas do senso comum, do cotidiano. Exemplo: ao sair do seu laboratório de pesquisas e tentar atravessar uma rua movimentada, o cientista não vai se envolver com cálculos físicos e matemáticos para descobrir qual velocidade deve imprimir para conseguir atravessar essa rua sem ser atropelado. A intuição lhe indicará o momento presumivelmente perfeito para atravessar sem ser atropelado, embora o mais indicado seja obedecer à prudência e procurar um faixa de pedestres ou uma passarela.

    O senso comum é capaz de absorver termos definidos pela psicologia científica que de certa maneira integram o conhecimento humano. Qualquer pessoa se sente capaz de reconhecer e identificar uma pessoa neurótica, histérica, complexada ou com o “psicológico alterado”, mesmo que o seu “diagnóstico” esteja completamente equivocado. Não é exagero afirmar, que a psicologia do senso comum “tenta explicar” tudo o que acontece ao nosso redor, nesse mundo conturbado em que vivemos.

    E o “psicológico abalado ou alterado” explica tudo. No futebol, se um jogador está fazendo uma partida horrorosa, em que nada dá certo, não é raro ouvir um comentarista esportivo do alto dos seus profundos conhecimentos sobre psicologia, afirmar com toda convicção: “esse jogador está psicologicamente abalado” ou “alguma coisa alterou o psicológico desse jogador”.

    E o torcedor, que não deixa de ser um “psicólogo de arquibancada ou de sofá”, compreende e assimila perfeitamente esse comentário psico-ludopédico. Afinal: “DE PSICÓLOGO E LOUCO TODO MUNDO TEM UM POUCO”.

                   Essa conversa me fez lembrar de Téta, uma senhorinha que trabalhou na casa de minha irmã Stela até a aposentadoria por tempo de serviço. Quando a barulhenta “reca” de irmãos chegava para um tradicional almoço que acontecia sempre às sextas-feiras e ela estava meio “apoquentada do juízo” ia logo avisando: “vocês não venham me aperrear que hoje eu tô com o sistema muito nervoso”.

    Filosofia e Psicologia

    Na antiguidade (e tudo vem da antiguidade) os gregos já se preocupavam com a origem e com o significado da existência humana. As especulações em torno desse tema formaram um corpo de conhecimentos denominado filosofia. Alguns filósofos que seguiam uma linha mais “porra lôca”, passaram a perceber influências de alguns princípios científicos ou filosóficos, nas atitudes não muito convencionais dos seres humanos. Daí surgiu a psicologia. Simples assim.

    E da mesma forma que temos a psicologia do senso comum com os seus psicólogos de plantão, temos também os filósofos do senso comum.

    Como não pretendo me aprofundar em questões filosóficas, finalizo com alguns clássicos da Filosofia do senso comum ou de botequim. Um jeito etílico de aprender um pouco sobre filosofia.

    1. “Quem dá aos pobres e empresta, adeus”. Variante: “Quem dá aos pobres, tem que pagar o motel”.
    2. “A vida é para quem topa qualquer parada e não para quem para em qualquer topada”.
    3. “Por maior que seja o buraco em que você se encontra, pense que por enquanto ainda há terra em cima”.
    4. “Eu cavo, tu cavas, ele cava. Nós cavamos, vós cavais, eles cavam. Não é bonito, mas é profundo”.
    5. “A fé remove montanhas. Mas com dinamite é mais rápido”.
    6. “Na vida tudo é passageiro, exceto o cobrador e o motorista”.
    7. “Não deixe nada te desaminar, pois até um chute na bunda te empurra pra frente”.
    8. “Se um dia sentir um enorme vazio dentro de você, vá comer! Pode ser fome”.
    9. “Roubar as ideias de uma pessoa é plágio. De muitas, pesquisa”.
    10. “Para aqueles que bebem para esquecer: favor pagar a conta antes”.

    “Estes são meus princípios. Se você não gosta deles, tenho outros!” (Groucho Marx)

  • AGOSTO ACABOU?* ESTÃO TODOS AÍ?

    Para começar bem o “ano de agosto”, já no dia 1º, Joe Biden anunciava que em uma operação super bem-sucedida com a utilização de drones, os Estados Unidos haviam matado no Afeganistão o líder da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, no maior golpe sofrido pela organização terrorista desde que seu fundador Osama Bin Laden foi morto em 2011. Em seu pronunciamento, o presidente americano falou que “tudo foi organizado de maneira meticulosa para que apenas atingisse o alvo”, acrescentando que “não foram atingidos civis ou pessoas inocentes”. A organização jurou vingança.

    Nos EUA é assim: quando um presidente está com a popularidade em baixa, manda explodir um terrorista líder da Al Qaeda. Em fevereiro de 2020, Donald Trump, em viés de baixa, também já havia mandado matar no Iêmen, o chefe da Al Qaeda, Qassim al-Rimi, também com a utilização de drones e sem vítimas civis e inocentes e também no maior golpe sofrido pela organização terrorista desde que seu fundador Osama Bin Laden foi morto em 2011. Lembrando que Bin Laden foi morto em 02 de maio de 2011, sob às ordens do presidente democrata Barack Obama, reeleito em novembro de 2012.

    Ainda no dia 1º e em meio a conflitos bélicos deflagrados ou a deflagrar, na abertura da 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres advertia que “a humanidade está a um mal-entendido, a um erro de cálculo da aniquilação nuclear”. E completou: “tivemos uma sorte extraordinária até aqui. Mas sorte não é estratégia nem escudo para impedir que as tensões geopolíticas degenerem em um conflito nuclear”.

    Seguindo. No dia 2, uma visita a Taiwan da deputada do Partido Democrata e presidente da câmara dos deputados americana, Nancy Pelosi, provocou um incidente diplomático entre os governos dos Estados Unidos e da China e a tensão entre as duas maiores potências comerciais e bélicas do planeta assumiu contornos beligerantes.

    A China não reconhece o território de 24 milhões de habitantes como um estado e sim como sua própria província a ser reincorporada um dia e busca meios de ampliar a sua influência e até mesmo tomar o seu controle, pela força se necessário. Os Estados Unidos, embora também não reconheçam Taiwan como um estado, mantém relações comerciais com a ilha.

    O governo chinês já havia afirmado, antes mesmo do início da viagem, que a visita de Nancy Pelosi – que possui um longo histórico de oposição à China – era considerada uma provocação e prometeu ações militares seletivas de represália contra Taiwan.

    Enquanto a deputada americana esticava sua turnê até o Japão, no dia 5 de agosto a China comunicou ao mundo que havia disparado mísseis sobre Taiwan pela primeira vez, aumentando as tensões na região. Líderes japoneses protestaram contra Pequim, depois que cinco projéteis caíram perto das ilhas japonesas. Três dias depois, no dia 8, Taiwan iniciou exercícios de defesa da ilha com artilharia real, se preparando para uma possível invasão chinesa.

    A notícia do dia 17 é que de acordo com uma fonte militar sul-coreana, a Coréia do Norte disparou dois mísseis de cruzeiro a partir da cidade de Onchon. Os projéteis foram atirados em direção ao mar ao longo de sua costa oeste. Os lançamentos aconteceram um dia após a Coréia do Sul e os Estados Unidos iniciarem uma temporada de exercícios militares conjuntos preliminares. Esses exercícios vêm se intensificando e no dia 22 alcançaram o seu nível máximo (o mais alto desde 2018). Conhecidas como Ulchi Freedom Shield (Escudo da Liberdade Ulchi), as manobras estão previstas para durar até 1º de setembro e deve envolver milhares de militares. Os detalhes não foram divulgados, mas normalmente incluem exercícios de campo envolvendo aviões, navios de guerra e tanques.

    No dia 24 de agosto, dia da independência da Ucrânia, o conflito com a Rússia completou seis meses. O mundo está diante de uma guerra que não se restringiu a querelas diplomáticas ou comerciais e tem provocado morte e destruição entre as duas nações fronteiriças.

    Desde fevereiro, a União Europeia com o apoio dos Estados Unidos vem impondo vários pacotes de sanções contra a Rússia de Vladimir Putin, incluindo medidas restritivas de caráter econômico e diplomático. Definitivamente essas sanções não surtiram o efeito almejado e a guerra persiste sem qualquer perspectiva de solução e mantendo a humanidade em permanente suspense.

    Sem nenhuma pretensão de me aprofundar nas questiúnculas geopolíticas da região, é inequívoco que os interesses comerciais e territoriais dos Estados Unidos e seus parceiros europeus, potencializados pela avidez expansionista do presidente russo, serviram de estopim para a eclosão do conflito bélico entre Rússia e Ucrânia.

    Em um contexto de palavras e ações belicosas de Vladimir Putin sobre a Ucrânia, da política de retaliações americana – apoiada por seus sócios europeus – promovida por seu questionado e desprestigiado presidente, Joe Biden, da retórica e ações nucleares em andamento de Kim Jong Un, líder supremo da Coréia do Norte, na Ásia, e das questões atômicas no Oriente Médio, em referência ao Irâ, vale destacar outro trecho da “advertência” do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, no “longínquo” 1º de agosto, na abertura da 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares: “a conferência deste ano ocorre em um momento de perigo nuclear não visto desde o auge da Guerra Fria”. “Acrescentando a ameaça de armas nucleares a esses conflitos, essas regiões estão caminhando para uma catástrofe”. Não apenas essas regiões, mas o mundo inteiro, diria esse que vos escreveu.

    Só sei que a “peia tá bem rasinha”. Agora não tome uma!

    * Texto finalizado em 25/08/2022.

  • A GREVE BANCÁRIA DE 1987 EM MOSSORÓ

    Em março de 1987, não se falava em greve de bancos privados no meio bancário mossoroense. O simples fato de comparecer a uma assembleia servia como motivo de advertência ou até demissão. Após cinco anos como escriturário no Banorte (hoje Banco Itaú), eu acabara de ser promovido a Chefe de Setor. Era responsável pelo setor administrativo/contábil da agência, que inclua a compensação de cheques (o grande nó do serviço bancário à época), fechamento contábil, cobrança e parte do atendimento. Já casado, minha filha mais velha, Isadora, tinha 8 meses.

    A categoria dos bancários já vinha de algumas greves bem sucedidas nos anos 80, porém, os movimentos se restringiam às principais capitais e algumas grandes cidades do país, onde a categoria era forte e tinha maior poder de mobilização. Em uma cidade como Mossoró, estava completamente fora de cogitação se pensar em fechar alguma agência de banco privado por motivo de greve.

    Mas algo aconteceu naquele longínquo 1987. Com a aceleração da inflação, os bancários viram o seu poder aquisitivo despencar. O resultado foi a primeira grande greve nacional fora da Campanha Salarial, que acontece em setembro. Conhecida como “Bola de Neve”, devido ao crescimento diário de adesões, a paralisação atingiu 80% da categoria.

    A greve foi decidida no dia 14 de março de 1987 no Encontro Nacional dos Bancários, em Campinas/SP e a partir daí as assembleias locais se sucederam. A participação de bancários do setor privado nessas assembleias em Mossoró, começou muito tímida. Mas embora sofrendo a pressão dos gerentes das agências (gerente de banco privado nunca se acha funcionário igual aos outros, até o dia em que é demitido), aos poucos essa participação foi crescendo.

    No dia 24 a greve foi aprovada e marcada para começar no dia seguinte. A pergunta: “quem vai fechar amanhã?” marcou o encerramento da assembleia. Os representantes do Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica e Bandern (banco estadual) garantiram fechar as agências espontaneamente, sem necessidade de grandes piquetes. Então chegou a vez dos bancos privados. Bradesco e Itaú, como sempre, não tinham representantes. Quando perguntaram sobre o Banorte, eu respondi: “nós fechamos”. Todos me olharam com cara de espanto. Os meus colegas de banco presentes questionaram: “mas Túlio, como é que você garante que fecha? Como é que a gente vai fazer isso?”. “Terminar aqui a gente decide”, respondi. Os representantes do Banco Econômico e do Banco de Mossoró também se manifestaram: “talvez a gente precise de piquete pra fechar”.  Ficou acertado que os funcionários de um banco fariam piquete em outro. A turma do Banco do Brasil encarregou-se de ir para o Banorte.

    Após a assembleia, nos reunimos (eu e mais uns dez “banortistas”) e decidimos que quem não quisesse participar dos piquetes deveria ficar em casa. E após muita insistência, ainda conseguimos convencer – indo na residência ou por telefone – mais alguns que não participavam das assembleias a não ir trabalhar no dia seguinte. A nossa estratégia seria não permitir o acesso de qualquer pessoa a agência. Funcionário ou cliente. Os funcionários começavam a chegar por volta das oito horas e a agência abria ao público a partir das dez. Seis horas, ainda quase sem movimento na rua, eu e mais uns três companheiros chegamos na agência e entupimos a fechadura, os ferrolhos e as dobradiças da porta principal com superbond.

    Quando os funcionários que não aderiram à greve começaram a chegar para trabalhar, não conseguiram entrar porque a porta não abria. Os “piqueteiros” conseguiram convencer alguns a voltar para casa explicando que a greve era nacional e irreversível. Quando o quadro gerencial começou a chegar, a movimentação do lado de fora da agência já era grande. Mas com o passar do tempo a maioria dos clientes e curiosos que se aglomerava à espera da abertura do banco começou a se dispersar. Só conseguiram abrir a porta depois das 11 horas e a agência ainda conseguiu funcionar precariamente nesse dia e nos seguintes. Os gerentes e alguns chefes de seção fura-greves, passaram a receber dos grandes clientes, depósitos e pagamentos em dinheiro e em cheques sem nenhum registro nos caixas e na tesouraria. O pós-greve no Banorte Mossoró foi um verdadeiro caos contábil. Mas isso já é outra história.

    Final do expediente bancário, era a hora de nos dirigirmos a AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) para a primeira assembleia de avaliação do movimento. O saldo, apesar de alguns pequenos tumultos, foi positivo. As agências dos bancos estatais fecharam sem problema, o Banco Econômico e o Banco de Mossoró aderiram à greve sem maiores contratempos e os grevistas do Banorte mereceram aplausos por sua ousada tática grevista. Como já era de se esperar, Bradesco e Banco Itaú abriram as suas agências normalmente. Foi assim em quase todo o Brasil. A estratégia para os dias seguintes, portanto, seria concentrar todos os piquetes nessas duas agências. Nós, os grevistas do Banorte de Mossoró, já havíamos feito a nossa parte. A ordem agora era participar dos outros piquetes.

    Por morar próximo ao Itaú, fiquei no comando desse piquete. Na época, eu e alguns amigos tínhamos uma charanga (ou batucada) e os instrumentos de percussão ficavam guardados em minha casa. Surdo, tarol, tamborim, reco-reco, ganzá e outros badulaques mais, que bem tocados ou não faziam um barulho desgraçado. No dia seguinte, logo cedo, lá estávamos nós, os “piqueteiros do samba”, na calçada do Itaú “armados” com os nossos instrumentos, formando uma espécie de corredor polonês e batucando no “pé do ouvido” de quem passava pela porta. Não conseguimos impedir o acesso dos funcionários ou fechar a agência, mas fizemos uma balbúrdia da “mulesta” durante todo o período do expediente. Quando já estava indo embora, o gerente da agência (amigo de cerveja nos fins de semana) veio falar comigo: “Túlio, rapaz. Isso não é greve. É baderna. Amanhã tem de novo?”. “Tem. Até vocês fecharem”, respondi. E assim o Itaú seguiu funcionando com muito batuque na moleira dos envolvidos.

    Ao chegar em casa por volta das 21 horas, após a assembleia na AABB, recebi a desagradável visita de um gerente do Banorte. Minha esposa, Maria José, com o nosso bebê nos braços, assim que abriu a porta falou logo assustada e preocupada: “Pronto Mô! Vai ser agora que você vai perder o emprego. Que é que a gente vai fazer?”. O sujeito, também amigo de cerveja nos fins de semana, foi logo falando: “Túlio, já vou avisando. A história que você é um dos líderes da greve, já chegou na gerência regional (em Natal). Você acabou de ser promovido e se não voltar ao trabalho amanhã vai ser demitido”. Eu, doido para tomar um banho e relaxar depois de um dia agitadíssimo, fui curto e grosso: “Volto não. Façam o que quiser. Mas lembre-se que você também será beneficiado com tudo o que a gente conquistar com a greve”. E o movimento que agitou a cidade de Mossoró naqueles dias de março e abril de 1987, prosseguiu em meio a protestos dos que se sentiam prejudicados e adesões dos que viam legitimidade nas reivindicações dos bancários.

    Com nove dias de greve, os funcionários do Banco do Brasil conquistaram um reajuste de 30%, fecharam o acordo com o banco e resolveram abandonar a paralisação. Na mesma assembleia em que foi feito esse anúncio, ficou decidido o fim da greve dos bancários em Mossoró. No dia 02 de abril os bancários grevistas de Mossoró voltaram ao trabalho. A greve nacional nos bancos privados, que começou com adesão parcial da categoria e sustentou-se com o apoio dos piquetes dos funcionários dos bancos estatais e estaduais, foi suspensa definitivamente no dia 06 de abril de 1987 sem nenhuma conquista efetiva. Os bancários dos bancos estaduais e privados saíram da greve com a sensação de terem sido traídos pelos bancários do Banco do Brasil. Mas essa também é outra história.

    Relatos de uma greve

    1. Fim do expediente, os grevistas se reuniam na Praça do Pax e caminhavam para a assembleia na AABB (no início do Alto de São Manoel) atrás de um carro de som que tocava sem interrupções a música “Gritos de Guerra” sucesso do Chiclete com Banana: Vou caminhando entre flores e guerras/Vou deslizando entre o bem e o mal/Um pouco louco entre monstros e feras/Sou cavaleiro do juízo final…. Até hoje o “grito de guerra”, Ê ô ê ô aiaiaiaiai/Ê ô ê ô aiaiaiaiai/Ê ô ê ô aiaiaiaiai ôôô martela na minha cabeça.
    2. Os piquetes no Bradesco foram tensos. Nos dois primeiros dias, alguns grevistas disfarçados entravam na agência e jogavam cigarros “temperados” com os terríveis “peidos-alemães” nas caixas de areia onde as pessoas escarravam (eca!) e jogavam pontas de cigarros (acreditem, nos anos 80 essa coisa gasturenta ainda existia). Quando os cigarros começavam a queimar, a fedentina tomava conta do ambiente e alguns funcionários de narizes mais sensíveis eram forçados a sair da agência. Quando os gerentes perceberam a artimanha, passaram a proibir a entrada de qualquer pessoa que não fosse identificada como cliente ou funcionário e a polícia foi chamada para formar um cordão de isolamento na porta do banco.
    3. Durante os nove dias de greve não tirei a barba. Fiquei parecendo Che Guevara de cabelos encaracolados. Quando cheguei em casa após a assembleia que decidiu pelo fim da greve, a primeira providência foi ficar de cara lisa e no dia seguinte fui trabalhar com a cara mais lisa ainda.
    4. No final da assembleia fatídica pedi a palavra e fiz um discurso baixando a lenha nos funcionários do Banco do Brasil. Nenhum deles presentes no local teve coragem de retrucar. Acabei chorando e fiz mais um “bocado” de bancários chorar também.
    5. Após as assembleias sempre rolava uma cervejinha, que ninguém é de ferro. Certa noite, munidos dos instrumentos de percussão, fomos para um barzinho e começou a rolar um sambinha (Vai passar nessa avenida um samba popular…, Eu fico com a pureza da resposta das crianças…, Apesar de você amanhã há de ser outro dia…) cantado às alturas. O tempo foi passando e o dono do bar (nosso amigo) começou a se incomodar e pedir, sem sucesso, para a gente parar com a “zuada”. Alguém chamou a polícia. O nosso amigo dono do bar até hoje jura de pés juntos que não foi ele. Chegaram cinco policiais. Os cinco estavam no cordão de isolamento na agência do Bradesco. Quando nos viram, um deles não se conteve: “Vocês de novo?!” e começou a rir. “Vieram no cheiro, só pode!” comentei. Era a hora de encerrar os trabalhos etílicos e ir cada um para a sua casa.
    6. Certo dia no piquete do Banco Itaú, dois funcionários fura-greves do Banorte vieram falar comigo. Um deles era recém-contratado e estava em treinamento no setor de cobrança. Foi o novato quem falou: “Túlio, o gerente resolveu lhe dar mais uma chance. Se você for trabalhar agora, não será demitido”. Eu respondi: “eu não vou ser demitido e quando eu voltar você será meu subordinado. Aí é você que vai ser demitido”. Ele se assustou e foi embora. O outro, eu consegui convencer a aderir à greve. Por incrível que pareça, quase 30 anos depois eu encontrei o tal novato como caixa na agência da Prudente de Morais (em Natal) do Banco Itaú. Nos reconhecemos, nos cumprimentamos, conversamos um pouco sobre a vida, mas eu não resisti: “e você, ainda continua muito ´babão` de gerente?”. Ninguém conteve o riso na bateria de caixas.
    7. Ah! Nenhum dos grevistas do Banorte foi demitido ou punido. Esse “milagre” está relacionado ao pós-greve do Banorte e o “caos contábil” citado anteriormente. A condição para virarmos a noite trabalhando (sem receber hora extra) para colocar ordem na contabilidade da agência, foi o compromisso assumido por escrito pela gerência regional do banco de não punir ninguém. Em 1989 surgiu uma oportunidade melhor de trabalho e eu propus ao banco uma demissão por acordo para não ficar com o FGTS de quase dez anos bloqueado. Não aceitaram e acabei pedindo demissão.
    8. Não citei o nome de nenhum personagem envolvido nessa narrativa (exceto o de minha esposa e minha filha), para não ferir suscetibilidades.
    9. Se alguém entre os meus milhões de leitores vivenciou o evento aqui narrado e percebeu alguma divergência ou deseja acrescentar algum fato novo, por favor se manifeste.
    10. Setembro de 1987, data base de negociação da categoria dos bancários passou em branco em Mossoró. Pelo menos entre os bancários dos bancos privados. Mas enfim! 1987 foi um ano muito “fodástico”. Foda + fantástico.
  • HISTÓRIAS VERÍDICAS DE FUTEBOL

    Que decepção!!!

    Certa vez, aí por volta de 1974, 75, quando ainda morava em Martins, fui passar uns dias de férias em Mossoró e fiquei hospedado na casa do meu tio Flávio Costa, vascaíno roxo e chato de doer. Eu tinha uns 13 ou 14 anos.

                Um final de tarde, quando ele ia chegando do trabalho me falou: “Aí Túlio, mas tarde nós vamos pro futebol”. Eu fiquei tão animado e ansioso que nem perguntei quem iria jogar.

                Bem antes das nove horas, que habitualmente era o horário dos jogos noturnos naquela época, eu já estava pronto para a noitada. Foi chegando a hora do jogo e o meu tio nem se mexia. Eu, com vergonha de perguntar alguma coisa, imaginava que a gente perderia o começo da partida ou não iríamos mais. Afinal o estádio Nogueirão ficava um pouco distante da nossa casa, localizada no início do Alto da Conceição, próxima à linha do trem.

                Quando faltavam uns dez minutos para as nove, tio Flávio se levantou da cadeira, pegou o rádio Transglobe Philco 9 faixas (o top dos tops dos rádios) recém adquirido em 12 suaves prestações, se despediu de Tia Lenira, e falou: “V´ambora Túlio”. Eu saí e fiquei na calçada esperando que ele tirasse a lambreta, o seu meio de transporte na época e que era guardada num “bequinho” ao lado da casa.

                Que nada. Ele me pegou pelo braço e falou: “Vamos indo rapaz”.

                E saímos andando em direção a linha do trem. E eu sem entender nada.

                Atravessamos a linha do trem e seguimos rumo ao Bairro Boa Vista até chegarmos a uma casa com uma calçada bem alta e que parecia abandonada, pois estava com as portas fechadas e não percebíamos movimento algum no seu interior. Quando lá chegamos, já estavam nessa calçada uns dez caras, amigos do meu tio e que pelo modo como se saudaram, também deviam ser vascaínos. Todo mundo se cumprimentou, colocaram o rádio no meio da calçada e ficamos lá, sentados naquela calçada alta, ouvindo o jogo que estava sendo transmitido. Pasmem! Flamengo e Olaria. Aí foi que eu fiquei sem entender nada mesmo. Como é que se reúne um bando de vascaínos em cima de uma calçada, para ouvir um jogo do Flamengo?

                A essa altura, visivelmente decepcionado, eu já havia percebido para qual futebol tio Flávio havia prometido me levar.

                E pra completar a decepção, o Flamengo perdeu de 2 a 1.

                Na volta, ainda tendo que aguentar as gozações daquele vascaíno enjoado, eu perguntei: “Tio, por que é que a gente teve que ir parar naquela calçada para ouvir um jogo pelo rádio?”. E ele respondeu: “É porque é naquela calçada que se sintoniza melhor a Rádio Globo em Mossoró”. Ainda insisti: “E por que um bando de vascaíno se reúne numa quarta-feira à noite pra ouvir jogo do Flamengo?”. E ele: “Já é combinado. Toda quarta a gente se reúne naquela calçada pra ouvir qualquer jogo que a Globo transmitir. É pra aproveitar o rádio novo”.

                Durma-se com uma dessas!!!

    A cabeleireira e o futebol

    Houve uma época, final dos anos 1990 e início dos 2000, quando saí de Mossoró para vir morar em Natal, que em qualquer jogo do Flamengo com transmissão na TV (ainda não havia essa “ruma” de canais esportivos pagos), a turma se reunia lá em casa, no conjunto Mirassol, para assistir.

                Podia ser qualquer jogo (Copa do Brasil, Brasileirão, Carioca, Libertadores, Copa dos Campeões, Mercosul, etc.) e em qualquer dia ou horário, estávamos lá acompanhados de muita cerveja gelada e do tradicional churrasco para torcer pelo Mengão.

                A “zuada” era grande durante o jogo e muito maior depois, quando começavam as acaloradas discussões entre os assistentes já tradicionais: eu, Túlio Filho, meus irmãos Caio e Deppe e os primos Gildo, Caio César e Neto Falcão. Esse o mais exaltado e mais barulhento de todos. Quando o Flamengo perdia, então…

                Um certo dia, minha esposa Maria José foi com Túlio Filho a uma cabeleireira, cujo salão ficava em uma casa na rua por trás da nossa.

                Túlio Filho lá cortando o cabelo e a cabeleireira começou a puxar conversa com Maria:

                – Mulher, você mora em qual rua aqui em Mirassol?

                E Maria:

                – Na rua ao lado. Na Rua das Orquídeas.

                E a cabeleireira:

                – Mulher, pois tem um pessoal nessa sua rua que faz tanto barulho em dia de jogo do Flamengo, que às vezes eu penso até em chamar a polícia. Eles ficam até de madrugada discutindo e gritando e não tem quem consiga dormir.

                Com essa Maria ficou calada, mas Túlio Filho que estava só ouvindo a história, não se conteve:

                – É lá em casa.

                E a cabeleireira totalmente desconcertada para uma Maria ainda mais sem jeito:

                – Pois é mulher, mas até que eu gosto de futebol!!!

                Depois dessa ninguém falou mais nada até terminar o corte de cabelo.

                Quando voltou pra casa, Maria veio me contar da vergonha que havia passado e deu o ultimato: “Ou diminuiu o barulho e a duração da bebedeira ou não tem mais jogo aqui”.

    Falei com os “zuadentos” e todos concordaram em maneirar na balbúrdia etílico-ludopédica. Durante algum tempo o comportamento foi exemplar. Fim de jogo cada um para sua casa, nada de discussão ou saideira. Mas, após uns quatro jogos tudo voltou ao “normal”.

                Ah! E a vizinha perdeu uma cliente.