Como será que estou? Pensei diante daquele espelho. Passei as mãos no cabelo. Dei dois tapinhas nas bochechas… Hummmm… O banheiro já começava a lançar um cheiro de amoníaco que ardia nas narinas, daqui só se ouve uma confusão de vozes vindas de fora, misturadas com alguns acordes de violão. Agora aplaudem a interpretação do moço que soltara a voz na música “Pétala”, de Djavan. Olhos avermelhados, irritados pela fumaça de cigarros tragados com enorme prazer pelos freqüentadores, que se dissipam entre as luzes.
É assim o Bar da Dutra, o point de encontro da cidade. Com pouco mais de vinte mil habitantes, a urbe presenteava-nos com belas noites ao lado dos amigos. Pacata. Atraía gente de toda a região. Muitos jovens iniciavam namoros aqui nesse ambiente aconchegante, até as chamadas “coroas” se davam bem na sua periclitante procura pela alma gêmea.
Depois daquela consulta, quando procurei tratamento para uma dor que sentia na coluna, as coisas mudaram em minha vida. Foi o Jorge, amigo e companheiro de trabalho, quem me indicou o doutor Maxwell, que já fez nome como ortopedista nas cercanias. Todos confiavam em seus pareceres e laudos clínicos. Quando cheguei, já esperavam pela consulta, sentados, caras nada satisfeitas pela demora, umas dez pessoas, distribuídas num banco com almofadas que tomava toda a extensão da parede da sala.
O tempo passou, aquela menina que me recebeu com um lindo sorriso permanecia de cabeça baixa, remexendo em planilhas e arquivos no computador, só levantando-a quando a porta ao seu lado se abria, era quando imediatamente pedia para que o próximo entrasse. Olhava os seus olhos pretos e brilhantes. A sua pele branca fazia com que a sua face ficasse rosada, principalmente agora que notava o meu olhar insistente, a admirá-la.
Quando seria a minha vez de ser atendido, saiu um senhor que aparentava ter uns cinqüenta anos, cabelos grisalhos, bigodes bem aparados, vestes brancas, notava-se um olhar preocupado, apressado. Pediu desculpas e saiu. A minha consulta seria adiada, pois o sujeito saíra para socorrer um paciente de urgência. Nada mal, pensei. Pois já iniciara uma conversa bastante proveitosa com a atendente. Notei nela uma pessoa muito especial. Dedicada. Inteligente. Um bom humor incrível. Não falou muito, mas não precisava, o seu comportamento falava por si mesma.
Tornamo-nos amigos. Sempre nos falávamos por telefone e foi por intermédio de Jorge que fiquei sabendo um pouco mais sobre a vida da moça, haja vista que ele a conhecia bem, por se tratar de um amigo antigo da família.
Os finais de semana eram dedicados aos estudos, queria ser enfermeira. Amava centros cirúrgicos. Estava para concluir o curso. Este, segundo ela, daria um rumo ao seu sonho. Inúmeras ligações, e destinava sempre um não aos meus convites. Vários dias se passaram desde o nosso primeiro encontro, porém eu necessitava de escutá-la todos os dias, mas vê-la era bastante complicado. Ainda assim, tinha com ela uns retalhos de ensejo. Dava-me por satisfeito com esse pouco que se tornava enorme, gigante.
Hoje, depois de um sábado puxado lá na empresa, o telefone tocou. Era o Jorge avisando que a Selma havia falado que iria ao bar da Dutra. Fiquei um pouco intrigado, pois nos falamos pela manhã e ela não fez qualquer referência a isso. Achei estranho. Mas ótimo ter recebido essa notícia. Bom, chega de pensamentos e conversas com o espelho, agora a Selma está lá fora, sentada à minha mesa. Vou abrir o jogo, dizer tudo que sinto. Farei com que saiba que o que tenho guardado nesse peito (bati forte!) é grande e sincero. Acho que as duas que tomei já estão fazendo efeito.
Com um olhar fixo no espelho, suspirei e disse, em voz alta:
— É agora ou nunca!
Pus-me a andar, mas quase caía para trás ao aproximar-me da mesa onde estava a… Aquela onde estava ao centro um copo com uísque já sem gelo, conseqüência da minha ausência e demora no banheiro.
Selma beijava o doutor Maxwell… Ele acabara de chegar para fazer ruir o frágil castelo dos meus sonhos.
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