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PATRIOTA E DEFENSOR DOS BONS COSTUMES

Eu estava pensando cá com meus botões de como há pessoas sem noção do que é aperreio, e que gosta de pisar, humilhar os outros. Deve ser porque já pegou na vida tudo de bandeja, que nunca deu o prego numa barra de sabão — como dizem por aqui. Falo isso porque acabo de dar de cara com seu Arnaldo Borges, na porta do Banco Menescal, humilhando um pedinte. “Vá trabalhar, vagabundo!”, disse ele a um senhor que lhe estendeu a mão em busca de alguns trocados.

— Senhor, eu não posso trabalhar — disse o pedidor.

— Se vire. Tem muita gente pior do que você fazendo algo digno, sem que seja preciso ficar importunando as pessoas pela cidade — asseverou Arnaldo.

— Pedir em nome da sobrevivência é indigno? — pensei.

— Que Deus o abençoe. E nos dê um Bom Lugar quando partirmos daqui — respondeu o homem já com a mão abaixada.

— Está me rogando praga, seu estrupício? — indaga Arnaldo, com ar de superioridade.

O silêncio reinou por alguns segundos. As pessoas presentes se entreolharam, atônitos com tamanha falta de empatia daquele senhor bem vestido, sapato de couro fino, e de chapéu branco.

O olhar frio de Manoel, que é paralítico desde a infância, denota sua grande decepção nas palavras daquele senhor rude. Ele tenta esfregar sua mão suada e suja de graxa no calção desbotado. A graxa é o resultado do problema que teve mais cedo com a catraca da cadeira de rodas que o ajuda a se locomover até a entrada daquele banco. Manoel da Silva, além de paralítico perdeu uma das mãos trabalhando em uma serralheria ainda jovem. Recebe uma mísera aposentadoria. Verdade seja dita, o ajuda bastante, mas não chega a arcar com despesas de medicamentos que necessita diariamente.

Arnaldo Filho é dono da Casa “Arnô Drinks”, recinto ainda bastante frequentado atualmente, mas muito mais badalado em época pretérita aqui na cidade de Encanto da Madre, quando seu pai era um dos maiores empreendedores no ramo de prostituição. Tendo inclusive respondido a vários processos antes de morrer devido ao uso de menores em seu prostíbulo.

— Hoje esse imundo fica “pagando” de trabalhador, pensou uma pessoa que estava na fila do caixa eletrônico.

— Só falta agora dizer que é defensor dos bons costumes e da família — cochichou um outro cidadão ao seu vizinho de fila.

— Talvez até diga que é patriota — asseverou um jovem rapaz, de porte “armário fitness”, em voz alta.

— Arnaldo olhou para quem falava, enfiou o rabo entre as pernas e foi embora.

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Manoel encerrou o dia contente. Conseguiu arrecadar quase R$ 300 reais na entrada do banco. A benevolência dos clientes após tanta indelicadeza de Arnaldo já fizera  esquecer do triste episódio. Não consegue guardar rancor. A única coisa que pensa agora é passar na padaria e comprar pães. Sua esposa e seus dois meninos pequenos o esperam em casa com uma sopa bem quentinha.

— Amanhã é um novo dia. Obrigado, Deus!

Escrito por Túlio Ratto

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