— Pintando a essa hora?
— Pois é. Cá estou. Quando dá aquele estalo no juízo, no meio da noite, no meio do nada, do nada, é preciso tentar colocar em prática. Quem lida com arte, literatura, sabem bem do que estou falando. Daí levantei, vai que rola algo legal?! E você, o que fazes zanzando tão tarde pela casa, perdeu o sono?
— Desci para tomar um pouco d’água. Mas voltemos ao estalo. Achei interessante você falar nesse processo criativo. Você acha que isso é normal em uma pessoa, digamos, comum?
— Acho que sim. Lembro de ver minha mãe falando que ao sair de casa, durante o percurso, ela resolvia tomar um caminho diferente dos costumazes. Mudava a rota, assim, do nada. Ocorria de ela querer variar. Penso ser esse estalo a voz de um anjo guiando-nos a um caminho ou mesmo um desfecho interessante.
— Um bonito exemplo. E, pensando bem, lembro de já me ocorrer alguns sinais desse tipo. Certa feita, eu ainda bastante jovem, um namorado, daqueles “arrumado” na balada, queria escapar daquela muvuca toda, “ir a um lugar mais calmo”, segundo ele. Me incentivando a beber, beber… Aquela historinha de sempre, que todos conhecem. E eu finquei o pé com e dei-lhe um estridente não. Inclusive, nesse momento, quase fui agredida. Aí, meu filho, é que não rolou nada mesmo, me afastei dele no restante da festa.
— Mas isso já não é um estalo. É cuidado. Você foi muito cuidadosa e corajosa. O problema é que agora estamos em um tempo carregado de coisa ruim, tenebroso. Nem preciso dizer que a mulher sempre enfrentou isso tudo, né? Mas, você está ligada que esses tipos possessivos, trogloditas estão cada vez mais fáceis de detectá-los no nosso meio?! Posso te contar o nome de vários amigos da gente aqui de casa que são assim.
— Eu não queria te dizer, mas isso está mais próximo do que você imagina. Você não sabe, ninguém sabe, e eu não queria falar, porém o seu irmão tem me maltratado bastante.
— Hã? Ele bate em você?
— Violência psicológica, moral, Fernando — Elza o encara enfezada. O “bom”, entre aspas, é que os homens só imaginam que a violência é quando há agressão física, né? — complementa.
— Não. É que acho vocês tão normais, discretos. Sei lá! Agora fiquei encucado. E decepcionado, diga-se — retruca Fernando.
— Você não sabe, também não deixo transparecer. Até por morar aqui na casa dos seus pais, evito que eles fiquem chateados por isso. Mas a verdade é que seu irmão me agride psicologicamente, moralmente, insinuando, inclusive, que tenho outro homem; e sexualmente — quando chega bêbado, abusa quando quer que eu me submeta aos seus desejos — desabafa Elza.
— Você deveria denunciá-lo. Não é que porque é meu irmão que vou passar a mão na cabeça dele. Esqueça que mora na casa dos sogros. Isso não tem cabimento — Fernando para de olhar para a tela e a encara, talvez querendo encorajá-la.
— Deus me livre. Seus pais não merecem isso!
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— O que vocês estão conversando aí? Não me diga que está tendo um caso com meu irmão, sua vagabunda? — brada o marido enquanto desce as escadas cambaleante, alcoolizado.
No atelier, um soco nocauteia o bêbado agressor de mulher. O irmão, que o socou, fez a gentileza de levar a esposa violentada a uma delegacia. Dando-lhe a chance de denunciar o marido agressor.
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Coragem. Não se cale. Um dos instrumentos mais importantes no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres é a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. Esta lei, define e tipifica as formas de violência contra as mulheres, podendo ser física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
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