Nada como sentar na calçada no finalzinho da tarde e sentir a poeira levantada pelos pivetes jogando bola na rua. A gorduchinha, diria o narrador Osmar Santos, sofre com os pernas de pau do time da Rua do Pi. Os irmãos Antônio e Luiz, que moram na Alameda Alexandre Silva, esses, sim, sabem o que fazer com a bola. Infernizam o time dos “sem camisas”, a zaga adversária sofre.
Nem na folga esses moleques descansam. Ri, seu Carlos, balançando a cabeça negativamente, mas com enorme orgulho no olhar.
Carlos Santos é dono do time Botafogo do Salto da Onça, do bairro da Consolação, na capital. Salto da Onça é um nome carinhoso que deram à rua onde Carlos mora desde moleque. Dizem que seria porque onças apareciam durante a madrugada em tempos pretéritos.
Na semana passada conseguiu trazer um olheiro pra ver esses meninos jogando. Mas, ainda não deram resposta se vão aproveitá-los em algum time da série D daqui. Com a escolinha de futebol do Botafogo, o técnico amador e autodidata Carlos apoia as crianças necessitadas do bairro. Mesmo precariamente, reconhece, consegue roupas e alimentos para esses jovens, que sonham um dia em ser gente. E ainda é um grande “fiscal” dos estudos da criançada que treina três vezes por semana no campinho de Nazaré, antiga estação ferroviária.
— Um dia eu vou ser gente, pai! — dizia Josué, filho de Carlos.
— Eu sei que vai, meu filho. Eu sei! — falava pelo coração de pai e certeza de técnico.
Josué sempre foi bom de bola, e jogando com os irmãos Antônio e Luiz formava um trio que mais dia, menos dia, faria o velho Osmar gritar sem parar o velho bordão: “Tiro-lirolá Tiro-lirolí”, “e que GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL…” — vibra, enquanto a bola levantada na área encobre o goleiro.
— Foi sem querer! Foi sem querer! — grita de longe um jogador.
Ele ri.
— Hora de ir pra casa, meninos! — diz.
A noite chegou. Como sempre, aguarda o programa sobre futebol, “A turma de Ouro do Esporte”. Sempre às oito, em uma cadeira de balanço, com uma perna dobrada apoiando na extremidade do assento, e um radinho próximo ao ouvido.
— Não tenho dúvidas, Semíramis, nosso filho vai ser craque — enchia-se de orgulho.
Semíramis, esposa de Carlos, faz diariamente o lanche dos meninos que treinam com o esposo. São quinze pestinhas que lhe enchem de alegria. Prepara a carne moída e coloca nos pães, uma doação do seu Canindé da padaria. E ela faz com muito gosto, e ainda lava o uniforme do time principal quando o treino termina.
— Não deixemos esses meninos perderem a fé, Carlos. Não aceito isso — dizia ela quando encontrava o marido cabisbaixo, em dias de incredulidade e tristeza, como hoje.
Ele a segura pelo braço, dá um sorriso agradecendo a força da esposa, mas não consegue segurar aquela lágrima, de uma história cheia de esperança tão presente. Josué faleceu há quase um anos, fora acometido por leucemia, não resistindo a um transplante de medula, mas ele continua trabalhando para que esses meninos sejam gente.
Comentários
Carregando...