Sobre

A ESTRELA, O DOUTOR, O FÃ

Foto: Canindé Soares

Somente aos 17 anos descobri minha vocação para a medicina. Antes, nunca havia proferido a frase que boa parte das crianças diz logo cedo,  quando crescer vou ser médico. Com 67 anos de idade e 42 de profissão, procuro fazer o meu trabalho como se fosse o primeiro dia, com disposição, ética e humanismo.  Às vezes, não é fácil, porque lidamos com seres humanos, com todo tipo de comportamento numa sociedade competitiva, consumista, desrespeitosa e egoísta mas, quase sempre vale a pena.  

Tive alguns clientes importantes entre políticos, empresários, intelectuais, artistas mas o grosso de minha clientela sempre foi feita de pessoas simples, humildes e, com o perdão dos demais, é com quem mais eu me identifico.

A profissão nos reserva surpresas, algumas agradáveis e, infelizmente, às vezes desagradáveis, mas o saldo é bem positivo. Ser médico é um privilégio.

No dia  3 de fevereiro de 2020, por volta das 16 horas, entrou em meu consultório uma velhinha de 94 anos, bastante maltratada pelo peso da idade, com as curvas das linhas do sofrimento estampadas no rosto, curvada, andando com muita dificuldade e auxiliada por um tipo de bengala e por uma pessoa que se tratava de seu neto. Chamava-se Maria de Oliveira Queiroz.

– Ai doutor, me ajude!

Foi debulhando então um rosário de queixas que incluíam praticamente todos os aparelhos e sistemas, problemas ósseos, gástricos, intestinais, neurológicos, dores diversas. Enquanto ela falava, meus olhos não desgrudaram de seu rosto e depois de tê-la chamado por duas ou três vezes de D. Maria, eu a reconheci e mudei o tratamento, ela era Glorinha Oliveira, o Rouxinhol Potiguar, a maior cantora que o Rio Grande do Norte já teve.

– Glorinha, a partir de agora, vou chamá-la pelo seu nome artístico, eu sou um amante da boa música, eu sou seu fã, eu tenho seus cds autografados e estive em shows seus. É uma honra atendê-la e espero poder ajudá-la.

A partir daí, foi uma conversa não apenas técnica mas entre amigos e ainda tive o prazer de abraçá-la  ao final da  consulta pois àquela altura, a pandemia do Covid ainda não havia começado.

Solicitei uma Endoscopia digestiva alta que ela ficou de fazer e retornar e saiu um pouco mais feliz do que entrou.

Ao chegar em casa tirei da estante o cd Glorinha Oliveira entre amigos e ouvi Mulata Rosinha, uma das mais belas canções de seresta que eu conheço em sua voz límpida e perfeita. Guardei o encarte na bolsa que conduzo para o trabalho para mostrar-lhe a relíquia autografada no dia 19 de março de 2003. Carreguei o encarte por mais de um ano, o tempo passou, veio o Covid e ela não voltou.

Glorinha Oliveira foi nossa maior estrela na era de ouro do rádio, um ídolo com fã-clube. Encantou gerações, mas como permaneceu radicada em Natal numa época em que não tínhamos estúdios de gravação, deixou poucos registros de sua bela voz. Recusou convites para morar no sul-maravilha e virar um nome nacional. Foi, além de cantora, rádio-atriz, produtora, compositora.

A velhice pode ser dolorosa, difícil,  humilhante e ela o foi para a notável Glorinha Oliveira. Em 23 de fevereiro de 2001, depois de muito padecimento, ela nos deixou e fica a saudade e ficam os belos registros de sua voz.

Escrito por Damião Nobre

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