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O MUNDO É UM MOINHO

Na edição anterior da Papangu tratei do tema de falsas histórias que circulam nas redes sociais espalhando falsas versões de como teriam nascido certas canções, versões falsas. Volto ao tema para analisar duas versões que circulam a respeito de um dos maiores clássicos de nosso cancioneiro, a composição O MUNDO É UM MOINHO, de Cartola.

A canção em voga é um dos maiores clássicos de nossa música conhecida e cantada por gente de todas as idades, na beira da praia e nos bares e tem dezenas de gravações, como do próprio Cartola, Beth Carvalho, Ney Matogrosso, Cazuza.

Ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida, já anuncia a hora da partida sem saber mesmo o rumo que irás tomar são os versos iniciais de uma bela letra que funciona como uma espécie de conselho a uma jovem, que como toda jovem, tem sonhos e ilusões que podem resultar em pesadelos.

Cartola, apesar de não ter estudo, era um grande letrista, um artífice da palavra e seus versos chegam a ser comparados aos dos nossos grandes poetas como Carlos Drummond de Andrade e Olavo Bilac e as versões que circulam informam que ele teria feito a música para uma filha que estaria se prostituindo ou iniciando um relacionamento com um homem em quem ele não tinha confiança e eu não acredito em nenhuma das versões. Nem sempre o poeta necessita de um fato para escrever sua obra.

Vamos aos fatos! Cartola nasceu em 1908 e aos 20 anos compôs seu primeiro samba, CHEGA DE DEMANDA, para o desfile da Mangueira, escola de samba que ele tinha sido um dos fundadores.  Àquela época, vivia com sua primeira mulher, Deolinda, com quem não teve filhos. Há informações de que seria estéril mas em 1937 o casal adotou uma afilhada de Deolinda de nome Creuza, que ficara órfã de mãe. Diz-se então que a canção teria sido composta para ela mas os registros dão conta de que a composição data de 1976, quando Creuza já tinha 49 anos, casada e cantora. Nessa época, Cartola vivia seu segundo casamento com Dona Zica, com quem também não teve filhos.

A primeira gravação de O MUNDO É UM MOINHO é exatamente de seu autor, que gravou seu primeiro disco em 1976 pela gravadora Marcus Pereira, contando inclusive com a participação da filha adotiva Creuza cantando ENSABOA. Era de se esperar que se a canção tivesse sido composta para ela, o artista dividisse exatamente com ela a interpretação, o que não acontece, pois o samba que ele interpreta é outro e, na ficha técnica nada consta sobre a origem da composição.

Poderia ter ocorrido de Cartola haver composto a música muito antes e só a registrado em 1976 mas isso é pouco provável pois, vivendo no ambiente de boemia em que vivia, a composição não teria passado despercebida e teria sido gravada ou vendida como ele fez com alguns de seus primeiros sucessos como DIVINA DAMA e QUE INFELIZ SORTE.

Assim, O MUNDO É UM MOINHO deve ser mais uma daquelas canções que não se baseiam em um fato concreto como outras de sua lavra como a também célebre AS ROSAS NÃO FALAM e somente na inspiração do poeta e compositor, que era um verdadeiro gênio.

Como diz Fernando Pessoa em seus versos, o poeta é um fingidor, finge tão completamente que às vezes finge que é dor a dor que deveras sente.

Arte: Brito e Silva

Escrito por Damião Nobre

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