— Sua aspirina, seu Augusto.
— Muito obrigado, Aurora.
— Veja, seu Augusto, Victor acaba de receber uma caixa de chocolates, presente da namorada. Que coisa romântica! Nunca recebi nem flores dos meus namorados, imagine chocolates.
— Realmente, Aurora, a namorada de…
— Victor, seu Augusto. Aquele outro balconista.
— Em verdade, nesse tempo todo como cliente desta farmácia, só gravei o seu nome, Aurora.
Ao tempo em que Augusto se dirigia ao caixa para fazer o pagamento da aspirina, ouviu Aurora aconselhar Victor, com dedo em riste:
— Victor, preste atenção: essa sua namorada é muito especial. Serei vigia dela; você está proibido de tirar cabimento com as clientes que passam por aqui, jogando charminhos… Estou de olho, ouviu? — disse, levando o dedo indicador a esticar-lhe a pele abaixo de seu olho direito.
Augusto, sessentão, viúvo, inventava, quase que diariamente, pretexto para ir àquela farmácia e ser atendido pela musa Aurora. Sem nunca ter havido a oportunidade de revelar à balzaquiana aquela veneração. Naquele momento, vislumbrou, no gesto da namorada de Victor, uma ousadia que poderia ser, também, por ele cometida: enviar-lhe flores.
— Flores ou chocolates? — murmurou por quase toda a noite.
Outra dúvida que lhe martelou o juízo: mandaria anonimamente ou assinaria um cartão que, certamente, acompanharia o regalo?
Enfim, na manhã seguinte, rumou em busca de uma floricultura, carregando consigo uma caixa de finos chocolates. Isso mesmo, decidiu pelos dois.
Agiu de forma meticulosa, escolhendo as flores, o horário de entrega e outros detalhes. Cacoetes incorporados, naturalmente, à rotina de quem trabalhou por mais de três décadas como bancário da Caixa Econômica. Em verdade, a situação era diversamente oposta ao método das partidas dobradas: naquela hora o raciocínio não poderia ficar sob delimitada equação conceitual que lhe era familiar: “cada débito corresponde um crédito de igual valor…”. Situação que rumava em outra dimensão: galanteio, conquista, temas aos quais Augusto havia se distanciado ao longo dos quase quarenta anos de matrimônio.
A viuvez estava levando-o a uma espécie de nova adolescência, ele bem desconfiara. E entendia que hábitos, comunicação e linguajar estavam mudados. Tudo mudara:
— Como irei criar “perfil” para navegar nas redes sociais, se o que aprendi no manuseio do aparelho celular foi somente ligar para minha filha e perguntar por Augusto Neto?
Após o anônimo envio, Augusto, propositadamente, deu um intervalo de um dia para ir à farmácia, a fim de conferir a reação de Aurora.
— Seu Augusto, estava doida para comentar algo com o senhor. Lembra que Victor recebeu os chocolates da namorada? Pois bem, comentei com o safado do meu paquera; e ele, descaradamente, comprou flores e chocolates e mandou para mim, sem assinar o cartão. Pensando ele que eu não iria deduzir tal esperteza. Cabra besta, não é não? Mas, ele não imaginava que eu faria uma cena de ciúmes: mostrei a ele as flores e os chocolates, dizendo que fora presente de algum cliente e fã.
Depois do comentário, Aurora deu uma gargalhada; e Augusto apenas perguntou se ela dividira algum dos bombons com o “paquera”.
— Ora, ele voou em cima, dizendo que “tinha direito à metade”, já que era meu namorado. Namorado? Ele não se enxerga. Paquera e ponto. E foi o único que eu arranjei depois que me separei do safado do meu ex. Mas, está bom, pelo menos ele ouviu a história e tentou imitar ação da namorada do Victor.
Augusto fez ar de riso e balançou a cabeça concordando com Aurora. Pagou o medicamento e desejou-lhe boa tarde, no mesmíssimo tom cordial.
Rumou à cafeteria para completar a rotina da caminhada, que incluía um café expresso.
— Hoje, além do café, gostaria de um conhaque. Macieira, por favor.
De soslaio, Augusto percebeu um certo ar espanto da moça que o atendera. Não se fez de rogado:
— Outro café e mais um conhaque, por gentileza.
*David de Medeiros Leite – Professor da UERN e Doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Caro Prof David, Parabéns pela excelente crônica de Aurora/Augusto. Talvez lembre de nossas conversas na FAPERN. Grande abraço. Seu assíduo leitor. Abs, Karl Mesquita Leite.
Brigado, Karl Mesquita Leite… Sim, lembro de nossas conversas na FAPERN… Abraços