Capim-limão, malva, tansagem: plantas medicinais cultivadas por seu Augusto na estreita varanda do apartamento. Esmero total no manuseio, desde regá-las diariamente, não esquecendo banho de sol e revolver a terra dos pequenos vasos para aplicação de húmus, quando necessário.
Húmus de Minhoca, anunciava o letreiro em discreta placa, observada por seu Augusto, em suas caminhadas matinais, no frontispício de uma estreita, porém colorida, residência. Porta e janela compunham a fachada daquela morada.
Na primeira vez, não percebendo existir campainha, nem aldrava, bateu palmas e, não sendo atendido na espera razoável, usou cabeças das falanges proximais, atritando-as em toques na madeira da porta. Funcionou:
— Bom dia! O senhor é carteiro ou deseja comprar húmus? — perguntou-lhe a senhora com cabelos desalinhados, porém exibindo alegria no sorriso.
— Não sou carteiro. Desejo comprar húmus de minhoca. A produção é própria ou a senhora apenas revende?
— Imagine! A produção é própria. Quer conhecer meu pequeno quintal? — falou escancarando a porta e apontando em direção a um estreito corredor, contíguo à saleta vestibular.
— Não, não. Gostaria apenas de saber se há embalagens de um quilo.
— Um, cinco ou dez quilos. Vivo só, mas a produção é intensa. — disse voltando a sorrir.
Augusto saiu com pacote de um quilo de húmus de minhoca, rumando ao seu apartamento, feliz com a compra e por haver sido possível adquiri-lo aproveitando suas caminhadas.
Regressou àquela casa-comércio, para realizar a mesma compra em intervalos aproximados de um mês. A demora da proprietária em atender era recorrente.
Lá pela terceira vez, Clotilde terminou por explicar o porquê da morosidade.
— Augusto, não diga a ninguém, mas tenho problema de audição, e, estando trabalhando lá no quintal, às vezes não escuto as batidas na porta. Vamos fazer o seguinte: da próxima vez se eu demorar atender, pode abrir a porta e me chamar, que escutarei e virei rápido. A porta fica sempre só encostada — segredou conferindo em rápidas miradas laterais se alguém estava por perto.
— Dona Clotilde, seria incômodo abrir sua porta.
— Clô, já lhe pedi que me tratasse assim. E nada de incômodo, abra a porta e pode chamar.
Semanas seguintes, Augusto precisando de húmus, percorreu o caminho que já lhe era familiar. Seguiu os procedimentos acordado: bateu palmas, tocou com os dedos, esperou uns minutos, e abriu a porta para chamar Clotilde (Ele não conseguia pronunciar Clô).
Deparou-se com uma inusitada cena na saleta: Clotilde estava deitada no piso com as pernas levantadas e, em meio às pernas, um indivíduo, com nádegas expostas, fazia movimentos pélvicos. Augusto, lívido, fechou a porta lentamente.
Ainda na calçada suspirou e, com a cabeça confusa, percebeu uma motocicleta estacionada, associando-a ao vermelho capacete que vira instantes antes ao lado do casal; deduzindo que o visitante seria motoboy.
— “Motoboy”?! Não. Isso é preconceito, o rapaz pode exercer outra profissão e utilizar a moto como veículo ou mesmo a possuir por hobby, ora bolas — reconsiderou Augusto.
No caminhar de regresso, digladiavam em seus pensamentos a fortuita cena e a emergente preocupação em localizar um outro estabelecimento que vendesse o orgânico húmus, tão precioso às companheiras de varanda. Também ruminou sobre o que iria fazer assim que chegasse em seu lar, doce lar: uma automassagem, utilizando, abundantemente, o aromático óleo de capim-limão, cujo manuseio do fabrico era por ele engendrado, sorvendo em seguida chá de malva ou tansagem — o que fosse mais eficaz no processo de relaxamento de que estava necessitando.
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