O carro avança pelas ruas da cidade e a saudade que me invade é sem-par. Meus olhos saltam de ruas e prédios enquanto a lembrança de bons momentos vem galopante. O apartamento em que morei, o mercadinho da esquina, o bar sob as mangueiras, aquele restaurante que nem existe mais onde ouvimos Silvinha e Angolano… As memórias se atropelam e se cruzam com o desejo de novas histórias, lugares, instantes.
Tem sido muito difícil estar no atual Brasil e viver uma pandemia de uma doença tão singular ao mesmo tempo. Um eterno cada um por si ou dane-se, escolha. Estar vivo parece ter que bastar, independente do como.
Prometi a mim mesma não pensar sobre a Covid-19 e tudo a que ela remete, mas é impossível calar sobre um dos piores períodos já vividos. Sei que para alguns parece não haver motivos para pânico mesmo quando a realidade nos espanca todos os dias. Aqueles que preferem desdenhar da vida e da morte de mais de 360 mil brasileiros não são dignos de serem chamados de gente, e espero que, um dia, paguem pela falta de humanidade.
Enquanto uns negam e distorcem a verdade das coisas e das pessoas, as redes sociais mostram o medo e desespero de quem está doente ou perdeu algum ente querido para o coronavírus ou não tem o que comer. São tantas e tão pungentes as publicações que parece que estacionamos todos num grande obituário. “Meus sentimentos”, “lamento muito”, “triste” nunca foram expressões tão frequentes e ainda mais doídas porque poderiam ter sido evitadas.
No arrastar dos dias, a rotina se estabelece. Máscaras, álcool, distanciamento, aulas online, trabalho doméstico, luto, tristeza e o cuidado para que a convivência extrema e forçada não deixe ninguém pelo caminho. Manter-se são nunca foi tão difícil.
Tento parar um pouco os pensamentos e volto a olhar a paisagem. Gente nas ruas, nos carros, ônibus e bicicletas, alguns caminham, os pedintes parecem brotar em canteiros e semáforos. Crianças sem infância tentam equilibrar laranjas num triste arremedo de malabares. Famílias inteiras estendem as mãos em busca do hoje, quiçá um amanhã.
Olho pro céu azul porque me dói menos. Respiro fundo e recordo uma querida amiga que com sua voz triste fez questão de me lembrar de que não sou uma pessoa desanimada e que se entrega. É como disse a escritora Nélida Piñon numa antiga entrevista: “Não sou uma mulher dada a infelicidades”. Nunca fui.
A voz de meu companheiro me tira dos pensamentos. Falo da vontade de sair por aí, da saudade de amigos e lugares e o que chamamos de nossas aventuras. Ele sorri concordando e eu tenho a absoluta certeza de que não estou só.
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